Comodidades e utilidades. O que são essas duas coisas? Vamos raciocinar. Essas duas palavras parecem ser o objetivo de um serviço público eficiente. Em Processo Civil, ou melhor, em Teoria Geral do Processo, vimos a definição de bem, de utilidade, e de necessidade. Quem é quem aqui? O que é um bem? Coisa susceptível de apropriação? Certo. Mas vamos dar um conceito mais primário, substancial. Para que serve o bem? Para satisfazer necessidades humanas. O conceito de bem tem íntima ligação com satisfação humana. O bem só terá esse caráter de satisfação humana a partir do momento em que o ser humano demonstra uma necessidade por esse bem. Vou adquirir um quarto automóvel para deixar em minha garagem. É um bem. Dará-me problema, porque pagarei seguro, o IPVA, ocupará uma vaga... não andarei frequentemente nele. Em termos práticos, não tenho necessidade dele.
Como
mensurar a
necessidade de um bem? A partir do momento em que ele seja útil. Fazendo o somatório de bem +
utilidade + necessidade, temos
como soma o interesse. Não esqueçamos, porque isso
pode cair
na prova da OAB, que vamos fazer em breve. Vamos refrescar
a mente. Tudo
isso gera o interesse, que é uma
das
condições da ação.
Por
que estamos falando
disso? Todos nossos interesses, que se resumem em utilidades e
comodidades
podem ser satisfeitos por nós mesmos? Por mais milionário que sejamos,
temos
como custear todos os nossos interesses? O próprio nome de utilidade já
nos remete
a uma circunstância de dependência. E, a partir dessas utilidades
teremos um
novo conceito: serviços essenciais
e serviços não essenciais. Tema
para a
próxima aula.
E
comodidades? É tudo o
que vem a mais. É o plus, o que dá
mais prazer, o que venha a satisfazer de uma maneira mais do que
necessária. Teremos
serviços públicos de interesse público e de necessidade pública.
Faremos toda
essa diferenciação.
Por
mais rico que eu
seja, portanto, não consigo custear todas minhas utilidades e
comodidades. Não
é possível nem com todo o dinheiro do Brasil criar o ambiente em que os
postes
de luz acendem só quando o meu
carro
passa... significa que nem todo o dinheiro do mundo pode custear
algumas das
comodidades e utilidades. São os serviços públicos, que somente o
Estado pode
custear.
Temos
três sentidos
relacionados aos serviços públicos. Em sentido orgânico
ou subjetivo,
temos as pessoas e órgãos que prestam. No segundo temos o sentido material ou objetivo:
o resultado que essas pessoas e órgãos irão gerar. E o
terceiro, que é um sentido misto ou
formal: atividade criada pelo poder
público ou seus delegados sob regime de direito público para satisfação
do
interesse dos administrados. É a denominação típica de serviços
públicos.
Temos
dois conceitos de
grandes administrativistas: Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio
Bandeira de
Mello. Para este, serviço público é “toda
atividade de oferecimento de utilidade e comodidade fruível
preponderantemente
pelos administrados, prestada pela Administração Pública ou por quem
lhes faça
as vezes, sob um regime de Direito Público, instituído em favor de
interesses
definidos como próprios pelo ordenamento jurídico.”
Conceito
de Di Pietro: “toda atividade material que a
lei atribui ao
Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com
o
objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob
regime
jurídico total ou parcialmente público.”
Diretamente
ou por seus
delegados. Até esse trecho do conceito está igual. Mas em seguida a
autora
deixa claro que o serviço público é prestado sob regime total ou
parcialmente
público. Esse “parcialmente” é a grande diferença. O professor entende
que é o
conceito mais completo. Temos muitos serviços públicos que têm uma derrogação do direito
público para o direito privado. Como
esta faculdade, que precisa da autorização do Ministério a Educação
para
funcionar. O MEC pode cortar vagas, proibir a realização de novos
vestibulares,
autorizar a transferência de um aluno para outra instituição, porque é
um
serviço público. Porém, a atividade prestada, para a maioria dos
doutrinadores,
é de direito privado. Art. 175 da Constituição:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...] |
E
o terceiro setor? Não
presta serviço público, com a exceção das organizações sociais, que
assimilam o
serviço público. “Assimilam”? Não mesmo. As organizações sociais
prestam serviços de interesse público.
