Direito Administrativo

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Intervenção do Estado na propriedade – conclusão


Esta será nossa última aula. E cairá na prova.

Aprendemos na aula passada que a propriedade particular tem algumas características que temos que observar. Primeira delas é o cumprimento da sua função social, como também o cumprimento da legislação inerente àquela propriedade. A partir do momento em que você é proprietário de determinado bem, você está sujeito a restrições sobre ele, que pode ser desde uma limitação administrativa até a necessidade do Estado de ocupá-lo, desde que não esteja edificado, e provisoriamente, podendo também chegar ao que chamamos de restrição de uso do bem, se de interesse público, tendo em vista suas características históricas, culturais, paleontológicas, e assim por diante. Nisso, já estamos falando de tombamento, que é o registro, oi controle do bem, para que não perca suas características naturais.

Hoje entramos numa seara em que o Estado se insere na propriedade, desta vez, de maneira mais drástica. Na ocupação temporária, o Estado sai depois. Então não é tão grave para o proprietário. Falta vermos essas duas últimas ferramentas para que a propriedade possa cumprir com sua função social e também ao interesse público. 
 

Servidão administrativa

Meu amigo Leo tem um terreno, uma propriedade que faz a intermediação entre duas cidades. Uma delas possui 200 mil habitantes, e a outra tem 100 mil. Nesse cenário já possível notar que é grande a propriedade. Estudos técnicos comprovaram que há a necessidade, para que se gerem melhores comodidades para a população da cidade de 100 mil habitantes, de que se passe uma linha de transmissão de energia elétrica. Leo, o proprietário da grande terra por onde passará a linha, pode dizer “nananinanão”? O Estado pode, por conta da negativa do proprietário, passar a linha por fora, circunscrevendo os limites e gastando mais cabos? Não. Vamos começar a aprender outra situação. Apesar de a propriedade estar cumprindo com sua função social, ou seja, de repente a terra é produtiva, o interesse público pode, ainda assim, falar mais alto. Temos, aqui, circunstâncias em que a terra do Leo sofrerá uma intervenção do Estado para atender a uma utilidade ou interesse público. “Perdeu, Leo! Vamos ocupar esta faixa de terra para construir a linha de transmissão e você perderá a posse e o usufruto dessa faixa.” Poderia ser não só uma linha de transmissão, mas também uma estrada.

Ao viajar para o Nordeste de carro vemos loteamentos e fazendas. O Estado, para a prestação de um serviço de utilidade ou necessidade pública, pode se utilizar de terreno alheio e nele se inserir para que esse serviço possa ser prestado. Estamos falando de servidão administrativa. Leo, o dono, não perde a propriedade do bem, não perde a propriedade daquele trecho em que foi construída a linha de transmissão. Geralmente são concessionárias, pessoas jurídicas de direito privado que têm a concessão do Estado para a intromissão na propriedade. E o proprietário, mesmo que por acaso seja engenheiro ou arqueólogo, não pode negociar com o administrador sobre o “melhor local” para a instalação da linha; nem mesmo se o próprio particular vislumbrar a maior eficiência! Isso porque é opção administrativa, cujo controle não é feito nem pelo Poder Judiciário. E não pode também, o proprietário, se valer de seus próprios assistentes técnicos para comprovar o maior rendimento ou menor dano. Só cabe chamar seus peritos para discutir, em juízo, uma majoração da indenização. É a única coisa que resta ao proprietário.

O Estado se insere na propriedade, e isso é uma opção administrativa; não cabe intervenção do Judiciário neste caso. Leo terá que permitir, ou amigavelmente, ou judicialmente.

É um direito real de gozo; direito real porque recai sobre a propriedade. Há necessidade, então, de registro no cartório de registro de imóveis sobre o ônus que é gravado nesse bem, para que o gravame se oponha erga omnes. A servidão impõe uma restrição de uso do bem.

Eis o conceito da doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro de servidão administrativa: “Direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado de utilidade pública.”

Em nosso exemplo, a coisa serviente será o imóvel de propriedade do Leo, e a coisa dominante será o serviço a ser prestado nessa faixa de terra, ou o bem afetado para fins de utilidade pública. O titular do direito real, neste caso, será, enquanto ocupada essa faixa de terra, o poder público. Ou ele, ou quem fizer as vezes.

Leonardo não perderá a propriedade, porque vinga aqui o caráter de perpetuidade. Enquanto houver interesse público daquela passagem de servidão, aquela coisa continuará lá. O poder público não adquire a propriedade para a servidão.

E como se faz a transferência de bens imóveis de acordo com o nosso Código Civil? Título aquisitivo dominial por meio de escritura pública, devidamente registrada no cartório imobiliário daquela circunscrição. Muitos fazem contrato de gaveta; o bem está hipotecado ou financiado, então passa-se um instrumento de promessa de compra e venda. Esse instrumento só valerá entre as partes, porque vai fazer com que a parte entregue o bem e que a outra entregue ao vendedor. Mas não poderá exigir aquilo da parte. Se a Caixa Econômica Federal financia o imóvel, então o dono ainda não é o comprador, pois ainda não houve a transmissão. Se houver venda do imóvel do comprador não quitado para outro, deve haver anuência do credor hipotecário. Então, se vocês tiverem interesse em algum imóvel, vão, antes de tudo, buscar a certidão de ônus reais dele. Peça a certidão vintenária. Traga a vida do imóvel todo: quem construiu, quem passou para quem, o terceiro proprietário, se há penhora de primeiro, segundo, terceiro, quarto graus, assim você descobre se o proprietário é um devedor recalcitrante...

Como dissemos, caberá ao proprietário discutir somente o valor indenizatório em juízo, caso não concorde, o que acontece muito. O Estado raramente oferece um valor satisfatório. O que o proprietário pode fazer, portanto, é, em juízo, manifestar a aceitação daquele valor oferecido pela Administração, deixando claro que aquilo se trata de parcela incontroversa da indenização. Se isso não ficar claro, o Estado pedirá extinção do processo com resolução de mérito fundada na renúncia do direito sobre o qual se funda ação, conforme o inciso V do art. 269 do Código de Processo Civil.

A servidão administrativa se dará de três formas: por lei, por acordo, ou por decisão judicial.

A primeira é a feita diretamente por lei. E aqui temos o exemplo daquelas residências que circunvizinham os aeroportos, cujo proprietário é obrigado a permitir a aterrissagem e decolagem de aviões mediante a abstenção de erguer edificações altas. E isso não é indenizável. Esse exemplo em particular é chamado, por alguns autores, de limitação administrativa, pois pode ser imposta a todas as propriedades dos arredores a obrigação de não se levantarem prédios altos. Se o ato for generalizado e usar-se de critérios objetivos, será uma limitação administrativa. Se, em outro caso, o que fizer fronteira com a área do aeroporto for uma única ou poucas grandes propriedades, então a Administração pode impor que se crie a servidão administrativa, obrigando os proprietários a permitir o trânsito de aeronaves; a propriedade fica afetada ao serviço de transporte aéreo. Na servidão, as propriedades são individualizadas, ao contrário da limitação administrativa.

Se houver lei dizendo que tal modo interventivo é uma servidão, então é servidão. Se houver lei proibindo o levantamento de prédios ou antenas acima de 123 metros, então é limitação. Abrange não uma única propriedade, mas várias.

Essa forma direta de constituição da servidão administrativa independe de homologação, acordo, manifestação de vontade, qualquer ato jurídico.

A segunda forma de se instituir a servidão administrativa é por acordo, precedido de ato declaratório. O Estado ou seu concessionário se apresenta oferecendo um valor, formando um acordo que pode ser homologado judicialmente ou registrado no cartório. O proprietário, também, poderá negar, então o Estado ou o concessionário deposita em juízo, se imite na posse, e resta ao proprietário somente discutir o valor da indenização. De qualquer jeito, haverá limitação do direito de propriedade (não confundir com limitação administrativa). Outra possibilidade de discussão em juízo é se, por acaso, houver nulidade ou descumprimento de formalidade no ato administrativo. Descumprimento de requisitos do ato administrativo, ou de princípio. Quais princípios? Legalidade ou impessoalidade. De vez em quando a propriedade submetida pertence a um desafeto do prefeito, ou do diretor da concessionária, e o sujeito, para troçar o proprietário, resolve fazer uma servidão. Mas é opção administrativa, e não pode ser questionada judicialmente.

Continuando.

Obviamente, não havendo acordo, o Judiciário se pronunciará sobre a indenização. Esta é a terceira forma de constituição da servidão administrativa. No Decreto-lei 3365/1941, a chamada Lei Geral de Desapropriações, temos, no art. 40:

Art. 40.  O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei.

Note a palavra expropriante. Hoje temos clara a diferença entre servidão administrativa e desapropriação, modo interventivo que vamos ver logo mais. A indenização é questionável; há servidões que podem não gerar indenizações. Há acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que dizem que expropriações necessariamente geram indenização. Nada pacifico, portanto. Todo o processo indenizatório depende de matéria de prova. Nos casos de passagem de linha de transmissão, via férrea ou rodovia, sem comprovar o dano, dificilmente o proprietário obterá indenização.

Se a servidão for oriunda de lei, não poderá haver indenização. Só se houver acordo ou decisão judicial, incidindo sobre imóveis determinados.

Servidão administrativa recai sobre propriedade certa e determinada, ao contrário da limitação administrativa, que atinge várias propriedades que satisfazem determinados requisitos eleitos pelo administrador. É uma das diferenças que vimos. Outras diferenças são: na limitação administrativa, não há indenização. Na servidão, em boa parte dos casos, haverá. Outra é que na limitação o Estado não se insere na propriedade, não retira nenhuma característica dela. Na servidão o Estado retira algumas características inerentes à propriedade, no caso, posse e usufruto, por determinado período de tempo.

Extinção da servidão: como se extingue a servidão? Quais são as causas extintivas? Digamos que houve uma erosão na propriedade onde passou a linha de transmissão. Acabou a servidão, porque destruiu a propriedade. A perda da coisa sobre a qual se institui a servidão é uma forma de extinção da intervenção. Também extinguiria a relação jurídica de servidão se a pessoa em favor da qual fosse instituída a modalidade interventiva passasse a ser, também, dona da propriedade. Exemplo: institui-se a servidão sobre uma propriedade rural para que se permita construir uma rodovia que a atravesse. Posteriormente, a propriedade, por outro motivo, é declarada de interesse social para fins de reforma agrária e é desapropriada. Lembram os autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que, como não se pode falar em servidão sobre os próprios bens de uma pessoa, extingue-se aquela.

Também extingue-se quando não houver mais o interesse público sobre aquela passagem, ou a perda da coisa dominante, do serviço. O que acontecerá é que a posse e usufruto daquele bem irão retornar ao proprietário. Sempre observando que há o caráter de perpetuidade da situação: “enquanto o serviço durar”. Eterno enquanto dure. Não há prazo; deve sobrevir situação que termine a servidão.
 

Desapropriação

Imagine uma casinha perto do estádio Castelão, em Fortaleza, que será um dos palcos da próxima Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014. Agora o Estado resolveu correr para terminar obras nos estádios e no sistema de transporte. Imagine que o VLT ou metrô passará exatamente pela casa da Priscila, que fica bem na Rua dos Esquecidos, perto da esquina com a Avenida Dep. Paulino Rocha, colada no estádio. Por acaso a Priscila pode solicitar que se faça um balão, um desvio em forma de queijo para a trajetória do trem? Evidente que não. O que é mais interessante é que a casa dela não está descumprindo a função social. Mas ainda assim Priscila perderá sua casa porque reputou-se de interesse público a construção do Veículo Leve sobre Trilhos. O Estado, como forma de indenização, pode negociar com ela e com os demais proprietários uma outra localidade para compensar. Aí serão políticas públicas. Retira-a de lá, mas dá-lhe uma casa em outro lugar. Se não concordar, resolve-se no Judiciário. Mas, que o Estado vai passar em cima da casinha dela, vai sim. Era uma vez a casa...

O Estado não precisa comprovar que é de interesse público a iniciativa; basta baixar um ato declaratório, mesmo que sejam as 1700 famílias removidas. É um ato formal, em que o Estado declara, primeiramente, que é de interesse social o bem, e outro, executório, em que retira as pessoas daquela localidade, indenizando antes.

A desapropriação é a forma mais drástica de intervenção do Estado na propriedade particular. É a retirada da propriedade do cidadão, ou porque ela está descumprindo a função social, ou porque o interesse público prevaleceu. Resta somente a discussão sobre o valor da indenização. Não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na seara da opção administrativa. Regra parecida com a da servidão administrativa.

Conceito de desapropriação, também de Maria Sylvia: “É o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização.

Bens móveis também podem ser desapropriados.

Características: o aspecto formal, uma formalidade tem que ser cumprida. Não vamos nos aprofundar na questão procedimental aqui.

Outro exemplo claríssimo que temos é a Usina Hidrelétrica Corumbá IV. Tem um curso de rio onde se resolveu construir uma hidrelétrica. Há necessidade de construção do lago, cuja represa permitirá o aumento de pressão da água para girar as turbinas, produzindo, assim, energia elétrica. Várias chácaras produtivas foram inundadas. O Estado desapropriou tudo através de sua concessionária. Alguns acharam bom, porque elevou o preço de outras terras. Havia proprietários rezando para o lago chegar à área deles, porque a indenização veio em boa hora. Não teve que esperar para vender a terra. E vários outros estão se aproveitando do potencial turístico do lago. Mesmo sendo em Goiás, é bom para Brasília. Garantiu-se energia para Brasília e imediações até 2030. Interesse público! É a primeira forma de desapropriação: por necessidade, utilidade pública ou interesse social, mesmo que a propriedade esteja cumprindo com sua função social. A outra forma é a punitiva, que vamos ver adiante.

Essa desapropriação das fazendas ao redor da Usina de Corumbá IV foi punitiva? Não. Por quê? Porque essas fazendas estavam cumprindo sua função social.

Repõe-se o patrimônio do expropriado, mediante justa indenização. Isso tem base constitucional. Inciso XXIV do art. 5º:

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

A desapropriação é punitiva quando a propriedade deixa de atender à função social.

Existem dois tipos de desapropriação punitiva: uma, pelo descumprimento da função social urbana, e aí temos uma mescla do art. 170, inciso III, com os arts. 182 e 183, e outra, a desapropriação pelo descumprimento da função social rural, depreendida da leitura do primeiro dispositivo em diálogo com o art. 184.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

III - função social da propriedade;


Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

O art. 183 trata da usucapião de imóvel urbano.

Nos anos 70 e 80 tivemos um êxodo rural muito grande. Saída da área rural para a cidade mais próxima. As cidades foram crescendo, e temos, aqui, uma cidade pequena, que foi inchando. É Brasília. Há uma coisa chamada "PDOT", que quer dizer "Plano Diretor de Ordenamento Territorial". O município ou Distrito Federal, visando reordenar seu espaço, edita uma lei para disciplinar a ordenação do território, determinando, entre outras coisas, que áreas podem ser ocupadas por edificações e quais não podem. O que era rural virou urbano, por conta do êxodo. Municípios têm que dar opção de moradia para essas pessoas. Então, muitas vezes, temos um município pequeno, e uma terra imensa ao lado. O município vai crescendo e invadindo a terra. Até que a terra passa, com um simples ato legislativo, a ser considerada parte da zona urbana e não mais rural. Notando a inatividade na terra ou terreno, o município dirá: “você terá agora IPTU progressivo.” Terreno não edificado paga 3% do valor de IPTU, ou, se estiver edificado, pagará somente 0,3%. A própria Constituição de 1988 veio inovando, prevendo o crescimento das cidades.

E nem adianta provar que a fazenda é produtiva e que ela está cumprindo a função social. Isso porque houve reordenamento territorial. Agora a área é, para fins legais, considerada urbana.

A Constituição trouxe mecanismos para que os municípios pudessem se reordenar. Nessa esteira, foi feito o Estatuto das Cidades (Lei 10257/2001).

O art. 184 da Constituição permite a desapropriação para fins de reforma agrária:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.

§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

A desapropriação para fins de reforma agrária é punitiva, porque o proprietário supostamente não está dando a devida destinação. A pequena e a média propriedade, assim definidas por lei (8629/1993), são imunes à desapropriação, contanto que o proprietário não tenha outra. Indeniza-se o proprietário com títulos da dívida pública agrária, resgatáveis em 20 anos. As exceções são as benfeitorias úteis e necessárias, que são pagas em dinheiro.

A competência para desapropriar é da União, conforme o caput do art. 184 acima.

Continuemos a leitura da Constituição:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

A lei também define o que é propriedade produtiva.

Art. 186:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Simultaneamente. Todos os pressupostos listados acima têm que estar presentes.

Essas desapropriações são punitivas por descumprimento da função social rural ou urbana.

E há também a desapropriação de glebas por cultivo de plantas psicotrópicas. Plantação das ervas aromáticas enseja desapropriação daquele pedaço de terra sem direito a indenização; é confisco mesmo. Não usa esse nome, mas o Estado desapropria sem indenizar. É feita pela União.

A lista de substâncias controladas e plantas capazes de gerá-las é definida pela Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária 344/1998, do Ministério da Saúde.

Duas fases do processo expropriatório: declaratória, em que o Estado declara a propriedade como de interesse público e social ou o descumprimento da função social urbana ou rural, ato esse que deve vir através de um ato, ou lei, ou decreto; as agências reguladoras geralmente têm uma delegação e fazem por resolução, por isso há o aspecto formal; depois vem o ato expropriatório, na fase executória, em que o Estado indeniza e desapropria.

A desapropriação pode ser por acordo, caso em que há transferência dominial do bem para o poder público; ou judicial, quando o problema é relativo à indenização; o Estado se insere na propriedade, restando ao ex-proprietário discutir somente o valor indenizatório.

A forma de aquisição é originária; não depende de vínculos com o título anterior de propriedade. Também não interessa verificar se o título é justo ou injusto, adquirido de boa ou má-fé. Não importa se há posseiros, ou a quem pertence. O que interessa é que o Estado se tornará proprietário, e, em alguns casos, se imitirá na posse antecipadamente. Se não tiver a quem indenizar, o Estado deposita em juízo, e as pessoas interessadas se qualificarão para concorrer ao dinheiro. É uma forma originária de aquisição. Independente de quem seja o proprietário, ou se há litígio na terra.

Só podem ser discutidas questões relativas ao preço ou ao vício processual. Pode ter havido ilegalidade no ato, claro.

A indenização é prévia e justa, exceto que, no tocante às plantinhas proibidas, não haverá indenização. Art. 243 do Texto Constitucional:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

Mesmo que a forma de aquisição seja originária, temos duas circunstâncias que podem reverter as desapropriações: se não se cumprirem as formalidades ou se as finalidades do ato não forem sido atingidas. Nisso, pode ter acontecido o que se chama de desapropriação indireta, que é a passagem, de fato, de um bem para a propriedade do Estado, sem a observância das devidas formalidades e sem o devido processo legal. Isso é, na verdade, um esbulho possessório. O expropriado poderá se valer das ferramentas judiciais para se reintegrar ou se manter na posse, inclusive se utilizando os interditos proibitórios para defender sua terra, mesmo contra o Estado. E gera responsabilização do agente por conta da ilegalidade por desvio de finalidade.

Mas se o terreno estiver edificado, por exemplo, nele houver sido construído um hospital para atender ao interesse público? Nessa situação, a desapropriação, mesmo que indireta, não poderá ser revertida, e restará ao proprietário recorrer à reparação das perdas e danos.

Se o expropriante não tiver dado a devida destinação ao bem desapropriado, pode ocorrer o que se chama de retrocessão: o terreno ou bem não foi destinado ao fim que foi declarado. Passou-se o prazo do ato e não se edificou naquele terreno, por exemplo, ou não se fez o que foi dito que seria feito. Gera direito do expropriado de requerer a retrocessão: o direito do expropriado de exigir de volta o imóvel, caso este não tenha o destino para que se desapropriou. Art. 519 do Código Civil:

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

É, portanto, um direito de natureza pessoal, e gera o direito de preferência para o expropriado. Porém, mesmo que o administrador não tenha feito o que planejava fazer com o bem desapropriado quando editou o ato, pode ser que não haja volta para o antigo proprietário. É o caso da tredestinação: a Administração pretendia expropriar uma área para construir um estádio de futebol para as competições vindouras, mas, por falta de verbas, não conseguiu haver uma área muito grande, e acabou construindo um posto de saúde. Ainda assim o interesse público foi atendido. Essa forma de tredestinação em que o interesse público é mantido é uma forma de tredestinação lícita. Se, ao contrário, o administrador repassasse a propriedade recém-desapropriada para um terceiro, para que fizesse uso diverso da finalidade estabelecida no ato expropriatório, então teríamos uma tredestinação ilícita. Esse desvio de finalidade enseja o pedido de decretação, em juízo, de nulidade da tredestinação, com consequente retorno do bem ao patrimônio do ex-proprietário. É um conceito doutrinário.