Direito Processual Civil

terça-feira, 19 de abril de 2011

Apelação



 
Vamos começar a estudar os recursos em si agora. Vamos ver cada um deles, e aplicar a primeira parte da matéria agora. O primeiro recurso que vamos ver é a apelação, que é o mais importante. Depois vêm os agravos e os embargos de declaração.

Já estudamos os requisitos de admissibilidade gerais. A apelação tem preparo, mas não repetiremos o que é preparo. O que vamos fazer a partir de agora é aplicar a teoria geral dos recursos aos recursos em espécie. Questões novas nós veremos à medida que formos estudando cada recurso. Por exemplo, as súmulas impeditivas, que não vimos na parte geral dos recursos.
 

A apelação

É o recurso mais importante do nosso sistema recursal. Se fosse para manter somente um recurso em nosso ordenamento cível, ele seria a apelação. É o que mais se interpõe. A origem de todos os recursos está na apellatio. No passado, a parte tinha direito a um recurso apenas. É o recurso mais abrangente, porque é onde está presente o duplo grau de jurisdição. E a maioria dos processos começa no primeiro grau. Tem a competência originária dos tribunais superiores, mas é uma minoria de casos. O juiz julga o processo, decide-o por meio de uma sentença, e a parte terá o direito de rever aquela decisão.

É a chance que a parte tem para buscar o reexame amplo de uma decisão. Isso porque, depois da apelação, os recursos são muito mais restritos. Depois do tribunal de segundo grau, temos somente a chance de ir para o STJ ou para o Supremo, mas são casos mais excepcionais.

Ao começar a vivenciar a prática, veremos que o recurso que mais se faz é a apelação. Claro, porque a maioria dos processos está em primeiro grau de jurisdição, e a maioria das decisões proferidas que ensejam insatisfação é sentença.

Viram a importância da apelação? É o recurso contra a decisão do juiz de primeiro grau. Perdendo no segundo grau, as coisas começam a afunilar para a parte. É difícil ir ao Supremo e ao STJ. A questão terá que ter repercussão, não há exame de prova, além de outros requisitos de admissibilidade difíceis que ainda veremos quando estudarmos o recurso especial e o recurso extraordinário. Na apelação não: a parte recorre e simplesmente busca o reexame. Não tem tantos requisitos restritos como o recurso especial e o recurso extraordinário.

Se você consegue ganhar no segundo grau, você conseguiu mais de 70 a 80% do que você poderia. Reverter uma decisão de segundo grau é muito mais difícil. Os requisitos de admissibilidade são fortes. O juízo de admissibilidade é feito para filtrar mesmo.
 

Cabimento da apelação

Cabível contra sentença. Isto cai na prova: há quatro tipos de decisões judiciais: sentenças e decisões interlocutórias no primeiro grau, e acórdãos e decisões monocráticas no segundo. No primeiro grau, o nome da decisão do juiz que aplica uma das hipóteses do art. 267 ou 269 é a sentença. Põe fim ao processo ou a uma de suas fases.

Art. 162.  Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

A sentença pode ou não resolver o mérito da demanda. Se resolve o mérito a sentença é chamada definitiva; sem resolvê-lo ela é terminativa. Em ambos os casos o juiz está pondo fim ao processo como um todo. Se põe fim apenas em parte, como declarar a ilegitimidade de dois autores, e determinar o prosseguimento do feito em relação a outros três, essa decisão será interlocutória. Muito embora esteja aplicando uma das hipóteses do art. 267. Lembrem-se do complemento! Põe fim ao processo ou a uma de suas fases.

Sendo uma sentença, seja ela definitiva ou terminativa, seja proferida em qualquer tipo de processo, em qualquer tipo de procedimento, se de execução, de conhecimento, cautelar, de consignação em pagamento, em mandado de segurança, em imissão de posse... não interessa o processo nem o tipo de procedimento. Se o juiz profere sentença, definitiva ou terminativa, o recurso cabível será apelação.

Art. 513.  Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269).

Esse binômio sentença-apelação é regra. A apelação será o recurso cabível, não interessa o tipo de procedimento, se sumário, ordinário, mandado de segurança. O ato pelo qual o juiz põe fim ao processo é chamado de sentença. O recurso cabível será a apelação.

Sentença é ato privativo de juiz de primeiro grau. Ignorem a expressão “o Supremo proferiu uma sentença.”, que de vez em quando ouvimos na mídia. Isso é atecnia jornalística. Mas, se pensarmos em sentença no prisma histórico da instituição, já que o vocábulo sentença vem de “sentimento do juiz”, aí sim, falamos em sentença dos Ministros. Mas tecnicamente está errado porque para o Direito sentença é ato privativo de juiz de primeiro grau, e contra ela cabe apelação.
 

Exceções

Normalmente são o que se pede em prova! Infelizmente há três exceções a essa regra que até agora estava tão simples. São três casos em que será proferida sentença mas não será a apelação o recurso cabível para requerer seu reexame. Veremos agora quais são. Três casos somente. Isso, claro, em Processo Civil. Ignore o Processo Penal agora. O juiz decidirá a causa aplicando alguma das hipóteses do art. 267 ou 269, proferirá sentença, mas o recurso cabível não será apelação.

Aliás; antes de seguirmos para as hipóteses em que não caberá apelação da sentença, tomem muito cuidado com a afirmativa: “de toda sentença cabe apelação.” É uma interpretação dúbia, que às vezes encontramos em provas de concursos, e na verdade está certo. Mas há as exceções, então cuidado com a ambiguidade.

Primeira exceção ao cabimento de apelação contra sentença é quanto às decisões proferidas pelos Juizados Especiais. Nos processos que tramitam nos Juizados Especiais, o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo ou a uma de suas fases é sentença, mas dela não cabe apelação, mas recurso inominado. É parecido com a apelação, especialmente pelo seu cabimento contra sentença, mas tem prazo diferente. Na apelação o prazo é de 15 dias, enquanto o recurso inominado deverá ser interposto no prazo de 10 dias. Cuidado, profissionais! Há alguns advogados que não tem costume de advogar perante os JEs e, quando a decisão é proferida, eles já estão acostumados a pensar que, como se tratam de sentenças, o recurso cabível é a apelação, mas não é o caso aqui. O recurso cabível é o recurso inominado. Ainda estudaremos os recursos nos juizados.

A Lei 9099/95, a Lei dos Juizados Especiais, é sucinta:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.

Contra a sentença caberá “recurso”. E ponto final. Qual recurso? Todos imaginaram, naquele momento, que seria apelação, afinal era uma sentença. Inclusive é como começa a redação desse art. 41 da LJE: “da sentença...” tentaram usar a regra geral. Como a lei não deu um nome, então o recurso é inominado. A doutrina denominou “recurso sem nome”.

Próxima exceção é a “causa estrangeira”. Está no art. 539, II, b do CPC:

Art. 539. Serão julgados em recurso ordinário: [...]

II - pelo Superior Tribunal de Justiça: [...]

b) as causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

A causa estrangeira tramita na Justiça Federal de primeiro grau. Primeira instância, portanto. O juiz põe fim ao processo; então, em regra, caberia apelação. Mas, neste caso, a lei prevê outro recurso: o recurso ordinário. Causa estrangeira é aquela em que de um lado da ação há Estado estrangeiro ou organização internacional, Estados Unidos da América, por exemplo, num dos polos, ou a OEA, a OIT; de outro, pessoa jurídica ou física, domiciliada no país, ou município. É uma ação bem específica, e bem rara. O professor mesmo, que ficou vários anos no STJ, viu poucos desses recursos: cerca de setenta.

Esse recurso, por meio do qual se pede o reexame de uma decisão proferida pela Justiça Federal de primeira instância, pula o Tribunal Regional Federal, que seria a segunda instância e juízo ad quem em regra, indo diretamente para o STJ, que acaba atuando como tribunal de segundo grau. Atenção! Se não for município, mas estado, a competência será não do STJ, mas do STF.

Acalmem-se, vamos estudar recurso ordinário depois.

Terceira exceção: execuções fiscais de até 50 “OTNs”. Cobrança de tributos em atraso. Quando não se paga Imposto sobre a Renda, IPTU, IPVA, ou qualquer que seja o tributo devido, o sujeito é inscrito na Dívida Ativa do ente federativo. Ter o nome inscrito na Dívida não impede que se tenha conta em banco ou cartão de crédito. Não é como estar inscrito em cadastros de proteção ao crédito como o SPC ou Serasa. Se, entretanto, o nome do sujeito for protestado ou a própria Dívida Ativa for incluída no Serasa, como se pretende fazer em breve, a penalidade será maior. Por enquanto não influencia muito na vida do indivíduo.

O município, estado ou União cobra essa dívida do contribuinte. Se a dívida tiver valor de até 50 Obrigações do Tesouro Nacional, se proferida uma sentença, o recurso cabível não será o de apelação, mas embargos infringentes de alçada. Um recurso que o professor nunca fez, profissionalmente dizendo. É muito raro. É que há estados e municípios que são fortes e preferem não cobrar dívidas nesse valor, mas deixar o nome do cidadão inscrito, e promover demandas judiciais contra cada devedor seria inviável. É um recurso bem estranho, porque não é julgado pelo tribunal, mas pelo próprio juiz que proferiu a sentença. Não tem efeito devolutivo para tribunais, e devolve para o próprio órgão prolator a matéria. 50 OTNs, na última vez que o professor checou, tinha valor aproximado de R$ 1.700,00, devidamente corrigido e substituído por qualquer que tenha sido o índice ou unidade após a extinção da OTN antes da década de 90.

E contra a decisão que julga os embargos infringentes de alçada? Cabe outro recurso? Estudaremos que cabe recurso extraordinário para o Supremo.
 

Prazo da apelação

Quinze dias. As mesmas regras da contagem do prazo que sabemos. Litisconsortes com procuradores distintos, art. 191, prazo em dobro para a Fazenda Pública, e assim por diante. Já estudamos essas regras.

Caso incomum: quando começa a contar o prazo para o recurso se o juiz sentencia em audiência? Não é comum na justiça comum. O advogado é avisado pelo juiz que este irá proferir sentença em audiência em tal dia, tal hora. O advogado deixa de comparecer a essa audiência. O prazo para o recurso já começou ou ainda não? O advogado precisa ser intimado oficialmente da sentença? O juiz abre a audiência, sentencia e o advogado não está presente. Ele acha que será intimado. Passam os 15 dias. Ele tem que ser intimado ou já o foi? Já foi antes quando o juiz disse que daria a sentença! Nessa data já começa a contar o prazo. Significa então que uma apelação a partir desse momento é intempestiva.
 

Regularidade formal

A apelação deve ser interposta via petição, que é peça escrita. Não pode ser oral. Não existe a possibilidade de apelar oralmente.

A quem é dirigida a petição? Ao juízo a quo, que faz o primeiro juízo de admissibilidade. É o juízo que proferiu a decisão, no caso, a sentença. Digamos que seja uma sentença proferida pela 1ª Vara Cível de Brasília. Esta Vara é o juízo para o qual deverá ser endereçada a apelação.

Terá que ter fundamentação a apelação, e é um dos recursos mais simples de fundamentar. A fundamentação é livre, e a lei não impõe nenhuma vinculação. Há outros recursos cuja fundamentação é vinculada, como nos embargos de declaração. Estes só servem para atacar problemas de obscuridade, contradição ou omissão na decisão recorrida, portanto não podem tratar de outros méritos. Recurso extraordinário: a fundamentação está vinculada à ofensa à Constituição, além da demonstração obrigatória de repercussão geral. Recurso de fundamentação vinculada é difícil, pois a lei indica o que tem que ser falado.

Na apelação a fundamentação é livre, e basta atacar a decisão. Não precisa citar precedente, dispositivos legais ou doutrina. “Dai-me os fatos que te darei o Direito.” Funciona bem mesmo aqui.

Claro que tem que ser bem feita, mas não há imposição de matérias. Entretanto, não se admite, em nenhuma hipótese em Processo Civil o recurso em termos gerais. Não confunda isso com fundamentação livre! O que não se pode é dizer: “não concordo com a decisão”, pura e simplesmente; a parte tem liberdade de discussão, mas alguma discussão terá que ser promovida.
 

Procuração

Cai na prova! Recurso interposto sem procuração ou assinatura causa a abertura de vista. Aplica-se o art. 13 do Código de Processo Civil. Não é caso de inadmissibilidade.

Art. 13.  Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.

Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:

I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;

II - ao réu, reputar-se-á revel;

III - ao terceiro, será excluído do processo.

Preparo

Paga-se preparo na apelação. Art. 511:

Art. 511. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.

§ 1º  São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

§ 2º  A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.
 

Súmula impeditiva

Vamos entender o que é essa novidade.

Art. 518, § 1º:

Art. 518.  Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. [...]

Não estudamos isso ainda. Estudamos os requisitos de admissibilidade simples. Cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fato impeditivo ou extintivo, preparo, regularidade formal e tempestividade. Na ausência de qualquer um desses requisitos o juízo a quo não admitirá a apelação. Lembram-se disso? Mas vamos à novidade que a lei criou: um novo mecanismo para que o juiz sequer receba a apelação, quando a fundamentação da sentença estiver baseada em súmula do STJ ou do Supremo.

O que é mesmo súmula? Um conjunto de enunciados. Cuidado com a expressão “Súmula nº 7 do STJ”. Isso, na verdade, não existe. A Súmula do STJ, que é só uma, tem vários enunciados, esses sim numerados. Eles retratam a jurisprudência dominante do tribunal. Fixa a jurisprudência sobre determinado assunto, e, então, o tribunal edita o enunciado.

E a Súmula Vinculante? É um cadastro novo de enunciados da Súmula diferente do que já existia, aberto especificamente para Súmulas Vinculantes. O Supremo tem editado enunciados sumulares que vinculam a todos, com efeito erga omnes. A hipótese que estamos estudando é aquele em que o juiz profere a sentença se baseando em súmula do STJ ou STF, não em Súmula Vinculante, mas em súmula ordinária. A ideia exarada na decisão é “como a questão já foi decidida pelo Supremo, julgo procedente o pedido.” A parte apela. Da sentença, claro, cabe apelação. O que o juiz de primeiro grau pode fazer? Não receber a apelação, porque questiona uma decisão que se baseia numa súmula, que é o entendimento dos tribunais superiores. Impede o recebimento do recurso, o prosseguimento de sua análise. Por isso é chamada súmula impeditiva.

Isso é uma criação recente. Não veio do Código Buzaid de 1973. A discussão é: a súmula impeditiva é ou não requisito de admissibilidade? É um impedimento relacionado ao mérito, à fundamentação do recurso. Para o professor não é um requisito de admissibilidade, mas a consequência é a mesma. Se o recurso foi intempestivo o juiz não o receberá, nem apelações questionando decisões fundadas em súmulas do Supremo ou STJ. É uma decisão limitada ao juiz de primeiro grau.

Essa vedação engessa a jurisprudência. Se nunca mais subir nada no STJ sobre a questão sobre a qual foi posta uma pedra, consequentemente não chegarão aos tribunais superiores nenhum processo discutindo aquela questão. São questões interessantes sobre a súmula impeditiva.

Note que a decisão recorrida tem que ser centralmente baseada na Súmula; não pode ser uma citação passageira feita pelo juiz na fundamentação. O fundamento da sentença tem que ser a súmula do tribunal superior. Neste caso, o juiz não receberá a apelação. Breca a análise da questão em primeiro grau.

Contra a decisão do juiz que não recebe a apelação, que obsta o prosseguimento cabe algum recurso? Claro que cabe. É o agravo, mas o objeto começará a ser restringido. O objeto desse agravo, que estudaremos melhor daqui a algumas aulas, será destrancar a questão e permitir o exame pelo tribunal de segundo grau.

O objetivo da súmula impeditiva é evitar a procrastinação. Não era razoável que a parte recorresse tantas e tantas vezes, muitas vezes com efeito suspensivo, de decisões relacionadas a questões já deduzidas nos tribunais superiores.

O problema prático aqui é que as súmulas, ou melhor, os enunciados, são na verdade mal editados. Há súmulas canceladas. Imagine que três meses depois de inadmitido um recurso em virtude da existência de súmula disciplinando a questão aquela vem a desaparecer? Pode mudar três Ministros do STJ em pouco tempo, inclusive foi o que ocorreu recentemente. As pessoas que recorreram há pouco tempo não tiveram direito ao reexame da questão, enquanto as que apelaram hoje poderão lograr.

Depois terminamos com efeitos da apelação.