Quem
presta o serviço
público, portanto, é o Estado, que tem a titularidade
da prestação. Ao contratar uma secretária do lar, você irá fiscalizar a
eficiência dela, os serviços que ela desempenha. Outra coisa é entregar
a casa
para ela! Quem não detém a titularidade não detém o poder
fiscalizatório,
porque a coisa não lhe pertence. A titularidade sempre estará a cargo
do poder
público, no tocante a esse serviço. No máximo, o que faz é transferir
para
outrem a prática e a execução
desse serviço, deixando a
fiscalização para o Estado. Sem a titularidade ele não poderá
fiscalizar. Só é
transferível a prestação de serviços públicos em determinado momento,
na forma
da lei. Por meio da lei, o Estado buscou a criação de entidades que
assumissem
esse mister. Essa é a descentralização por serviços. Autarquias,
fundações
públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista. Há projeto
de lei
para que se mude das agências reguladoras para os Ministérios a
assinatura de
contratos de concessão.
Se
não houvesse
fiscalização do Estado na educação, ele não teria como interferir nesta
faculdade. De vez em quando há fiscalização do MEC aqui, exigindo um
quantitativo mínimo de professores com titulação, que o serviço seja
prestado
de uma maneira eficiente. Eles quem autorizam o funcionamento de
determinado
curso. Por exemplo, o CEUB está em processo de instituir uma faculdade
de
medicina. Há várias regras.
O
Estado nunca se
desonera da obrigação. Não pode deixar de haver um Poder Legislativo,
um Poder
Judiciário, a segurança nacional...
Quando
o serviço público
é delegado a terceiros, estes o prestarão por sua própria conta e
risco. Se por
um mau funcionamento do serviço de energia, que estava nas mãos de uma
empresa
concessionária de energia elétrica, você tiver um equipamento doméstico
queimado, você acionará a empresa, que responderá com seu patrimônio.
Há juízes
que têm admitido a subsidiariedade na responsabilidade do Estado, tendo
em
vista a inoperância dos agentes reguladores. Geralmente, quem é
demandado unicamente
é a concessionária, formando-se o litisconsórcio passivo facultativo
somente
para garantir o cumprimento da sentença.
Competência,
obviamente,
é daquele ente que constitucionalmente ou legalmente está encarregado
de
prestar o serviço. Exemplos de serviço público de competência da União:
art.
21, incisos X, XI, XXII, XV e XVIII da Constituição. Serviço de
competência
estadual: segurança pública. Serviço de competência municipal:
transporte
coletivo. São exemplos. Saneamento básico é competência comum da União,
estados
e municípios. Vejam o art. 25, §§ 1º e 2º da Constituição:
[...] § 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. § 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. |
Pelo
Distrito Federal,
tendo em vista a indivisibilidade, temos a competência para a prestação
de
serviços municipais e estaduais e legislar sobre ambos. As Regiões
Administrativas são uma forma de desconcentração. O administrador tem
função de
confiança demissível ad nutum. É um
representante do governador. São órgãos públicos do GDF. Não detêm
personalidade jurídica própria.
Regulamentação:
obviamente a cargo do ente responsável a prestar o serviço público.
Pode haver
remuneração pelos serviços. Exemplo: prestação jurisdicional, muito
embora já
paguemos impostos; museus, jardim zoológico, jardim botânico, água
mineral... A
execução também é por parte de quem é responsável pelo serviço público.
E
aqui temos algumas
definições. Vamos ver a forma direta de prestação do serviço público,
como a
segurança, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, saúde, educação,
sendo que
esta é uma situação híbrida, e temos a forma descentralizada, por
outorga,
quando se transfere a titularidade. Só se faz por lei. Aqui pegamos o
Estado
que não aguenta assumir a prestação de serviços públicos por conta
própria, e
procura no Decreto-lei 200/67, art. 4º, inciso II, criando uma
autarquia para
outorgar a titularidade do serviço público. Art. 37, inciso XIX:
Art. 37. A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: [...] XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; [...] |
Em
nossas casas podemos
também outorgar a titularidade. De vez em quando é até necessário
redigir uma procuração.
Momentaneamente você pode estar fora do país. Na seara privada vinga o
princípio da autonomia das vontades. O que não é ilegal é permitido. Na
seara
pública não é possível que o Estado transfira a titularidade do serviço
sem que
haja lei, por força do princípio da legalidade. Por isso outorga-se;
não se
delega. É uma forma de delegação, mas é um nome específico para isso.
Outorga-se a titularidade mediante lei.
E
temos também a
delegação em sentido estrito, que é a circunstância de transferência da
mera
prática do serviço público para uma pessoa jurídica de direito privado
que
venha a executar esse serviço por sua própria conta e risco.
Temos
também a permissão,
usada para serviços menos complexos, porém de grande interesse da
população, e
quem vier a usufrui-lo submete-se a um contrato de adesão. Antigamente
era uma
relação precária entre o Estado e a instituição privada. Havendo
interesse
público, o Estado retira a permissão. Na concessão a intervenção do
Estado na
atividade desempenhada pelo particular é mais complexa. Requer
intervenção
branca, seguida de nomeação de interventor, por último, encampação.
Exemplo
de permissão: serviço
de táxi. Taxista tem permissão para exercer sua atividade. Em Londres,
apenas
para termos uma ideia, requer-se pelo menos três anos de curso e provas
um
tanto difíceis para se obter a licença.
Já
na autorização as
coisas são bem mais precárias: total discricionariedade do administrador. Ao retirar a
autorização ou permissão, em que pese a precariedade, não se pode
deixar de
observar o direito de defesa, de acordo com a jurisprudência. Significa
que, na
prática, a jurisprudência do STJ está se solidificando no sentido de
que a
autorização não é tão precária assim. Postos de gasolina conseguiram
muitas
liminares e antecipação de tutela para garantir o direito de defesa na
seara
administrativa. O contraditório é cláusula pétrea de nossa
Constituição. Abre-se
processo administrativo punitivo.
Requisitos do serviço público
Regularidade. É o primeiro deles. O
Estado deve primar, via direta ou pelos
delegados, pela qualidade do serviço. E quando não se pode tomar banho
senão
gelado? É que falta regularidade. O serviço também não pode sofrer
solução de
continuidade. O serviço público não pode parar. Não temos bons exemplos
aqui em
Brasília no tocante à energia elétrica.
E
o tempo não para...
Há
uma exceção à
continuidade, que são os fatos baseados na teoria da imprevisão. E o
que é caso
fortuito e força maior? Há diferença entre civilistas e
administrativistas.
Pensam de maneira inversa. Para os administrativistas, força maior
depende da
manifestação humana. Ameaça de bomba, greve. Caso fortuito é evento da
natureza.
Uma
vez uma
concessionária terceirizou a manutenção de postes. Um técnico fazia a
manutenção e, de repente, virou torresmo. Surgiu no processo
administrativo um
pedaço do cinto de segurança todo queimado. Em outra circunstância, um
determinado transeunte vagava por determinada avenida, sob um poste de
energia,
em tempo chuvoso, e sem querer pisou numa poça d’água. Ao mesmo tempo
em que
pisou estourou o fio, que chicoteou o cidadão. O que faltou? Sorte. Mas também aconteceu porque o
serviço tem que ser atual, ter equipamentos modernos, ter manutenção
adequada.
Outro
requisito é a generalidade. Não
pode haver
discriminação no serviço público. Existem inclusive princípios que
estão sendo
colocados por novos governos, como o da universalização do serviço
público. Imperativo
de chegar energia elétrica até os mais distantes habitantes. Isso
inclui um bom
tratamento por parte das pessoas que representam a determinada
prestação do
serviço público. Os agentes devem ter cortesia com os utentes.
Por
último temos o
requisito da modicidade tarifária.
Cabe ao poder público impedir que as concessionárias tenham ganhos
exorbitantes. Pagamos preço público ou tarifa, que não se confunde com
tributo,
tendo em vista sua não compulsoriedade. Quer dizer que, desde a Lei
8987/1995,
o serviço é feito pelo preço, o que já inclui o lucro. Cabe às agências
reguladoras, no cálculo da composição tarifária, evitar que a parcela
lucro
seja exorbitante para não onerar o pobre cidadão. Piada, na verdade.
Nossas
tarifas são astronômicas, em que pese a atuação das agências
reguladoras.
Faltou só o último requisito¹. Qual é mesmo? A eficiência!
Resumindo, então, os requisitos dos serviços públicos: