Falamos até agora da máquina administrativa. Vamos hoje falar das pessoas que trabalham nessa máquina. Já vimos que o Estado não pensa por si próprio, não é um computador que faz as coisas acontecerem. Até mesmo para fazer o computador dar resultados obviamente há a necessidade da atividade humana, inserir as variáveis para que o computador gere o resultado.
Quem
age pelo Estado,
portanto, são as pessoas: os agentes públicos. E, a partir de hoje,
vamos
entrar numa jornada a respeito, principalmente, de servidores públicos,
e vamos
nisso até encerrar a matéria de nosso primeiro bimestre.
Vamos
explorar bastante a
Lei 8112/1990.
Mas,
antes, temos que dar
alguns conceitos. Temos o conceito de agente público que se assemelha ao conceito de
funcionário
público dado pelo Código Penal, que é a pessoa
que, mesmo que transitoriamente, trabalha pelo Estado.
Ou melhor,
agente público é toda
pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas
da Administração Indireta, inclusive as fundações, empresas públicas e
sociedades de economia mista. Uma coisa bem ampla, só um
pouco menos abrangente
do que o conceito do Código Penal de funcionário público.
Agentes
políticos são
pessoas que exercem mandato, que têm poder de decisão sobre políticas
públicas.
Temos vários exemplos: senadores, deputados, vereadores,
presidente da república,
e há quem inclua neste rol os membros do Poder Judiciário e do
Ministério
Público, promotores e procuradores da república. Por que saem dessa
denominação
genérica de agentes públicos para entrar na circunstância de agentes
políticos?
O membro da magistratura, quando exara uma sentença, se utiliza da sua
autonomia, das suas prerrogativas constitucionais e, principalmente, de
sua
inteligência. Portanto, enquanto confecciona a sentença, ele é pessoa.
Quando é
publicada, quem está se pronunciando ali é o próprio Poder Judiciário,
ou seja,
o Estado. O juiz, neste caso, é órgão, e não simplesmente pessoa. Não
foi
unicamente o “juiz fulano” que proferiu a decisão, mas o Poder
Judiciário em
si. Da mesma forma temos os membros do Ministério Público, quando
subscrevem
uma ação, uma manifestação, um parecer. Quando o Ministério
Público
ajuíza uma ação civil pública contra determinada autoridade, não é o
“promotor
fulano de tal” que propõe a ação, mas o próprio Ministério Público. O
procurador, portanto, é órgão.
Poderíamos
concluir,
então, parafraseando Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que eles podem ser
considerados
agentes políticos também. Tal como é o Presidente da República,
ministros de
Estado, as pessoas que exercem mandato eletivo. Temos, também, a
questão dos
servidores públicos, que pulamos agora.
E
os militares? Há uma
pequena peculiaridade aqui. Até 1998 eles eram considerados servidores
públicos. O problema é que, quando iria-se conceder um aumento para os
militares, os servidores públicos civis também deveriam ganhar. Então
havia a
circunstância de não ganhar aumento porque geraria rombo nos cofres. O
grande
marco nessa situação foi o que se chamou de “28,86%”. A questão dos
28,86% foi,
no entendimento do professor, um paradigma para que houvesse essa
alteração na
questão de denominação de servidores públicos e se destacasse a
categoria dos
militares com denominação própria. Os militares alegam que não
receberam isso.
Civis alegam que também não. Isso gerou uma avalanche de ações na
justiça
federal. Até hoje se falam em processos sobre os tais 28,86% de reajuste. A questão
chegou
a ser apreciada pelo o Supremo Tribunal Federal, quando julgava um
recurso de
embargos de declaração com efeitos infringentes. O magistrado, quando
sentencia, termina sua prestação jurisdicional, e o Poder Judiciário só
continua a analisar a causa quando temos apreciação por recurso, tantum devolutum quantum apellatum.
