Geralmente o cidadão tem duas
concepções a respeito de bens
públicos: ou são os bens que pertencem ao Estado, ou são os bens do
povo. Não é
diferente a concepção. Há dois conceitos, um do Código Civil, e outro
de
grandes doutrinadores. No Código Civil vamos ver um conceito muito
restrito, no
art. 98:
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. |
Quem são as pessoas jurídicas de
direito público interno?
União, estados, municípios, autarquias e demais pessoas jurídicas
criadas sob
regime jurídico de direito público. E a fundação pública? É uma
controvérsia,
lembram? O novo Código Civil veio para resolver esse problema. Depende
do
regime jurídico sob o qual foi criada a fundação. Inobstante, temos no
art. 4º
do Decreto-lei 200/67 a conceituação de fundação pública como sendo
pessoa
jurídica de direito privado. Isso veio a resolver. Mas não interessa
para nós
agora; são águas passadas.
E um orelhão? É bem público? E se
estiver sob administração de
uma pessoa jurídica de direito privado? Esse bem público pode ser
revertido
para o Estado, tendo em vista o requisito da continuidade do serviço
público, o
regime global de reversão. Vá depredar um orelhão para você ver! Você
incorrerá
em conduta tipificada no Código Penal. Art. 163, parágrafo único,
inciso III:
Dano Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: [...] Dano qualificado Parágrafo único - Se o crime é cometido: [...] III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; [...] Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. |
O conceito de bem público que o
professor escolheu é o do
autor Diógenes Gasparini: “Bens públicos
são todas as coisas materiais ou imateriais pertencentes ou não às
pessoas
jurídicas de direito público e as pertencentes a terceiros quando
vinculadas à
prestação de serviço público.”
Bens materiais e imateriais. Quais
são exemplos de bens
imateriais? Pense na capoeira, na dança dos cocos, no bumba meu boi.
São
patrimônios da cultura do país. Não deixam de ser bens públicos
imateriais. A princípio,
veja o art. 216 da Constituição: ¹
Art. 216. Constituem patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. [...] |
Pois bem.
Dado esse conceito, temos uma
classificação de bens
públicos. Antes dela, cabe dizer que bens
públicos não estão sujeitos a usucapião. Aquisição da
propriedade pelo
decurso do tempo. Ou por não reclamação pelos seus legítimos
proprietários. Não
acontece isso. Muitos invadiram terras públicas no Distrito Federal
achando que
se dariam bem. Estão enrolados até hoje. Por quê? Imprescritibilidade
do bem
público. Essa conduta humana não afeta os bens públicos. A previsão
constitucional e legal está respectivamente no art. 183, § 3º da
Constituição...
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana
de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de
sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural. [...] § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. |
...e a legal está no art. 102 do
Código Civil. ²
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. |
Afetação e
desafetação
É interessante explicarmos duas
circunstâncias: o que vem a
ser afetação e o que vem a ser desafetação.
O que é afetação? Não é a “pessoa
afetada” não. Afetado é,
na verdade, aquele bem destinado a uma finalidade pública. Desafetação
é
justamente o ato contrário: feita a desafetação do bem, ele passa a não
mais
estar destinado a uma finalidade pública. Tudo isso se faz mediante
lei.
Porém podemos ver, em vários casos,
bens afetados pra uso do
povo e não há nenhuma lei que regula aquela situação. Prefeito que,
vendo um terreno
baldio sendo usado para crimes e uso de drogas, resolve criar uma praça
pública.
“Vamos fazer uma praça aqui”. O professor entende que deve haver lei
para
desafetar. Se é a lei que afeta, será a lei que ir desafetar. Simetria
das
formas. Há muitos bens públicos usados como praças e não existe uma lei
que
afetou aquele bem, mas ele é tido como afetado. Por que existe a
exigência da
lei para desafetar um bem desse? Professor já explica: só
se aliena bem público desafetado. Por que há necessidade de
lei?
