Vamos começar a estudar os recursos
em si agora. Vamos ver
cada um deles, e aplicar a primeira parte da matéria agora. O
primeiro
recurso que vamos ver é a apelação,
que é o mais importante.
Já estudamos os requisitos de
admissibilidade gerais. A
apelação tem preparo, mas não repetiremos o que é preparo. O que vamos
fazer a
partir de agora é aplicar a teoria geral dos recursos aos recursos em
espécie. Questões
novas nós veremos à medida que formos estudando cada recurso. Por
exemplo, as súmulas
impeditivas, que não vimos na parte geral dos recursos.
A apelação
É o recurso mais importante do nosso
sistema recursal. Se
fosse para manter somente um recurso em nosso ordenamento cível, ele
seria a apelação.
É o que mais se interpõe. A origem de todos os recursos está na apellatio. No passado, a parte tinha
direito a um recurso apenas. É o recurso mais abrangente, porque é onde
está
presente o duplo grau de jurisdição. E a maioria dos processos começa
no
primeiro
grau. Tem a competência originária dos tribunais superiores, mas é uma
minoria
de casos. O juiz julga o processo, decide-o por meio de uma sentença, e
a parte terá o direito
de rever
aquela decisão.
É a chance que a parte tem para
buscar o reexame amplo de
uma decisão. Isso porque, depois da apelação, os recursos são muito
mais
restritos. Depois do tribunal de segundo grau, temos somente a chance
de ir
para o STJ ou para o Supremo, mas são casos mais excepcionais.
Ao começar a vivenciar a prática,
veremos que o recurso que
mais se faz é a apelação. Claro, porque a maioria dos processos está em
primeiro grau de jurisdição, e a maioria das decisões proferidas que
ensejam
insatisfação é sentença.
Viram a importância da apelação? É o
recurso contra a
decisão do juiz de primeiro grau. Perdendo no segundo grau, as coisas
começam a
afunilar para a parte. É difícil ir ao Supremo e ao STJ. A questão terá
que ter
repercussão, não há exame de prova, além de outros requisitos de
admissibilidade difíceis que ainda veremos quando estudarmos o recurso
especial e o recurso extraordinário. Na
apelação não: a parte recorre e simplesmente busca o reexame. Não tem
tantos
requisitos restritos como o recurso especial e o recurso extraordinário.
Se você consegue ganhar no segundo
grau, você conseguiu mais
de 70 a 80% do que você poderia. Reverter uma decisão de segundo grau é
muito
mais difícil. Os requisitos de admissibilidade são fortes. O juízo de
admissibilidade é feito para filtrar mesmo.
Cabimento da
apelação
Cabível contra sentença. Isto cai na
prova: há quatro tipos de decisões judiciais: sentenças e
decisões
interlocutórias no primeiro grau, e acórdãos e decisões monocráticas no
segundo.
No primeiro grau, o nome da decisão do juiz que aplica uma das
hipóteses do
art. 267 ou 269 é a sentença. Põe fim ao processo ou a uma de suas
fases.
Art. 162. Os atos do juiz consistirão em
sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. |
A sentença pode ou não resolver o
mérito da demanda. Se
resolve o mérito a sentença é chamada definitiva; sem
resolvê-lo ela é
terminativa. Em ambos os casos o juiz está pondo fim ao processo como
um todo.
Se põe fim apenas em parte, como declarar a ilegitimidade de dois
autores, e
determinar o prosseguimento do feito em relação a outros três, essa
decisão
será interlocutória. Muito embora esteja aplicando uma das hipóteses do
art.
267. Lembrem-se do complemento! Põe fim ao processo ou
a uma de suas fases.
Sendo uma sentença, seja ela
definitiva ou terminativa, seja
proferida em qualquer tipo de processo, em qualquer tipo de
procedimento, se de
execução, de conhecimento, cautelar, de consignação em pagamento, em
mandado de
segurança, em imissão de posse... não interessa o processo nem o tipo
de
procedimento. Se o juiz profere sentença, definitiva ou terminativa, o
recurso
cabível será apelação.
Art. 513. Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269). |
Esse binômio sentença-apelação é
regra. A apelação será o
recurso cabível, não interessa o tipo de procedimento, se sumário,
ordinário,
mandado de segurança. O ato pelo qual o juiz põe fim ao processo é
chamado de
sentença. O recurso cabível será a apelação.
