Vamos
introduzir a matéria hoje. Vamos
falar sobre o conceito de recurso, recursos e ação autônoma de
impugnação,
fundamento dos recursos, a razão de ser deles, por que a doutrina
sustenta a
existência dos recursos, a ideia de duplo grau de jurisdição, como é a
estrutura do Poder Judiciário hoje, e a natureza jurídica dos recursos.
Na aula
que vem vamos para decisão judicial e melhor visualizar a matéria.
Conceito de recurso
A
ideia agora é visualizar é o
que significa esse ato, esse instrumento processual chamado recurso.
Para que
ele serve? Qual a ideia dele em nosso ordenamento jurídico? É diferente
de
outros países. No Brasil, portanto, o que é esse ato chamado recurso?
Do
ponto de vista processual, temos
o conceito amplo e o restrito de recurso.
Temos na própria Constituição, no inciso LV do art. 5º:
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. |
Bateram
em meu carro. Acho que a
culpa foi da outra pessoa. O indivíduo que abalroou meu veículo não
quer pagar
o conserto. Temos um conflito, sem solução. Qual a forma para
solucionar, se
amigavelmente não for possível? Processo. Daí perguntamos: “qual o
recurso que
o cidadão tem para garantir esse direito?” Ajuizar uma ação judicial.
Daí fará
a petição inicial, exercendo o seu direito de ação. Note que o
“recurso” aqui
chama-se “ação judicial”.
Nisso,
o réu será citado. Ele
acha que não tem culpa. Qual o recurso
que ele tem para se defender? Contestação.
É o instrumento (jurídico-processual) de defesa do réu. Ele pode,
também,
alegar que o juiz é incompetente, de forma relativa. Qual o
instrumento, ou
melhor, o recurso que ele tem? Exceção de incompetência. E se discordar
do
valor da causa? Impugnação do valor da causa. Para cada possível
gravame, um
recurso!
Assim
pudemos entender, então, o
conceito amplo de recurso: instrumento de defesa de um direito que a
parte
entende ter.
Conceito restrito de recurso
Também
é um instrumento jurídico
processual. Alguns chamam de remédio, pois dá a ideia de cura. Mas, do
ponto de
vista específico, o recurso é o
instrumento jurídico processual direcionado contra uma decisão judicial.
O
que se busca nesse recurso, de forma bem geral? Se a parte não gostou
da
decisão, ela quer que ela seja revisada, alterada. Ela busca, portanto,
o reexame da decisão judicial.
Próxima
pergunta: a quem é
direcionado esse instrumento jurídico processual visando ao reexame? A
um órgão
hierarquicamente superior, como regra.
Também existem casos em que o recurso é dirigido ao mesmo órgão
julgador.
Outra
indagação: esse recurso é
apresentado dentro da relação jurídica processual que já existe, ou é
considerado ação nova? É um exercício do direito de agir? Com o
recurso, apenas
prolonga-se a relação jurídica processual. O processo já existe, e a
relação
jurídica processual também já está formada. A discussão é estendida.
Muito
cuidado com a expressão
“dentro do processo”. Não é sinônimo de “autos”. O agravo de
instrumento, por
exemplo, forma um caderno processual novo. Mas é o mesmo processo! Há
outros
recursos que são interpostos dentro do mesmo caderno. O novo caderno
formado
chama-se “autos apartados”.
Finalizando:
o recurso, do ponto
de vista processual estrito, é o instrumento
jurídico processual direcionado, em regra, ao órgão hierarquicamente
superior
dentro da mesma relação jurídica processual, visando ao reexame da
decisão
judicial.
Claro
que o conceito restrito
está dentro do conceito amplo. Qual o recurso para impugnar o valor da
causa? É
um instrumento jurídico chamado “impugnação ao valor da causa”. Qual o
recurso
usado para impugnar uma sentença, que e proferida na primeira
instância?
“Recurso de apelação!” Não confunda, então, o sentido restrito com o
amplo de
recurso.
