Direito Processual Civil

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Apelação: procedimento e julgamento



Vamos terminar a parte inicial da apelação e, na próxima aula, vamos para os efeitos.

Estudamos ontem a ideia de apelação, vimos que é um recurso importantíssimo que cabe contra sentença, que é ato pelo qual o juiz aplica uma das hipóteses do art. 267 ou 269, julgando o processo, decidindo a questão, com ou sem mérito. Vale a pena repetir que será terminativa a sentença se sem decidir a questão sem mérito, e definitiva se extinguir o processo com resolução do mérito. Não interessa o tipo de procedimento ou de processo. É o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo. O recurso cabível será a apelação. Essa é a regra geral.

Exceções: Juizados Especiais, causas estrangeiras e execuções fiscais de até 50 OTNs. Nestes casos será proferida sentença, mas o recurso cabível não será apelação.

A fundamentação na apelação é livre. É o instrumento jurídico-processual por meio do qual a parte consegue buscar o reexame da decisão de forma ampla.

Terminamos a aula falando da súmula impeditiva. Ela impede o recebimento da apelação. Não é nem recebida a apelação quando a sentença está fundada em súmula do STF ou STJ, não necessariamente súmula vinculante. A pergunta é “para que subir e não transitar em julgado se já há uma súmula sobre a questão?” Essa é a ideia.

Faltou comentar sobre a PEC do recurso. Essa Proposta de Emenda à Constituição, que está em fase de divulgação, irá mudar substancialmente a cultura do brasileiro. O teor dessa PEC de iniciativa do Supremo é: decisão de segundo grau de jurisdição fará coisa julgada. O recurso interposto contra decisão do tribunal de segundo grau manterá a coisa julgada. Independentemente do REsp ou RE interposto. Em termos práticos, não haverá tanta relevância no cível, porque o REsp e o RE não têm efeito suspensivo, e pode haver execução provisória da decisão recorrida. Mas no Processo Penal a mudança será substancial. Todos terão que cumprir a pena imposta pelo tribunal de segunda instância. O recurso não mais obstará o trânsito em julgado. Recurso para tribunal superior não mais servirá para procrastinar. Empresários, principalmente, gostam de pagar mais os juros da justiça do que os do banco.

Vamos seguir.
 

Procedimento da apelação

Já devemos imaginar que é chato. Só aprenderemos mesmo na prática. Da interposição do recurso, o que acontece daqui para frente, até o julgamento? É o que vamos ver agora. Da interposição ao o julgamento. Quais os atos processuais praticados nesse intervalo de tempo entre a interposição e o julgamento? Como se dá o julgamento?

Claro que o professor irá nos falar, mas não vamos absorver tudo, com certeza. Mas vamos ver os pontos principais, dividindo em duas etapas: processamento da apelação no juízo a quo e no juízo ad quem, que é o juízo que analisa o mérito.
 

Procedimento no juízo a quo

A apelação é interposta aqui. É o juízo que proferiu a sentença. Nós, os estagiários, vamos protocolar a apelação no cartório. Chegamos lá, damos entrada. O que acontece a partir daqui? Vamos seguir a ordem.

Protocolamos a apelação, que é juntada ao processo. "Juntada" sabemos o que é. A peça entra no caderno processual, que, por enquanto, é um caderno físico. No futuro tudo será eletrônico. Junta-se então aquela petição ao caderno. Daqui, segue concluso ao juízo. O juízo que proferiu a apelação irá analisar a admissibilidade do recurso. Daqui para frente vamos chamar o juízo a quo simplesmente de “juiz”. O que ele pode fazer de imediato? Duas opções: imediatamente, não admitir nem abrir vista para contrarrazões. O juiz poderá notar que, “de cara”, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, seja por intempestividade, falta de legitimidade da parte, interesse recursal, o que for. Se inadmite a apelação, o procedimento acabou aqui, e a parte que recorra, se quiser, dessa decisão que não a admitiu.