Sentença é ato privativo de juiz de
primeiro grau. Ignorem a
expressão “o Supremo proferiu uma sentença.”, que de vez em quando
ouvimos na mídia. Isso é atecnia jornalística. Mas, se pensarmos em
sentença no prisma
histórico
da instituição, já que o vocábulo sentença
vem de “sentimento do juiz”, aí sim, falamos em sentença dos Ministros.
Mas
tecnicamente está errado porque para o Direito sentença é ato privativo de juiz de primeiro grau, e contra
ela cabe apelação.
Exceções
Normalmente são o que se pede em
prova! Infelizmente há três
exceções a essa regra que até agora estava tão simples. São três casos
em que
será proferida sentença mas não será a
apelação o recurso cabível para requerer seu reexame.
Veremos agora quais
são. Três casos somente. Isso, claro, em Processo Civil. Ignore o
Processo
Penal agora. O juiz decidirá a causa aplicando alguma das hipóteses do
art. 267
ou 269, proferirá sentença, mas o recurso cabível não será apelação.
Aliás; antes de seguirmos para as
hipóteses em que não
caberá apelação da sentença, tomem muito cuidado com a afirmativa: “de
toda
sentença cabe apelação.” É uma interpretação dúbia, que às vezes
encontramos em
provas de concursos, e na verdade está certo. Mas há as exceções, então
cuidado
com a ambiguidade.
Primeira exceção ao cabimento de
apelação contra sentença é
quanto às decisões proferidas pelos Juizados Especiais. Nos
processos que tramitam nos Juizados Especiais, o ato pelo qual o juiz
põe fim ao processo ou a uma de suas fases é sentença, mas dela não
cabe apelação, mas recurso
inominado. É parecido com a apelação,
especialmente pelo seu
cabimento contra
sentença, mas tem prazo diferente. Na apelação o prazo é de 15 dias,
enquanto o
recurso inominado deverá ser interposto no prazo de 10 dias. Cuidado,
profissionais! Há alguns advogados que não tem costume de advogar
perante os
JEs e, quando a decisão é proferida, eles já estão acostumados a pensar
que,
como se tratam de sentenças, o recurso cabível é a apelação, mas não é
o caso
aqui. O recurso cabível é o recurso inominado. Ainda estudaremos os
recursos
nos juizados.
A Lei 9099/95, a Lei dos Juizados
Especiais, é sucinta:
Art. 41. Da sentença,
excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o
próprio Juizado. § 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado. |
Próxima exceção é a “causa
estrangeira”. Está no art. 539,
II, b do CPC:
Art. 539. Serão julgados em recurso ordinário: [...] II - pelo Superior Tribunal de Justiça: [...] b) as causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. |
Esse recurso, por meio do qual se
pede o reexame de uma
decisão proferida pela Justiça Federal de primeira instância, pula o
Tribunal
Regional Federal, que seria a segunda instância e juízo
ad quem em regra, indo diretamente para o STJ, que acaba
atuando
como tribunal de segundo grau. Atenção! Se não for município,
mas estado, a competência será não do STJ, mas do STF.
Acalmem-se, vamos estudar recurso
ordinário depois.
Terceira exceção: execuções fiscais
de até 50 “OTNs”.
Cobrança de tributos em atraso. Quando não se paga Imposto sobre a
Renda, IPTU,
IPVA, ou qualquer que seja o tributo devido, o sujeito é inscrito na
Dívida
Ativa do ente federativo. Ter o nome inscrito na Dívida não impede que
se tenha
conta em banco ou cartão de crédito. Não é como estar inscrito em
cadastros de
proteção ao
crédito como o SPC ou Serasa. Se, entretanto, o nome do sujeito for
protestado
ou a própria Dívida Ativa for incluída no Serasa, como se pretende
fazer em
breve, a penalidade será maior. Por enquanto não influencia muito na
vida do
indivíduo.
O município, estado ou União cobra
essa dívida do contribuinte.
