Direito Administrativo

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Reforma administrativa – terceiro setor

 

Vamos para o art. 11 do Decreto-lei 200/67:

Art. 11. A delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender.

O que a parte final quer dizer? Isso é de 1967. O que o Estado quis dizer com isso? "Situando-se na proximidade dos fatos, situações ou pessoas a atender?" O que se quis foi diminuir a ligação entre o Estado e o cidadão. Pense na pirâmide. Naquela época já se previa um modelo de eficiência para a prática do serviço público. E pudemos ver as etapas de descentralização, nestas aulas, até que pudemos chegar à base da pirâmide. Num primeiro momento, desconcentramos; depois, descentralizamos por serviços, com autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas, num terceiro momento descentralizamos por colaboração, com concessionários, autorizados, permissionários, e se chega, agora, ao que chamamos de terceiro setor. Primeiro momento é desconcentração, o segundo é a descentralização por serviços e o terceiro é a descentralização por colaboração. O terceiro deve lembrar as palavras utilidades e comodidades. O que isso quer dizer? Discricionariedade. O que é mesmo discricionariedade? Por mais dinheiro que tivéssemos, teríamos como custear todos os serviços que necessitássemos, sejam públicos ou privados? Para satisfazer nossas comodidades, utilidades e necessidades? Mesmo que fôssemos bilionários não teríamos mesmo. Veja o art. 175 da Constituição:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[...]

Perguntamos novamente: não temos como custear tudo para nós mesmos. Você é rico, custeou sua estrada de determinado lugar da cidade até sua casa. E mandou que instalassem um sistema de iluminação tal que, à medida que seu carro vai se aproximando dos postes, as luzes vão acendendo, e à medida que você se afasta, elas apagam. E nada de luz para os outros. Está certo? Você tem como custear a polícia só para você? Ou o Poder Judiciário para julgar só suas ações? Negativo. Somente o poder público poderá prestar tais serviços. Daí a expressão no art. 175 do texto constitucional: “Incumbe ao poder público!”

Agora ficou simples. Se incumbe ao poder público, na área de serviços públicos estamos resolvidos. E nas áreas em que há interesse pela prática de serviços úteis, ou seja, de utilidade pública ou de interesse da população? O Estado tem como agir aí? Sim ou não? O Estado presta serviços públicos, e encontrou no terceiro setor o que chamamos de entidades paraestatais. Podemos pegar o conceito de paraestatal em três livros e ler três diferentes conceitos. Então fiquemos com a ideia de que paraestatal = ao lado do Estado; para = ao lado de.

O Estado busca com pessoas jurídicas de direito privado o que chamamos de parcerias. Isso porque é interesse do Estado o atendimento à população, a qualidade de saúde, o acesso à cultura, o desenvolvimento tecnológico. O sistema é bom; é bonito na teoria. Na prática é que vemos alguns desvios. ONGs, por exemplo. Não existe sequer dispositivo legal que diga o que é uma Organização não Governamental. São pessoas jurídicas que não visam ao lucro, pelo menos em seus estatutos, e venham a fazer parceria com o Estado numa determinada área dele. O Estado tem que agir ou, se não puder, ele é parceiro. Ele ajuda essas entidades para que possam prestar o serviço de interesse daquela determinada comunidade. Isso é o lado bom dessas organizações, que tiveram uma grande força, principalmente no governo neoliberal, a partir da Emenda Constitucional nº 19, da reforma administrativa. Virou também, infelizmente, uma forma de se estocar dinheiro. Quando o Estado fomenta uma atividade dessas, deve nascer para ele o dever de fiscalizar. Em nosso país, entretanto, que tem dimensões continentais, é difícil a tarefa. Há três partes. Uma rica, uma média, e uma pobre. Brasília é um lugar bom porque a maioria dos serviços é custeada pela União.

O Estado vê, então, nessas instituições, as organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público, as OSCIPs, o sistema S (os serviços sociais autônomos) e as entidades de apoio, ou fundações de apoio. Tirando o sistema S, todas são ONGs. O Estado procura parcerias com essas instituições, fomenta-as, para que possam a ajudá-lo a atender as utilidades e comodidades, circunstâncias que não se confundem com serviços públicos. Área social, de cultura, de desenvolvimento tecnológico, e por aí vai. OSCIPs são as típicas ONGs. Na maioria das vezes são criadas sob a forma de OSCIPs. Curioso é que há vários políticos que são donos de ONGs. A criatividade humana é inesgotável; ele conta com o locupletamento do Estado, com a ingerência dele, de fiscalizar o próprio dinheiro que empregou. A ideia é muito bonita, como é quase todo o ordenamento jurídico brasileiro. Mas estamos falando em fatos reais e recentes, tais como operações da Polícia Federal por conta dos desvios. Encontraram numa ONG a forma de ser o duto por onde passa o recurso público. É uma forma “legalizada” para malversar recursos públicos.

Isso se diferencia muito da pessoa que entra no supermercado, com fome, e furta um saco de arroz. Em contrapartida, pessoas que utilizam dessas organizações deveriam ter punição muito mais severa, porque remove dinheiro da saúde e da educação, para não citar outros setores Pessoas morrem por conta disso. Temos excelentes ONGs, por outro lado, que, ao lado do Estado, se não geram eficiência, estão no caminho dela.

O que se questiona é: como escolher uma ONG para poder, em seguida, fomentá-la? Destinar recursos do orçamento? Hoje em dia se faz o chamamento público, uma espécie de concurso em que as organizações apresentam seus planos de trabalho, que são submetidos à Administração Pública especializada naquela área, em seguida elas são classificadas e terão seus projetos aprovados. Também é uma ideia interessante. Porém há as outras organizações que, por serem amigas do rei, conseguem, muitas vezes sem prestar o serviço, e sem cumprir com o que se comprometeram perante o Estado.

Temos, portanto, organizações sem fins lucrativos que recebem muito dinheiro. Elas vêm a fazer parceria com o Estado buscando a eficiência.

O que está no art. 11 do Decreto-lei 200/1967, portanto, é obrigação do Estado.

Mas o Estado tem uma distância muito grande até o cidadão. Ele conta, portanto, com organizações e comunidades. O Estado buscou na legislação o autorizativo porque existe o princípio da legalidade. É obrigação do Estado fazer as parcerias, desde que necessárias para a eficiência.
 

O terceiro setor

Comecemos pelas organizações sociais.

O conceito de organização social difere um pouco do que temos no art. 175 da Constituição. Concessionários, permissionários e autorizados. Organizações sociais assimilam serviços públicos. Não são concessionárias, permissionárias nem autorizadas. Mas temos a Lei 9637/1998, que surgiu sob as égides da Emenda 19, com uma nova visão de administração, com o intuito de aproximar-se do cidadão, que é quem custeia a máquina administrativa. Essa é a lei que disciplina a qualificação das organizações sociais. Elas foram concebidas, nessa qualificação, para pessoas jurídicas de direito privado que detenham, nos seus estatutos, em primeiro lugar, não ter fins lucrativos. Outro requisito é que utilize um sistema de decisões colegiadas, a cargo de várias pessoas, não somente um único dirigente, e se previu que esses colegiados deveriam ter, entre seus dirigentes, representantes da população e representantes do governo. Isso por quê? Porque as organizações irão, no lugar do Estado, prestar serviços públicos. As organizações sociais são as únicas que prestam serviços públicos, e outras prestam somente serviços de interesse público. Existe uma grande diferença, cuidado! Temos, portanto, nas organizações sociais, essa possibilidade de, ao invés de o Estado prestar o serviço, as organizações prestarão, inclusive com a possibilidade de terem servidores públicos cedidos, como também permitida a utilização de bens públicos, além de recursos do orçamento, para, no lugar do Estado, gerar eficiência. Exemplo: Santas Casas. Alguns falharam, mas não em geral. Uma organização social que assume o serviço público é o Hospital de Santa Maria, aqui no Distrito Federal.

O Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se sobre o questionamento feito pelo próprio PT quanto à concepção neoliberal de Estado, declarou constitucional a disciplina jurídica das organizações sociais. Maria Sylvia Di Pietro tem uma boa crítica sobre esse terceiro setor. O que falta é transparência quanto aos critérios de escolha dessas organizações de forma eficiente e impessoal.

As organizações se qualificam perante o Ministério da área e, qualificando-se, passam a deter o título de organização social.

A Lei 9637 trata da qualificação, como vimos. Art. 11:

Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.

Depois da qualificação é que elas obterão a designação. O Estado fiscaliza e incentiva. Como? Cedendo bens do Estado, servidores públicos, e designação de verba orçamentária, em outras palavras, dinheiro para que funcionem. No art. 24 da Lei 8666/93 teremos uma forma de dispensa de licitação para que possam prestar seus serviços, desde que sejam, obviamente, objeto do contrato de gestão.

As áreas em que elas mais atuam é ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio-ambiente, cultura e, principalmente, saúde.

São as únicas do terceiro setor que assinam contrato de gestão, fixando metas e objetivos para gerar eficiência e, em contrapartida, ter um incentivo maior do Estado para que possam gerar essa eficiência.

A qualificação das organizações sociais é discricionária, e cabe ao poder público. Não é obrigação a concessão; o ato é discricionário. A desqualificação também, mas, neste caso, deve-se conceder o contraditório e a ampla defesa. Devido processo legal administrativo. Somente depois disso essas instituições podem ser desqualificadas, ressalvado o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Se houver problemas, os dirigentes responderão solidariamente, com seu patrimônio, para recompor o rombo que deixaram no Estado.

Na prática, até o processo administrativo terminar e ser feita a apuração, os bens estarão todos em nome de laranjas, infelizmente.
 

Serviços sociais autônomos – o sistema S

O modelo é antigo. Decreto-lei de 1946 com a criação do Serviço Social da Indústria, o SESI, associada à Confederação Nacional da Indústria – CNI, e o Serviço Social do Comércio – SESC, associado à Confederação Nacional do Comércio – CNC. A conceituação de sistema S é o Estado buscar na lei a autorização para que essas confederações instituam serviços que venham a satisfazer utilidades e comodidades às pessoas que compõem o sistema. Comerciários, industriários, e assim por diante. Custeiam-se mediante contribuições parafiscais compulsórias. Pode haver também dotação orçamentária para essas instituições.

Temos, portanto, as confederações criadas por lei, e as autorizadas por lei a serem criadas. São criadas a partir do momento do registro no cartório competente. Algumas têm até rede de hotéis, prédios em locação e time de vôlei! Prestam serviços à comunidade, como também aos seus próprios custeadores.

A lei força a que pessoas venham a contribuir com o sistema, além de que o Estado renuncia a certas receitas, que são destinadas, em vez disso, para o sistema. Por outro lado, as entidades têm que seguir o princípio da licitação e do concurso público.

As entidades estão sujeitas ao controle do Tribunal de Contas da União.

Comecem a estudar para a prova. Aperfeiçoem o estudo. Estudar pelas aulas dá certo. Provas só saem das aulas.