Esta é a última aula sobre servidores
públicos.
Como qualquer cidadão detém
responsabilidades, o servidor
público também terá responsabilidades e responderá pelos atos
praticados, desde
que venham a gerar danos, prejuízos, ou se praticar condutas
tipificadas como
crime.
Pois bem. Partindo-se do pressuposto
que qualquer cidadão
está sujeito a responder pelos seus próprios atos, não seria diferente
com os
servidores públicos. Aliás, as coisas são ainda piores. Hoje em dia é
muito
legal para um veículo de imprensa estampar nas páginas dos jornais as
faces dos
servidores supostamente envolvidos em irregularidades. Víamos até bem
pouco
tempo servidores públicos serem enclausurados e algemados. Surte bom
efeito
sobre a população. E tem que surtir mesmo, porque se exige uma conduta
ímpar do
servidor público, que é pago pelo Estado, que por sua vez é custeado
por nós. O
fiscal desse servidor público será o próprio cidadão. O cidadão exige
que o
servidor tenha uma conduta não correta, mas escorreita,
ou seja, mais do que correta. Portanto é importante que saibamos,
inclusive as
pessoas que pretendam ser servidoras públicas, as responsabilidades do
ofício.
Não se trata mais servidor público como antigamente, que não fazia
concurso
público, entrava pela janela, tinha padrinho de algum lugar; hoje em
dia a
importância que se dá ao servidor público é grande. Onde há recurso
público há
uma fiscalização hoje por parte da sociedade, por parte do próprio
cidadão, que
o maior fiscal da máquina administrativa. Há circunstâncias, inclusive,
no
Direito Penal, em que a pena é aumentada quando o crime é praticado por
servidor público. Servidor não pode arrumar confusão e ficar brigando
na rua.
Se a pena for maior do que quatro anos de prisão, perderá o cargo. Art.
92 do
Código Penal, transcrito mais à frente.
Porém, a responsabilidade do servidor
público também se
baseia na responsabilidade subjetiva.
E, a partir desse pressuposto, a partir do momento em que haja uma ação
antijurídica, com link (nexo) de causalidade, que envolva dolo ou
culpa, mais um
terceiro prejudicado, há a necessidade de reparação. O servidor público
está
sujeito como qualquer cidadão.
Dois exemplos: primeiro deles, para
generalizar bem, um caso
real. Determinado servidor, depois de realizada a assinatura de um
convênio entre
uma prefeitura e o órgão em que ele trabalhava, convênio esse que
envolvia
repasse de recurso público, ao invés de mandar o dinheiro para o
município, resolveu
mandar o dinheiro para a conta da titia dele no interior do Piauí. Da
noite
para o dia a titia ficou rica, mas ela mesma nem sabia. Quem mexia na
conta era o servidor mesmo. E agora? Em quais searas esse servidor poderá ser
penalizado?
Administrativa, para começar. Não cumpriu com seus deveres de servidor
público.
Poderá receber penalidades administrativas previstas na Lei 8112/1990.
Seara
civil: deu prejuízo aos cofres públicos, daí o dever de ressarcir. E na
penal,
porque teve uma conduta tipificada como crime, no caso, peculato (art.
312 do
Código Penal). Uma conduta, três consequências, em três diferentes
esferas.
O segundo exemplo é uma situação que
gera somente responsabilidade
subjetiva do servidor público: chega ao trabalho numa segunda-feira e
encontra
um computador “zero bala”. Acontece assim de modo geral: o equipamento
recém-adquirido
pela Administração é deixado lá na sala do servidor, que em seguida tem
que
ligar para o help desk para que
alguém
vá lá ligar o computador. “Mas é só enfiar na tomada!” – pensa o
servidor. “Eu
tenho que agilizar as coisas, sou eficiente, não tenho tempo a perder.”
E trata
de introduzir o plugue na tomada... mas a voltagem era diferente!
Resultado:
explosão do novíssimo equipamento, ao menos da fonte de alimentação. A
logística ainda não tinha levado o estabilizador de voltagem, se
existente. E
agora? O que fazer? Botar a culpa no estagiário? Não. O servidor até
pode alegar
que ligou rapidamente o computador querendo ser eficiente, para
trabalhar logo.
Mas depois descobrindo uma resolução do órgão, da qual já deveria ter
conhecimento, dispondo de que quem mexe com instalação e manutenção é
só a área
de informática... portanto, houve o descumprimento de um dever, que é o
de
observar as normas administrativas. A máquina era da Administração e
queimou. O
que o servidor terá que fazer? Ressarcir a Administração pelo dano que
provou
ao Estado. É uma responsabilidade civil em que se analisará se ele agiu
com
dolo ou culpa. No caso, ele se julgou capaz de fazer uma coisa que não
tinha a
expertise para tal, um misto de imperícia com imprudência. Responderá
somente
civilmente, talvez só pela via administrativa, com o direito de defesa,
direito
constitucional garantido, e, ao cabo do processo, ele terá de ressarcir
o Erário
pelo dano que provocou. Sendo estatutário, vingam dois atributos do ato
administrativo que impõe a sanção: autoexecutoriedade e, por
consequência,
presunção de legitimidade e veracidade. O Estado não pedirá a
autorização do
Poder Judiciário para descontar da remuneração do servidor. Pode
descontar até
10%. Jurisprudência recente do STJ, todavia, fala em necessidade de
autorização
do próprio servidor para que haja o desconto. Questão nada pacificada.
Tendo em vista haver uma relação
unilateral em que o
servidor está adstrito ao cumprimento do estatuto, e o estatuto permite
o
desconto, vinga a autoexecutoriedade. Não há necessidade de anuência
do
servidor desde que respeitado o devido processo administrativo, com
direito de
defesa.
Se houvesse dolo, aí haveria nova
circunstância: ele poderia
responder administrativamente também, coisa que vamos ver em breve.
No tocante à responsabilidade civil
do servidor público,
dado o direito de defesa e o devido procedimento legal administrativo,
gera-se
a responsabilidade do servidor ressarcir o Erário quando há prejuízo. E
também
quando é caso de prejuízo a terceiros. Digamos que o servidor seja
motorista de
uma viatura de determinada repartição. Nosso amigo-vítima, ao ser
abalroado por
um carro de uma repartição pública conduzido por um servidor público,
terá três
opções. Acionará o seguro? Não. Acionará o Estado, que tem a
responsabilidade
objetiva. É mais fácil cobrar dele. E veremos responsabilidade
extracontratual
do Estado, que, por via de regresso, cobrará do servidor que deu causa
ao
evento danoso, desde que se prove dolo ou culpa deste. A
responsabilidade,
nesta etapa, será subjetiva. Segunda opção é ajuizar diretamente contra
o
servidor. O servidor, quando demandado solitariamente, poderá dizer,
por sua
vez: “chame o Estado! Não somente eu.” Promove denunciação da lide. Ou
então apela
para a terceira opção, que é demandar os dois, servidor e Estado,
diretamente em
litisconsórcio.
Baseado no art. 70 do CPC, o servidor
denunciará o Estado à
lide. Ao final da fase de conhecimento formar-se-á um título executivo
judicial
que o Estado usará para acionar o servidor. E, entrando o Estado no
processo, como ele foi denunciado à lide, a competência poderá ser deslocada para a
Justiça
Federal, caso o ente público seja a União ou entidade a ela vinculada
ou órgão
a ela subordinado.
Na responsabilidade subjetiva, as
responsabilidades são
pagas com o patrimônio.
Digamos, agora, que o ofensor não
queira ter descontado de
sua remuneração o quantum reparatório. E agora? O Estado pode
sequestrar ou
constranger seus bens para garantir uma futura sentença. Como também a
Lei 8429/1992,
a Lei de Improbidade Administrativa, que também irá imputar ao servidor
uma
multa de até cem vezes o valor de sua remuneração, além do
ressarcimento ao Erário
e perda dos direitos políticos. Teremos para frente uma aula só sobre a
LIA.
E se não quiser pagar? Não pode
fugir. Em Teoria Geral do
Processo vimos a evolução da teoria da ação. Vimos que, em determinado
momento,
só existiria ação se houver sentença de mérito. Depois tivemos a teoria
de Giuseppe
Chiovenda, que tratava da ação como um novo tipo de direito:
potestativo. O que
é isso? Poder de manejar o Estado contra outra pessoa. E, com a
Constituição Cidadã
de 1988, o que aconteceu foi que o direito de ação se tornou um direito
cívico.
Se digo que alguém tem um direito cívico, baseado no inciso XXXV do
art. 5º da
Constituição, o que ele fará é acessar o Judiciário valendo-se do
princípio da
inafastabilidade da jurisdição. Caberá a última palavra ao Poder
Judiciário.
Mesmo que haja presunção de veracidade e legitimidade do ato
administrativo e
consequente autoexecutoriedade, isso não impede a apreciação do Poder
Judiciário.
Essa é a responsabilidade civil do
servidor público. Envolve
reparação do dano, tanto para o Estado quanto para terceiros.
Responsabilidade
administrativa
Envolve descumprimento de quê?
Deveres inerentes a servidor
público. Malferimento de seu próprio estatuto de servidor. Se uma
conduta foi
tida como descumpridora de uma norma estatutária, e o servidor adere à
regra unilateralmente
preestabelecida, o servidor não poderá tergiversar sobre isso. Digamos
que, no
exemplo do computador detonado pela ligação em 220V, havia uma
instrução, um
ato ordinatório qualquer dizendo “o servidor não pode se aventurar a
instalar
ou realizar manutenção no computador; poderá somente operá-lo. Qualquer
problema deverá ser dirigido ao help desk.”,
isso é descumprimento de norma administrativa. O servidor deverá
responder a
processo administrativo. Na apuração da conduta ilícita administrativa
do
servidor público, deve-se apurar se há dolo ou culpa.
Observação: não veremos Processo
Administrativo Disciplinar.
Não está em nosso programa e precisaríamos de três aulas. Infelizmente.
É poder-dever da Administração apurar
todo e qualquer
ilícito e infração administrativa. O que é isso? Princípio da
legalidade. Mesmo
que haja um procedimento sumário preliminar de investigação.
Na seara administrativa, portanto,
acontecerá algo muito
parecido com a seara cível. Direito de defesa, devido processo legal,
contraditório, que irá redundar em penas previstas no estatuto do
servidor
público. Podemos, na melhor das hipóteses, ver uma discrepância de
penas. Se o
ato impensado de ligar o computador em voltagem não verificada for
praticado em
duas repartições, é possível que a sanção administrativa aplicada por
uma seja
advertência, enquanto na outra seja suspensão. Mas nas circunstâncias
que
ensejam pena de demissão, a discricionariedade administrativa é quase
nenhuma.
São condutas colocadas em numerus clausus
na Lei 8112/1990 que devem ter por consequência a pena de demissão, sem
meio-termo.
No tocante à pena de demissão, o professor entende ser praticamente
impossível,
em que pese haver administradores tentando contornar situações pesando
o tempo
de casa, os antecedentes, a gravidade. Alguns tentam
converter
para suspensão. Daí vemos na doutrina que, na aplicação da pena, poderá
haver
uma determinada discricionariedade,
o
que gera certas injustiças, tanto analisando internamente dentro do
órgão, ou
na comparação com servidores de outros.
Isso, também, obviamente, não inibe o
acesso ao Poder
Judiciário. Por quê? Inafastabilidade da jurisdição! O servidor que foi
penalizado com uma pena de suspensão de 30 dias poderá manejar um
mandado de
segurança e conseguir uma liminar suspendendo a pena. Se aplicada pena
de
demissão, e em seguida o Judiciário manda o servidor retornar, o
provimento é
qual? Reintegração. Qualquer coisa
que envolva direitos das pessoas tem que ser motivado sob pena de
nulidade
dessa decisão.
Exemplo: alguém está suspenso há 30
dias. Por quê? “Porque
eu quero!” Não existe isso. Para imputar uma pena de suspensão, o
administrador
deverá se basear nas provas contempladas nos autos. Dá-se direito de
defesa ao
inquirido, e também ouvem-se testemunhas e podem-se juntar documentos.
Nossa
jurisdição é una, e não existe contencioso administrativo em nosso país.
Já vimos a seara administrativa e a
cível. Falta a penal!
Responsabilidade
penal do servidor público
Vamos voltar ao exemplo do rapaz que
desviou o dinheiro para
a conta de sua tia que mora no interior de outro estado. Ele começa a
ostentar
riqueza, chega com a caminhonete zero km e roupinhas novas, um sujeito
burro
mesmo. Começa a levar as coisas para o trabalho e põe-se a ostentar. Aí a polícia
pega. É
uma conduta reprovável com ou sem burrice. É reprovável a conduta por
simplesmente malversar recursos públicos. O sujeito, ainda assim, muda
de
vestimenta, de carro, até de comportamento, e investigam. Nisso
descobrem de
quem era o login e a senha usados quando o recurso foi desviado. Quem
irá
apurar será o Poder Judiciário, o primeiro e único a apreciar. A
Administração
não aplica sanção penal. Responsabilidade subjetiva, claro. Conduta,
dolo e
culpa.
Existe um adágio
jurídico em
latim que também é um preceito constitucional, tocante ao Direito
Penal. Imputabilidade:
nullum crimen nula poena sine lege.
O servidor público só responderá penalmente se a conduta dele for
tipificada
como crime ou contravenção. “Não existe crime nem pena sem lei anterior
que os
definam.”
Responsabilidade do Estado será
sempre objetiva no tocante à
reparação do dano. Mas o Estado não vai para a cadeia; quem vai é o
agente. Por
isso é somente subjetiva a
responsabilidade. O Estado não age por si só. O Estado não é um ser; é
uma
entidade inanimada. O querer do Estado é o querer de seus agentes. São eles quem
responderão criminalmente. Vamos ter aula específica sobre isso.
E, claro, deve ser aferida a
existência do nexo de causalidade
entre a conduta do servidor e o dano causado.
A responsabilidade é subjetiva; há
necessidade de uma norma,
e não somente o Código Penal tipifica crimes. Há legislação penal
extravagante,
tal como a Lei do Inquilinato e o próprio Código de Defesa do
Consumidor, além
da Lei de Falências, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na Lei de
Improbidade Administrativa há outros exemplos. Há vários diplomas
legais.
Então, lei penal = Código Penal + leis esparsas. Só o Judiciário
aprecia.
Aqui surge um problema: a concomitância de instâncias. O
sujeito que colocou dinheiro na
poupança de sua tia velhinha teve uma conduta ilícita civil,
administrativa e penal. São todas independentes. Daí poderá ser
sancionado nas
três esferas. O aproveitador corre o risco de ser mandado embora do
serviço
público, mas ser absolvido no cível e no criminal. A regra, portanto, é
a
independência das instâncias.
Há exceções, entretanto. Deve-se
notar qual o motivo da absolvição na seara
penal: se por falta de provas,
por inexistência do fato ou por negativa de autoria. Lei 8112:
Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria. |
Havendo condenação criminal, não há
possibilidade de o juízo
cível ou do juízo que aprecia a sanção administrativa ¹ decidir de
maneira
contrária. Art. 935 do Código Civil:
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. |
Isso porque a apreciação das provas
no juízo penal é muito
mais aprofundada, forçando o reconhecimento da situação jurídica nas
esferas
cível e administrativa. Agora, por exemplo, vinga a máxima in dubio pro reo. Será reintegrado o
servidor que tiver sido
absolvido por falta de provas? Não. Nem mesmo se ele for absolvido em
virtude
do princípio da insignificância. Porém, será reintegrado se o juízo
criminal
decidir pela absolvição por inexistência do fato ou negativa de autoria.
Código Penal:
Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (Incluído pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. |
Se for para o cárcere, a família do
servidor receberá
auxílio reclusão (art. 185, II, c, e art. 229 da Lei 8112). Em 99% das
sentenças, quando acontece isso, o juiz declara a perda do cargo,
porque não é
justo deixar o erário pagando alguém sem trabalhar, e segurando o
cargo.
Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores: I - dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão; II - metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo. § 1o Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido. § 2o O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional. |