Direito Processual Civil

terça-feira, 22 de março de 2011

Regularidade formal e preparo


Para recorrer, a decisão tem que ser recorrível e o recurso tem que ser adequado. Quem recorre tem que ter o poder de recorrer. Partes, Ministério Público e terceiro prejudicado e advogado em caso dos honorários de sucumbência.

Se o recorrente é legítimo, ele também precisa de interesse, ou seja, o recurso lhe tem que ser útil e necessário.

Depois desses três, não pode haver nenhum fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, como ter pagado a multa processual, praticar ato incompatível com o direito de recorrer, entre outros.

Esses foram os requisitos intrínsecos, relacionados à existência do direito de recorrer.

Vamos agora para os extrínsecos, que são regularidade formal, preparo e tempestividade. São requisitos gerais, claro, e depois vamos ver os específicos. Hoje vamos ver a regularidade formal e o preparo.
 

Regularidade formal

É muito fácil. Requisitos de admissibilidade são exigências legais, exigências de que o recurso seja apresentado dentro daforma prevista em lei, observando os requisitos formais. Veremos que requisitos formais são esses.

O processo é uma coisa bem formal mesmo, os recursos mais ainda. Já foi pior, é claro. Errar um nome ensejava o não conhecimento.

Primeira exigência, então, é que o recurso seja apresentado em forma de petição. O que é petição? Peça escrita. É a fórmula geral. E na forma oral, podemos? Só em casos excepcionais, específicos. Acontece em audiência, em que a parte diz oralmente e o juiz reduz a termo.

Próximo requisito geral é que seja redigido em português. Temos que 0usar o vernáculo. Cuidado, nova geração! Excesso de latim é brega, horrível, e para nada serve. O que mais se deve buscar ao redigir uma petição não é nem que se ganhe a pretensão, mas que o juiz leia. O recurso deve ser objetivo. Há até cursos sobre formatação do documento em que o recurso é escrito. Nada de marca d’água, isso é horrível e não faz sentido. Folha deve ser branca! Acreditem, os magistrados não leem recursos escritos em fontes desagradáveis e de tamanho econômico.

O recurso é dirigido a quem? Excelentíssimo Senhor Doutor fulano quem? Juízo a quo! O juízo que proferiu a decisão. É ele que faz o primeiro juízo de admissibilidade. Ele receberá e, se for o caso, encaminha ao juízo ad quem. Cuidado, não escrevam “excelentíssimo juízo a quo”.

Não se esqueçam: há recursos que são dirigidos diretamente ao juízo ad quem. São exceções.

Qualificação: não é necessário qualificar a parte novamente. Só o terceiro prejudicado precisa se qualificar, pois não está nos autos ainda.

Há pessoas que não gostam de indicar endereço em petições. Há os que querem evitar serem encontrados para outras demandas. Então, a dica é procurar um processo em que o sujeito é autor. É obrigação da parte atualizar o endereço, muito embora ninguém faça isso. Em caso de mudança, reputam-se válidas as intimações enviadas para o endereço anterior.

Mais importante da regularidade formal é que o recurso tenha fundamentação. A parte, claro, precisa questionar a decisão. Vamos descobrir o que é importante fazer aqui. Por acaso podemos dizer: “não concordo com a decisão, pugno pelo seu reexame!”? Não se admite em Processo Civil recurso em termos gerais. O recurso simplesmente não será conhecido. É como a inépcia da petição inicial. Ainda que sucinta, o recurso tem que ter fundamentação. Não está vinculado ao número de páginas, pois um recurso de cem páginas pode perfeitamente ter fundamentação horrorosa.

E quanto a recorrer dizendo “venho recorrer, e reitero tudo que disse no processo até agora”? Também não podemos fazer isso. Isso não é fundamentar. E cópia e cola? Pode! O que importa é atacar a decisão, então devemos fazer o devido ajuste na redação do recurso. Pode ser que copiemos algo que nada tem a ver com o que o juiz decidiu. Se o juiz nos negou legitimidade, temos que atacar a questão da legitimidade. Reiterar simplesmente não, pois o recurso é discursivo. Reiterar é válido, desde que fundamentando.

Outra pergunta: podemos complementar a fundamentação? Protocolamosnosso recurso e, depois de um tempo, notamos que ele não estava bom. Podemos protocolar outra peça, complementando? Não. O recurso tem que estar perfeito e acabado no momento em que é interposto.