Porque existe a necessidade de se ouvir a população. E só a partir do
momento
em que se ouvem seus representantes. Não se pode construir um complexo
de
escritórios, por exemplo, num lugar onde havia um parque. Essa
alienação da
área pública inclusive bate de frente com o próprio interesse público.
Pelo
princípio da reserva legal, obviamente, o administrador há de encontrar
na lei
a necessidade para desafetação. Os bens públicos não podem ficar à
disposição
do administrador para fazer o que bem lhe vier à mente.
Dessa forma vemos que, muitas vezes,
os bens públicos,
malgrado não haver afetação, estão sim com a destinação pública
colocada. Exemplo
de bem afetado: hospital público, praça pública, parque da cidade. A
questão da
afetação e desafetação é condição sine
qua non para virmos as classificações.
Com a afetação, qualquer pessoa,
independente de credo, origem,
convicção, raça ou cor poderão usufruir o bem.
Classificação
dos
bens públicos
Vamos soltar algumas ideias antes.
Museu público é um
exemplo de bem público pago. Outro exemplo é o Parque Nacional de
Brasília (da Água
Mineral). Ninguém que esteja disposto a pagar pela entrada poderá ser
barrado.
Mas se eu chegar bêbado, poderei sim ser barrado, se eu estiver
causando
confusão. E há regras.
Esqueça o Parque da Água Mineral por
ora, cuja entrada não é
gratuita. Pense no Parque da Cidade Sarah Kubitschek mesmo, aquele cujo
antigo
nome era Parque Rogério Piton Farias. Posso montar minha barraquinha no
Parque da
Cidade? Melhor ainda: posso levantar um varal ali? Estender minhas
cuecas e
tal? Não, porque estarei descumprindo normas de utilização daquele bem.
Antigamente
os portões se fechavam à noite. Mas, com a evolução do Setor Sudoeste,
ficou
imperioso que se abrissem para facilitar o trânsito dos moradores.
Falando nisso
há um povo do Sudoeste que assistia a verdadeiras orgias naqueles
estacionamentos. É bem público, mas há de se observar a regra
relativamente à
utilização.
Em Brasília havia e há prédios
cercando estacionamentos,
outros que requerem que se passe por baixo deles. Até com cancela! Não
podem
exigir cartão. Fere até o tombamento da cidade, que é patrimônio
histórico
nacional e mundial. Aí vem aquela máxima, primazia do Direito, uma das
melhores
frases que podemos ver no Direito, que aprendemos desde o maternal: “o
seu direito
começa quando termina o meu.” Ou vice-versa. Não posso ouvir música
alta depois
das 22 horas, porque, mesmo que eu tenha o direito de ouvir música,
você também
tem o direito de dormir em paz. Depois desse horário estou me
imiscuindo no
direito da coletividade.
Então temos aqui essa classificação
dos bens públicos, os bens de uso comum do
povo, que é a
primeira classificação. Na verdade, a classificação está no art. 99 do
Código
Civil:
Art. 99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. |
Rios, estradas, mares, parques,
praças, etc. Esses bens
estão afetados? Sim. O uso deve ser conforme a destinação do bem. O
Parque da
cidade, como vimos, até pouco tempo fechava às 10 horas da noite e
abria só no
dia seguinte.
O art. 5º, inciso XVI da Constituição
da República trata do
direito de se reunir, desde que comunicadas as autoridades competentes,
para
que não haja nenhum problema. Passeatas anticorrupção, quase todo fim
de
semana. É bom, faz parte da democracia.
Características dos bens de uso comum
do povo é que podem
ser gozados por qualquer ser humano, sem discriminação, não exigem
autorização
ou permissão, são em regra de utilização gratuita, mas existe a
permissão legal
da retribuição. São inalienáveis, enquanto perdurar a característica e,
como
dissemos, o uso tem que seguir a destinação do bem. ³
Outro tipo de bens são os bens de uso especial. Estão no inciso II
do art. 99 do CC. A Administração
os usa para prestar serviços públicos. Geralmente são as sedes das
administrações.
