Direito Administrativo

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Bens públicos

 

Geralmente o cidadão tem duas concepções a respeito de bens públicos: ou são os bens que pertencem ao Estado, ou são os bens do povo. Não é diferente a concepção. Há dois conceitos, um do Código Civil, e outro de grandes doutrinadores. No Código Civil vamos ver um conceito muito restrito, no art. 98:

Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Quem são as pessoas jurídicas de direito público interno? União, estados, municípios, autarquias e demais pessoas jurídicas criadas sob regime jurídico de direito público. E a fundação pública? É uma controvérsia, lembram? O novo Código Civil veio para resolver esse problema. Depende do regime jurídico sob o qual foi criada a fundação. Inobstante, temos no art. 4º do Decreto-lei 200/67 a conceituação de fundação pública como sendo pessoa jurídica de direito privado. Isso veio a resolver. Mas não interessa para nós agora; são águas passadas.

E um orelhão? É bem público? E se estiver sob administração de uma pessoa jurídica de direito privado? Esse bem público pode ser revertido para o Estado, tendo em vista o requisito da continuidade do serviço público, o regime global de reversão. Vá depredar um orelhão para você ver! Você incorrerá em conduta tipificada no Código Penal. Art. 163, parágrafo único, inciso III:

Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

[...]

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

[...]

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

[...]

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O conceito de bem público que o professor escolheu é o do autor Diógenes Gasparini: “Bens públicos são todas as coisas materiais ou imateriais pertencentes ou não às pessoas jurídicas de direito público e as pertencentes a terceiros quando vinculadas à prestação de serviço público.”

Bens materiais e imateriais. Quais são exemplos de bens imateriais? Pense na capoeira, na dança dos cocos, no bumba meu boi. São patrimônios da cultura do país. Não deixam de ser bens públicos imateriais. A princípio, veja o art. 216 da Constituição: ¹

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
[...]

Pois bem.

Dado esse conceito, temos uma classificação de bens públicos. Antes dela, cabe dizer que bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Aquisição da propriedade pelo decurso do tempo. Ou por não reclamação pelos seus legítimos proprietários. Não acontece isso. Muitos invadiram terras públicas no Distrito Federal achando que se dariam bem. Estão enrolados até hoje. Por quê? Imprescritibilidade do bem público. Essa conduta humana não afeta os bens públicos. A previsão constitucional e legal está respectivamente no art. 183, § 3º da Constituição...

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

[...]

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

...e a legal está no art. 102 do Código Civil. ²

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

 

Afetação e desafetação

É interessante explicarmos duas circunstâncias: o que vem a ser afetação e o que vem a ser desafetação.

O que é afetação? Não é a “pessoa afetada” não. Afetado é, na verdade, aquele bem destinado a uma finalidade pública. Desafetação é justamente o ato contrário: feita a desafetação do bem, ele passa a não mais estar destinado a uma finalidade pública. Tudo isso se faz mediante lei.

Porém podemos ver, em vários casos, bens afetados pra uso do povo e não há nenhuma lei que regula aquela situação. Prefeito que, vendo um terreno baldio sendo usado para crimes e uso de drogas, resolve criar uma praça pública. “Vamos fazer uma praça aqui”. O professor entende que deve haver lei para desafetar. Se é a lei que afeta, será a lei que ir desafetar. Simetria das formas. Há muitos bens públicos usados como praças e não existe uma lei que afetou aquele bem, mas ele é tido como afetado. Por que existe a exigência da lei para desafetar um bem desse? Professor já explica: só se aliena bem público desafetado. Por que há necessidade de lei? Porque existe a necessidade de se ouvir a população. E só a partir do momento em que se ouvem seus representantes. Não se pode construir um complexo de escritórios, por exemplo, num lugar onde havia um parque. Essa alienação da área pública inclusive bate de frente com o próprio interesse público. Pelo princípio da reserva legal, obviamente, o administrador há de encontrar na lei a necessidade para desafetação. Os bens públicos não podem ficar à disposição do administrador para fazer o que bem lhe vier à mente.

Dessa forma vemos que, muitas vezes, os bens públicos, malgrado não haver afetação, estão sim com a destinação pública colocada. Exemplo de bem afetado: hospital público, praça pública, parque da cidade. A questão da afetação e desafetação é condição sine qua non para virmos as classificações.

Com a afetação, qualquer pessoa, independente de credo, origem, convicção, raça ou cor poderão usufruir o bem.
 

Classificação dos bens públicos

Vamos soltar algumas ideias antes. Museu público é um exemplo de bem público pago. Outro exemplo é o Parque Nacional de Brasília (da Água Mineral). Ninguém que esteja disposto a pagar pela entrada poderá ser barrado. Mas se eu chegar bêbado, poderei sim ser barrado, se eu estiver causando confusão. E há regras.

Esqueça o Parque da Água Mineral por ora, cuja entrada não é gratuita. Pense no Parque da Cidade Sarah Kubitschek mesmo, aquele cujo antigo nome era Parque Rogério Piton Farias. Posso montar minha barraquinha no Parque da Cidade? Melhor ainda: posso levantar um varal ali? Estender minhas cuecas e tal? Não, porque estarei descumprindo normas de utilização daquele bem. Antigamente os portões se fechavam à noite. Mas, com a evolução do Setor Sudoeste, ficou imperioso que se abrissem para facilitar o trânsito dos moradores. Falando nisso há um povo do Sudoeste que assistia a verdadeiras orgias naqueles estacionamentos. É bem público, mas há de se observar a regra relativamente à utilização.

Em Brasília havia e há prédios cercando estacionamentos, outros que requerem que se passe por baixo deles. Até com cancela! Não podem exigir cartão. Fere até o tombamento da cidade, que é patrimônio histórico nacional e mundial. Aí vem aquela máxima, primazia do Direito, uma das melhores frases que podemos ver no Direito, que aprendemos desde o maternal: “o seu direito começa quando termina o meu.” Ou vice-versa. Não posso ouvir música alta depois das 22 horas, porque, mesmo que eu tenha o direito de ouvir música, você também tem o direito de dormir em paz. Depois desse horário estou me imiscuindo no direito da coletividade.

Então temos aqui essa classificação dos bens públicos, os bens de uso comum do povo, que é a primeira classificação. Na verdade, a classificação está no art. 99 do Código Civil:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Rios, estradas, mares, parques, praças, etc. Esses bens estão afetados? Sim. O uso deve ser conforme a destinação do bem. O Parque da cidade, como vimos, até pouco tempo fechava às 10 horas da noite e abria só no dia seguinte.

O art. 5º, inciso XVI da Constituição da República trata do direito de se reunir, desde que comunicadas as autoridades competentes, para que não haja nenhum problema. Passeatas anticorrupção, quase todo fim de semana. É bom, faz parte da democracia.

Características dos bens de uso comum do povo é que podem ser gozados por qualquer ser humano, sem discriminação, não exigem autorização ou permissão, são em regra de utilização gratuita, mas existe a permissão legal da retribuição. São inalienáveis, enquanto perdurar a característica e, como dissemos, o uso tem que seguir a destinação do bem. ³

Outro tipo de bens são os bens de uso especial. Estão no inciso II do art. 99 do CC. A Administração os usa para prestar serviços públicos. Geralmente são as sedes das administrações. Quem é o utente? A própria Administração ou o cidadão? A Administração. Mas o cidadão pode usá-los também: se precisa de um alvará de construção, ele vai à Administração, adentra lá naquela repartição para então poder receber a prestação do serviço público. O cidadão ele tem que entrar naquela sede, então acaba usando do bem público de uso especial. Hospital: presta serviço público, mas você não vai lá para se divertir. Você vai dele se utilizar para a prestação que aquele bem pode lhe dar, pelo serviço oriundo. Os bens de uso especial são afetados, claro.

Detalhe: há de se cumprir as normas de utilização daquele bem. Exemplo: não se pode estacionar na vaga do presidente do Tribunal. Se você o fizer, ao voltar, seu carro provavelmente terá sido guinchado. E também não se pode entrar de bermuda em determinadas repartições. Regras para entrar no STF para mulheres: saia cumprida, ou calça sem ser jeans. Os bens estão à disposição da própria Administração. Ela que utiliza e goza.

Por conta de serem afetados, os bens de uso especial não podem ser alienados. Para alienar, deve-se proceder à desafetação.

Bens de uso dominical ou bens dominicais: são os bens desafetados e, por conta disso, estão à disposição da Administração, que pode aliená-los. Essa permissão está no art. 101 do Código Civil de 2002. O art. 99, inciso III e parágrafo único do mesmo Código traz uma descrição legal dos bens dominicais.

Ativos imobilizados de determinada instituição que estão à disposição para serem vendidos ou dados a uma destinação pública. Terrenos cercados da Terracap. De uma hora para outra vemos nos noticiários que o bem é colocado para licitação. Podem ser novamente afetados. Se forem, passarão a ser de uso comum do povo ou de uso especial.

Os bens dominicais, portanto, estão à disposição do Estado para fazer o que o interesse público desejar. Podem ser utilizados para todos os fins de direito, respeitadas as legislações pertinentes. Isso não quer dizer que o bem não irá cumprir normas de postura. Normas de limpeza, por exemplo. O Estado também tem que cumprir normas relativas àquele bem, que não pode se transformar em um centro de proliferação de mosquitos da dengue, ratos, cobras, cadáveres, prostituição, fanfarra.

Como qualquer bem público, pertencem aos entes políticos (pessoas públicas) além das autarquias e fundações públicas.

Temos esses três conceitos de bens públicos. Quais os afetados? Os de uso comum do povo e os de uso especial. Não podem ser alienados enquanto estiverem afetados. Quais os desafetados? Os dominicais.
 

Administração dos bens públicos

Quem os administrará serão as pessoas jurídicas de direito público detiverem sua propriedade. E até na conservação de bens públicos deve-se ter eficiência. Esse bem é seu, de todos nós. A fonte luminosa do centro da cidade ficou anos desativada. Era uma demonstração clara de descaso com bens públicos. Piscina de ondas do Parque da Cidade: virou criadouro de sapos. A água parece vitamina de abacate. Não há eficiência na administração daquele bem público. O aspecto decrépito decorre da inobservância do princípio constitucional da eficiência.

A administração dos bens públicos compreende a faculdade de sua utilização segundo sua natureza e destinação e as obrigações de guarda, conservação e aprimoramento. 4 Ou seja, eficiência. Sempre ela!
 

Utilização dos bens

Há algumas características intrínsecas. Quando o bem é utilizado pelo próprio Estado, ele irá conservar o bem, e estabelecer normas, como não permitir minissaias nos estabelecimentos de uso especial. Há também lugares que você tem que abrir a mochila para sair. Quando utilizado pelo povo a regra é a mesma: estabelecem-se normas de utilização de tal forma que os utentes usufruam o bem em situação de igualdade. O Estado administra tanto seus bens especiais como também faz com os bens de uso comum do povo.

Observação: como dissemos, os bens de uso comum do povo são de utilização em geral gratuita, mas a lei permite a imposição de contraprestação.

E temos também a utilização privativa 5. São os regimes de autorização, permissão e concessão. O Estado transfere a utilização do bem para particulares utilizarem privativamente, desde que o ato que autoriza, permite ou concede satisfaça ao interesse público.

Há requisitos legais, especialmente na Lei 8666/1993, a Lei de Licitações e Contratos. No art. 2º, temos que a utilização privativa de bens públicos só poderá ocorrer mediante licitação, salvo exceções previstas naquela lei.

O domínio continua com o poder público e a utilização privativa, que pode ser onerosa ou gratuita, não importa em alienação.

Vicente Pires e cinturão verde: Vicente Pires era uma região agrícola concebida, no princípio, para abastecer o Distrito Federal. Em vez de promover-se a produção agropecuária, alguns administradores resolveram ajudar a fazer parcelamento do solo, vendendo o que não era deles. Venderam a área para chacareiros. Parcelaram a terra e criaram condomínios, atividade que entenderam ser mais lucrativa. Há alguns em situação irregular. O Estado pode ceder para determinada empresa e, aí, desonerar-se.

O certo é que a empresa que consegue, através do procedimento licitatório, deverá usar o bem para o interesse público, e não como foi feito em Vicente Pires. Tivemos também o caso do autódromo, que era administrado por uma empresa, daí uso privativo, porém para utilizado pelo público, desde que pagassem o preço de utilização.

Há também a situação de reserva momentânea para shows, cobrados inclusive. Se você paga o ingresso, ninguém pode barrar sua entrada, salvo descumprimento de normas relativamente àquele evento.
 

Concessão, permissão e autorização

Dependendo da precariedade, pode-se admitir a autorização sem licitação. Porém permissão e concessão o professor entende que não podem ser feitas sem que se passe pela licitação. Depende da situação e do interesse público relativamente ao bem.
 

Alienação dos bens públicos

Muito simples. Para um bem ser alienado, ele precisa estar desafetado. E desafeta-se o bem através de uma lei. Para isso, temos uma concepção: todos os bens são passíveis de alienação. Precisa haver uma autorização legal. Imagine se todos os bens ficassem à mercê do administrador. O interesse econômico iria bater em cima com lobby. Daí a necessidade da autorização legislativa para que se ouçam os representantes do povo.

Regra geral é que a lei tem que autorizar a venda do bem. Aqui no Distrito Federal temos essa lei. A Terracap frequentemente faz licitações vendendo bens públicos. Mas a condição sine qua non é que haja a observância do interesse público, devidamente justificado; em seguida terá de ser feita uma avaliação, depois conseguida a autorização legislativa, a desafetação, a licitação (salvo exceções previstas na lei), lavratura da escritura pública, salvo inexegibilidade pela lei. Por fim, nos arts. 17 e 19 da Lei 8666/1993, temos exceções à regra quando falamos de venda para outras pessoas jurídicas de direito público. O inciso I do art. 17 fala em dispensa de concorrência naqueles casos arrolados e o art. 19 trata de bens adquiridos mediante procedimento judicial ou dação em pagamento.

Para bens móveis, não há necessidade de autorização legislativa para a alienação, observadas as regras da Lei de Licitações e Contratos.


  1. O professor não citou o artigo na aula, coloquei apenas por curiosidade.
  2. Observação por minha conta, lembrada pelos autores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino.
  3. Direto das anotações do professor, com adaptações estéticas para esta página.
  4. Idem.
  5. Neste momento da aula eu, por algum motivo que ainda não consegui explicar a mim mesmo, dormi de olhos abertos. Complementei essa parte de utilização privativa dos bens públicos com as informações nos arquivos disponibilizados pelo professor e com a obra dos autores acima.