Se a dívida tiver valor de até 50 Obrigações do Tesouro Nacional, se
proferida
uma sentença, o recurso cabível não será o de apelação, mas embargos infringentes de alçada. Um
recurso que o professor nunca fez, profissionalmente dizendo. É muito
raro. É
que há estados e municípios que são fortes e preferem não cobrar
dívidas nesse
valor, mas deixar o nome do cidadão inscrito, e promover demandas
judiciais
contra cada devedor seria inviável. É um recurso bem estranho, porque
não é
julgado pelo tribunal, mas pelo próprio juiz que proferiu a sentença.
Não tem
efeito devolutivo para tribunais, e devolve para o próprio órgão
prolator a
matéria. 50 OTNs, na última vez que o professor checou, tinha valor
aproximado
de R$ 1.700,00, devidamente corrigido e substituído por qualquer que
tenha sido
o índice ou unidade após a extinção da OTN antes da década de 90.
E contra a decisão que julga os
embargos infringentes de
alçada? Cabe outro recurso? Estudaremos que cabe recurso extraordinário
para o
Supremo.
Prazo da
apelação
Quinze dias.
As
mesmas regras da contagem do prazo que sabemos. Litisconsortes com
procuradores
distintos, art. 191, prazo em dobro para a Fazenda Pública, e assim por
diante.
Já estudamos essas regras.
Caso incomum: quando começa a contar
o prazo para o recurso
se o juiz sentencia em audiência? Não é comum na justiça comum. O
advogado é
avisado pelo juiz que este irá proferir sentença em audiência em tal
dia, tal
hora. O advogado deixa de comparecer a essa audiência. O prazo para o
recurso
já começou ou ainda não? O advogado precisa ser intimado oficialmente
da
sentença? O juiz abre a audiência, sentencia e o advogado não está
presente. Ele
acha que será intimado. Passam os 15
dias. Ele tem que ser intimado ou já o foi? Já
foi antes quando o juiz disse que daria a sentença! Nessa
data já começa a
contar o prazo. Significa então que uma apelação a partir desse momento
é
intempestiva.
Regularidade
formal
A apelação deve ser interposta via
petição, que é peça
escrita. Não pode ser oral. Não existe a possibilidade de apelar
oralmente.
A quem é dirigida a petição? Ao juízo a quo, que faz o primeiro juízo de
admissibilidade. É o juízo que
proferiu a decisão, no caso, a sentença. Digamos que seja uma sentença
proferida pela 1ª Vara Cível de Brasília. Esta Vara é o juízo para o
qual
deverá ser endereçada a apelação.
Terá que ter fundamentação a
apelação, e é um dos recursos
mais simples de fundamentar. A fundamentação é livre, e a lei não impõe
nenhuma
vinculação. Há outros recursos cuja fundamentação é vinculada, como nos
embargos de declaração. Estes só servem para atacar problemas de
obscuridade,
contradição ou omissão na decisão recorrida, portanto não podem tratar
de
outros méritos. Recurso extraordinário: a fundamentação está vinculada
à ofensa
à Constituição, além da demonstração obrigatória de repercussão geral.
Recurso
de fundamentação vinculada é difícil, pois a lei indica o que tem que
ser
falado.
Na apelação a fundamentação é livre,
e basta atacar a
decisão. Não precisa citar precedente, dispositivos legais ou doutrina.
“Dai-me
os fatos que te darei o Direito.” Funciona bem mesmo aqui.
Claro que tem que ser bem feita, mas
não há imposição de
matérias. Entretanto, não se admite, em nenhuma
hipótese em Processo Civil o
recurso em termos gerais. Não
confunda
isso com fundamentação livre! O que não se pode é dizer: “não concordo
com a
decisão”, pura e simplesmente; a parte tem liberdade de discussão, mas
alguma
discussão terá que ser promovida.
Procuração
Cai
na prova! Recurso
interposto sem procuração ou assinatura causa a abertura
de vista. Aplica-se o art. 13 do Código de Processo Civil.
Não é caso de inadmissibilidade.
Art. 13. Verificando a incapacidade
processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz,
suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o
defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; II - ao réu, reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo. |
Preparo
Paga-se preparo na apelação. Art. 511:
Art. 511. No ato de interposição do recurso, o
recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o
respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena
de deserção. § 1º São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal. § 2º A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias. |
Súmula
impeditiva
Vamos entender o que é essa novidade.