Há um posicionamento firmado pelo Tribunal de Justiça aqui do Distrito Federal. O professor estava com um recurso interposto aguardando o juízo de admissibilidade. Enquanto aguardava, foi julgado outro recurso, com decisão favorável à tese dele. O professor aproveitou fez uma petição simples dizendo, em resumo, “requeiro juntada ao recurso do acórdão tal.”. Afinal, era pronunciamento do próprio Tribunal que havia acabado de ser proferido. O problema é que isso significaria emendar o recurso, e não se admite emenda. O desembargador que apreciou o recurso ordenou o desentranhou da peça.

Pedido: claro que, toda vez que peticionamos, estamos pedindo algo. Qual o pedido? Pode ser uma alegação de error in procedendo. O pedido neste caso é cassação; se atacamos o error in judicando, pedimos a reforma. Na prática, as pessoas pedem errado, às vezes nem pedem, mas a jurisprudência entende que, se da fundamentação for possível entender o que a parte quer, o recurso poderá ser provido.

Por último, o recurso tem que ser assinado e subscrito por um advogado. Ele que tem o poder de fazer isso. Não é exatamente a parte. A petição tem que estar assinada. Sem assinatura o recurso não deverá ser conhecido.

Protocolado um recurso nas instâncias ordinárias, ou seja, primeiro e segundo graus, tanto da justiça estadual quanto na justiça federal, nota-se que o advogado não assinou a peça, ou não tem procuração. A pergunta é: o juízo ad quem já não conhece do recurso ou abre vista para regularização? Abre vista para regularização. Art. 13 do Código de Processo Civil:

Art. 13.  Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. [...]

Nas instâncias ordinárias a parte, portanto, tem uma chance. Claro que não é admissível para um bom advogado esquecer a assinatura. Nas instâncias superiores, no STJ e no STF, aplicar-se-á a Súmula 115 do STJ:
STJ, Súmula 115: Na instancia especial é inexistente recurso interposto poradvogado sem procuração nos autos.

Alguns podem ser pacientes com o advogado e abrirem vista. Mas não contem com isso.

Vamos, portanto, resumir as exigências legais que tornam o recurso formalmente regular:

 

Preparo

Qual o conceito de preparo? Tudo de que estamos falando aqui são exigências legais. O preparo, o segundo requisito extrínseco do recurso, é a exigência legal de que o recorrente comprove o pagamento dos encargos financeiros relacionados com o recurso. Como assim? Nós, quando recorremos, estamos pedindo uma prestação do serviço público. O Estado é quem julga seu recurso. O serviço é pago, e há uma contraprestação para isso, pelo processamento e julgamento. Ao recorrer, renova-se a pretensão e o procedimento. Portanto paga-se.

Vamos aos detalhes.

Os encargos financeiros compõem o quê? As custas e o porte de remessa e retorno. Porte de remessa e retorno não são coisas diferentes? Custas e despesas são diferentes. Custas fazem parte das despesas. “Custas” é algo específico. Porte de remessa e retorno, coisa única, é o trânsito do recurso de uma instância para outra e seu retorno para a instância de origem. É cobrado com base na tabela dos correios. São duas guias: uma para as custas, e outra para o porte de remessas e retorno.

Preparo engloba custas processuais, que dizem respeito à prestação pelo serviço público e ao porte de remessa e retorno. Ida e volta do processo. Hoje está mudando porque estamos implantando o processo eletrônico.

Valores: como e quanto pagar? Como saber? Antigamente a parte era intimada do valor; hoje não. Os tribunais previamente fixam suas despesas processuais. Periodicamente eles divulgam tabelas atualizadas. Nessa tabela de custas há o quanto pagar, dependendo do valor da causa, mas outros tribunais não. Há estados em que é inviável recorrer, e há pessoas que desistem do recurso por conta dos valores das custas. Nós do Distrito Federal somos privilegiados nesse particular. São Paulo e Rio de Janeiro pagam muito mais do que aqui.

Observações: a Justiça Federal tem seu regimento geral. Os tribunais também explicam como pagar, com guia, código da receita, e tudo mais.

Qual o momento de provar o pagamento? Quando da interposição do recurso. Pode até ter pagado mas, se esqueceu de comprovar, acabou para ela. Comprovar fora do prazo é razão de inadmissibilidade.

Art. 511: No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. [...]