Quem é o utente? A própria Administração ou o cidadão? A Administração.
Mas o
cidadão pode usá-los também: se precisa de um alvará de construção, ele
vai à Administração,
adentra lá naquela repartição para então poder receber a prestação do
serviço
público. O cidadão ele tem que entrar naquela sede, então acaba usando
do bem
público de uso especial. Hospital: presta serviço público, mas você não
vai lá para
se divertir. Você vai dele se utilizar para a prestação que aquele bem
pode lhe
dar, pelo serviço oriundo. Os bens de uso especial são afetados, claro.
Detalhe: há de se cumprir as normas
de utilização daquele
bem. Exemplo: não se pode estacionar na vaga do presidente do Tribunal.
Se você
o fizer, ao voltar, seu carro provavelmente terá sido guinchado. E
também não se
pode entrar de bermuda em determinadas repartições. Regras para entrar
no STF
para mulheres: saia cumprida, ou calça sem ser jeans. Os bens estão à
disposição da própria Administração. Ela que utiliza e goza.
Por conta de serem afetados, os bens
de uso especial não
podem ser alienados. Para alienar, deve-se proceder à desafetação.
Bens de uso
dominical
ou bens dominicais: são os bens
desafetados e, por conta disso, estão à disposição da Administração,
que pode aliená-los.
Essa permissão está no art. 101 do Código Civil de 2002. O art. 99,
inciso III
e parágrafo único do mesmo Código traz uma descrição legal dos bens
dominicais.
Ativos imobilizados de determinada
instituição que estão à
disposição para serem vendidos ou dados a uma destinação pública.
Terrenos
cercados da Terracap. De uma hora para outra vemos nos noticiários que
o bem é
colocado para licitação. Podem ser novamente afetados. Se forem,
passarão a ser
de uso comum do povo ou de uso especial.
Os bens dominicais, portanto, estão à
disposição do Estado
para fazer o que o interesse público desejar. Podem ser utilizados para
todos
os fins de direito, respeitadas as legislações pertinentes. Isso não
quer dizer
que o bem não irá cumprir normas de postura. Normas de limpeza, por
exemplo. O
Estado também tem que cumprir normas relativas àquele bem, que não pode
se
transformar em um centro de proliferação de mosquitos da dengue, ratos,
cobras,
cadáveres, prostituição, fanfarra.
Como qualquer bem público, pertencem
aos entes políticos (pessoas
públicas) além das autarquias e fundações públicas.
Temos esses três conceitos de bens
públicos. Quais os
afetados? Os de uso comum do povo e os de uso especial. Não podem ser
alienados
enquanto estiverem afetados. Quais os desafetados? Os dominicais.
Administração
dos
bens públicos
Quem os administrará serão as pessoas
jurídicas de direito
público detiverem sua propriedade. E até na conservação de bens
públicos
deve-se ter eficiência. Esse bem é seu, de todos nós. A fonte luminosa
do
centro da cidade ficou anos desativada. Era uma demonstração clara de
descaso
com bens públicos. Piscina de ondas do Parque da Cidade: virou
criadouro de
sapos. A água parece vitamina de abacate. Não há eficiência na
administração
daquele bem público. O aspecto decrépito decorre da inobservância do
princípio
constitucional da eficiência.
A administração dos bens públicos
compreende a faculdade de
sua utilização segundo sua natureza e destinação e as obrigações de
guarda,
conservação e aprimoramento. 4 Ou seja, eficiência. Sempre ela!
Utilização
dos bens
Há algumas características
intrínsecas. Quando o bem é
utilizado pelo próprio Estado, ele irá conservar o bem, e estabelecer
normas,
como não permitir minissaias nos estabelecimentos de uso especial. Há
também lugares
que você tem que abrir a mochila para sair. Quando utilizado pelo povo a
regra é
a mesma: estabelecem-se normas de utilização de tal forma que os
utentes usufruam
o bem em situação de igualdade. O Estado administra tanto seus bens
especiais
como também faz com os bens de uso comum do povo.
Observação: como dissemos, os bens de
uso comum do povo são
de utilização em geral gratuita, mas a lei permite a imposição de
contraprestação.
E temos também a utilização
privativa 5. São os regimes de
autorização, permissão e
concessão. O Estado transfere a utilização do bem para particulares
utilizarem
privativamente, desde que o ato que autoriza, permite ou concede
satisfaça ao
interesse público.
Há requisitos legais, especialmente
na Lei 8666/1993, a Lei
de Licitações e Contratos. No art. 2º, temos que a utilização privativa
de bens
públicos só poderá ocorrer mediante licitação, salvo exceções previstas
naquela
lei.
O domínio continua com o poder
público e a utilização
privativa, que pode ser onerosa ou gratuita, não importa em alienação.
Vicente Pires e cinturão verde:
Vicente Pires era uma região
agrícola concebida, no princípio, para abastecer o Distrito Federal. Em
vez de
promover-se a produção agropecuária, alguns administradores resolveram
ajudar a
fazer parcelamento do solo, vendendo o que não era deles. Venderam a
área para
chacareiros. Parcelaram a terra e criaram condomínios, atividade que
entenderam
ser mais lucrativa. Há alguns em situação irregular. O Estado pode
ceder para
determinada empresa e, aí, desonerar-se.
O certo é que a empresa que consegue,
através do
procedimento licitatório, deverá usar o bem para o interesse público, e
não
como foi feito em Vicente Pires. Tivemos também o caso do autódromo,
que era administrado
por uma empresa, daí uso privativo, porém para utilizado pelo público,
desde
que pagassem o preço de utilização.
Há também a situação de reserva
momentânea para shows,
cobrados inclusive. Se você paga o ingresso, ninguém pode barrar sua
entrada,
salvo descumprimento de normas relativamente àquele evento.
Concessão,
permissão
e autorização
Dependendo da precariedade, pode-se
admitir a autorização
sem licitação. Porém permissão e concessão o professor entende que não
podem
ser feitas sem que se passe pela licitação. Depende da situação e do
interesse
público relativamente ao bem.
Alienação
dos bens públicos
Muito simples. Para um bem ser
alienado, ele precisa estar desafetado.
E desafeta-se o bem através
de uma lei. Para isso, temos uma concepção: todos os bens são passíveis
de
alienação. Precisa haver uma autorização legal. Imagine se todos os
bens
ficassem à mercê do administrador. O interesse econômico iria bater em
cima com
lobby. Daí a necessidade da autorização legislativa para que se ouçam
os
representantes do povo.
Regra geral é que a lei tem que
autorizar a venda do bem.
Aqui no Distrito Federal temos essa lei. A Terracap frequentemente faz
licitações vendendo bens públicos. Mas a condição sine
qua non é que haja a observância do interesse público,
devidamente justificado; em seguida terá de ser feita uma avaliação,
depois
conseguida a autorização legislativa, a desafetação, a licitação (salvo
exceções previstas na lei), lavratura da escritura pública, salvo
inexegibilidade pela lei. Por fim, nos arts. 17 e 19 da Lei 8666/1993,
temos
exceções à regra quando falamos de venda para outras pessoas jurídicas
de
direito público. O inciso I do art. 17 fala em dispensa de concorrência
naqueles casos arrolados e o art. 19 trata de bens adquiridos mediante
procedimento judicial ou dação em pagamento.
Para bens móveis, não há necessidade
de autorização
legislativa para a alienação, observadas as regras da Lei de Licitações
e
Contratos.