Art. 518, § 1º:
Art. 518. Interposta a apelação, o juiz,
declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado
para responder. § 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. [...] |
Não estudamos isso ainda. Estudamos
os requisitos de
admissibilidade simples. Cabimento, legitimidade, interesse,
inexistência de
fato impeditivo ou extintivo, preparo, regularidade formal e
tempestividade. Na
ausência de qualquer um desses requisitos o juízo
a quo não admitirá a apelação. Lembram-se disso? Mas vamos à
novidade
que a lei criou: um novo mecanismo para que o juiz sequer receba a
apelação,
quando a fundamentação da sentença estiver baseada em súmula do STJ ou
do
Supremo.
O que é mesmo súmula? Um conjunto de
enunciados. Cuidado com
a expressão “Súmula nº 7 do STJ”. Isso, na verdade, não existe. A
Súmula do STJ,
que é só uma, tem vários enunciados, esses sim numerados. Eles retratam
a
jurisprudência dominante do tribunal. Fixa a jurisprudência sobre
determinado
assunto, e, então, o tribunal edita o enunciado.
E a Súmula Vinculante? É um cadastro
novo de enunciados da Súmula diferente do que já existia, aberto
especificamente para
Súmulas
Vinculantes. O Supremo tem editado enunciados sumulares que vinculam a
todos,
com efeito erga omnes. A hipótese
que
estamos estudando é aquele em que o juiz profere a sentença se baseando
em
súmula do STJ ou STF, não em Súmula Vinculante, mas em súmula
ordinária. A ideia
exarada na decisão é “como a questão já foi decidida pelo Supremo,
julgo
procedente o pedido.” A parte apela. Da sentença, claro, cabe apelação.
O que o
juiz de primeiro grau pode fazer? Não receber a apelação, porque
questiona uma
decisão que se baseia numa súmula, que é o entendimento dos tribunais
superiores. Impede o recebimento do recurso, o prosseguimento de sua
análise.
Por isso é chamada súmula impeditiva.
Isso é uma criação recente. Não veio
do Código Buzaid de
1973. A discussão é: a súmula impeditiva é ou não requisito de
admissibilidade?
É um impedimento relacionado ao mérito, à fundamentação do recurso.
Para o
professor não é um requisito de admissibilidade, mas a consequência é a
mesma.
Se o recurso foi intempestivo o juiz não o receberá, nem apelações
questionando
decisões fundadas em súmulas do Supremo ou STJ. É uma decisão limitada
ao juiz
de primeiro grau.
Essa vedação engessa a
jurisprudência. Se nunca mais subir nada
no STJ sobre a questão sobre a qual foi posta uma pedra,
consequentemente não
chegarão aos tribunais superiores nenhum processo discutindo aquela
questão.
São questões interessantes sobre a súmula impeditiva.
Note que a decisão recorrida tem que
ser centralmente baseada
na Súmula; não pode ser uma citação passageira feita pelo juiz na
fundamentação.
O fundamento da sentença tem que ser a súmula do tribunal superior.
Neste caso,
o juiz não receberá a apelação. Breca a análise da questão em primeiro
grau.
Contra a decisão do juiz que não
recebe a apelação, que
obsta o prosseguimento cabe algum recurso? Claro que cabe. É o agravo,
mas o
objeto começará a ser restringido. O objeto desse agravo, que
estudaremos
melhor daqui a algumas aulas, será destrancar a questão e permitir o
exame pelo
tribunal de segundo grau.
O objetivo da súmula impeditiva é
evitar a procrastinação. Não
era razoável que a parte recorresse tantas e tantas vezes, muitas vezes
com
efeito suspensivo, de decisões relacionadas a questões já deduzidas nos
tribunais superiores.
O problema prático aqui é que as
súmulas, ou melhor, os
enunciados, são na verdade mal editados. Há súmulas canceladas. Imagine
que
três meses depois de inadmitido um recurso em virtude da existência de
súmula
disciplinando a questão aquela vem a desaparecer? Pode mudar três
Ministros do
STJ em pouco tempo, inclusive foi o que ocorreu recentemente. As
pessoas que recorreram
há pouco tempo não tiveram direito ao reexame da questão, enquanto as
que
apelaram hoje poderão lograr.
Depois terminamos com efeitos da
apelação.