Direito Administrativo

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Normas constitucionais atinentes aos servidores públicos – continuação

 

Vimos a questão do ingresso, da remuneração, do acesso, acessibilidade de brasileiros natos, brasileiros naturalizados, estrangeiros, e hoje vamos continuar vendo essas regras constitucionais relativas a servidores públicos.

 

Direito de greve

Vai cair na prova! O que acontece é que, antes da Constituição de 1988, o servidor público não tinha o direito de fazer greve. Porém, a Constituição passada ficava silente no tocante ao direito de associação. Agora é livre a associação sindical dos servidores públicos. Obviamente os servidores foram beneficiados, podendo, com a previsão do art. 37, se associarem, e previu o direito de greve... na forma da lei. Na Emenda Constitucional nº 19 ficou assente que lei específica regulamentará o direito de greve dos servidores públicos. O que é isso? Norma constitucional de eficácia limitada.

Perguntamos: existe essa lei? Não. Houve a impetração de alguns mandados de injunção, já que até hoje o Congresso Nacional não se debruçou sobre a matéria, e o Supremo Tribunal Federal agiu como legislador, permitindo com que fosse aplicada, por analogia, a lei relacionada à greve dos empregados da área privada. Lei 7783/1989.

A Lei de Greve definiu o que são serviços essenciais em seu art. 10:

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI -compensação bancária.

No mínimo 30% devem ficar trabalhando. É o que os tribunais têm decidido quando se levanta a questão do número ou percentual de trabalhadores a ser mantido no trabalho quando pedida a declaração de ilegalidade de uma greve. O governo tentou um projeto, estabelecendo limites ilógicos, como 50 e 60%. Qual movimento paredista que irá conseguir alguma reinvindicação se 50 ou 60% têm que estar trabalhando? “O que dois fazem um faz, mesmo que mais devagar.” Sempre se dá um jeito. O professor entende inconcebível que se faça movimentos paredistas. Na seara privada, o movimento paredista atinge o empregador. Já na seara pública, o movimento paredista atinge a população. Chegamos ao cúmulo de termos, na área de saúde, pessoas morrendo nas filas por conta desses movimentos. Na área de segurança pública também é difícil. É plausível o pleito, mas na prática é inconcebível. A delegacia fecha, ou passa a atender somente casos de homicídio e latrocínio.

O problema é a falta de legislação para estabelecer épocas e percentuais de aumento, o que costuma ser o motivo de reivindicações de várias categorias.

As duas dificuldades que a Administração Pública e o Estado têm ao negociar é o orçamento, a previsão legal. O administrador não tem essas ferramentas na hora em que vai negociar, porque há uma lei orçamentária que foi votada no ano anterior. Se uma determinada categoria de grevistas quiser 50% de aumento, esse aumento deveria estar previsto no ano passado. E temos a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não se pode deixar 58% do orçamento somente para pagar servidores públicos. E os movimentos grevistas aparecem do nada querendo 50% imediatamente. Não tem como.

O STF então decidiu, nos autos de três mandados de injunção impetrados por diferentes associações, que deve-se aplicar analogicamente a Lei de Greve. Leiam o Informativo 485 do Supremo

Foi feito mais recentemente, em 2006, o Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE, com a Lei 11.357, instituindo o “carreirão” (veja o anexo da lei e suas grandes tabelas), e antes, no governo FHC, criaram-se as carreiras típicas de Estado. Como falamos na aula passada, não conseguiram votar o projeto de lei complementar, então, pensou-se em separar o joio do trigo: foram editadas medidas provisórias para regulamentar quais seriam os cargos e carreiras.

Agora o Judiciário assume o poder legiferante. Significa que agora pode haver dissídio coletivo para atendimento dos pleitos dos movimentos paredistas. A coisa tem se judicializado. O Tribunal Superior do Trabalho tenta dirimir, entre empregado e empregados, o conflito, gerando um denominador comum, julgando legal ou ilegal a greve, estabelecendo multa diária em desfavor do sindicato, e fixando o percentual de quantos deverão se manter trabalhando. Isso na Justiça do Trabalho.

Antes disso, tentava-se fazer um acordo garantido pelo fio do bigode ², sentando representantes de sindicatos e do Ministério do Planejamento na mesa de negociações. Mas alguns acordos eram honrados, outros não. O Estado não tem como negociar de maneira eficaz, justamente por causa do problema do orçamento e lei que venha a fixar novos parâmetros. O governo, na melhor das hipóteses, se compromete a reservar no orçamento futuro determinado valor.

E como se estabelecem os dissídios coletivos na área federal? STJ ou TRF. Essas são as regras estabelecidas através de decisão judicial. Não existe uma lei específica que venha a tratar de direito de greve de servidores públicos. É norma de eficácia limitada, que está até hoje aguardando manifestação do Parlamento.
 

Vedação de acumulação de cargos

Proibição prevista no art. 37, incisos XVI e XVII, o primeiro com redação dada pela Emenda 19, exceto a alínea c, modificada pela Emenda 34/2001.

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

Podem-se acumular dois cargos de professor, um de professor com um de técnico-científico, e dois cargos da área de saúde. Neste caso, o Ministério da Saúde vem definindo os cargos que são da área da saúde, que podem ser objeto de acumulação. Claro que nenhuma das três circunstâncias de acumulação pode acontecer se houver incompatibilidade de horários. Não se pode dar aula numa universidade pública com dedicação exclusiva e em outra, sem dedicação exclusiva. Há sérias discrepâncias no tocante aos cargos de professores.
 

Observância do teto constitucional

Outra coisa é a observância do teto remuneratório constitucional, que é o valor do somatório, que não poderá ultrapassar o subsidio de ministro do Supremo Tribunal Federal. Inciso XI do art. 37. Fica-se perguntando sobre a acumulação de cargos de ministro com de docente universitário. Por falta de uma lei regulamentadora, não se faz o “abate-teto”. De onde que se deveria cortar? Cada empregador (expressão usada em seu sentido lato) iria querer que fosse em sua própria folha de pagamento o abatimento, e não na do outro. A Constituição não deu outras interpretações. O Tribunal de Contas da União e o Judiciário têm dado suas interpretações, muitas vezes diferenciadas. A situação não está pacificada.

Atinge qualquer empresa sobre a qual a Administração Pública tenha controle. Empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo.

E não é só no Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título II (Da Organização do Estado) que temos normas sobre acumulação. As normas sobre acumulação de cargos por juízes e membros do Ministério Público estão em seus respectivos títulos, nos artigos 95, parágrafo único, inciso I...

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

E 128, § 5º, inciso II, alínea d:

§ 5º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

[...]

II - as seguintes vedações:

[...]

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

[...]

Juízes e membros do MP podem acumular cargos, portanto.

Pode também haver a acumulação de cargos de servidor e vereador, desde que haja compatibilidade de horários. Atenção para o inciso III do art. 38 da CF/88:

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;

Também devemos notar a vedação da acumulação de rendas decorrente do cargo ocupado e de uma eventual...
 

Aposentadoria

Que é outra grande questão. Até a Emenda Constitucional nº 20/1998 o servidor se aposentava, fazia novo concurso público, voltava ao serviço público, e acumulavam aposentadorias. A Emenda só resguardou o direito adquirido de quem já estava nessa situação. Hoje se deve respeitar o teto constitucional para recebimento de remuneração custeada pela Fazenda Pública. E, se quiser voltar hoje, só exercendo cargo em comissão.

Não é interessante para a Administração aposentar um servidor experiente, com muitos anos, porque tem memória do funcionamento da máquina. Por isso existe o abono de permanência conferido pela Emenda Constitucional nº 41, alterando o § 19 do art. 40:

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

O referido § 1º, inciso III, alínea a é:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

[...]

Ressalvam-se somente os cargos acumuláveis. § 10 do art. 37:

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

A Emenda Constitucional nº 20 permitiu a acumulação de aposentadorias. Nestes casos, a pessoa que se aposentou poderá fazer o concurso para médico, por exemplo. Daí poderemos ver o servidor voltar para a administração para exercer cargo efetivo.
 

Aposentadoria de servidor público

Aposentadoria é a inatividade remunerada. Pode ser proporcional ou integral, e pode se dar por invalidez permanente, ser compulsória ou voluntária. Pode ser proporcional ao tempo de serviço, se a doença foi adquirida fora, ou seja, não tiver relação com a atividade desempenhada, ou integral, se a doença foi adquirida no exercício da função, ou se a doença é prevista no estatuto do servidor público. A Lei 8112/1990 prevê algumas doenças no § 1º de seu art. 186:

§ 1o  Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.

A questão da aposentadoria é uma coisa difícil, um solo esburacado de se fazer exploração jurídica. Há várias formas de se beneficiar com aposentadoria. Recentemente, tivemos as Emendas Constitucionais 41 e 47 tratando de aposentadoria.

A aposentadoria pode ser por invalidez permanente, ou compulsória, aos 70 anos, e um detalhe: a população idosa do Brasil está aumentando. Há quem diga que a pirâmide etária daqui já deixou de ter o estilo africano (base larga, cume estreito) e assumiu uma forma análoga a de um violão (mais idosos do que adultos).

Para interpretar todas essas regras de aposentadoria dos servidores públicos temos que entrar numa verdadeira areia movediça. Não vamos falar disso, porque é controverso. Cai em concurso, mas sinto muito. Não temos tempo. ³
 

Pensão

Pode ser vitalícia ou não. Com a Emenda Constitucional nº 41/2003, houve uma redução. Pensão é a renda paga aos dependentes de servidor público falecido ou aposentado, a contar do óbito ou da sentença, no caso de morte presumida. E hoje temos que conservar os idosos. Você que é um potencial futuro pensionista, se a companheira(o) falecer, você só receberá cerca de 70% do que o que a pessoa recebia. Daí veio o problema de continuar pagando, mas estabeleceu-se um regramento: agora, pagam-se os 11% de contribuição dos inativos somente sobre um teto determinado. Art. 40, § 18 da Constituição da República.

§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

O Supremo declarou constitucional a taxação dos inativos, mas professor entendeu completamente inconstitucional. Há proposta de emenda à Constituição retornando à regra anterior.
 

Estabilidade

A redação original Constituição de 1988 previa dois anos como prazo para o servidor público adquirir a estabilidade. Da posse até o exercício. Com a Emenda Constitucional nº 19, mudou de dois para três anos. Os que já estavam no cumprimento dos dois anos continuaram com o direito adquirido a adquirir a estabilidade findos os dois anos, sem a necessidade de ficar mais um em estágio probatório.

E o estágio probatório? Não há como dissociar o estágio probatório do prazo de aquisição da estabilidade. Houve falha do legislador constituinte derivado em deixar claro se existe diferença entre “estágio probatório” e o período dos três anos de serviço. A regra já vale desde 2004 na Administração Pública Federal, através de um parecer vinculante. Quando um parecer formulado por procurador federal é ratificado pelo presidente da república, ele adquire efeito de decreto. Na seara federal, os três anos já estão valendo. Na Lei 8112/1990, temos o prazo de 24 meses.
 

Avaliação especial de desempenho

Não se confunde com o estágio probatório. O sujeito terá que ser um bom servidor público, e não somente um servidor público. Estipulou-se uma avaliação periódica “na forma da lei complementar”. Não foi promulgada essa lei. Por quê? Lobby de associações e sindicatos. O mau servidor público irá ser um mau servidor público até que responda a um Processo Administrativo Disciplinar. Só assim poderá ser extirpado do servidor público. Norma de eficácia limitada.
 

Perda do cargo efetivo

Só por decisão administrativa transitada em julgado. Tem a ver com a estabilidade do servidor público. Garante-se a ampla defesa. Pode retornar através de sentença judicial ou revisão administrativa. Vamos continuar esta parte depois da prova.


  1. Fonte: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo485.htm
  2. A expressão “fio do bigode” surgiu há muito tempo e consistia em garantir a palavra com um fio do próprio bigode. A palavra bigode é de origem incerta, mas pode ter vindo de uma antiga expressão alemã pronunciada em juramentos: “bi gott”, ou seja: “por Deus”. Um fio de bigode vale mais do que qualquer contrato escrito, palavra dada é palavra de honra, palavra de cavalheiro. Um grande exemplo brasileiro foi Visconde de Mauá, que se tornou o homem mais rico do Brasil de sua época. Como era liberal, abolicionista e contra a Guerra do Paraguai, foi vítima de perseguição política pelo Império e faliu. Fonte: http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2511966.xml&template=4187.dwt&edition=12330&section=941 – acessível em 18/09/11.
  3. Além de não termos tempo, esta parte ficou bastante confusa. Deixei somente os períodos que, na cópia, mantiveram nexo. Desculpem-me pela incompetência na cópia. E, faltando apenas 12 horas para a prova, notei que tinha deixado esse parágrafo na forma do rascunho: "A areia movediça que encontramos na interpretação dessas várias regras é (slide que contém o conceito de pensão)"