Direito Administrativo

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Serviços públicos

 

Comodidades e utilidades. O que são essas duas coisas? Vamos raciocinar. Essas duas palavras parecem ser o objetivo de um serviço público eficiente. Em Processo Civil, ou melhor, em Teoria Geral do Processo, vimos a definição de bem, de utilidade, e de necessidade. Quem é quem aqui? O que é um bem? Coisa susceptível de apropriação? Certo. Mas vamos dar um conceito mais primário, substancial. Para que serve o bem? Para satisfazer necessidades humanas. O conceito de bem tem íntima ligação com satisfação humana. O bem só terá esse caráter de satisfação humana a partir do momento em que o ser humano demonstra uma necessidade por esse bem. Vou adquirir um quarto automóvel para deixar em minha garagem. É um bem. Dará-me problema, porque pagarei seguro, o IPVA, ocupará uma vaga... não andarei frequentemente nele. Em termos práticos, não tenho necessidade dele.

Como mensurar a necessidade de um bem? A partir do momento em que ele seja útil. Fazendo o somatório de bem + utilidade + necessidade, temos como soma o interesse. Não esqueçamos, porque isso pode cair na prova da OAB, que vamos fazer em breve. Vamos refrescar a mente. Tudo isso gera o interesse, que é uma das condições da ação.

Por que estamos falando disso? Todos nossos interesses, que se resumem em utilidades e comodidades podem ser satisfeitos por nós mesmos? Por mais milionário que sejamos, temos como custear todos os nossos interesses? O próprio nome de utilidade já nos remete a uma circunstância de dependência. E, a partir dessas utilidades teremos um novo conceito: serviços essenciais e serviços não essenciais. Tema para a próxima aula.

E comodidades? É tudo o que vem a mais. É o plus, o que dá mais prazer, o que venha a satisfazer de uma maneira mais do que necessária. Teremos serviços públicos de interesse público e de necessidade pública. Faremos toda essa diferenciação.

Por mais rico que eu seja, portanto, não consigo custear todas minhas utilidades e comodidades. Não é possível nem com todo o dinheiro do Brasil criar o ambiente em que os postes de luz acendem só quando o meu carro passa... significa que nem todo o dinheiro do mundo pode custear algumas das comodidades e utilidades. São os serviços públicos, que somente o Estado pode custear.

Temos três sentidos relacionados aos serviços públicos. Em sentido orgânico ou subjetivo, temos as pessoas e órgãos que prestam. No segundo temos o sentido material ou objetivo: o resultado que essas pessoas e órgãos irão gerar. E o terceiro, que é um sentido misto ou formal: atividade criada pelo poder público ou seus delegados sob regime de direito público para satisfação do interesse dos administrados. É a denominação típica de serviços públicos.

Temos dois conceitos de grandes administrativistas: Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello. Para este, serviço público é “toda atividade de oferecimento de utilidade e comodidade fruível preponderantemente pelos administrados, prestada pela Administração Pública ou por quem lhes faça as vezes, sob um regime de Direito Público, instituído em favor de interesses definidos como próprios pelo ordenamento jurídico.

Conceito de Di Pietro: “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.

Diretamente ou por seus delegados. Até esse trecho do conceito está igual. Mas em seguida a autora deixa claro que o serviço público é prestado sob regime total ou parcialmente público. Esse “parcialmente” é a grande diferença. O professor entende que é o conceito mais completo. Temos muitos serviços públicos que têm uma derrogação do direito público para o direito privado. Como esta faculdade, que precisa da autorização do Ministério a Educação para funcionar. O MEC pode cortar vagas, proibir a realização de novos vestibulares, autorizar a transferência de um aluno para outra instituição, porque é um serviço público. Porém, a atividade prestada, para a maioria dos doutrinadores, é de direito privado. Art. 175 da Constituição:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

[...]

"Através de delegação". A quem cabe a prestação de serviços públicos? Somente ao Estado. Então assim vamos ao encontro do que falamos ao início da aula. Nem todas as necessidades poderão ser levadas a efeito por nós mesmos. Serviço público quem presta é o Estado. Ninguém escapa de se submeter ao serviço público. Se entrarem em sua mansão e roubarem seus carros de colecionador, você terá que entrar na fila da delegacia como qualquer outro cidadão. Pelo menos em regra. Na lousa tudo isso é muito bonito! E aqui começamos a ver um verdadeiro paradoxo com a realidade. Na verdade, todo o objeto desta disciplina é maravilhoso: “incumbe ao Estado...” Se abrirmos os jornais hoje, veremos uma denúncia de corrupção. Todos os dias, sem exceção. Mas é o Estado quem institui o serviço público, o elemento subjetivo. Somente ele pode prestar serviço público.

