Esta será nossa última aula. E cairá
na prova.
Aprendemos na aula passada que a
propriedade particular tem
algumas características que temos que observar. Primeira delas é o cumprimento da sua função social, como
também o cumprimento da legislação
inerente àquela propriedade. A partir do momento em que você
é proprietário
de determinado bem, você está sujeito a restrições sobre ele, que pode
ser
desde uma limitação administrativa até a necessidade do Estado de
ocupá-lo, desde que não esteja edificado, e provisoriamente, podendo também
chegar
ao que chamamos de restrição de uso do
bem, se de interesse público, tendo em vista suas
características
históricas, culturais, paleontológicas, e assim por diante. Nisso, já
estamos
falando de tombamento, que é o
registro,
oi controle do bem, para que não perca suas características naturais.
Hoje entramos numa seara em que o
Estado se insere na
propriedade, desta vez, de maneira mais drástica. Na ocupação
temporária, o
Estado sai depois. Então não é tão grave para o proprietário. Falta
vermos
essas duas últimas ferramentas para que a propriedade possa cumprir com
sua
função social e também ao interesse público.
Servidão
administrativa
Meu amigo Leo tem um terreno, uma
propriedade que faz a
intermediação entre duas cidades. Uma delas possui 200 mil habitantes,
e a
outra tem 100 mil. Nesse cenário já possível notar que é grande a
propriedade.
Estudos técnicos comprovaram que há a necessidade, para que se gerem
melhores
comodidades para a população da cidade de 100 mil habitantes, de que se
passe uma
linha de transmissão de energia elétrica. Leo, o proprietário da grande
terra
por onde passará a linha, pode dizer “nananinanão”? O Estado pode, por
conta da
negativa do proprietário, passar a linha por fora, circunscrevendo os
limites e
gastando mais cabos? Não. Vamos começar a aprender outra situação.
Apesar de a
propriedade estar cumprindo com sua função social, ou seja, de repente
a terra
é produtiva, o interesse público pode, ainda assim, falar mais
alto. Temos,
aqui, circunstâncias em que a terra do Leo sofrerá uma intervenção do
Estado
para atender a uma utilidade ou interesse público. “Perdeu, Leo! Vamos
ocupar
esta faixa de terra para construir a linha de transmissão e você
perderá a posse e o usufruto
dessa faixa.” Poderia ser não só uma linha de transmissão,
mas também uma estrada.
Ao viajar para o Nordeste de carro
vemos loteamentos e
fazendas. O Estado, para a prestação de um serviço de utilidade ou
necessidade
pública, pode se utilizar de terreno alheio e nele se inserir para que
esse
serviço possa ser prestado. Estamos falando de servidão
administrativa. Leo, o dono, não perde a propriedade do
bem, não perde a propriedade daquele trecho em que foi construída a
linha de
transmissão. Geralmente são concessionárias, pessoas jurídicas de
direito
privado que têm a concessão do Estado para a intromissão na
propriedade. E o
proprietário, mesmo que por acaso seja engenheiro ou arqueólogo, não
pode
negociar com o administrador sobre o “melhor local” para a instalação
da linha;
nem mesmo se o próprio particular vislumbrar a maior eficiência! Isso
porque é
opção administrativa, cujo controle não é feito nem pelo Poder
Judiciário. E
não pode também, o proprietário, se valer de seus próprios assistentes
técnicos
para comprovar o maior rendimento ou menor dano. Só cabe chamar seus
peritos
para discutir, em juízo, uma majoração da
indenização. É a única coisa que resta ao proprietário.
O Estado se insere na propriedade, e
isso é uma opção
administrativa; não cabe intervenção do Judiciário neste caso. Leo terá
que
permitir, ou amigavelmente, ou judicialmente.
É um direito real de gozo; direito
real porque recai sobre a
propriedade. Há necessidade, então, de registro no cartório de registro
de
imóveis sobre o ônus que é gravado nesse bem, para que o gravame se
oponha erga omnes. A servidão impõe
uma
restrição de uso do bem.
Eis o conceito da doutrinadora Maria
Sylvia Di Pietro de
servidão administrativa: “Direito real de
gozo, de natureza pública,
instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por
entidade
pública ou por seus delegados, em favor de um serviço público ou de um
bem
afetado de utilidade pública.”
Em nosso exemplo, a coisa
serviente será o imóvel de propriedade do Leo, e a coisa dominante será o serviço a ser
prestado nessa faixa de terra,
ou o bem afetado para fins de utilidade pública. O titular do direito
real,
neste caso, será, enquanto ocupada essa faixa de terra, o poder
público. Ou
ele, ou quem fizer as vezes.