Observe:
recurso está ligado,
necessariamente, à sucumbência? O que é sucumbente? É a ideia de prejuízo. Ou seja, se alguém sofreu
prejuízo no processo, é porque a decisão judicial proferida foi
contrária a
ele. A parte sucumbente sofreu um prejuízo. Cuidado, pois não se trata
somente
de prejuízo econômico. A decisão desfavorável, por si só, já
caracteriza
sucumbência. Então fixe essa ideia: recurso está ligado à sucumbência.
Quem tem
sua pretensão integralmente atendida não tem razão de recorrer. Mesmo
que a
sucumbência seja mínima. Ter ganhado tudo o que foi pedido faz eliminar
o interesse recursal. Não faz
desaparecer
o interesse processual, no entanto, a decisão que condena a parte
contrária a
pagar 98% do valor pedido em uma ação que tenha valor econômico claro;
o autor
pode recorrer para buscar os 2% remanescentes.
Decisão judicial
Dentro
de um processo, o juiz,
praticando os atos de impulso processual, chegará à decisão. E agora,
quais os
caminhos que o processo pode percorrer? Quem foi prejudicado pode
apresentar um
recurso. Nosso sistema processual
brasileiro adota como regra a recorribilidade. O que
significa isso? Proferida uma decisão
judicial, em regra,
algum recurso é cabível. Raras são as decisões judiciais das
quais não
cabem recurso.
Uma
das opções, portanto, é
recorrer da decisão. O recurso será julgado, ou por órgão
hierarquicamente
superior, ou pelo mesmo órgão, mas esta não é a regra. Será proferida
uma nova
decisão. E dela, cabe recurso? Sim! A regra do sistema continua
valendo: a
recorribilidade. Em último caso poderá chegar ao Supremo Tribunal
Federal.
E
se a parte não quiser recorrer?
Qual a consequência? Preclusão. O processo vive de preclusão! Significa
que,
sem ela, o processo nunca acabaria. O processo tem que caminhar. A
preclusão,
assim, é a perda do direito de praticar determinado ato dentro do
processo.
Decidido e não recorrido, passa-se ao ato seguinte.
Qual
é o nome da preclusão máxima
em processo? Coisa julgada. O
conflito,
quando resolvido, leva ao trânsito em julgado.
Muito
importante: a parte é
obrigada a recorrer? É o recurso um ato obrigatório? Não. A
parte tem a faculdade de recorrer.
E quanto ao poder
público? Há necessidade de recorrer? Na verdade, não, muito embora
vejamos
muitos recursos interpostos por pessoas jurídicas de direito público e
entidades da Administração Pública em geral. Recorre-se por obrigação
derivada
da política da administração. Ainda assim não existe obrigação
processual de
recorrer.
Não
confunda recurso com a remessa necessária,
que são decisões
judiciais reexaminadas de ofício. É imposição legal que haja o reexame.
Recursos e ações autônomas de impugnação
Vimos
aqui, no conceito
processual restrito, que recurso é instrumento jurídico processual
usado contra
uma decisão judicial dentro de uma relação jurídica processual. É uma
extensão
daquele processo. Mas existem ações
autônomas que também se dirigem contra decisões judiciais. Proferida
uma
decisão judicial, o meio processual cabível para impugná-la, em regra,
é o
recurso. No entanto, existem casos em que o instrumento jurídico
cabível não é
um recurso, mas uma ação nova, visando ao ataque da decisão judicial
proferida
em outro processo.
Qual
a semelhança entre recursos
e ações autônomas de impugnação? Ambos se dirigem contra decisões
judiciais.
Dependerá do caso para que se saiba qual o instrumento cabível. Há
também os sucedâneos recursais, que
estudaremos
depois. Não são recursos nem ações autônomas de impugnação.
Diferença:
recurso é a extensão
do direito de agir, enquanto a ação autônoma de impugnação é a
instauração de
uma nova relação jurídica processual.
Vamos
aos exemplos. Temos a
apelação, agravo, embargo de declaração, embargo de divergência...
