Olhem só: na aula de ontem tratamos
da fase pré-contratual
na relação de consumo. Na verdade, vimos a fase pré-contratual e um
pouco da
contratual. Ontem vimos a formação dos contratos de consumo. Falamos
dos
contratos padronizados, de adesão. Especificamente trabalhamos com a
formação
desses contratos. Hoje vamos ver a parte de execução
desses contratos e um pedaço da parte pós-contratual.
Muito bem.
Vamos trabalhar mais especificamente
com cláusulas abusivas
em um contrato de uma relação de consumo. Onde vamos encontrar no
Código de
Defesa do Consumidor as cláusulas abusivas? Art. 51.
Antes de ler o artigo, que é meio
extenso, vamos passar aqui
alguns pontos importantes com
relação a cláusulas abusivas. São
pontos ou cobrados na prova da
Ordem ou nas de concursos.
Primeiro
ponto: a fase de execução do
contrato lida com as cláusulas
abusivas. O que queremos dizer com isso? Não há que se
discutir sobre a
abusividade ou não das cláusulas se ainda não existir um contrato. Não
podemos
falar que em determinada relação de consumo há abusividade se o
consumidor não
tiver firmado contrato com o fornecedor. Quando é que o juiz e a
doutrina se
preocuparão em analisar a abusividade das cláusulas? Basicamente, na
fase de
execução do contrato. Mas não somente na fase de execução; pode ser
também que
haja uma repercussão futura das
cláusulas abusivas. Pode ser que o consumidor venha a ser prejudicado
futuramente por conta de alguma situação que lhe causou um prejuízo
decorrente
da abusividade de uma cláusula contratual.
E aqui surge a primeira indagação.
Qual seria o prazo prescricional
para se pleitear
uma indenização em virtude da abusividade de uma cláusula? Qual seria o
prazo
prescricional para suscitar a abusividade inserta em um contrato de
consumo? Temos
prazo prescricional para fato do produto, para vícios do produto, e
qual seria
o prazo prescricional para apontar uma cláusula abusiva no contrato?
“Juiz,
este contrato contém uma cláusula que deve ser considerada nula pelo
fato de
que é abusiva.” Sabe qual é o prazo? Não existe. É imprescritível.
Não há prazo prescricional para suscitar a
abusividade de cláusulas contratuais.
O fundamento é que não se pode jogar
nas costas do
consumidor um contrato com cláusulas abusivas sendo que o contrato pode
ser de
longa duração, como aqueles de 30 anos. Se você limitar a um prazo de
cinco
anos o direito do consumidor de suscitar a abusividade de uma cláusula,
o
consumidor ficará desamparado fatalmente. Note que estamos falando da
fase de
execução do contrato. Seria imputar ao consumidor uma responsabilidade
ou um
prejuízo limitando seu tempo de suscitar a nulidade de uma cláusula
enquanto
estiver vigente. Então, quando se perguntar qual é o prazo
prescricional para
pleitear a declaração de abusividade de uma cláusula contratual, na
fase de
execução do contrato? É imprescritível. Não se esqueçam!
Depois
da fase de
execução, aí sim pesquisem o art. 206 do Código Civil.
Outra questão relacionada ao prazo:
será que preclui o
direito do autor caso venha a ajuizar uma ação contra um fornecedor com
base no
contrato? Um contrato de consumo tem cinco cláusulas, mas o consumidor
suscita
judicialmente a abusividade de uma cláusula apenas. Será que há
preclusão? Não há preclusão,
também. E com um
detalhe ainda maior: o juiz, diante de um contrato em que perceba a
existência
de quatro cláusulas nulas, deverá, de ofício, se manifestar. Violação
ao
Direito do Consumidor é questão de ordem pública. Não é por causa da
cláusula
individualmente considerada. Não há preclusão por ser a relação
consumerista
disciplinada por normas de ordem pública.
Assim como não preclui o direito da
parte, em um processo,
de suscitar a ilegitimidade, ou a ausência de interesse de agir. Ou a
impossibilidade jurídica do pedido. Se não suscitar na contestação,
poderá
fazer em apelação? Pode. Por que pode? Porque “PIL” (possibilidade,
interesse e
legitimidade) são questões de ordem pública. Assim como é a violação ao
Direito
do Consumidor. Pode ser manifestada em recurso especial? Questão de
Direito
Processual que caiu em concurso de procurador. Será aceito pelo STJ?
Não é a
Súmula 5 nem a Súmula 7 do STJ. O primeiro enunciado diz que “a simples interpretação de cláusula contratual
não enseja recurso especial”, enquanto o segundo prevê que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja
recurso especial.” O problema aqui é a ausência
de prequestionamento. Por mais que seja uma questão de ordem
pública, a
ausência de prequestionamento impede a análise do REsp. E aqui vem uma
briga
doutrinária absurda sobre isso. Porque o prequestionamento não poderia
nunca
barrar a análise de uma questão de direito material. Prequestionamento
é instituto
processual.
Segundo ponto:
cláusula abusiva não se confunde com a
cláusula que enseja a revisão do contrato. O que isso
significa? A cláusula
abusiva nasce concomitantemente com a formação do contrato. Significa
dizer que
quando o fornecedor elabora o contrato, ele é infeliz ao estipular uma
cláusula
que causa prejuízos ao consumidor, de forma injustificada. É uma
cláusula
abusiva. A cláusula abusiva nasce junto com o próprio contrato.