Veja: no ato da interposição do recurso. Não se pode recorrer no primeiro dia e comprovar no décimo terceiro. Pelo mesmo motivo que já estamos acostumados: preclusão. A interposição do recurso antecipa o fim do prazo. Não pensem que o prazo será sempre o máximo legal, como 15 dias para apelação. Se o recurso for interposto no quarto dia, não significa que ainda há 11 para a comprovação do preparo.

Cuidado com os serventuários de má-fé, que podem arrancar a cópia da guia. É bom que você ou seu cliente não padeçam da antipatia do serventuário que notar o nome escrito na etiqueta. O que se deve fazer é pedir que se protocole a guia separadamente, trazendo cópia consigo.

Exceções ao preparo imediato: a regra é que se deve comprovar o pagamento no ato da interposição. Mas há exceções legais e decorrentes de justo motivo. Há recursos, na Justiça Federal, por exemplo, que têm prazo diferenciado. Nos Juizados Especiais, temos 48 horas após a interposição do recurso para comprovar o pagamento do preparo. É uma exceção ao preparo imediato. Os juizados são a primeira exceção.

Para os processos que tramitam na justiça federal, temos a Lei 9289/96, com o regimento de custas da JF:

Art. 14. O pagamento das custas e contribuições devidas nos feitos e nos recursos que se processam nos próprios autos efetua-se da forma seguinte: I - o autor ou requerente pagará metade das custas e contribuições tabeladas, por ocasião da distribuição do feito, ou, não havendo distribuição, logo após o despacho da inicial; II - aquele que recorrer da sentença pagará a outra metade das custas, dentro do prazo de cinco dias, sob pena de deserção;

Há também uma exceção relacionada ao justo motivo no Código de Processo Civil:

Art. 519. Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo.

Parágrafo único.  A decisão referida neste artigo será irrecorrível, cabendo ao tribunal apreciar-lhe a legitimidade.

O que é justo motivo? Nosso CPC não costuma conceituar muito. Mas o justo motivo está conceituado no art. 183, § 1º:

§ 1º  Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

Atentem para o “motivo alheio à vontade da parte”. Greve é um exemplo comum. Mas há outro bem específico que deu muita discussão na jurisprudência. A jurisprudência, esta “do bem”, assentou que, se a parte recorrer no último dia do prazo, encerrado o expediente bancário, ela poderá pagar no primeiro dia útil seguinte. É entendimento do STJ.

Isenções: há isenções de dois tipos: objetiva e subjetiva. Objetiva é a isenção em razão do tipo de recurso. Há recursos que dispensam preparo. Embargos de declaração, por exemplo. Art. 536 do CPC:

Art. 536. Os embargos serão opostos, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo.

Agravo retido também não requer preparo. Art. 522, parágrafo único.

Depois, quando estudarmos os recursos um a um, iremos ver os que requerem preparo de acordo com a sua natureza jurídica.

Isenção subjetiva é aquela em razão da qualidade da parte. Art. 511, § 1º:

§ 1º  São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.

Beneficiários da justiça gratuita, os juridicamente pobres, além das pessoas jurídicas de direito público, autarquias e Ministério Público. O que é juridicamente pobre?É o pobre de fato? Não necessariamente. Um cidadão com salário de R$ 26.400,00 pode ser beneficiário da justiça gratuita. Até mesmo Silvio Santos! Sim, pois sua dívida era maior que seu patrimônio no momento da crise do Banco Panamericano.

A condição de juridicamente pobre pode mudar durante o processo? Pode. Proferida uma decisão judicial, o sujeito não tem os benefícios da justiça gratuita ainda. Pode pedir? Sim, com efeitos ex-nunc, para frente somente. Antes da concessão, ele alega uma preliminar de gratuidade da justiça. E agora? O juiz defere ou indefere? Ele indefere a justiça gratuita, mas abre vista para q a parte efetue o pagamento. A regra é a recorribilidade, lembrem-se! O recurso cabível veremos no futuro. Provavelmente será um agravo de instrumento, já que ataca uma decisão interlocutória.

Por último, o preparo insuficiente: por má-fé ou por erro, a parte paga menos do que o valor. Dever-se-á abrir vista para complementar.

Art. 511, § 2º: A insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias.

Pergunta: há percentual para que se tenha a chance de complementar? Não. A jurisprudência se limita a dizer: “desde que não haja má-fé.” Entretanto, é difícil provar a má-fé, como sabemos. A parte pode pagar R$ 2,00 quando deveria pagar R$ 800,00.

Resumo sobre o preparo:

Amanhã: tempestividade.


  1. Dentre os recursos que conhecemos até agora.
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