Direito Administrativo

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Intervenção do Estado na propriedade


Primeira pergunta que fazemos é: o lar é inviolável, de acordo com a Constituição. Em seu art. 170, no inciso II, temos que é um dos princípios basilares da Carta o direito à propriedade privada. Perguntamos: a propriedade privada é absoluta? Não. Por quê? O interesse público pode relativizá-la, retirar essa circunstância de absolutidade da propriedade.

Se pegarmos o art. 170, inciso III, vemos logo depois da consagração da propriedade privada o princípio da função social da propriedade. Quando falamos em função social da propriedade queremos dizer que ela tem que cumprir não só a lei, mas também, no segundo momento, tem que atender ao interesse público.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

[...]

Não quer dizer que o proprietário não tenha que cumprir com determinadas obrigações, ou instalar-se-ia a zorra total. Guilerme tem uma casinha de grande profundidade, e o administrador público decidiu que exatamente no terreno dele o metrô a ser construído deverá passar. Guilerme pode dizer barrar o administrador e dizer que não vai não, quer não, pode não, que sua mulher não deixa não? E acrescentar dizendo que o lar é inviolável? Infelizmente não. O Estado pode adentrar passar por cima daquela propriedade.

Digamos que com essa obra venha-se a atender algo em torno de 500 mil habitantes. É função do Estado prover o que chamamos de melhores utilidades e comodidades aos administrados. O Estado dirá: “meu caro Guilerme, você perdeu. Indenizo-o previamente, administrativa ou judicialmente.” Não é o nosso foco agora, mas cabe dizer que para Guilerme é melhor a via administrativa para evitar o precatório. E ele há de procurar outra casa.

O Estado pode se imiscuir na propriedade privada para atender ao interesse público. Pode também restringir direitos inerentes àquela propriedade ou até mesmo retirá-la daquele cidadão para que esse interesse público seja cumprido.

Conceito de intervenção: “Imposição de limites e regras, visando dificultar ou obstar qualquer comportamento antissocial dos administrados e satisfazer as exigências da comunidade.” Teremos várias restrições, punitivas e não punitivas. Uma restrição punitiva, por exemplo, é que a propriedade é rural e não está produzindo. Sua propriedade será desapropriada em favor da reforma agrária. Com direito a indenização, claro, mas o Estado pode acabar não pagando muito...

O que interessa saber é que a propriedade, a partir do momento em que não estiver cumprindo a função social, ou, mesmo cumprindo, esteja batendo contra o interesse público, poderá sofrer intervenção do Estado.

Fundamento político da intervenção estatal na propriedade: insere-se justamente na medida em que o Estado deve promover melhores comodidades e utilidades à população. É uma opção administrativa, num primeiro momento. Fazer o estrago é opção. E o fundamento jurídico é, obviamente, o princípio da reserva legal do art. 37 da Constituição, em que podemos ver que o Estado só pode fazer se houver autorização legal.

E aqui temos um conceito do grande e tradicional Hely Lopes Meirelles: “entende-se por intervenção na propriedade privada todo ato do poder público que, compulsoriamente, retira ou restringe direitos dominiais privados, ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público.” Note a palavra “compulsoriamente”. O Estado pode depositar o dinheiro da indenização em juízo, e só restará ao Guilerme sair de casa para que então comecem as obras do metrô. O Estado chegará com o caminhãozinho e a polícia. Restará apenas discutir o valor da indenização. Mas a intervenção é compulsória de qualquer forma. Nem adianta apelar para a emoção hereditária: “esta casa existe há onze gerações! Meu undecaravô viveu em Ouro Preto, era amigo de Filipe dos Santos e a construiu esta casa em 1744! Aliás, deve-se primeiro ver se é indenizável a expropriação. Isso tudo, vejam, para o atendimento do interesse público.

Observação: a aquisição da propriedade pelo Estado é originária, e não derivada. O Estado adentrará naquela propriedade para cumprir com a função dele. Obviamente, se é indenizável a desapropriação, ele depositará em juízo. Se os posseiros vão entrar em confusão para saber de quem é o dinheiro, isso é com eles. Se dependesse da solução do litígio entre posseiros, o Estado não cumprirá com seu principal mister.

Temos dois princípios lá no art. 37. Quais são os princípios extrínsecos do art. 37? Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... Os principais são legalidade e impessoalidade. Não é porque o administrador é amigo do Guilerme que ele irá quebrar o galho e deixar de intervir em sua propriedade. Isso não é correto. Se há interesse público, e ainda for a própria terra do Guilerme que descumpre normas, ela deverá ser desapropriada. Se descumprir normas, há necessidade de intervenção do Estado.

Há de se atingir a função social da propriedade, colocada no art. 170, inciso III, como vimos. Em várias circunstâncias poderá haver impossibilidade de uso, gozo, fruição da propriedade em oposição aos interesses gerais. A propriedade privada não é absoluta.

O Estado se vale de meios interventivos, de ferramentas para ter condições de atuar e fazer valer o interesse público. E a partir de agora vamos falar de um por um, ou pelo menos dos principais. Principais porque há um ou outro autor que inclui outras formas.

O compromisso do professor é trazer a coisa mais enxuta possível, até porque estamos vendo a teoria geral.

Primeiro meio interventivo do Estado na propriedade privada é uma intervenção administrativa. Victor tem um terreno no Lago que usa só para o lazer. Construiu uma piscina, uma churrasqueira, um gramado com campinho de vôlei, mas ocorre que agora está estudando para o exame da Ordem, e acabou “abandonando” aquela propriedade, pelo menos entre aspas: não está dando a devida conservação ou manutenção àquele bem. Então temos aqui leis municipais, distritais, estaduais e federais. No caso, ele descumprirá, primeiramente, uma lei distrital, que é lei de postura: a mensagem é: “Victor, você tem que manter seu mato cortado. Se você tiver uma piscina, você não pode deixar aquela vitamina de gosma florescer nela. Nem deixar que o mosquito da dengue crie condições ideais para se proliferar.” Isso porque os mosquitinhos não ficarão somente na propriedade do Victor.

Temos então, o nome do meio interventivo tecnicamente usado: limitação administrativa. É o primeiro meio interventivo. Não é indenizável. O Estado notificará Victor para que limpe seu terreno ou piscina. Isso está gerando um problema para sua vizinhança, ou seja, está atingindo o interesse público. Temos, portanto, um meio de intervenção chamado limitação administrativa positiva. Gera obrigação de fazer; obriga o administrado a fazer algo baseado na lei. Da mesma forma que o indivíduo não pode deixar o lixo no meio da rua. Deverá deixar acondicionado numa localidade certa.

Nessa limitação administrativa, o Estado não se imiscui na propriedade do indivíduo; não retira qualquer característica inerente à propriedade. Simplesmente diz que o proprietário tem a obrigação de limpar o terreno. Então estamos diante de uma limitação administrativa positiva.

Como também poderia ser negativa: digamos que Victor queira construir uma torre de 50 metros de altura no quintal de sua casa no Lago, justamente no raio de pousos e decolagens de aviões. Não poderá fazer isso, porque não pode haver edificações acima alguns metros. Então há a limitação administrativa simplesmente para que Victor não faça determinada coisa. É a limitação administrativa negativa. Gera obrigação de não fazer.

Vemos aqui em Brasília, pelo tombamento da cidade, prédios com seis andares. Curiosamente há prédios com sete. Há problemas de alta seriedade criados para o IPHAN. A Justiça Federal tem algumas manifestações a respeito disso, em relação a alguns prédios do Plano Piloto. E quem adquiriu as coberturas de boa-fé? O que fazer com essas pessoas? E o que fazer com o pavimento excedente? Dinamitar? Então, nestes casos, há uma imposição negativa aos proprietários desses terrenos porque só poderão construir até o sexto andar. Não poderão ultrapassar essa altura. Em Águas Claras já estão alcançando o céu; há prédios com bem mais de 20 andares. Tiveram até que modificar a lei de postura para que alguns abusos como demolições antieconômicas não tivessem que ser feitas.

Para defender as coberturas, tem-se recorrido à teoria do possível, ou à teoria do fato consumado, com boa-fé dos adquirentes, etc. O que fala a teoria do possível? Todo cidadão tem direito à moradia, a um salário para sustentar uma família com pelo menos dois dependentes, ao vestuário, ao lazer... o Estado não pode fazer tudo. Não tem orçamento, então faz o possível. São os direitos sociais limitados pelo Direito Financeiro. São algumas teorias que estão começando a ganhar força. A cobertura no Plano Piloto é um fato novíssimo. Temos somente sentenças de primeira instância ainda, que provavelmente chegarão aos tribunais superiores.

São limitações administrativas negativas.

A terceira espécie de limitação administrativa é a permissiva, que gera a obrigação ao administrado de permitir fazer; em outras palavras, o Estado pode adentrar na propriedade do cidadão para cumprir com sua função. Alguém já viu no banheiro de empregada uma etiqueta pregada com os dizeres: “Secretaria de Saúde do Distrito Federal”? O que quer dizer aquilo? Que um agente público sanitário esteve em sua casa, e você permitiu que ele entrasse lá jogando pozinhos nos xaxins, visse a qualidade de sua piscina, e examinasse também as questões sanitárias, se está “tudo em ordem”, se há algum pneu com acúmulo de água, fazendo proliferar mosquitos. É uma limitação administrativa permissiva.

Características da limitação administrativa: é genérica, atinge quaisquer propriedades que estejam incorrendo naquele determinado problema; não é individual. Não há discriminação ou especificação de propriedades ou proprietários; a medida atinge as propriedades segundo critérios objetivos. E também é gratuita. Muitas vezes o Estado tem que quebrar cadeados e invadir a propriedade para que possa cumprir com sua função. Atributo do ato administrativo: autoexecutoriedade e presunção de veracidade e legitimidade. Tendo em vista a inviolabilidade do lar garantida na Constituição, o Estado, para se precaver, toma uma autorização judicial geral. O Judiciário exara uma medida cautelar de provimento urgente, sem que haja identificação dos proprietários. Há propriedades em litígio desde a década de 60 no Lago Sul. Sapos se acasalam nas piscinas de algumas casas. O Estado pode entrar ali? Pode. Mas vai diretamente via administrativa? É uma conduta defensável. Para não ensejar pedido de indenização ou outra discussão desagradável para a Administração, os agentes se protegem com uma autorização judicial para assim procederem. É que o interesse da comunidade é maior do que o individual. Por isso existem duas teses: a de que o Estado pode agir administrativamente, sem intervenção do Judiciário, já que está atendendo ao interesse comunitário, daí praticando um ato autoexecutável e que se presume verdadeiro e legítimo, e outra, segundo a qual existe a necessidade de autorização judicial, já que se interfere na propriedade, direito fundamental, e também no lar, cuja inviolabilidade é outro direito fundamental.

A intervenção, portanto, é geral, gratuita, não é indenizável, há necessidade do cumprimento do interesse público; se é geral, não pode haver discriminação ou disparidade de propriedades. Todas que estiverem nessa situação terão que ser afetadas. São instituídas por lei de qualquer das pessoas políticas com a respectiva competência, já que se trata de matéria administrativa. Obrigam os particulares, a própria entidade que as instituiu e as demais pessoas políticas. Trata-se de poder-dever do Estado. Outros autores falam em dever-poder. O que é isso? Poder é prerrogativa do Estado, baseado na supremacia do interesse público; atos de jus imperii do Estado. E o segundo, dever, é obrigação do Estado levar a efeito essa prerrogativa.

 

Outro meio interventivo do Estado é a ocupação temporária. Taguatinga tem sua Administração, que resolve construir seu edifício-sede. Do lado do local tem um terreno vago, cercado, sem utilização econômica ou qualquer outra. Sem ocupação. Roberto, o proprietário, deixou o terreno ali, sem dinheiro para edificar. Não está tendo qualquer tipo de destinação econômica. Perguntamos: vamos construir uma sede do poder público, que necessita de um espaço para colocar seus equipamentos, ou seja, um verdadeiro canteiro de obras. Nosso amigo Roberto diz: "ninguém entrará em meu terreno!" Pode acontecer isso? Não. O Estado pode entrar para utilizá-lo, já que o terreno está vazio. Precisa do terreno para que possa fazer o canteiro de obras e ocupá-lo temporariamente. Primeira diferença desta modalidade interventiva para a desapropriação, que vamos ver na aula que vem, é que a ocupação temporária é... temporária! Depois que acabar a ocupação, indeniza-se o proprietário. Aqui, a indenização é posterior. Roberto pode pedir que se caucione em juízo um valor obtido depois de uma avaliação.

Se ele quiser evitar a ocupação temporária por parte do Estado, ele deverá comprovar a existência de contratos com incorporadora, ou ter memorial descritivo da construção que pretende fazer em breve. Tudo é matéria de prova. Provando a intenção concreta de construir, ele poderá obstaculizar. Não pode, por outro lado, reagir à iniciativa da Administração de ocupar sua propriedade dizendo simplesmente “já que vocês tão querendo usar, então eu vou construir, saiam daqui!”

Ao final, o bem tem que ser devolvido no Estado em que foi ocupado.

O Estado ocupará provisoriamente. Quais os elementos da propriedade que Roberto irá perder? Posse e usufruto. A indenização é posterior. Esse é o detalhe.

Eis o conceito clássico, que está aqui no art. 36 da lei das desapropriações, o Decreto-lei 3365/1941, que ainda está em vigência:

Art. 36. É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização.

Parágrafo único. O expropriante prestará caução, quando exigida.

Mas vai-se além. Exemplo de São Sebastião: é comum, em época de seca, que lá ocorram surtos de hantavírus. São dejetos de ratos silvestres que estão vindo para a cidade por conta da ação humana. O maior predador desses ratos são as aves de rapina. As aves também foram espantadas. Certa feita o DFTV fez uma entrevista com uma família das redondezas de São Sebastião. E aí? Viu como se desvencilhava dos restos da comida. Dava para os porcos e galinhas. Acaba que alimentavam também os ratos que vinham da floresta.

O que o Estado decide fazer? Instalar um posto transitório de saúde, ou de agente sanitário, para fazer a mudança de cultura, e também para vacinar a população. O proprietário pode falar não? Não. O conceito de ocupação temporária não é mais o clássico do art. 36 do decreto-lei de 1941. É algo maior. Então vamos a este conceito de Diógenes Gasparini: “A Utilização provisória que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, faz, mediante indenização posterior, de bem improdutivo próximo à obra que executa ou a serviço e atividade que presta, para instalar canteiro de obra, serviço ou atividade pública, sem alteração ou consumação de sua substância.”

O que é isso quer dizer? Se Roberto entregou o terreno naquela circunstância, ele não poderá ter o terreno devolvido de outra forma. O administrador que dele se utilizou deverá tapar buracos e derrubar edificações.

Temos esses requisitos todos que nós falamos, como também já vimos que isso pode acontecer também com concessionários e permissionários do poder público, que representam o Estado. Também podem levar a efeito as ocupações.

Há circunstâncias similares à ocupação temporária. Estamos dando mais um elastério de entendimento, não só para a formação de canteiros de obras, mas também para escavações de pesquisa para arqueologia. Veja o art. 13 da Lei 3924/1961:

Art 13. A União, bem como os Estados e Municípios mediante autorização federal, poderão proceder a escavações e pesquisas, no interêsse da arqueologia e da pré-história em terrenos de propriedade particular, com exceção das áreas muradas que envolvem construções domiciliares.

Parágrafo único. À falta de acôrdo amigável com o proprietário da área onde situar-se a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada a sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos têrmos do art. 36 do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.

Já na lei 8666/1993, temos que o Estado pode se apoderar de bens particulares, bem como se utilizar de bens e empregados de empresas para que se possa efetivar a continuidade dos serviços públicos:

Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

[...]

V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

[...]

E também temos no § 1º do art. 35 da Lei 8987 (que trata das parcerias público-privadas) que, em caso de caducidade da concessão, ou por encampação da concessão, o Estado pode se ocupar de todos os bens reversíveis.

§ 1º Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato.

São bens em poder da iniciativa privada, mas, quando vence a concessão e outra concessionária ganha a licitação, aqueles bens passarão à outra concessionária. A nova terá que ressarcir a antiga por bens usados. É uma forma de ocupação temporária também.

Art. 5º, inciso XXV da Constituição:

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

Se houver. É o que os autores chamam de requisição.

Requisitos da ocupação temporária:

  1. Realização de obras públicas, serviço ou atividade pública;
  2. Necessidade de ocupação do terreno;
  3. Inexistência de edificação no terreno ocupado;
  4. Obrigatoriedade de indenização;
  5. Prestação de caução prévia, quando exigida.

Podem valer-se da ocupação temporária, desde que autorizadas por lei ou contrato, as fundações públicas, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e os concessionários de serviços públicos.
 

Tombamento

Já viram o código de barras da sua carteira em que você se senta na sala de aula? Com a leitora dos códigos de barra, dá para se acessar o registro daquele bem, que contém o responsável pela carteira, o valor, o estado, onde ela está, e a quem pertence. É o controle de bens da instituição. O Estado pode fazer a mesma coisa: ter um registro de bens que considera de interesse público.

Há determinadas propriedades particulares cuja conservação é interesse do Estado. Casas de arquitetura histórica de Ouro Preto, por exemplo.

Art. 216, § 1º da Constituição:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de:

I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.

Estamos falando de patrimônio artístico, histórico, arqueológico, cultural, paleontológico, da memória de nosso país. O Estado tem interesse em restringir a utilização desses bens. É o princípio da imodificabilidade do bem, tendo em vista que suas características originárias são de interesse do Estado.

É uma restrição parcial do bem, que põe limites à sua alienabilidade, mas não significa a impossibilidade. O tombamento pode terminar por valorizar ou desvalorizar o bem.

Em Brasília, temos a questão dos outdoors. O patrimônio histórico exigiu que fossem retirados. Vários deles foram postos no chão. Ferem a paisagem natural da cidade. Outra coisa que foi preservada da modernização foram as paradas de ônibus dos eixinhos do Plano Piloto.

Propriedades imateriais: como falamos na aula sobre bens públicos, há os bens imateriais, que também podem ser tombados. capoeira, dança dos cocos, culto a Padrinho, Padre Cícero.

No IPHAN, por exemplo, há o departamento de bens materiais e o de bens imateriais. O processo de tombamento é rico de estudos, sejam eles técnicos, históricos, artísticos, com pareceres técnicos maravilhosos, inclusive. Um processo de tombamento pode demorar anos.

E não se deve destombar, embora exista a possibilidade jurídica. Fazemos um raciocínio comparando com o meio-ambiente. Não se pode malferir o meio-ambiente e não se pode malferir o patrimônio da cidade. Não existe meio-termo em nenhum dos dois. Se a cidade de Brasília perder o título de patrimônio cultural da humanidade, pode ser por culpa do Estado.

Efeitos do tombamento:

  1. Imodificabilidade do bem tombado;
  2. Limites à alienabilidade;
  3. Fiscalização do Poder Público;
  4. Restrições a imóveis vizinhos.

Digamos que Roberto, dono de vários terrenos no DF, nem todos sendo utilizados, possui um ao lado de um bem tombado. O efeito é que ele não poderá construir ou deixar construir uma grande torre de escritórios, por conta da restrição a imóveis vizinhos. Não poderá também usar bate-estacas que possam causar tremor e provocar a instabilidade do bem antigo ao lado.

Observações:

  1. Desvalorização por causa do tombamento não é indenizável;
  2. A conservação do bem tombado corre por conta do proprietário, salvo a comprovação de que não possui recursos.
  3. O direito de propriedade é resguardado; só a alienação é limitada.

Fundamentos: o fundamento político é o domínio reconhecido e exercido pelo Estado sobre todas as coisas, bens e pessoas situados em seu território. O jurídico é o art. 216 da Constituição, que lemos acima.

Na legislação infraconstitucional federal temos o Decreto-lei 25/1937, cuja ementa é: “Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.” O art. 24 da Constituição de 1988 prevê a competência concorrente da União, estados e Distrito Federal para legislar sobre patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, no inciso VII. Atenção para os §§ 2º a 4º:

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

O dever dos municípios em relação a esses bens está no art. 30, inciso IX da Carta:

Art. 30. Compete aos Municípios:

[...]

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

[...]

Lembre-se que a competência, na regra geral, é da União.