Houve, então, sedimentação da jurisprudência no sentido de que, se a
omissão
viesse a mudar o julgado, o embargo teria efeito infringente. Significa
então
que teve que dar direito de oitiva da outra parte tendo em vista os
possíveis
efeitos infringentes. Quase transitada em julgado a causa, o governo
reconheceu
o débito, mas sustentou que se deveriam descontar quaisquer aumentos
que os servidores já
tiveram. E mais discussões começaram.
Também
são servidores os
particulares que, em colaboração com o poder público, vieram a dar sua
contribuição, numa forma de descentralização colaborativa, além dos
tradutores
juramentados, concessionários, permissionários, dentre outros. Não
trabalham de
graça, e tradução custa caro. Há o dispositivo processual que prevê que
todos
os documentos serão produzidos no vernáculo. Não é “vernáculo
brasileiro”, mas
a língua portuguesa. Essas pessoas são devidamente remuneradas, e
também são
colaboradores do Estado, mas não pertencem à máquina administrativa. Os
que
trabalham por nomeação, como jurados, também são servidores públicos.
Serviço
militar é outro
serviço que a pessoa é obrigada, sendo homem, a se alistar e, se
escolhido,
servir às forças do país. Se for dispensado, não deve haver alívio
total. Na
melhor das hipóteses ele estará obrigado a fazer o Juramento à Bandeira.
Defender
a soberania brasileira. Então, alguns de nós podem ser convocados
quando
necessário. É uma forma de contribuir com o Estado, mesmo que
temporariamente.
Os gestores de
negócios, por alguns autores chamados de “pessoas honoríficas”, que
contribuem
com o Estado em momentos de catástrofes, epidemias, calamidades também são considerados servidores públicos.
Servidores
públicos, que
são objeto de nossa aula, é no que vamos entrar agora.
Alguns
autores falam em servidores
públicos em sentido estrito: baseiam-se no art. 2º da Lei 8112/1990. É
melhor conceituar
primeiro genericamente antes de ler o artigo: pessoas
físicas, remuneradas pelos cofres públicos, legalmente
investidas em cargo, emprego ou função pública, que prestam serviços ao
Estado
e às entidades da Administração Indireta.
Há
vários autores que
simplesmente entram rapidamente no assunto, que é a classificação de
servidores
públicos, e outros que vêm com conceitos mais genéricos. Como isto aqui
é uma
academia, precisamos ir com mais calma. Para concurseiros, servidor
público é
aquele legalmente investido em cargos públicos. E o professor adiciona:
esses
são os estatutários.
Lembrem-se
que a espinha
dorsal da Administração Pública está nos arts. 37 a 41 da Constituição.
O
Direito Administrativo é o Direito Constitucional Administrativo,
segundo Alexandre
de Moraes. Por isso sempre temos que ter a Constituição à mão.
Pois bem. Servidores
públicos estatutários.
Se são estatutários, estão adstritos ao cumprimento de uma lei. Não é,
portanto, um regime contratual. O candidato faz concurso público, é nomeado, é
chamado
à posse, mas não pode negociar, nada pode ser tergiversado. Significa
que é um
regime unilateral. Em nada se admite negociação. O servidor público
assina um
termo de posse, que é diferente de um contrato de trabalho. A partir
daquele
momento ele se queda a regras já pré-estabelecidas, vinculadas a uma
lei. Há
direitos, obrigações, deveres, conceitos, procedimentos, e tudo que
temos na Lei
8112/90. Vamos explorá-la nesta e nas próximas aulas.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público. |
Servidor
público,
portanto, é aquele que, de acordo com o art. 2º, é legalmente investido
em
cargo público, submetido ao regime legal. Significa que não existe
direito
adquirido frente a estatuto de servidores. Não é regime contratual. Só
se
modifica o direito através de outra lei. E, baseada nessa
jurisprudência, a
Administração Pública conseguiu cortar vários direitos que os
servidores
públicos tinham. O professor, quando entrou para a Procuradoria, tinha
direito
a 60 dias de férias. De repente, foi editada a Lei 9527/97, que alterou
drasticamente a Lei 8112, e tirou as férias de 60 dias dos advogados
públicos
federais. O professor acionou o Judiciário, mas de nada adiantou. A
jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que não existe direito
adquirido
frente aos estatutos. Os membros do Ministério Público ainda detêm seus
60 dias
de férias, bem como os membros da magistratura.
Então vieram legislações que
estabelecem direitos, deveres, responsabilidades, atribuições,
competências. No
anexo dessas leis costumamos ter o que chamamos plano de cargos e salários, onde
podemos
ver as remunerações de várias classes e categorias de servidores.
Estabelece-se
o que se chama de “vencimento básico”, que somente a lei pode
modificar.
A
Lei 8112 é copiada por praticamente todos os demais entes.
Para
se modificar o
vencimento básico, precisamos de uma lei. Pelo princípio da simetria
das
formas, se é a lei que cria, é a lei que extinguirá. Não poderá haver
decretos
para modificar ou extinguir. Mas há uma pequena peculiaridade.
Aprendemos que
decreto, em Direito Administrativo I, é ato originário ou derivado?
Derivado,
ou seja, há necessidade de uma lei que venha a dar as regras gerais,
enquanto o
decreto vem para regulamentar. Ressalvado o decreto autônomo, que bateu
de
frente com a conceituação de vários doutrinadores o que se chama de
decreto.
Houve discussão porque o poder normativo abstrato seria atribuição do
Poder
Legislativo. O Poder Executivo só poderia regulamentar, ou seja, teria
uma competência
derivada. A Emenda Constitucional nº 32 modificou levemente o art. 84
da
Constituição.
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; [...] |
A
Administração Pública
poderá organizar-se desde que não haja aumento de despesas ou criação
ou
extinção de órgãos, ou para extinguir cargos quando vagos. Isso foi
feito no
afã da reforma do Estado. Havia vários cabides de empregos antes. De
vez em
quando podemos ver algumas aberrações na seara administrativa, de
autoridades
baixando decretos deixando à mercê o Poder Legislativo.
É
simples a conceituação
que a Lei 8112 traz. Ela é bem didática, que às vezes até tira a
argumentação
do professor.
Empregados públicos
Diferentemente
dos
servidores públicos, eles não exercem cargo público, mas emprego
público. Temos
aqui uma história da quebra do regime jurídico único a partir da Emenda
Constitucional nº 19/1998, que alterou, dentre os vários dispositivos
constitucionais, o caput do art. 39, que tinha a redação:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira pra os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. |
Significa
que a redação
originária da Constituição de 1988 era tal que o regime dos servidores
públicos
seria único: estatutário. Não havia a possibilidade de se contratarem
servidores públicos pelo regime celetista. Com a Emenda 19, a redação
do
dispositivo passou a ser:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. |
A
Ação direta de
Inconstitucionalidade nº 2135/DF atacou de inconstitucionalidade formal
por
irregularidade na tramitação da Emenda 19, e o STF declarou suspensa a
eficácia
da modificação do caput do art. 39 desde agosto de 2007, modulando os
efeitos
da decisão para que atingisse somente fatos posteriores (efeito ex-nunc).
A
ideia de se
possibilitar a contratação sob regime celetista, pela Administração
Direta e
também pelas autarquias e fundações públicas, era a preocupação, entre
outras
coisas, com a Previdência.
Significa
que agora não
temos mais o regime misto. Na Fazenda Pública, temos somente servidores
públicos sendo admitidos. Há, entretanto, os empregados públicos
clássicos, que
trabalham nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista, na
forma do
art. 173 da Constituição, submetidos à mesma regra de concorrência do
setor
privado. Aqueles empregados públicos se submetem, entretanto, a alguns
princípios da Constituição Federal, mesmo sendo celetistas. Exemplos
são a
vedação à acumulação de cargos e a obrigatoriedade de prestarem
concurso
público, além do teto remuneratório do inciso XI do art. 37. Empregado
público,
diferentemente, exercerá emprego público, e não cargo público, sob
regime da
Consolidação das Leis do Trabalho. Regime, portanto, é contratual
bilateral, ao
contrário do regime jurídico dos servidores públicos, que é unilateral
e legal.
Servidores temporários
Houve
total discrepância
do conceito estabelecido pela Constituição. Art. 37, inciso IX:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...] IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; [...] |
Disse
que a lei deveria
dizer o que é necessidade excepcional e temporária de serviço público.
Houve
então servidores públicos com contrato por prazo determinado, que ali
estavam
atendendo a uma necessidade excepcional e temporária. Veio a Lei
8745/93, que é
a lei que veio determinando o que é necessidade temporária, e quais
cargos em
que poderia haver essa contratação temporária. Em que pesem serem
servidores,
assinam contrato com a
administração,
e não são regidos pelo regime celetista. Há decisões na Justiça do
Trabalho
concedendo FGTS em favor de tais servidores temporários. A tendência é
que se
resolva na justiça federal, com contratos típicos e diferenciados.
Detalhe: não
são submetidos a concurso público, mas ao que se chama de seleção simplificada.
Hoje
há até associações de servidores
temporários indo à justiça porque fizeram concurso público. Era análise
de
currículo e entrevista, mas só quem se dava bem eram os amigos do rei.
Exemplos:
recenseadores do IBGE e pesquisadores em ciência e tecnologia. Há
contratos
temporários que duraram dez, doze anos. Havia medidas provisórias
unicamente
para prorrogar tais contratos.
Não
exercem nem emprego público
nem cargo público. Mas sim função pública,
que não se equivale a cargo nem emprego.
Funções de confiança e cargos em comissão
Por
último temos as
pessoas que exercem funções de confiança e cargo em comissão. É cargo
demissível ad nutum, ou seja, de
demissão não motivada, de livre nomeação e exoneração. A pessoa não
precisa
fazer concurso público para assumir o cargo, mas o cargo está à mercê
da
direção daquele determinado órgão. O cidadão pode ser nomeado hoje,
sexta-feira, e sair na segunda-feira, porque foi publicada a exoneração
dele
mesmo sem que soubesse. É até falta de respeito.
A
Constituição de 1988,
no art. 37, inciso V, trouxe de uma maneira totalmente confusa:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...] V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; |
Quem
exerce cargo efetivo
não é servidor de carreira? Pois bem. É uma definição jurídica não
muito
didática. Coube à doutrina diferenciar: quem exerce função de confiança
são
servidores públicos, servidores de dentro. Atenção: não exercem a
função de
maneira total, tendo que optar por uma representação dessa função. Há
tetos de
vencimentos.
Cargos
em comissão são
justamente para as pessoas que são de fora e que, muitas vezes, “caem
de
paraquedas” naquela repartição, muitas vezes até sem saber do metiê, e
para os
próprios servidores públicos, que têm expertise. Você é servidor
público, o
sujeito recém-chegado é seu chefe, e você terá que ensiná-lo o próprio
serviço
dele para que te chefie.
São cargos de inteira confiança de seus detentores. Geralmente, nos estados são pessoas que ajudaram na campanha eleitoral. Não fazem concurso público e não estão sujeitos às regras de concurso de admissão. São nomeados e exonerados sem qualquer motivação. Não precisam de motivação, e sem direito de defesa, de devido processo legal. Da mesma forma que foram nomeados serão exonerados porque a autoridade que detém o cargo assim o quis, ressalvada a teoria dos motivos determinantes. Se exonerar e justificar, a justificativa torna-se vinculante, e o administrador poderá sofrer com essa vinculação.