Vamos
hoje estudar princípios, e
amanhã vamos terminar a matéria da primeira prova. Não deverá haver
revisão. O
professor deixará a reposição da ausência anterior para a segunda parte
da
matéria. Amanhã vamos resolver, também, o que fazer na semana que vem,
já que a
prova é daqui a duas, e a matéria acabará antes da prova.
Agora
vamos estudar a base da
teoria geral dos recursos: os princípios.
Dão a ideia de início. Esse início da teoria geral dos recursos é cheio
de
exceções, e, com o novo Código de Processo Civil, isso mudará um pouco.
Parece
um estudo um pouco desnecessário, em função de não serem muito
respeitados. Mas
algumas respostas e soluções para os problemas que surgem na aplicação
do
Direito estão exatamente nos princípios.
Outra
coisa: podemos encontrar
nos livros alguns princípios fora destes aqui, mas serão muito
excepcionais. Os
aqui presentes representam efetivamente a base da legislação e a teoria
geral
dos recursos.
Vamos
começar.
Princípio da taxatividade
Quando
dizemos que algo é “taxativo”,
o que se quer dizer é: “é isso, e
somente isso”. Só são recursos aqueles instrumentos
jurídicos processuais direcionados contra uma decisão judicial visando
ao seu
reexame os que a legislação assim
determina. A legislação é taxativa: “são recursos estes
institutos”, o que
significa que não se podem criar recursos por jurisprudência ou por
criatividade da parte. Art. 496 do CPC:
Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação; II - agravo; III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário; VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. |
Uma pergunta: de quem é a competência legislativa para criar recursos? Da União, dos estados, dos municípios? Somente da União, que é o ente federativo que tem a competência privativa para legislar sobre direito processual. Constituição:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] |
Para
legislar sobre procedimento, é
concorrente a
competência da União e dos estados (art. 24, inciso XI da Carta). Raras
são,
entretanto, as regras procedimentais estaduais.
O
Estado de Santa Catarina criou
um recurso interno, só daquele estado. Foi declarado inconstitucional.
Cuidado
para não confundir, incluindo na ideia de taxatividade a questão da
competência
privativa. A lei dos juizados (Lei nº 9099/95), por exemplo, é federal,
e criou
um novo recurso, o chamado recurso inominado do art. 41 da LJE:
Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado. |
Sucedâneos recursais
Apesar
da taxatividade, existem
os chamados sucedâneos recursais. Pelo próprio nome, o que quer dizer?
Fazem-se
às vias de recurso, mas não são recursos. São institutos para atacar
uma
decisão judicial, mas não são nem recurso propriamente dito, nem ação
autônoma
de impugnação.
Não
são recursos em si, portanto
não estão sujeitos à teoria geral dos recursos. De repente, por meio de
um
sucedâneo recursal pode-se conseguir o que se queria com um recurso,
se, por
acaso, naquela ocasião este não era cabível. Como sabemos, é cabível,
em regra,
somente um recurso para cada tipo de defeito de decisão.
O
primeiro sucedâneo recursal é o
pedido de reconsideração. Estudamos
o juízo de reconsideração, que é a possibilidade do juízo
a quo voltar atrás em sua decisão. Em regra, a alteração de
uma
decisão judicial caberá ao juízo ad quem.
Ele que analisa a pretensão recursal, enquanto o juízo
a quo faz somente o juízo de admissibilidade. Se o juízo a quo pode voltar atrás, significa que
ele está reconsiderando a decisão.
Essa mudança de posicionamento, quando a
lei permite, foi criada na praxe forense. A parte manifestará
a seguinte
ideia: “Excelência, já que a lei permite que volte atrás, faça-o por
estas
razões?” E apresenta o pedido de reconsideração.
E
se o juízo voltar atrás? A
pretensão foi satisfeita sem a necessidade de interpor um recurso. Caso
o juízo
não aceite o pedido de reconsideração, aí sim recorre-se.
O
pedido de reconsideração não
tem forma, preparo, prazo, porque não está dentro da teoria geral dos
recursos.
É feito em paralelo. Entretanto, note um exemplo: o pedido de
reconsideração não suspende e não interrompe
o prazo
recursal. Aquele que confia no pedido de reconsideração
assume o risco de
sofrer com a preclusão temporal.
O
que algumas pessoas fazem,
quando possível, é pedir a reconsideração e, caso não considere, que se
receba
o pedido como recurso tal. Aí sim a parte se garante em relação ao
prazo. O pedido
de reconsideração não gera preclusão consumativa.
Esse
foi o primeiro sucedâneo
recursal.
O
segundo é a reclamação. Hoje,
diante da Súmula
Vinculante e das decisões do Supremo com repercussão geral, e em face
da ideia
de coletividade do processo, a reclamação ganhou uma força fundamental.
Pena
que não faz nossa parte de nossa matéria. Existe uma disciplina à parte
chamada
“Processo nos Tribunais”, optativa.
Prestem
atenção na reclamação,
pois é mais importante ter ouvido falar algo do que não ter ouvido
falar
absolutamente nada. Não estudamos aqui, mas vejam esta pequena
demonstração do
instituto.
Basicamente,
a reclamação é
direcionada aos tribunais superiores, ao Superior Tribunal de Justiça e
ao
Supremo Tribunal Federal. Têm, entretanto, sido admitidas nos Tribunais
de
segunda instância. Servem para duas coisas:
1
– Preservar a competência de um determinado
tribunal. Impetro mandado
de segurança contra ato de Ministro de Estado. Impetro-o no Tribunal
Regional
Federal da 1ª Região. O desembargador admite e concede a liminar. Mas
quem, na
verdade, é competente para analisar mandado de segurança contra ato de
Ministro
de Estado? O STJ. O que pode fazer a União, representando o Ministro em
juízo?
Recorrer do ato, alegando nulidade. Ou,
se preferir, ajuizar reclamação
perante o STJ. A essência da interpelação é “STJ, sua competência foi
usurpada!” Isso não é um recurso. A Corte Superior pode conceder a
liminar e
afastar a decisão proferida pelo TRF. Fez não mediante recurso, mas
mediante
reclamação. Verbo correto: ajuizar, justamente porque a reclamação tem
caráter
de ação.
2
– Preservar a autoridade da decisão dada pelo
tribunal. Essa é a mais
comum. É importante a Súmula Vinculante por quê? Hoje, pela Súmula
Vinculante
11, o uso das algemas é restrito. Essa decisão, de efeito erga omnes, vincula todo o Poder
Judiciário brasileiro. Um juiz de
primeiro grau profere
decisão determinando o uso das algemas sem restrição. O que pode a
parte fazer?
Ajuizar uma reclamação diretamente no Supremo Tribunal Federal. Alega o
desrespeito a uma decisão de efeito erga
omnes da Corte Suprema. O STF deverá afastar a decisão do
juízo de primeiro
grau para fazer valer sua decisão anterior. Claro que não cabe
reclamação no
Supremo fundada em descumprimento de posicionamento dado em litígio de
particulares, que só tem eficácia inter
partes. Ou no próprio processo da própria parte, quando o
juiz desrespeita
uma decisão proferida por tribunal superior naqueles autos. Exemplo:
Tribunal
de Justiça dá provimento a recurso de agravo contra decisão que
indeferiu a
produção de prova pericial num processo que tramita na primeira
instância, e
determina que o juiz de primeiro grau proceda à produção da prova. Os
autos
voltam ao primeiro grau, mas o juiz, ainda assim, se nega a permitir a
perícia.
Neste caso, cabe à parte ajuizar reclamação junto ao TJ, que
determinará, por
si mesmo, a realização da perícia, afastando a decisão de primeiro grau.
Repercussão
no caso da Lei Ficha
Limpa: pode-se recorrer ou ajuizar reclamação. Abrevia-se o caminho
para a
satisfação da pretensão de ver respeitada a decisão do tribunal
superior e
vai-se direto à fonte.
Ainda
existe discussão sobre a
natureza jurídica da reclamação. Alguns autores alegam que é uma
petição
inicial. Não há preparo, mas há custas, com outro nome.
Terceiro
sucedâneo recursal é a remessa necessária,
que já estudamos.
Quarta:
as ações autônomas de impugnação,
que também já vimos! O que são
mesmo? Institutos que se dirigem contra uma decisão, mas formando nova
relação
jurídica processual. A mais conhecida é a ação rescisória. Mandado de
segurança
e embargos de terceiros são outros exemplos.
Encerramos
o princípio da
taxatividade.
Princípio da singularidade
Tem
maior ênfase em primeiro grau. Há
muitas exceções nos
tribunais que até nos complicam. Mas vamos ao primeiro grau. Contra cada tipo de decisão judicial, só cabe
um tipo de recurso. Também chamado de princípio da
unirrecorribilidade ou
unicidade. Quais as decisões que temos? Sentenças, decisões
interlocutórias,
decisões monocráticas e acórdãos.
Nos
tribunais esse princípio não
é muito sólido porque contra acórdãos cabem múltiplos recursos. Contra
um
acórdão de um Tribunal de Justiça pode ser interposto embargo de
declaração,
recurso especial e recurso extraordinário. O princípio da singularidade
é bem
sólido para o primeiro grau, entretanto. Só temos dois tipos de
decisões
judiciais no primeiro grau, que são as sentenças e decisões
interlocutórias.
Para a primeira, cabe apelação; para as segundas, temos o agravo. Não
se
preocupem ainda com o recurso cabível.
Proferida
uma sentença com trinta
partes envolvidas no processo, 25 autores e 5 réus. Se as trinta partes
quiserem recorrer, o recurso cabível será a apelação, e o ato judicial
é um só,
e contra ele caberá o mesmo tipo de recurso. Não podemos dizer que, em
determinado processo em primeiro grau, cabe apelação e agravo contra o
mesmo
ato judicial. O ato é visto como um só quanto ao processo todo.
Essa
é a ideia da singularidade.
E
se decididas várias questões? O
juiz retardou o julgamento do processo por longo tempo. Indefere a
tutela
antecipada, rejeita a impugnação ao valor da causa, indefere o pedido
de
assistência judiciária gratuita e analisa e julga procedente o pedido.
Num
mesmo ato judicial o juiz decidiu várias coisas. Se pudéssemos dividir
a
decisão em capítulos, caberia um recurso para cada parte. Mas que
decisão é
essa? Sentença! Julgou o processo, pôs fim a ele. E agora, como
recorrer, já
que o juiz decidiu coisas que, em tese, seriam incidentais? Não
importa; as
questões estão dentro de um conjunto maior que é o julgamento do feito.
O
recurso interposto é um único, contra o ato inteiro: apelação.
Devemos
analisar o ato por
inteiro para determinar o recurso cabível. Não pensem em agravar de uma
parte,
apelar de outra.
Isso
tudo mais no primeiro grau,
pois nos tribunais há inúmeras exceções, que vamos estudar quando
virmos os
recursos de per si.
Princípio da fungibilidade
O
que é mesmo um bem fungível
mesmo? Aquele que pode ser substituído. É essa a ideia aqui: a
substituição de
um recurso por outro. A parte interpõe um recurso inadequado para
aquela
situação jurídica, em que deveria interpor apelação, mas interpõe
agravo. Se
preencher os requisitos de admissibilidade corretos, o recurso será
conhecido
como o correto. Isso é a fungibilidade. A parte erra, mas mesmo assim
seu
recurso é conhecido.
Por
que é conhecido? Não será em
qualquer caso. É uma exceção, e vamos ver as hipóteses.
Há
pessoas que sustentam que o
princípio da fungibilidade é desnecessário, pois hoje em dia ninguém
mais erra,
já que os requisitos de admissibilidade são específicos. Mas não é bem
assim.
Uma das hipóteses é, portanto, a dúvida.
Essa
possibilidade da troca de um
recurso errado pelo certo tem previsão legal? Está no Código de
Processo Civil?
Não. Na verdade, no CPC de 1939, quando nacionalizou-se o Código (antes
daquele
ano cada estado criava sua própria legislação processual), e depois em
1973,
Alfredo Buzaid escreveu na exposição de motivos que não deveria mais
haver
dúvida porque os dispositivos legais estavam claros. E suprimiu a
previsão
legal da fungibilidade, que existia no Código de 39.
Previsão
legal expressa desse
princípio, portanto, não existe mais. Sua aplicação, portanto, é
buscada nos
princípios. Onde mais? No Código de Processo Penal há a possibilidade
de se substituir
o recurso. Alguns fundamentam pelo CPP.
No
Código de Processo Civil,
também, como vimos o princípio da instrumentalidade das formas, deve-se
dar
mais valor ao conteúdo em si do que à forma. Prestigia-se o conteúdo em
detrimento da forma.
O
que precisamos saber é que o
princípio da fungibilidade tem aplicação, mesmo não tendo previsão
legal
expressa. Seja buscando os princípios, seja buscando o Código de
Processo Penal
¹
Requisitos
para aplicação do
princípio da fungibilidade:
Último
tópico dentro do princípio
da fungibilidade: a aplicação do princípio precisa de requerimento da
parte ou
é aplicada de ofício? De ofício. Independe de provocação da parte. Nada
impede,
todavia, que a parte requeira.
É
um princípio de dinâmica aplicação,
pois as dúvidas vão sendo resolvidas com o tempo. O princípio da
fungibilidade
perde a aplicação à medida que as dúvidas vão sendo resolvidas. Foi o
que
aconteceu com a questão da indagação sobre o condão da sentença de por
fim ao
processo.
Princípio do esgotamento das vias recursais
Existe
uma ordem natural de
interposição de recursos. Não se pode recorrer diretamente para o
Supremo
quando a parte bem quiser. As vias recursais têm que ser gradualmente
esgotadas. O não esgotamento acarreta o não conhecimento do recurso
interposto
diretamente no tribunal superior. O sistema não pode ser abreviado.
Esse princípio tem muita importância quando formos estudar embargos infringentes. Há duas Súmulas sobre esse princípio: 281 do STF e 207 do STJ.
Súmula 281 do STF - é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada. |
Súmula 207 do STJ - e inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem. |
Não
se pode recorrer de um
recurso posterior sem antes esgotar todas as possibilidades dos
recursos
anteriores.
Princípio da proibição da reformatio
in pejus
Proíbe
a reforma para pior. A
parte recorre para obter uma melhora, não para ser prejudicada. Ela não
pode
ter sua situação piorada por meio de um recurso interposto por ela
própria.
Ajuízo
ação de danos morais
pedindo aqueles R$ 10 mil, o juiz acolhe meu pedido, mas entende que o
só me
são devidos 5 mil pelo réu, que
não recorre. Recorro
ao tribunal, que analisa o mérito e chega à conclusão que eu, na
verdade, não
teria direito a nada. O juízo ad quem
não pode dar provimento e reduzir a qualidade da pretensão do
recorrente. Se,
entretanto, o réu tivesse recorrido, aí sim, é óbvio que o autor
poderia ser
prejudicado. Esse princípio é básico no Direito Penal.
Existem
exceções, no entanto. São
três:
Princípio da consumação
Significa
que, no momento da interposição do recurso,
ele
deve estar perfeito e acabado. O que é esse princípio? A
preclusão consumativa.
Não se podem praticar atos processuais depois que o recurso é
interposto. É
diferente da aplicação no Processo Penal. Nele, um recurso pode ser
apresentado
num dia e as razões em outro.
Princípio da dialeticidade
Liga-se
à fundamentação. O recurso em Processo Civil
precisa de
fundamentação. Não se admite recurso em termos gerais. Já
vimos isso quando
estudamos o requisito de admissibilidade da regularidade formal. É como
dizer
ao juízo ad quem: “venho recorrer
porque não gostei da decisão proferida pelo juízo
a quo.”
Parece
uma coisa óbvia porque, no
Processo Penal, havia o protesto por novo júri, que dispensava mais
discussões.
Princípio da voluntariedade
Não deve haver dúvida alguma quanto à vontade da
parte em recorrer.
Explica a questão da desistência, renúncia, aquiescência. Se o sujeito
manifesta-se nos autos abrindo mão de seu direito de recorrer, ou
pratica ato
que importe em renúncia tácita, ele não poderá voltar atrás dessa
decisão
íntima. O recurso é uma petição simples e distinta, que não deixa
dúvidas sobre
a vontade da parte em recorrer. Sem clareza, sem recurso. Com renúncia,
não se
pode mais recorrer.
Amanhã:
aplicação da lei processual no tempo, Direito intertemporal.
1 – O
professor citou um terceiro elemento aqui. Não consegui pegá-lo.