Em admitindo no primeiro momento, entretanto, o juiz abre vista para contrarrazões. O que são as contrarrazões? Resposta ao recurso. Existem as razões recursais, dadas pelo apelante, e também as contrarrazões, prestadas pelo apelado. Perguntas em relação às contrarrazões: a não apresentação delas gera prejuízo processual para o recorrido? Se equivale à não apresentação de contestação? Não. Não há presunção de veracidade dos fatos expostos nas razões recursais. Não há punição processual para quem não apresenta contrarrazões. Cominação dos efeitos da revelia, por exemplo. É claro que, não apresentando contrarrazões, o recorrido deixa de impugnar as razões do recurso. Muitos não apresentam contrarrazões porque há uma mentalidade circulante de que quem irá lê-las não dará tanto valor a elas, de que não têm paciência. Mas o recorrido tem que apresentar porque, depois, ele poderá suscitar que o tribunal foi omisso.

Vista para as contrarrazões. Apresentadas ou não as contrarrazões, podemos apresentar também o recurso adesivo! É no prazo para as contrarrazões que podemos apresentar o recurso adesivo.

Vamos em frente. Ok, não houve recurso adesivo ou contrarrazões. O que acontece? Preste atenção na seguinte frase, que pode ser confusa: o processo volta ao juiz e ele pode, neste momento, depois das contrarrazões, não admiti-la, mesmo que já tenha, em tese, admitido a apelação! O juízo de admissibilidade no juízo a quo pode ocorrer em dois momentos: no primeiro, quando a parte protocola a apelação, e nas contrarrazões, porque o recorrido pode ter sucesso em chamar atenção em relação a um ponto que passou desapercebido. Art. 518, § 2º, do CPC:

Art. 518.  Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

§ 2o Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Ele pode reexaminar e não admitir a apelação.

Parece que é tudo lindo. Na prática, cada ato destes, de admissão do recurso de apelação e de subida ao tribunal, será manifestado com carimbos. Tudo mecânico. “Subam os autos”!

Aqui acaba o procedimento no juízo a quo com a admissão da apelação.

O que é “subam os autos”? Significa que o processo agora vai ao tribunal de segundo grau para o julgamento da apelação. Esse foi o procedimento no juízo a quo.
 

Juízo de retratação na apelação

Antes de adentrar no juízo ad quem, perguntamos: pode o juízo a quo se retratar? Mudar a sentença? Isto é, exercer o juízo de retratação? Em alguns casos sim, mas isso é exceção.

Primeiro caso está no art. 296 do Código de Processo Civil:

Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)

Indeferimento inicial da petição inicial. O que é isso? Protocolamos a ação, e o juiz, rapidamente, indefere a petição inicial e nem cita o réu. O indeferimento inicial da petição inicial é isso. Como, por exemplo, reconhecer a ilegitimidade do autor para a causa, ou ser o pedido juridicamente impossível. Ou ainda com a petição inicial inepta. Acaba o processo aqui. Põe-se fim ao processo. O ato é sentença, e aqui cabe apelação. Em regra, processaria e remeteria ao juízo ad quem. Mas, nesta hipótese, o juiz poderá voltar atrás. Imagine subir ao segundo grau somente para citar o réu! Isso se traduziria em mais de uma década para obter a correta tutela jurisdicional.

Segunda hipótese: julgamento antecipadíssimo da lide. Art. 285-A:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. [...]

O juiz já julgou um outro caso idêntico sobre uma questão. Há uma sentença proferida naquele processo guardada no cartório. Agora o juiz repete a decisão, mas julga improcedente o mérito. Não é indeferimento da petição inicial. É improcedência do pedido com julgamento de mérito. Esse dispositivo foi inspirado no volume de demandas idênticas em trâmite na Justiça Federal.

O juiz não pode, entretanto, julgar procedente sem citar o réu. Isso violaria o contraditório e a ampla defesa. Na improcedência, o sujeito é intimado para ser cientificado de que já foi julgada a demanda contra ele e o autor apelou.

Imaginem, agora, um autor de má-fé. Ele ajuíza uma ação no Maranhão contra a União. A sede de sua empresa fica naquele Estado. O juiz de lá julga improcedente o pedido. O autor deixa transitar em julgado. Agora ele vem à Seção Judiciária do Distrito Federal e ajuíza a mesma ação contra a União. A Seção Judiciária aqui de Brasília é o foro geral da União. A ação é idêntica, mas o autor escondeu o fato de ser do Maranhão. Julgando improcedente (o pedido, pois a improcedência só pode ser relativa ao pedido, e não à ação ou à petição inicial) lá, fez-se coisa julgada material. A União não foi citada no Maranhão, então como seus procuradores ficariam sabendo? A solução encontrada foi estabelecer a regra de que o juiz terá de enviar uma carta ao réu (União, no caso), informando-o do teor da decisão.

Última hipótese em que é possível o juízo de retratação na apelação: interpostas nos autos de processos formados por ações que tramitam à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aqui, o juiz poderá reexaminar suas próprias sentenças. Atenção! Neste caso dos processos relativos ao ECA, a apelação tem prazo de 10 (dez) dias! É uma exceção que pode nos pegar um dia.

São essas as três hipóteses que possibilitam o juízo a quo a voltar atrás em sua decisão. Fora delas, por mais absurdo o fundamento sobre o qual o juiz tenha decidido, ele só poderá processar a apelação, mas não julgá-las. O professor gosta de nos instigar em prova isso: proferida a sentença, a parte apela. O juiz relê a sentença, lê a apelação, e nota que errou. Pode se retratar? Não pode. Está no art. 463 do Código:

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:

I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

II - por meio de embargos de declaração.

Erro material é erro pequeno, não é erro de conteúdo. Algo como erro de digitação.
 

Procedimento no juízo ad quem

Chegou ao tribunal. O caderno processual chegou lá, a foi um setor específico. Se estamos falando de uma apelação aqui da Circunscrição Judiciária de Brasília, o tribunal que julga é o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Se for apelação da Justiça Federal de Brasília, quem julga é o Tribunal Regional Federal. O que acontece a partir daqui? O processo será registrado, terá seu número, será autuado, com capa nova talvez, com cor variando de acordo com a matéria e com a origem, com número novo também... Confere-se a numeração das páginas e, daqui, é distribuído. É distribuído porque temos mais de vinte desembargadores no TJDFT. Escolhe-se um que será o condutor do processo no tribunal. Este será o responsável. Não irá passar para todos. O tribunal é dividido em colegiados, pequenas reuniões de magistrados. Distribui-se para um, que é chamado de relator. O relator é a pessoa mais importante dentro do processo. Cruzem os dedos na distribuição para que a relatoria não caia nas mãos de um mala sem alça! 1 É um momento muito importante no processo essa distribuição. É feita por sorteio, em sessão pública, mas por um programa de computador. O software realiza uma distribuição proporcional entre os desembargadores, para que recebam o mesmo número de processos. Quando dá pane na máquina, resolve-se o sorteio no globo de bingo. Há até processos disciplinares sobre fraude na distribuição.

Concluso ao relator, que significa “chegar ao relator”, ele dará início à análise do recurso. Lerá o processo e elaborará o relatório. O que é o relatório? A maioria dos processos é julgada por um colegiado. Também vamos falar dos julgamentos monocráticos, mas o julgamento por colegiados é a regra nos tribunais. Imagine nossa sala de aula como um colegiado. Se determinado colega nosso recebe um processo pela distribuição, este se torna o relator, e os demais não veem o caso que estão com ele. Os demais irão entender o caso com base no relatório feito pelo relator. Daí o nome. Esse relatório contém os pontos principais do processo. Em síntese: “Trata-se de ação tal, o autor pediu isso, o réu alegou aquilo, a sentença julgou procedente...” e os demais já começam a imaginar como seria a decisão. Examinado o processo, o relator devolve-o para a turma, que encaminha para o revisor.

Já adiantando: dentro do colegiado, a apelação é julgada por três desembargadores, também em regra. Matérias de maior relevância dependem de um colegiado maior. Eis o dispositivo e os casos:

Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo voto de 3 (três) juízes.

§ 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

§ 2o Não se considerando habilitado a proferir imediatamente seu voto, a qualquer juiz é facultado pedir vista do processo, devendo devolvê-lo no prazo de 10 (dez) dias, contados da data em que o recebeu; o julgamento prosseguirá na 1a (primeira) sessão ordinária subseqüente à devolução, dispensada nova publicação em pauta.

§ 3o No caso do § 2o deste artigo, não devolvidos os autos no prazo, nem solicitada expressamente sua prorrogação pelo juiz, o presidente do órgão julgador requisitará o processo e reabrirá o julgamento na sessão ordinária subseqüente, com publicação em pauta.

Certo. Quem é o revisor? Em regra, a apelação também tem revisor. “Em regra” porque no art. 551, § 3º há uma exceção...

Art. 551.  Tratando-se de apelação, de embargos infringentes e de ação rescisória, os autos serão conclusos ao revisor.

§ 1o  Será revisor o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antiguidade.

§ 2o  O revisor aporá nos autos o seu "visto", cabendo-lhe pedir dia para julgamento.

§ 3o  Nos recursos interpostos nas causas de procedimentos sumários, de despejo e nos casos de indeferimento liminar da petição inicial, não haverá revisor.

 O art. 551 traz casos em que não há revisor, como os recursos dentro dos procedimentos sumários. A regra é que tenha revisor no julgamento da apelação. Quem é esse revisor? Vamos já saber.

Imaginem que na composição da Primeira Turma do Tribunal de Justiça de um estado da Federação haja cinco desembargadores: Lávio, Lévio, Lívio, Lóvio e Lúvio. Lávio é o mais antigo na turma, e nessa ordem segue até Lúvio, o mais novo. Não confundam com idade dos magistrados; estamos falando sobre tempo de trabalho na Turma. Quando recebem uma apelação após a distribuição, o relator é sorteado. Nessa primeira turma, por exemplo, há cinco desembargadores mas, dado determinado recurso, somente três julgam. E o revisor? Ele também é sorteado, ou já está na ordem? Não é sorteado. O revisor é determinado automaticamente, por uma regra simples: ele ficará na ordem decrescente de antiguidade em relação ao relator daquele recurso. Se, por exemplo, Lévio tiver sido sorteado como relator da apelação X, o revisor será necessariamente Lívio, que é o membro imediatamente mais novo que ele na turma.

O revisor do segundo desembargador será sempre o terceiro (no exemplo, Lívio sempre será o revisor de Lévio) lembrando a ordem decrescente de antiguidade. Automaticamente já sabemos quem é o revisor de determinado relator. O revisor também recebe o processo, lê, dá uma compulsada geral nos autos, e elabora o voto. Na prática, o assessor do revisor liga para o assessor do relator, pergunta qual foi a orientação do voto e, assim, já simplificam as coisas. Pela lei, entretanto, o revisor não tem conhecimento antecipado do posicionamento do relator.

Aqui, o processo está pronto para o julgamento. A apelação é incluída em pauta e em sustentação oral. Incluir em pauta é: em 48 horas de antecedência no mínimo, a parte tem que ser informada do julgamento. Há as relações dos processos. A parte fica sabendo de quando será julgado o caso. Isso para se preparar para a sustentação oral. A sustentação serve para chamar atenção para pontos para os quais o relator desviou o raciocínio.

Outra coisa é o julgamento em mesa, que é, para o advogado e a parte, a pior coisa que tem. Não se sabe o dia em que será julgado o recurso. Há as sessões, e não se sabem os recursos que serão julgados. Embargos de declaração, por exemplo. A apelação, graças a Deus, é julgada em pauta.

Em pauta, o relator lê o relatório, vota, e o revisor também profere seu voto, e segue para o vogal, o terceiro julgador. Se o vogal não estiver presente na sessão, passa para o quarto membro da turma, aquele que não teria participação no julgamento. O vogal só ouve. Pode divergir ou pedir vista. Em 90% dos casos ele julga com a turma.

Julgada a apelação, será proferido um acórdão. Já estudamos que o acórdão é composto de relatório, votos, ementa e certidão de julgamento. A decisão proferida pelo colegiado é chamada de acórdão.

E, na sessão de julgamento, qualquer um que não se sentir preparado a votar poderá pedir vista. Não estranhem, portanto, quando virem, ao visitar o Tribunal de Justiça, cinco desembargadores, mas somente três votando. Só três votam mesmo. Os outros dois ficam apenas ouvindo, pois não são nem relatores, nem revisões nem vogais naquele processo.

Esse é o procedimento no juízo ad quem.

Vamos rever, antes de entrar no julgamento monocrático. Registra-se, autua-se, distribui-se, vai ao relator, este elabora o relatório, vai ao revisor, que dá seu visto, inclui-se em pauta, julga-se (relator, revisor e vogal), é feita a sustentação oral se for o caso, e é proferido o acórdão. A apelação está julgada. Contra esse acórdão caberá um recurso. Estudaremos depois qual será o recurso cabível. Embargo de declaração, REsp, RE?
 

Julgamento monocrático

Sempre foram assim, como acabamos de ver, os julgamentos. Mas aconteceu de, nos anos 80 e 90, aparecerem muitos processos, não só motivados pelos planos econômicos, mas também porque a justiça passou a ser mais acessível, até do ponto de vista cultural. Ficou inviável julgar todos os processos no colegiado. A pauta ficou muito sobrecarregada, e a sessão de julgamento ficou ainda mais enfadonha com tantas causas repetidas.

Passou-se, então, a criar uma exceção ao colegiado: a ampliação dos poderes do relator, que passou a decidir sozinho. Vejam a relevância disso! Para quem advoga e está na parte contrária, tudo bem. Mas é horrível para o recorrente! Antes conseguia-se obter três votos, três opiniões, com análise pelo relator e revisor; agora não, o relator mesmo dará a decisão sozinho. Decidirá monocraticamente. Não tem sessão, sustentação oral, nada disso.

Isso foi criado pelo regimento interno, e depois passou a ser permitido em lei. Art. 557 do CPC:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1o-A   Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§ 1o   Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

§ 2o   Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

A pergunta agora é: isso é faculdade do relator, ou seja, ele decide quando levar ao colegiado? Faculdade era, mas agora é uma faculdade vinculada à lei, que prevê os casos em que ele pode decidir sozinho. A ideia foi evitar levar ao colegiado processos com matérias superadas,  repetidas, manifestamente inadmissíveis, com pedidos manifestamente improcedentes... para que levar ao colegiado uma tese absurda?

A lei é interessantíssima; o problema é a que é mal aplicada. O que é “jurisprudência dominante”? Um precedente, dois, três, cinco? Então, às vezes, há um único caso julgado e o magistrado decide monocraticamente com base nesse único caso. Isso não é razoável. Aconteceu com o professor de ele recorrer de uma decisão proferida num processo de família, e acompanhava o processo via Sistema Push quando vem a notícia: “decisão monocrática: recurso provido. Aguardando publicação.” Entretanto o provimento nada tinha a ver com jurisprudência dominante; era uma união estável de sexagenários, de duração apenas de 2 anos, e o juízo a quo declarara que não havia união estável. Era um caso que envolvia uma análise substancial do processo, que é a aferição da existência da união estável ou não. O desembargador deu provimento monocraticamente. Para reverter isso seria muito difícil. O recurso cabível neste caso seria o agravo regimental, que não é incluído em pauta, não tem sustentação oral, não tem revisor, enfim, tudo ruim para o recorrente. Eis que, no dia seguinte, esse andamento foi excluído. O professor já tinha lido a decisão. Uma semana depois, o professor consultou novamente e viu que o processo havia sido incluído em pauta, ou seja, seria julgado pelo colegiado. O professor pensou: “ou o desembargador que havia julgado monocraticamente mudou de opinião, ou manteve o entendimento, mas concluiu que a tese não devia ser julgada monocraticamente.”