Leonardo não perderá a propriedade,
porque vinga aqui o
caráter de perpetuidade. Enquanto houver interesse público daquela
passagem de
servidão, aquela coisa continuará lá. O poder público não adquire a
propriedade
para a servidão.
E como se faz a transferência de bens
imóveis de acordo com
o nosso Código Civil? Título aquisitivo dominial por meio de escritura
pública,
devidamente registrada no cartório imobiliário daquela circunscrição.
Muitos
fazem contrato de gaveta; o bem está hipotecado ou financiado, então
passa-se
um instrumento de promessa de compra e venda. Esse instrumento só
valerá entre
as partes, porque vai fazer com que a parte entregue o bem e que a
outra
entregue ao vendedor. Mas não poderá exigir aquilo da parte. Se a Caixa
Econômica Federal financia o imóvel, então o dono ainda não é o
comprador, pois
ainda não houve a transmissão. Se houver venda do imóvel do comprador
não
quitado para outro, deve haver anuência do credor hipotecário. Então,
se vocês
tiverem interesse em algum imóvel, vão, antes de tudo, buscar a certidão de ônus reais dele. Peça a
certidão vintenária. Traga a vida do imóvel todo: quem construiu, quem
passou
para quem, o terceiro proprietário, se há penhora de primeiro, segundo,
terceiro, quarto graus, assim você descobre se o proprietário é um
devedor
recalcitrante...
Como dissemos, caberá ao proprietário
discutir somente o
valor indenizatório em juízo, caso não concorde, o que acontece muito.
O Estado
raramente oferece um valor satisfatório. O que o proprietário pode
fazer,
portanto, é, em juízo, manifestar a aceitação daquele valor oferecido
pela
Administração, deixando claro que aquilo se trata de parcela
incontroversa da indenização. Se isso não ficar claro, o
Estado pedirá extinção do processo com resolução de mérito fundada na
renúncia
do direito sobre o qual se funda ação, conforme o inciso V do art. 269
do
Código de Processo Civil.
A servidão administrativa se dará de
três formas: por lei,
por acordo, ou por decisão judicial.
A primeira é a feita diretamente por
lei. E aqui temos o
exemplo daquelas residências que circunvizinham os aeroportos, cujo
proprietário é obrigado a permitir a aterrissagem e decolagem de aviões
mediante a abstenção de erguer edificações altas. E isso não é
indenizável.
Esse exemplo em particular é chamado, por alguns autores, de limitação
administrativa,
pois pode ser imposta a todas as propriedades dos arredores a obrigação
de não
se levantarem prédios altos. Se o ato for generalizado e usar-se de
critérios
objetivos, será uma limitação administrativa. Se, em outro caso, o que
fizer
fronteira com a área do aeroporto for uma única ou poucas grandes
propriedades,
então a Administração pode impor que se crie a servidão administrativa,
obrigando os proprietários a permitir o trânsito de aeronaves; a
propriedade
fica afetada ao serviço de transporte aéreo. Na servidão, as
propriedades são
individualizadas, ao contrário da limitação administrativa.
Se houver lei dizendo que tal modo
interventivo é uma servidão,
então é servidão. Se houver lei proibindo o levantamento de prédios ou
antenas
acima de 123 metros, então é limitação. Abrange não uma única
propriedade, mas
várias.
Essa forma direta de constituição da
servidão administrativa
independe de homologação, acordo, manifestação de vontade, qualquer ato
jurídico.
A segunda forma de se instituir a
servidão administrativa é
por acordo, precedido de ato declaratório. O Estado ou seu
concessionário se
apresenta oferecendo um valor, formando um acordo que pode ser
homologado
judicialmente ou registrado no cartório. O proprietário, também, poderá
negar,
então o Estado ou o concessionário deposita em juízo, se imite na
posse, e
resta ao proprietário somente discutir o valor da indenização. De
qualquer
jeito, haverá limitação do direito de propriedade (não confundir com
limitação
administrativa). Outra possibilidade de discussão em juízo é se, por
acaso,
houver nulidade ou descumprimento de formalidade no ato administrativo.
Descumprimento
de requisitos do ato administrativo, ou de princípio. Quais princípios?
Legalidade ou impessoalidade. De vez em quando a propriedade submetida
pertence
a um desafeto do prefeito, ou do diretor da concessionária, e o
sujeito, para troçar
o proprietário, resolve fazer uma servidão. Mas é opção administrativa,
e não
pode ser questionada judicialmente.
Continuando.
Obviamente, não havendo acordo, o
Judiciário se pronunciará
sobre a indenização. Esta é a terceira forma de constituição da
servidão
administrativa. No Decreto-lei 3365/1941, a chamada Lei Geral de
Desapropriações, temos, no art. 40:
Art. 40. O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei. |
Note a palavra expropriante. Hoje
temos clara a diferença
entre servidão administrativa e desapropriação, modo interventivo que
vamos ver
logo mais. A indenização é questionável; há servidões que
podem não
gerar indenizações. Há acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que
dizem que
expropriações necessariamente geram indenização. Nada pacifico,
portanto. Todo
o processo indenizatório depende de matéria de prova. Nos casos de
passagem de
linha de transmissão, via férrea ou rodovia, sem comprovar o dano,
dificilmente
o proprietário obterá indenização.
Se a servidão for oriunda de lei, não
poderá haver
indenização. Só se houver acordo ou decisão judicial, incidindo sobre
imóveis determinados.
Servidão administrativa recai sobre
propriedade certa e
determinada, ao contrário da limitação administrativa, que atinge
várias propriedades
que satisfazem determinados requisitos eleitos pelo administrador. É
uma das
diferenças que vimos. Outras diferenças são: na limitação
administrativa, não
há indenização. Na servidão, em boa parte dos casos, haverá. Outra é
que na
limitação o Estado não se insere na propriedade, não retira nenhuma
característica dela. Na servidão o Estado retira algumas
características
inerentes à propriedade, no caso, posse e usufruto, por determinado
período de
tempo.
Extinção da
servidão:
como se extingue a servidão? Quais são as causas extintivas? Digamos
que houve
uma erosão na propriedade onde passou a linha de transmissão. Acabou
a
servidão, porque destruiu a propriedade. A perda da coisa sobre a qual
se
institui a servidão é uma forma de extinção da intervenção. Também
extinguiria
a relação jurídica de servidão se a pessoa em favor da qual fosse
instituída a
modalidade interventiva passasse a ser, também, dona da propriedade.
Exemplo:
institui-se a servidão sobre uma propriedade rural para que se permita
construir uma rodovia que a atravesse. Posteriormente, a propriedade,
por outro
motivo, é declarada de interesse social para fins de reforma agrária e
é
desapropriada. Lembram os autores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que, como não se pode falar em servidão sobre os próprios
bens de uma
pessoa, extingue-se aquela.
Também extingue-se quando não houver
mais o interesse
público sobre aquela passagem, ou a perda da coisa dominante, do
serviço. O que
acontecerá é que a posse e usufruto daquele bem irão retornar ao
proprietário.
Sempre observando que há o caráter de perpetuidade da situação:
“enquanto o
serviço durar”. Eterno enquanto dure. Não há prazo; deve sobrevir
situação que
termine a servidão.
Desapropriação
Imagine uma casinha perto do estádio
Castelão, em Fortaleza,
que será um dos palcos da próxima Copa das Confederações e da Copa do
Mundo de
2014. Agora o Estado resolveu correr para terminar obras nos estádios e
no
sistema de transporte. Imagine que o VLT ou metrô passará exatamente
pela casa
da Priscila, que fica bem na Rua dos Esquecidos, perto da esquina com a
Avenida
Dep. Paulino Rocha, colada no estádio. Por acaso a Priscila pode
solicitar que
se faça um balão, um desvio em forma de queijo para a trajetória do
trem? Evidente
que não. O que é mais interessante é que a casa dela não
está descumprindo a função social. Mas ainda assim Priscila
perderá
sua casa porque reputou-se de interesse público a construção do Veículo
Leve
sobre Trilhos. O Estado, como forma de indenização, pode negociar com
ela e com
os demais proprietários uma outra localidade para compensar. Aí serão
políticas
públicas. Retira-a de lá, mas dá-lhe uma casa em outro lugar. Se não
concordar,
resolve-se no Judiciário. Mas, que o Estado vai passar em cima da
casinha dela,
vai sim. Era uma vez a casa...
O Estado não precisa comprovar que é
de interesse público a
iniciativa; basta baixar um ato declaratório, mesmo que sejam as 1700
famílias
removidas. É um ato formal, em que o Estado declara, primeiramente, que
é de
interesse social o bem, e outro, executório, em que retira as pessoas
daquela
localidade, indenizando antes.
A desapropriação é a forma mais
drástica de intervenção do
Estado na propriedade particular. É a retirada da propriedade do
cidadão, ou
porque ela está descumprindo a função social, ou porque o interesse
público
prevaleceu. Resta somente a discussão sobre o valor da indenização. Não
cabe ao
Poder Judiciário se imiscuir na seara da opção administrativa. Regra
parecida
com a da servidão administrativa.
Conceito de desapropriação, também de
Maria Sylvia: “É o procedimento
administrativo pelo qual o
Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de
necessidade
pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a
perda
de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização.”
Bens móveis também podem ser
desapropriados.
Características: o aspecto formal,
uma formalidade tem que
ser cumprida. Não
vamos nos aprofundar na questão
procedimental aqui.
Outro exemplo claríssimo que temos é
a Usina Hidrelétrica Corumbá
IV. Tem um curso de rio onde se resolveu construir uma hidrelétrica. Há
necessidade de construção do lago, cuja represa permitirá o aumento de
pressão da
água para girar as turbinas, produzindo, assim, energia elétrica.
Várias
chácaras produtivas foram inundadas. O Estado desapropriou tudo através
de sua
concessionária. Alguns acharam bom, porque elevou o preço de outras
terras.
Havia proprietários rezando para o lago chegar à área deles, porque a
indenização veio em boa hora. Não teve que esperar para vender a terra.
E
vários outros estão se aproveitando do potencial turístico do lago.
Mesmo sendo
em Goiás, é bom para Brasília. Garantiu-se energia para Brasília e
imediações
até 2030. Interesse público! É a primeira forma de desapropriação: por
necessidade, utilidade pública ou interesse social, mesmo que a
propriedade
esteja cumprindo com sua função social. A outra forma é a punitiva, que
vamos
ver adiante.
Essa desapropriação das fazendas ao
redor da Usina de
Corumbá IV foi punitiva? Não. Por quê? Porque essas fazendas estavam
cumprindo
sua função social.
Repõe-se o patrimônio do expropriado,
mediante justa
indenização. Isso tem base constitucional. Inciso XXIV do art. 5º:
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; |
A desapropriação
é
punitiva quando a propriedade deixa
de atender à função social.
Existem dois tipos de desapropriação
punitiva: uma, pelo
descumprimento da função social urbana, e aí temos uma mescla do art.
170,
inciso III, com os arts. 182 e 183, e outra, a desapropriação pelo
descumprimento
da função social rural, depreendida da leitura do primeiro dispositivo
em
diálogo com o art. 184.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] III - função social da propriedade; Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. |
Nos anos 70 e 80 tivemos um êxodo
rural muito grande. Saída
da área rural para a cidade mais próxima. As cidades foram crescendo, e
temos,
aqui, uma cidade pequena, que foi inchando. É Brasília. Há uma coisa
chamada "PDOT",
que quer dizer "Plano Diretor de Ordenamento Territorial". O
município ou Distrito Federal, visando reordenar seu espaço, edita uma
lei para
disciplinar a ordenação do território, determinando, entre outras
coisas, que áreas
podem ser ocupadas por edificações e quais não podem. O que era rural
virou
urbano, por conta do êxodo. Municípios têm que dar opção de moradia
para essas
pessoas. Então, muitas vezes, temos um município pequeno, e uma terra
imensa ao
lado. O município vai crescendo e invadindo a terra. Até que a terra
passa, com
um simples ato legislativo, a ser considerada parte da zona urbana e
não mais
rural. Notando a inatividade na terra ou terreno, o município dirá:
“você terá
agora IPTU progressivo.” Terreno
não edificado
paga 3% do valor de IPTU, ou, se estiver edificado, pagará somente
0,3%. A
própria Constituição de 1988 veio inovando, prevendo o crescimento das
cidades.
E nem adianta provar que a fazenda é
produtiva e que ela
está cumprindo a função social. Isso porque houve reordenamento
territorial.
Agora a área é, para fins legais, considerada urbana.
A Constituição trouxe mecanismos para
que os municípios
pudessem se reordenar. Nessa esteira, foi feito o Estatuto das Cidades
(Lei
10257/2001).
O art. 184 da Constituição permite a
desapropriação para
fins de reforma agrária:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para
fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua
função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no
prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja
utilização será definida em lei. § 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. § 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. § 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. |
A competência para desapropriar é da
União, conforme o caput do art. 184
acima.
Continuemos a leitura da Constituição:
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. |
A lei também define o que é
propriedade produtiva.
Art. 186:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. |
Simultaneamente. Todos os
pressupostos listados acima têm
que estar presentes.
Essas desapropriações são punitivas
por descumprimento da
função social rural ou urbana.
E há também a desapropriação
de glebas por cultivo de plantas psicotrópicas. Plantação das
ervas
aromáticas enseja desapropriação daquele pedaço de terra sem direito a
indenização; é confisco mesmo. Não usa esse nome, mas o Estado
desapropria sem
indenizar. É feita pela União.
A lista de substâncias controladas e
plantas capazes de gerá-las
é definida pela Portaria da Secretaria de Vigilância Sanitária
344/1998, do
Ministério da Saúde.
Duas fases do processo
expropriatório: declaratória, em que
o Estado declara a propriedade como de interesse público e social ou o
descumprimento
da função social urbana ou rural, ato esse que deve vir através de um ato,
ou lei,
ou decreto; as agências reguladoras geralmente têm uma delegação e
fazem por
resolução, por isso há o aspecto formal; depois vem o ato expropriatório, na fase executória,
em que o Estado indeniza e desapropria.
A desapropriação pode ser por acordo,
caso em que há
transferência dominial do bem para o poder público; ou judicial, quando
o
problema é relativo à indenização; o Estado se insere na propriedade,
restando
ao ex-proprietário discutir somente o valor indenizatório.
A forma de aquisição é originária;
não depende de vínculos
com o título anterior de propriedade. Também não interessa verificar se
o
título é justo ou injusto, adquirido de boa ou má-fé. Não importa se há
posseiros, ou a quem pertence. O que interessa é que o Estado se
tornará
proprietário, e, em alguns casos, se imitirá na posse antecipadamente.
Se não
tiver a quem indenizar, o Estado deposita em juízo, e as pessoas
interessadas
se qualificarão para concorrer ao dinheiro. É uma forma originária de
aquisição. Independente de quem seja o proprietário, ou se há litígio
na terra.
Só podem ser discutidas questões
relativas ao preço ou ao
vício processual. Pode ter havido ilegalidade no ato, claro.
A indenização é prévia e justa,
exceto que, no tocante às
plantinhas proibidas, não haverá indenização. Art. 243 do Texto
Constitucional:
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão
imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento
de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos,
sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras
sanções previstas em lei. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias. |
Mesmo que a forma de aquisição seja
originária, temos duas
circunstâncias que podem reverter as desapropriações: se não se
cumprirem as formalidades
ou se as finalidades do ato não forem sido atingidas. Nisso, pode ter
acontecido o que se chama de desapropriação
indireta, que é a passagem, de fato, de um bem para a
propriedade do
Estado, sem a observância das devidas formalidades e sem o devido
processo
legal. Isso é, na verdade, um esbulho possessório. O expropriado poderá
se
valer das ferramentas judiciais para se reintegrar ou se manter na
posse,
inclusive se utilizando os interditos proibitórios para defender sua
terra, mesmo
contra o Estado. E gera responsabilização do agente por conta da
ilegalidade
por desvio de finalidade.
Mas se o terreno estiver edificado,
por exemplo, nele houver
sido construído um hospital para atender ao interesse público? Nessa
situação,
a desapropriação, mesmo que indireta, não poderá ser revertida, e
restará ao
proprietário recorrer à reparação das perdas e danos.
Se o expropriante não tiver dado a
devida destinação ao bem
desapropriado, pode ocorrer o que se chama de retrocessão:
o terreno ou bem não foi destinado ao fim que foi
declarado. Passou-se o prazo do ato e não se edificou naquele terreno,
por
exemplo, ou não se fez o que foi dito que seria feito. Gera direito do
expropriado de requerer a retrocessão: o
direito do expropriado de exigir de volta o imóvel, caso este não tenha
o
destino para que se desapropriou. Art. 519 do Código Civil:
Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa. |
É, portanto, um direito de natureza
pessoal, e gera o
direito de preferência para o expropriado. Porém, mesmo que o
administrador não
tenha feito o que planejava fazer com o bem desapropriado quando editou
o ato,
pode ser que não haja volta para o antigo proprietário. É o caso da tredestinação: a Administração pretendia
expropriar uma área para construir um estádio de futebol para as
competições
vindouras, mas, por falta de verbas, não conseguiu haver uma área muito
grande,
e acabou construindo um posto de saúde. Ainda assim o interesse público
foi atendido.
Essa forma de tredestinação em que o interesse público é mantido é uma
forma de
tredestinação lícita. Se, ao
contrário, o administrador repassasse a propriedade recém-desapropriada
para um
terceiro, para que fizesse uso diverso da finalidade estabelecida no
ato
expropriatório, então teríamos uma tredestinação
ilícita. Esse desvio de finalidade enseja o pedido de
decretação, em juízo,
de nulidade da tredestinação, com consequente retorno do bem ao
patrimônio do ex-proprietário.
É um conceito doutrinário.