Esta é nossa última aula de conteúdo
em relação à primeira
prova. Na aula que vem vamos estudar apelação, que já é matéria da
segunda.
Hoje vamos estudar uma matéria muito
importante e difícil: o
Direito intertemporal. Já estudamos em alguns momentos esparsamente.
Agora
vamos estudar especificamente para recursos.
Direito intertemporal é a aplicação
da lei processual no
tempo. Em termos práticos, isso significa responder as seguintes
questões:
surgindo lei nova em Processo Civil, o que acontece com essa lei nova?
Ela se
aplica aos processos em curso, não se aplica, aplica-se parcialmente,
respeita
os atos praticados ou não, precisam ser repetidos...? Todo o Código foi
emendado
desde 1973. E os que processos que começaram há 10 anos?
Vamos estudar somente a lei
processual civil. Isso porque a lei material tem regras
diferenciadas. Lei
penal também tem suas próprias regras, e retroage para beneficiar.
Pode surgir uma lei nova dizendo que
não cabe mais
determinado recurso. Mas, quando a ação foi proposta, o recurso era
cabível. E
se o prazo estiver correndo? O que fazer? Terei direito ao recurso que
na época
da decisão eu tinha? E se a superveniência for de lei procedimental?
Imagine
que a norma obrigue aos procuradores das partes a ficarem em pé. Eles
deverão
ou não ficar em pé? Essas são as questões que vamos ver hoje, mais
especificamente em recursos.
Três regras
sobre a
aplicação da lei processual no tempo
Existem três regras para aplicação da
lei processual no
tempo:
Já estudamos esses três sistemas na
parte geral de Direito
Processual Civil. Vamos relembrar: são sistemas que disciplinam a
aplicação da
lei processual no tempo.
No sistema da unidade
processual, pelo próprio nome, o processo é visto neste
sistema como um só.
Iniciado hoje, o processo irá até o fim com as leis que estavam em
vigor no
momento do início do processo. O processo é uno. Independentemente de a
lei ser
ou não revogada. Terá que seguir a legislação do início do processo.
Estranho
esse sistema, não? E se o processo tiver começado em 1975? Qual o
Código que
estava valendo naquela época? O Código de Processo Civil de 1939. A
regra que
ele iria seguir era o Código de 39, mesmo já tendo sido revogado pelo
Código de
73. Segue as regras existentes quando do início do processo. É
estranho, mas
existem disposições assim. Como as regras das falências: os processos
de
falência têm, na capa, um adesivo indicando a época do início do
processo, e
assim aplicam-se as disposições legais anteriores à Lei 11101/05.
Não é a regra geral. Ficaria sem
sentido vivenciar dois
processos tramitando ao mesmo tempo sob diferentes regras.
Segundo sistema é o das fases
processuais. É parecido com o da unidade, mas, neste caso, o
processo é
dividido em fases. E, aqui, as regras que deverão ser observadas em
cada fase
serão aquelas existentes quando do início da fase: postulatória,
instrutória,
decisória, recursal. Iniciada a fase probatória, respeitam-se as regras
vigentes quando do início da fase. A essência é a mesma do sistema da
unidade
processual, exceto que aqui dividimos nas fases. Digamos que amanhã
entre em
vigor a lei que obrigue os advogados a ficarem em pé. De acordo com o
sistema
anterior, o da unidade processual, ele não precisará ficar em pé pois o
processo começara antes. Mas, no sistema das fases processuais, a fase
instrutória,
que é provavelmente durante a qual o advogado deverá comparecer diante
do juiz,
ainda não começou. Na superveniência da lei, se não iniciada a fase
instrutória, o advogado terá, sim, que ficar em pé.
O terceiro é o sistema dos atos isolados, que é o conjunto de atos
processuais com um
objetivo: a solução do conflito. Divide o processo em atos isolados. Ao
praticar o ato, observa-se a lei em vigor naquele momento.
Este último parece ser o mais
prático. Não interessa quando
os processos começaram, mesmo se um em setembro do ano passado, outro
em 1989.
Os atos a serem praticados no mesmo momento observarão a mesma lei, nos
dois
casos. A lei tem aplicação imediata. É a regra do Código de Processo
Civil,
insculpida no art. 1211:
Art. 1211. Este Código regerá o processo civil em todo o território brasileiro. Ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes. |
Farei uma audiência hoje, e a lei que
obriga a que se fique
em pé entra em vigor amanhã. Na de hoje poderei sentar, na de amanhã
deverei
ficar em pé.
E a audiência que fiz hoje, em que
não fiquei em pé porque a
lei só começará a valer amanhã? Terá que ser repetida? Não. O ato não
precisa
ser renovado. Deve haver o respeito aos atos já praticados. Essa é a
regra
geral.
Entretanto vamos ver muitos casos em
que afastaremos a regra
geral. Há milhares de situações casuísticas, resolvidas pela doutrina e
pela
jurisprudência.
Vamos complicar.
Aplicação da
lei
processual no tempo para os recursos
E em recursos, como se dá a aplicação
da lei processual no
tempo? Os recursos são exceção a essa regra geral! Em se tratando de
recurso, a
regra é outra. A lei da decisão será a
lei do recurso. Significa que a lei existente quando da
decisão será a lei
que valerá para o recurso a atacar aquela decisão.
Imagine a situação em que uma decisão
é proferida hoje, há
uma lei que entrará em vigor daqui a cinco dias. Ela afasta o cabimento
do
recurso. Terei direito ou não àquele recurso? Pela regra geral eu não
teria,
pois a aplicação da nova lei processual seria imediata, e meu direito
de
recorrer desapareceria. Mas terei direito ao recurso sim, pois, quando
da
decisão, o recurso existia! Então terei direito ao recurso. O que vale
é: lei
da decisão será a lei do recurso.
Casos concretos: se, na fluência do
prazo recursal, entra em
vigor uma lei que torna recorrível uma decisão que, até então, era
irrecorrível? A decisão passa a ser recorrível, ou permanece
irrecorrível?
Permanece irrecorrível. Quando da decisão, o recurso não existia. Mesmo
que a
nova lei seja mais benéfica para o recorrente.
Outra pergunta, ao contrário: no meio
do prazo recursal
sobrevém lei
extingue o recurso. Terei
direito, pois quando da decisão eu tinha o direito; o recurso era
cabível.
Mais uma: e se a lei altera o recurso
durante o prazo
recursal? Terei direito ao velho recurso,
pois, quando da decisão, era o velho que valia. Não interessa se no dia
seguinte o novo era o recurso cabível.
Pois bem.
Mas o que é esse dia
da decisão? Qual é esse marco que determina a lei do recurso?
O juiz profere
uma decisão hoje, e manda o serventuário colocá-la na Internet:
“sentença
proferida”. A parte ainda não foi intimada, e, em tese, o prazo ainda
não
começou. Só começa a correr com a intimação, que só vem daqui a um mês
sou
intimado. Sentenças costumam entre a data da decisão e a data em que as
partes
são oficialmente intimadas. A questão é: nesse um mês entre a data em
que a
decisão foi proferida e a data em que as partes foram intimadas surge
nova lei
acabando com o recurso. Terei direito ou não ao recurso que existia?
Vale a
data em que a decisão foi proferida ou a data em que as partes foram
intimadas?
Fui intimado depois de um mês da
decisão que pretendo
recorrer, e, no dia em que a decisão foi efetivamente proferida o
recurso era
cabível. Só que, dois dias antes da intimação, entrou em vigor a lei
que suprimia
o recurso. O que vale? A data em que a decisão é efetivamente
proferida, ou a
data da intimação das partes? A data em
que a decisão foi efetivamente proferida. É desde o dia em
que a decisão é
proferida que ela tem eficácia, que está valendo. Isso não é
visualizável na
prática. É tão difícil que a própria jurisprudência se confunde.
Podemos encontrar
a expressão “publicação”, no seguinte contexto: “a lei da decisão é
igual à lei
do recurso, e essa lei da decisão é a vigente à data em a que a decisão
foi
publicada.” O que se quer dizer? “Publicada” é o quê? Publicada no
sentido de “juntada
aos autos”, quando se abre para a possibilidade de o advogado da parte
comparecer à secretaria do juízo e pedir vista, ou publicada “intimando
a parte
formalmente”? Publicação e intimação são atos processuais distintos.
Podem coincidir
temporalmente, mas são diferentes momentos processuais. Até os
informativos dizem:
a lei da decisão é a lei do momento em que ela foi tornada pública. Mas
nos
informativos do STJ já vimos pronunciamentos da Ministra Nancy Andrighi
dizendo: “a lei da decisão é a igual à lei do recurso, ou seja, a lei
que será
aplicada ao recurso é a lei que existia no momento da publicação da
decisão”.
Lendo isso, parece correto. Mas ela punha a expressão “publicação da
decisão”
como “a data da intimação”.
Não é simples mesmo. Sabemos que publicação é um fato processual diferente
da intimação via publicação. Isso
se torna uma questão de artimanha,
na prática. Se sei que há determinada lei em vacatio
legis, e sei que ela contém um dispositivo acabando com a
apelação
em ação de despejo, e tenho um processo de despejo tramitando, poderei
perder
caso o recurso já tenha sido removido do ordenamento jurídico quando eu
for
intimado oficialmente. E se a intimação ocorrer daqui a mais de 45
dias? Não
terei direito à apelação! O que se deve fazer então é ir à secretaria
para ser
intimado pessoalmente. Dormientibus non
sucurrit jus!
Em suma: a lei da decisão é a lei da
existência.
Exceções
Mesmo em recursos existem exceções.
Vamos ver agora a
exceção da exceção. Vamos voltar para a regra geral, que é a de
aplicação
imediata das novas disposições. Em recursos, vale a lei da decisão como
lei do
recurso. Mas em que casos que haverá aplicação imediata para os
recursos? Vejamos.
O que acontece se a lei alterar
somente o procedimento do recurso?
O recurso é o
mesmo, mas a lei nova alterou o procedimento desse recurso. E agora?
Vale a lei
da decisão como lei do recurso? A aplicação é imediata, e seguirá a
regra do
art. 1211 do CPC. Vamos esclarecer. Protocolava-se o recurso de agravo
em
primeiro grau. Veio nova lei dispondo que esse agravo deveria ser
protocolado
diretamente no respectivo tribunal de segundo grau. A lei não alterou o
recurso,
que ficou o mesmo. O prazo era o mesmo. Bastou mudar de cabine de
protocolo. Nessa
hipótese: protocolei o agravo ontem no primeiro grau. Hoje já vale a
nova lei,
mandando que se protocole no tribunal. Aonde eu vou? Pela regra geral de recursos, eu iria ao primeiro grau,
pois a lei vigente à época da decisão é a lei que deverá ser observada
para a
interposição do recurso. Mas, como
se trata de uma alteração apenas
procedimental, devo ir ao segundo grau! É assim. É difícil, e
não tem como
fugir. Mesmo com protocolo integrado.
Também mudou a lei em relação ao preparo. Antes, o preparo não precisava
ser acostado ao recurso. O recurso
era protocolado e o preparo poderia ser pago depois. Veio nova lei
exigindo que
a guia de preparo acompanhasse o recurso. Protocolei o recurso ontem,
quando a
lei nova não estava valendo, e sem preparo. Hoje pretendo protocolar
novo
recurso, na vigência da lei nova, exigindo preparo imediato. Terei que
pagar o
preparo, mesmo que o processo já tenha iniciado.
O ponto central de tudo isso é
diferenciarmos alteração de procedimento
e alteração de processo. Para
facilitar, podemos
resumir dizendo que processo é tipo e
prazo. O resto é procedimento. Metaforicamente, o processo é
o carro, o procedimento
é a estrada. No processo ordinário, a estrada é mais longa, no
cautelar, é mais
curta! ¹
Vamos adiante.
E em caso de alteração na competência para julgamento do recurso? Antes de 2004, existiam os Tribunais de Alçada. Menores que os Tribunais de Justiça, serviam para julgar causas mais simples. Eram tribunais de segundo grau. A Emenda Constitucional nº 45 acabou com os Tribunais de Alçada. O que ocorreu com os recursos que tramitavam nos Tribunais de Alçada? Foram todos remetidos ao Tribunal de Justiça. Quando o recurso foi interposto, o competente era o tribunal de alçada. Mas, no caso de alteração da competência (absoluta) temos o art. 87 do Código:
Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. |
Aconteceu também com a criação do
STJ. Existia o TFR, o
Tribunal Federal de Recursos. Ao se criar o STJ, vieram caminhões de
recursos
para o novo órgão. A aplicação da nova norma era imediata.
Também se
alterou a competência
absoluta da Justiça do Trabalho. Agora a JT é competente para julgar
ações de
danos morais no contexto da relação empregado-empregador. Tudo que
envolve a
relação de emprego passou à Justiça do Trabalho, inclusive os
honorários
advocatícios. É uma competência absoluta que foi alterada em razão da
matéria. Há
um recurso no Tribunal de Justiça em que se discute um dano moral na
relação de
emprego. A competência teria que ser declinada para o Tribunal Regional
do
Trabalho. Mas, neste caso especificamente, o Supremo entendeu que se
formaria uma
grande confusão, então posicionou-se pela perpetuação da jurisdição.
Foi um
argumento mais político, motivado pela situação da estrutura do Poder
Judiciário, do que técnico, para não inviabilizar a prestação
jurisdicional.
1 – Se perguntados em prova,
não respondam assim: (clique aqui)
como alguém já teve
coragem de fazer.