Todos são
recursos, e importam prolongamento da ação já proposta. Uma ação
autônoma de
impugnação muito conhecida é a ação
rescisória. Volte à batida do carro. A questão foi a juízo,
ganhei, o réu recorreu,
ganhei novamente. A decisão de segundo grau transitou em julgado. O que
eu, o
vencedor, irei fazer? Requerer meu direito, que é o cumprimento de
sentença, a
satisfatividade. E o réu sucumbente? Ele poderá rediscutir a causa,
novamente! Desta
vez, não mais por recurso, mas por meio de uma ação rescisória. Irá
impugnar a
decisão que já transitou em julgado por meio de uma nova ação. Mesmo
que já
tenha sido examinada pelo o STJ. Entretanto, felizmente, os requisitos
para a
propositura de uma ação rescisória são bem específicos. O autor terá,
por
exemplo, que fazer um depósito por causa de sua nova tentativa. E o
caso deverá
ser gravíssimo, tal como ter passado desapercebido o fato de o juiz da
causa ser
irmão do autor, um impedimento grave. Também válida para casos de
incompetência
absoluta, ação de investigação de paternidade, especialmente depois do
advento
do DNA.
Outro
exemplo de ação autônoma de
impugnação é o embargo de terceiro.
Serve, por exemplo, para a ocasião em que um terceiro tem um bem
penhorado. E
mais um exemplo, mais raro, mas com força em alguns casos: mandado de
segurança, impugnando uma decisão judicial. Somente em casos
excepcionais, pois
a regra é o recurso.
Fundamento dos recursos
Agora
vamos entender o que a
doutrina diz em relação à razão de existência dos recursos.
Valem
a pena os recursos? Os
juízes são em regra preparados, fizeram concurso, têm experiência
jurídica, e
nem todas as vagas são preenchidas. O recurso, portanto, serviria para
desconfiar de um próprio ato do Estado! Seria, em tese, retirar
importância da
decisão de um juiz que se presume perfeitamente qualificado. Por que,
então,
permitir uma decisão após a outra? Porque a decisão do Supremo é melhor
que a
decisão do juiz de primeiro grau?
O
juiz é qualificado, mas é um
ser humano, e está sujeito a erros. Há também a má-fé, um problema
grave. Há
juízes que também não gostam nem do próprio advogado da parte, e acabam
por
prejudicar o cliente, que nada tem a ver com a desavença entre juiz e
advogado.
Qual a forma de controlar essa imperfeição? Recurso. Outro órgão
julgador irá
revê-la. O controle interno do Poder Judiciário é o recurso. É o
Estado,
internamente, revendo os atos dele mesmo (enquanto o controle externo é
feito
pelo Conselho Nacional de Justiça).
Outro
fundamento é que o órgão
superior é mais experiente que o órgão inferior. Em tese, um ministro
do
Supremo tem muito mais experiência que um juiz de primeiro grau. Pode
haver
juízes de 26 anos resolvendo controvérsias judiciais dentro de um
complicado
processo de família, com partes além dos 50 anos de idade, e com
filhos,
momentos que o próprio juiz pode não ter vivenciado ainda. É um ponto
frequentemente posto pela doutrina.
Terceiro:
o juiz, entrando na
carreira, deve ter a pretensão de chegar ao topo dela. Essa é a
pretensão de
todos: subir! Ele, sabendo que as decisões dele serão reexaminadas por
desembargadores ou ministros que um dia poderão votar nele por
merecimento, proferirá
decisões mais fundamentadas, com mais cuidado. O juiz de primeiro grau,
portanto, faz um autoexame de suas próprias decisões. Para saber se um
magistrado é bom basta ler suas decisões, mesmo que esse juízo seja
subjetivo.
É, portanto, a utilidade preventiva
do recurso.
Insatisfação natural: é natural do ser
humano, e, quanto ao
brasileiro, até cultural. Estamos sempre insatisfeitos com a decisão
desfavorável. O recurso faz a pessoa aceitar melhor a decisão que não
lhe
agrada. Sem recurso, haveria um caos de inquietação mental. O recurso
é,
portanto, uma resposta do Estado à insatisfação.
Por
último, há a necessidade de
uniformização da jurisprudência. Num país de dimensões como o nosso, é
comum
que haja duas pretensões idênticas julgadas de maneira diferente em
Manaus e
Aracaju. Os recursos, assim, provocam o afunilamento
dos órgãos julgadores, até que as causas chegam ao STJ ou ao Supremo,
sabendo
que só existe um de cada. É a ideia do novo Código de Processo Civil
que está
tramitando. A ideia é a uniformização de tudo. Quando começarem a
surgir ações
em primeiro grau idênticas, haverá a previsão de dar eficácia erga omnes a elas, sem necessidade de
recurso. Também ajuda a manter a isonomia.
“Duplo” grau de jurisdição
A
ideia do duplo grau de
jurisdição é a garantia do cidadão de buscar o reexame da decisão. Esse
é o
duplo grau de jurisdição. Não se limitar somente a um julgador. É a
previsão do
direito de recorrer da decisão. Significa que não se resumirá a uma
decisão apenas.
A busca desse reexame se dá com o duplo grau de jurisdição. Proferida
uma
decisão
judicial, a parte tem direito ao reexame.
A
garantia é de um único reexame,
mas em algumas hipóteses haverá mais de um reexame. A Constituição
obriga a que
haja o reexame, ou há casos em que há limitação do duplo grau de
jurisdição? Não
há garantia absoluta do acesso ao duplo grau de jurisdição!
Curiosamente, na
Constituição de 1967, criada em tempo supostamente mais inseguro para o
indivíduo, era absoluta a garantia do duplo grau.
Instâncias:
quando falarmos em
“instâncias ordinárias”, estamos falando no primeiro e segundo graus.
As
instâncias superiores se referem ao STJ e ao STF. A instância superior
especial
é o STJ, enquanto a instância superior extraordinária é o STF. Isso é
para
entendermos a nomenclatura usada no sistema recursal.
A
maioria dos processos começam
no primeiro grau, mas há os que iniciam nas instâncias superiores. São
os casos
de competência originária de tais órgãos jurisdicionais.
Natureza jurídica do recurso
Tem
natureza de ação ou de
extensão do direito de agir? É uma extensão do direito de agir. Somente
são
ações, evidentemente, as ações autônomas de impugnação.
O
ato de recorrer é um dever
processual, um ônus processual ou uma faculdade processual? Não
confunda, pois
do ponto de vista da vida recorre-se se desejar. Mas e do ponto de
vista
processual? Vamos rever a diferença entre dever, ônus e faculdade. A
especificação muda de acordo com o momento do processo. O sujeito tem o
ônus de
provar, mas a faculdade de especificar provas. O que é dever? O que é
dever
processual? Praticar o ato para satisfazer o direito alheio. É uma
obrigação
para satisfazer o direito de outrem. Dever de pagar, por exemplo, que
for
imposto à parte. Quem paga satisfaz o direito da outra parte.
Faculdade
processual: quando
dizemos que alguém tem a faculdade processual, a consequência jurídica
é a
mesma. Praticando ou não o ato, sobrevirá
a mesma consequência. Exemplo: especificar provas. Se a parte
disser que não
tem provas a produzir, ou ficar silente, a consequência será a mesma.
Se não
ganhar no reexame, a consequência é a mesma que já ocorreria caso não
ocorresse
(exceto quanto às custas).
E
quando se diz que “determinada
pessoa tem o ônus da prova”? Quando o Código de Defesa do
Consumidor
diz: “o
consumidor tem direito à inversão do ônus da prova”. Se o fornecedor
não
provar, ele será o prejudicado. Ônus é satisfação do direito próprio. A
parte
tem o ônus de provar, em regra, o alegado. Ao deixar de provar, ela
deixa de
satisfazer interesse próprio. Da mesma forma que na contestação: quem é
citado
tem o ônus de contestar, e não a faculdade ou dever, pois a não
apresentação de
contestação implica um prejuízo à própria parte que deixou de fazê-lo.
Não
pensem, portanto, que
faculdade é “opção por fazer ou não fazer”. É assim na vida, mas não no
processo.