O professor teve, então, a chance de fazer a sustentação oral. Imaginando que o desembargador manteria seu voto, o professor, na sustentação, explorou ponto por ponto da decisão do magistrado, insistindo exatamente no sentido contrário. Os demais julgadores votaram contra o relator, e o professor se sentiu vitorioso: ele, com sucesso, conseguiu chamar atenção para os pontos que o relator havia olvidado. Os advogados da outra parte, que, imagina o professor, também devem ter tido acesso à decisão que logo depois foi retirada do site, compareceram apenas para presenciar o voto sendo proferido, e não fizeram sustentação oral. Imaginaram que, como a decisão do relator tinha sido favorável, os demais também o acompanhariam. Os advogados ficaram tão perplexos que até ao CNJ ameaçaram recorrer.

Viram como foi bom ter sido julgado pelo colegiado? As chances são maiores para o recorrente. Mas o julgamento monocrático continua sendo importante para o nosso sistema.

Caput do art. 557:

O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula [...]

Nas hipóteses acima, não há mesmo necessidade de levar ao colegiado. Deve-se julgar monocraticamente mesmo.
 
[...] ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Já com relação ao que é jurisprudência dominante poderá haver muita discussão. Também se a matéria discutida se tratar de questão substancial do processo, como foi o caso da existência ou inexistência de união estável.

Pergunta final: o relator pode dar provimento à apelação sozinho? Só vimos hipóteses de ele negar a apelação. Mas pode dar provimento sim. § 1º-A.

§ 1o-A   Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

Pode dar provimento também. Isso é muito bom para o recorrente. Pode ser para negar ou para prover, desde que a decisão tenha sido proferida com fundamento em súmula ou contra jurisprudência dominante.

Por que há julgamento monocrático se cabe recurso para o próprio colegiado, que é o agravo regimental, que vamos estudar dentro de algumas aulas? Como acabamos de aprender, o recurso necessariamente passa pelo relator, que tem a opção de submeter ao colegiado ou julgar monocraticamente. Mas, da decisão monocrática cabe agravo regimental para o próprio colegiado que julgaria o recurso! Então, por que não suprimir a decisão monocrática? Primeiro, porque nem todos recorrem do julgamento monocrático. A lide pode acabar aqui, então já está excluída uma das possibilidades de se ir ao colegiado. É uma razão de ser a decisão monocrática, portanto. E a segunda razão de ser é que o julgamento do recurso de agravo regimental não é incluído em pauta; é julgado em lista. Na prática, rapidamente os desembargadores incluem o processo na lista do dia, acompanhado de outros cinquenta e nove, um deles pergunta: “todos de acordo?” e ninguém responde “não.” Dizem eles que já leram os processos antes. Mas não necessariamente o fazem. Julgam-se os sessenta de uma vez.

Termina aqui o julgamento da apelação.

A prova é parecida com a que o professor mandou para nós. Duas questões objetivas, 20% cada, e os outros 60% são de questões de V ou F. 12 questões. Nas subjetivas, não se quer o conceito, mas sim a ideia. Deve-se escrever bem, com objetividade. Não falem de coisas que o professor não falou ainda! Não se ganha nada de mais por falar de tópicos vindouros, mas quem escrever abobrinha sobre o futuro irá perder. Cairá de conceito de recurso até Direito Intertemporal.

Livro do Bernardo Pimentel Souza: bom para estudar. Não deixe de ler a doutrina! O professor cobrará informativo nas questões objetivas. Exemplo: “a orientação recente do STJ diz que...”


1 – Fonte: Dicionário Informal. http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=mala%20sem%20al%E7a