E o terceiro setor? Não presta serviço público, com a exceção das organizações sociais, que assimilam o serviço público. “Assimilam”? Não mesmo. As organizações sociais prestam serviços de interesse público.

Quem presta o serviço público, portanto, é o Estado, que tem a titularidade da prestação. Ao contratar uma secretária do lar, você irá fiscalizar a eficiência dela, os serviços que ela desempenha. Outra coisa é entregar a casa para ela! Quem não detém a titularidade não detém o poder fiscalizatório, porque a coisa não lhe pertence. A titularidade sempre estará a cargo do poder público, no tocante a esse serviço. No máximo, o que faz é transferir para outrem a prática e a execução desse serviço, deixando a fiscalização para o Estado. Sem a titularidade ele não poderá fiscalizar. Só é transferível a prestação de serviços públicos em determinado momento, na forma da lei. Por meio da lei, o Estado buscou a criação de entidades que assumissem esse mister. Essa é a descentralização por serviços. Autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Há projeto de lei para que se mude das agências reguladoras para os Ministérios a assinatura de contratos de concessão.

Se não houvesse fiscalização do Estado na educação, ele não teria como interferir nesta faculdade. De vez em quando há fiscalização do MEC aqui, exigindo um quantitativo mínimo de professores com titulação, que o serviço seja prestado de uma maneira eficiente. Eles quem autorizam o funcionamento de determinado curso. Por exemplo, o CEUB está em processo de instituir uma faculdade de medicina. Há várias regras.

O Estado nunca se desonera da obrigação. Não pode deixar de haver um Poder Legislativo, um Poder Judiciário, a segurança nacional...

Quando o serviço público é delegado a terceiros, estes o prestarão por sua própria conta e risco. Se por um mau funcionamento do serviço de energia, que estava nas mãos de uma empresa concessionária de energia elétrica, você tiver um equipamento doméstico queimado, você acionará a empresa, que responderá com seu patrimônio. Há juízes que têm admitido a subsidiariedade na responsabilidade do Estado, tendo em vista a inoperância dos agentes reguladores. Geralmente, quem é demandado unicamente é a concessionária, formando-se o litisconsórcio passivo facultativo somente para garantir o cumprimento da sentença.

Competência, obviamente, é daquele ente que constitucionalmente ou legalmente está encarregado de prestar o serviço. Exemplos de serviço público de competência da União: art. 21, incisos X, XI, XXII, XV e XVIII da Constituição. Serviço de competência estadual: segurança pública. Serviço de competência municipal: transporte coletivo. São exemplos. Saneamento básico é competência comum da União, estados e municípios. Vejam o art. 25, §§ 1º e 2º da Constituição:

[...]

§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Pelo Distrito Federal, tendo em vista a indivisibilidade, temos a competência para a prestação de serviços municipais e estaduais e legislar sobre ambos. As Regiões Administrativas são uma forma de desconcentração. O administrador tem função de confiança demissível ad nutum. É um representante do governador. São órgãos públicos do GDF. Não detêm personalidade jurídica própria.

Regulamentação: obviamente a cargo do ente responsável a prestar o serviço público. Pode haver remuneração pelos serviços. Exemplo: prestação jurisdicional, muito embora já paguemos impostos; museus, jardim zoológico, jardim botânico, água mineral... A execução também é por parte de quem é responsável pelo serviço público.

E aqui temos algumas definições. Vamos ver a forma direta de prestação do serviço público, como a segurança, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, saúde, educação, sendo que esta é uma situação híbrida, e temos a forma descentralizada, por outorga, quando se transfere a titularidade. Só se faz por lei. Aqui pegamos o Estado que não aguenta assumir a prestação de serviços públicos por conta própria, e procura no Decreto-lei 200/67, art. 4º, inciso II, criando uma autarquia para outorgar a titularidade do serviço público. Art. 37, inciso XIX:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação;

[...]

Em nossas casas podemos também outorgar a titularidade. De vez em quando é até necessário redigir uma procuração. Momentaneamente você pode estar fora do país. Na seara privada vinga o princípio da autonomia das vontades. O que não é ilegal é permitido. Na seara pública não é possível que o Estado transfira a titularidade do serviço sem que haja lei, por força do princípio da legalidade. Por isso outorga-se; não se delega. É uma forma de delegação, mas é um nome específico para isso. Outorga-se a titularidade mediante lei.

E temos também a delegação em sentido estrito, que é a circunstância de transferência da mera prática do serviço público para uma pessoa jurídica de direito privado que venha a executar esse serviço por sua própria conta e risco.

Temos também a permissão, usada para serviços menos complexos, porém de grande interesse da população, e quem vier a usufrui-lo submete-se a um contrato de adesão. Antigamente era uma relação precária entre o Estado e a instituição privada. Havendo interesse público, o Estado retira a permissão. Na concessão a intervenção do Estado na atividade desempenhada pelo particular é mais complexa. Requer intervenção branca, seguida de nomeação de interventor, por último, encampação.

Exemplo de permissão: serviço de táxi. Taxista tem permissão para exercer sua atividade. Em Londres, apenas para termos uma ideia, requer-se pelo menos três anos de curso e provas um tanto difíceis para se obter a licença.

Já na autorização as coisas são bem mais precárias: total discricionariedade do administrador. Ao retirar a autorização ou permissão, em que pese a precariedade, não se pode deixar de observar o direito de defesa, de acordo com a jurisprudência. Significa que, na prática, a jurisprudência do STJ está se solidificando no sentido de que a autorização não é tão precária assim. Postos de gasolina conseguiram muitas liminares e antecipação de tutela para garantir o direito de defesa na seara administrativa. O contraditório é cláusula pétrea de nossa Constituição. Abre-se processo administrativo punitivo.
 

Requisitos do serviço público

Regularidade. É o primeiro deles. O Estado deve primar, via direta ou pelos delegados, pela qualidade do serviço. E quando não se pode tomar banho senão gelado? É que falta regularidade. O serviço também não pode sofrer solução de continuidade. O serviço público não pode parar. Não temos bons exemplos aqui em Brasília no tocante à energia elétrica.

E o tempo não para...

Há uma exceção à continuidade, que são os fatos baseados na teoria da imprevisão. E o que é caso fortuito e força maior? Há diferença entre civilistas e administrativistas. Pensam de maneira inversa. Para os administrativistas, força maior depende da manifestação humana. Ameaça de bomba, greve. Caso fortuito é evento da natureza.

Uma vez uma concessionária terceirizou a manutenção de postes. Um técnico fazia a manutenção e, de repente, virou torresmo. Surgiu no processo administrativo um pedaço do cinto de segurança todo queimado. Em outra circunstância, um determinado transeunte vagava por determinada avenida, sob um poste de energia, em tempo chuvoso, e sem querer pisou numa poça d’água. Ao mesmo tempo em que pisou estourou o fio, que chicoteou o cidadão. O que faltou? Sorte. Mas também aconteceu porque o serviço tem que ser atual, ter equipamentos modernos, ter manutenção adequada.

Outro requisito é a generalidade. Não pode haver discriminação no serviço público. Existem inclusive princípios que estão sendo colocados por novos governos, como o da universalização do serviço público. Imperativo de chegar energia elétrica até os mais distantes habitantes. Isso inclui um bom tratamento por parte das pessoas que representam a determinada prestação do serviço público. Os agentes devem ter cortesia com os utentes.

Por último temos o requisito da modicidade tarifária. Cabe ao poder público impedir que as concessionárias tenham ganhos exorbitantes. Pagamos preço público ou tarifa, que não se confunde com tributo, tendo em vista sua não compulsoriedade. Quer dizer que, desde a Lei 8987/1995, o serviço é feito pelo preço, o que já inclui o lucro. Cabe às agências reguladoras, no cálculo da composição tarifária, evitar que a parcela lucro seja exorbitante para não onerar o pobre cidadão. Piada, na verdade. Nossas tarifas são astronômicas, em que pese a atuação das agências reguladoras.

Faltou só o último requisito¹. Qual é mesmo? A eficiência!

Resumindo, então, os requisitos dos serviços públicos:

  1. Regularidade/continuidade;
  2. Generalidade;
  3. Modicidade tarifária;
  4. Eficiência.

Nas aulas disponibilizadas no espaço aluno, o professor detalhou mais os requisitos dos serviços públicos: