Direito Administrativo

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Revisão sobre Administração Indireta

 

Qual é a diferença entre Estado e governo? Governo é transitório, Estado é permanente, e aquele é a mão que segura as rédeas deste. Predominantemente pelo Poder Executivo. Mas o Poder Legislativo também tem sua função administrativa, bem como o Judiciário.

Procurador não é advogado do governo, mas advogado do Estado. Primamos, como qualquer Administração Pública, pelo princípio da eficiência e da legalidade. Independentemente do querer do governante.

E quem é o Estado para nós? Vamos esquematizar. Imagine novamente a pirâmide que colocamos na aula passada. Estado é o ente central, que pode ser a União, os Estados ou os municípios, ou o Distrito Federal. Na figura, como falamos antes, estamos usando o exemplo da União, daí haver “ministérios” no segundo nível de cima para baixo. Por um princípio de simetria, os entes deterão uma organização administrativa parecida uns com os outros: em vez de Ministérios, os estados e municípios terão secretarias.

No art. 10 do Decreto-lei 200/67 temos o tema da descentralização. É a necessidade de o Estado chegar perto do cidadão, que fica na base da pirâmide, em certa perspectiva. Sabemos que a Presidente não governa sozinha, então vai delegando, num primeiro momento, para órgãos públicos, sem personalidade jurídica própria, certas atribuições. Ter personalidade jurídica própria é ter direitos e deveres, além de patrimônio, que leva à autonomia, e respondem pelos próprios atos. Órgãos públicos não têm isso. Então, se o ente político delega algo a outrem, e esse “outrem” não responde pelos seus atos; quem responderá é o delegante. No caso federal, os tais órgãos públicos imediatamente abaixo do Estado são os ministérios. Também podemos colocar o Poder Judiciário e o Poder Legislativo nesse mesmo nível.¹ Se uma sentença proferida causar prejuízo a alguém, quem pagará é o Estado, e a pessoa do juiz só pagará em caso de dolo. O juiz, na sentença, fala pelo Estado, que exerce o monopólio da prestação jurisdicional em nosso país.

Se falamos de uma delegação de competência em que essas pessoas não respondem pelos seus atos, o vínculo que existe entre essas pessoas é o vínculo hierárquico. Ministério Público é um órgão que tem autonomia, e não deixa de pertencer ao Estado.

A isso se dá o nome de Administração Direta, ou desconcentração. É o segundo nível da pirâmide, sempre de cima para baixo.

A lei também buscou a criação de pessoas jurídicas que tivessem autonomia própria. É o inciso XIX do art. 37 da Constituição: “XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. Estamos no nível 3. As duas primeiras pertencentes à Fazenda Pública, pessoa jurídica de direito público. É aqui que queremos chegar, que é onde estão as agências reguladoras e agências executivas.

Não há hierarquia entre estas e os ministérios; o vínculo é técnico, e exercem sobre elas o que se chama de tutela, ou também chamada de supervisão ministerial.

Temos pessoas que recebem a outorga por parte do Estado, e pessoas que se intrometem na economia pelo Estado. São as sociedades de economia mista e empresas públicas, que se submetem ao regime concorrencial como qualquer outra empresa. Podemos ver a Caixa Econômica Federal como empresa pública captando clientes, concorrendo com bancos privados, e prestando serviços públicos, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O Banco do Brasil, sociedade de economia mista, atua da mesma forma: captando clientes e também exercendo algumas funções atribuídas pelo Estado a ele.

Nessas circunstâncias, vamos entrar no tema de hoje, que é a descentralização administrativa. É o terceiro nível para baixo da pirâmide:

Organização administrativa

Temos duas formas de descentralização. A primeira é a política, que advém da própria Constituição. Temos enumerados em numerus clausus as competências plenamente definidas dos estados, dos municípios, da União e do Distrito Federal.

Poder Judiciário é competência dos estados. Segurança pública também. Segurança nacional é competência da União. Saúde pública é competência dos estados e municípios. Legislação sobre IPVA e arrecadação é para os estados, enquanto IPTU é imposto municipal. No Distrito Federal temos uma forma mesclada. Aqui no DF, temos Regiões Administrativas, e não municípios. É uma desconcentração. O administrador administra um órgão do governo do Distrito Federal, que não tem autonomia nem personalidade jurídica própria.

No nível 3 temos descentralização por serviços, também chamada de descentralização por outorga.

No quarto nível temos a descentralização por colaboração, em que encontramos os autorizados, permissionários e concessionários. Por que “por colaboração”? Porque busca-se, em pessoa jurídica de direito privado, a prática do serviço por sua própria conta e risco, mas a titularidade da prestação fica com o Estado.

Nos anos 70, o que acontecia era que o Estado era o grande prestador de serviços, em praticamente todas as áreas. Saúde, segurança, telecomunicações, educação, saneamento, e tudo mais. Eram 90 milhões de habitantes. Hoje temos 200 milhões. E agora, como fica a eficiência? Seria possível o Estado prestar diretamente? Não. Nem mesmo com a carga tributária que temos. O Estado precisa de uma alta arrecadação para sobreviver, suportada pela classe média, que e paga pelos que sonegam e pelos que são isentos. O Estado não é competente para gerar seus serviços. Mas, na década de 70, o Estado era prestador de serviços em todas as áreas. O que funcionava ali não funciona mais hoje.

Hoje eficiência não é mais um carro com trio elétrico: vidro, trava e espelho elétrico. Antigamente era o que se considerava eficiência. Tal como o ‘kit babaca’ da década de 90. Comete-se o absurdo de, em pleno século XXI, em nosso país, não haver a obrigatoriedade de termos carros com itens de segurança, como airbag, controle de estabilidade e ABS. Só a partir de 2014 ou 16 que será obrigatório aqui. As mesmas empresas que operam com essa obrigatoriedade lá fora ainda têm prazo para adaptar-se ao mercado brasileiro!

Nos anos 80 e 90, tivemos privatizações de serviços públicos, e necessidade de novas outorgas para superar, para que a população pudesse ter um nível de qualidade de prestação de serviços, e eficiência. Por isso o Estado privatizou o sistema de energia, estradas e telefonia. E também por conta da globalização. Assim o Estado chamou os concessionários, permissionários e autorizados para prestar os serviços sob sua fiscalização.

Pela década de 80, adquirir uma linha telefônica era a maior dificuldade que havia. Até comprava-se no mercado negro, em algumas regiões de São Paulo, uma linha pelo equivalente a R$ 60 mil. A disponibilidade era baixíssima. Hoje temos empresas nos importunando e implorando para adquirirmos uma linha telefônica. Antes era até necessário declarar no IR que se tinha linha telefônica.

Saímos de um Estado burocrático, passando pelo neoliberal, e hoje temos o Estado fiscal, para que sobre dinheiro para se aplicar na educação, saúde, segurança pública, onde o Estado deve atuar diretamente. É um bonito discurso, até. Mesmo assim não encontramos eficiência que queríamos nesses setores.

Essa é a teoria do Estado mínimo. Tendência mundial, que não tem mais como retroagir.

Agora pode haver lucro. Daí entram as agências reguladoras, para impedir que o lucro seja abusivo. O que rege a prestação desses serviços que passaram a ser explorados com o intuito de lucro é o princípio da modicidade tarifária. O Estado pode, inclusive, retirar a concessão se houver descumprimento.

Daí a descentralização dos serviços por colaboração.

Faltou entrarmos em dois temas que vimos em Direito Administrativo I:
 

Autarquias e fundações públicas

Autarquia é autogoverno. A concepção de autarquia tem amplamente a ver com autogoverno. Quem nomeia dos dirigentes dessas autarquias é o Presidente da República. Ressalvadas as agências reguladoras em que os dirigentes exercem mandatos, nas autarquias os dirigentes são indicados. Fazem parte da Fazenda Pública, são submetidas aos princípios da licitação e do concurso público, e tem em seus quadros servidores públicos. Não têm intuito de lucro, e são custeadas pelo Erário.

Por serem, detêm personalidade jurídica própria de direito público, tem direitos e obrigações, e, por fazerem parte da Administração Pública, seus bens são impenhoráveis. Significa que, na seara do Direito Civil, a responsabilidade é patrimonial. As empresas, quando devem, respondem com seu patrimônio. Isso não se aplica para fundações públicas e autarquias, porque vinga aqui a impenhorabilidade de seus bens, sendo que seus pagamentos em juízo serão feitas por precatórios, na forma do art. 100 da Constituição. Precatórios são obrigações que o Estado tem, previstas no orçamento anual, a serem pagas no ano seguinte.

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) como pela própria Constituição que assim estabeleceu, não pode haver despesa sem previsão de uma receita. A regra é essa. Na seara federal isso está sendo cumprido, mas nos estados e municípios há precatórios pendentes desde de 2000. Inclusive com pedidos de intervenção federal.

Também vigora dois outros princípios: o do concurso público para admissão de servidores, e também o princípio da especialização. Atuam em uma determinada área. INCRA atua no ramo da reforma agrária, Ibama no meio-ambiente, FNDE na educação básica, e assim por diante.

As decisões dessas entidades transitam em julgado em seu próprio âmbito. Quando um posto de combustíveis é multado pela Agência Nacional do Petróleo, abre-se-lhe o direito de defesa. Só cabe um recurso a um colegiado na diretoria. A partir de então há o trânsito em julgado administrativo. Não cabe recurso direto ao Ministério de Minas e Energia ao qual a autarquia está vinculada. Isso, recentemente, foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Se a lei não prevê recurso hierárquico da autarquia para o Ministério, transita em julgado a decisão administrativa. Lembrem-se que não existe relação hierárquica entre autarquias e respectivos Ministérios, mas vinculação, controle finalístico, supervisão ministerial, tutela.

Ainda vinga o princípio da inafastabilidade da jurisdição, entalhada no inciso XXXV do art. 5º da Constituição. O Poder Judiciário pode destituir essa decisão por conter vícios, se for o caso.

Temos várias autarquias: ²

  1. Agências reguladoras, exceto a Agência Brasileira de Inteligência.
  2. Algumas instituições federais de ensino superior (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
  3. Algumas Escolas Técnicas Federais
  4. INSS/Instituto Nacional do Seguro Social.
  5. INCRA/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
  6. INMETRO/Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial.
  7. IBAMA/Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
  8. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
  9. INEP/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
  10. IPHAN/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
  11. Instituto Nacional de Tecnologia da Informação.
  12. Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
  13. EMBRATUR/Instituto Brasileiro de Turismo.
  14. CVM/Comissão de Valores Mobiliários.
  15. SUSEP/Superintendência de Seguros Privados.
  16. BACEN/Banco Central do Brasil.
  17. FNDE/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
  18. CADE/Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
  19. Comissão Nacional de Energia Nuclear.
  20. DNIT/Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre.
  21. Departamento Nacional da Produção Mineral.
  22. Departamento Nacional de Obras contra a Seca.
  23. CNPq/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
  24. Colégio Pedro II.  

Há outro tipo de instituição que tem o nome de autarquia, que não fazem parte da Fazenda Pública, que são as autarquias corporativas. Na forma da lei elas têm a delegação do Estado do poder de polícia para fiscalização das atividades profissionais. Temos OAB, CREA, CRM, COREN, CRF, OMB, etc. Exercem poder de polícia, mas são pessoas jurídicas de direito privado, e não público, e são custeadas pelos próprios filiados.
 

Fundações públicas

Tomemos novamente o inciso XIX do art. 37:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

[...]

Polêmica houve até a edição de nosso novo Código Civil, que já está de certa forma velho. Vejam o Decreto-lei 200/67 que trata as fundações públicas como pessoas jurídicas de direito privado. E foi modificação recente. Não tínhamos fundações públicas no Decreto-lei 200. Quando definiu pessoa jurídica de direito público interno, o Código Civil definiu que também seriam as autarquias e pessoas jurídicas sob regime jurídico de direito público. Se a fundação for criada sob o regime jurídico de direito público, ela será de direito público e acabou a discussão.

Há também as fundações autárquicas, que são espécies do gênero autarquia. Pessoas jurídicas de direito público, com impenhorabilidade de bens, personalidade jurídica própria, precatórios, com uma nuance, que diferencia das autarquias a área da atuação. As fundações públicas comumente atuam na área cultural, artística ou de educação. Temos vários exemplos de fundações públicas, vinculadas ao respectivo Ministério. IPEA, Funasa, Funai, Fiocruz, Capes, IBGE, ENAP, etc.


  1. Deixei de fora da figura o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, primeiro porque a função precípua de administrar é do Poder Executivo, e também porque tornaria a leitura na figura um pouco mais apertada naquele nível. Aqui também devem entrar os órgãos independentes essenciais à justiça, como o Ministério Público e a Defensoria Pública.
  2. Das aulas do professor disponibilizadas no espaço aluno.