E por que a cláusula abusiva é
diferente da cláusula que
pode ensejar a revisão contratual? Porque as coisas são assim: existe,
no
Direito do Consumidor, uma regrinha básica: os contratos não podem, de
forma
alguma, conferir ao fornecedor vantagem exagerada. Os contratos de
consumo não
podem ser excessivamente onerosos para o consumidor. Mas suponhamos que
fechemos um contrato de relação de consumo que não é em si
excessivamente oneroso,
mas, amanhã, as condições mudam drasticamente. O dólar dispara. E há
uma
cláusula no contrato que atrela o índice de correção daquele contrato
ao índice
de variação do dólar. E, quando fechamos, o dólar estava 1 para 1. O
consumidor,
quando assina, não espera superonerosidade. Mas o que acontece? O dólar
dispara
extraordinariamente. A cláusula que vinculava ao valor do dólar não era
abusiva, e continua não sendo após a ocorrência do evento inesperado.
Mas o que
acontece no decorrer do contrato é uma onerosidade excessiva para o
consumidor.
Essa cláusula, apesar de não ser abusiva, poderá ser invalidada, ou
melhor,
revisada pelo juiz, justamente por conta da onerosidade excessiva. Mas
vejam
como existe uma diferença entre a cláusula abusiva e a cláusula que
enseja a
revisão do contrato.
A cláusula que enseja a revisão
decorre de fatos
supervenientes ao nascimento do contrato. A cláusula abusiva nasce com
o
contrato. Já foi questão de
prova.
Sobre a corretagem temos um caso verídico: determinado
investidor solicitou a determinado banco aqui do Brasil que investisse em um hedge fund, chamado também de fundo de “cobertura”,
constituído para proteger o investidor de oscilações do humor do mercado e da
economia em geral. O investidor mandou um e-mail para o corretor,
determinando-o que investisse no fundo. O corretor do banco disse: “esse cara
não está entendendo. Ele não tem que investir no hedge. Ele tem que investir no
fundo abczyx!” O corretor pegou o dinheiro e investiu neste segundo estranho
fundo, mas não no hedge. O que aconteceu é que o fundo que o investidor queria
teve valorização de 300%, enquanto o fundo efetivamente investido teve perda de
200%. Houve aqui uma violação a um direito do consumidor. A ordem expressa era
para que se investisse no fundo hedge. Vimos aqui que existe um risco
controlado. É determinação do consumidor. Se vai perder, o problema é dele.
Agora o banco tem responsabilidade com certeza. Mas o mais interessante foi que
se investiram R$ 150 mil. O juiz condenou o banco e ordenou o pagamento da
diferença. Quando o investidor foi resgatar os 150 mil inicialmente investidos,
o banco disse “não, o juiz não determinou!” e o Tribunal confirmou que não
existia decisão para liberar os R$ 150 mil. Sim, infelizmente
acontece. Na prática, quando
estivermos advogando, veremos que na realidade faz-se tudo errado.
Tentamos
mostrar o certo ao juiz e ao Tribunal. No caso, o que o advogado
deveria ter notado rapidamente era uma omissão na sentença e opor
embargos de declaração. Provavelmente
o advogado e o cliente ficaram felizes em ler a expressão “julgo
procedente o pedido para determinar a restituição da diferença entre o
rendimento dos dois fundos” no dispositivo.
Terceiro
ponto com
relação às cláusulas abusivas trata de
abuso de direito: interpretam-se as
cláusulas abusivas com base no art. 187 do Código Civil.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. |
Vamos entender. Se formos associar o
Código de Defesa do
Consumidor ao Código Civil, teremos que nos pautar no art. 187. Como
assim? A
questão é: eu, fornecedor, elaborarei as cláusulas de um contrato
padronizado,
já que, no Direito do Consumidor, os contratos são, em regra, de
adesão. Vou
criar as cláusulas e vou submeter a ti, consumidor, para que tu aceites
ou não.
Se não aceitares, é simples: não há contrato. A partir do momento em
que coloco
no contrato uma cláusula que causa prejuízo injustificado a ti, estarei
abusando do meu direito. Como assim? Já se sabe que, pelo costume que
temos, os
contratos são de adesão, em geral. De certa forma, criou-se para mim,
fornecedor, a possibilidade de fazer com que tu, consumidor, só aceites
ou
rejeites. Se coloco uma cláusula que
prejudica o Direito do Consumidor, temos, na verdade, um abuso do meu
direito.
A cláusula abusiva inserta em um contrato em que há relação de consumo
é
interpretada e pautada no art. 187 do Código Civil. E o art. 187 diz o
que
mesmo? “Comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Ou seja,
eu, que tenho o direito de formular um contrato de adesão, o exerço
escrevendo
as cláusulas contratuais. Se uma delas for abusiva, cometo o que se
chama abuso de direito, que é um
ato ilícito.
Se forem fazer uma petição alegando
que determinada cláusula
é abusiva, como vocês vão se pautar, como conduzir a petição?
“Excelência, a
cláusula é abusiva com base no art. 51 do CDC. Mesmo que não se
aplicasse o CDC,
aplicando-se o art. 187 do Código Civil a cláusula continua abusiva. O
fornecedor está abusando de seu direito ao elaborar um contrato de
adesão com
cláusulas que prejudicam o consumidor de forma ilegal.”
Uma colocação: pode ser que em um
contrato de consumo exista
uma cláusula que cause prejuízo ao consumidor? Sim, é possível. Só que
o que
não é permitido é o prejuízo injustificado.
É o prejuízo ilícito, ilegal. Exemplo: fecho um contrato de corretagem.
Contrato uma pessoa para investir meu dinheiro na bolsa de valores. O
que pode
acontecer? Posso ter ganhos ou perdas. Se eu tivesse uma perda, isso
seria justificado,
e eu saberia dos riscos. O que não pode ocorrer é o prejuízo
injustificado,
ilícito. Então a cláusula abusiva é abuso de direito de acordo com o
Código
Civil e é ato ilícito.
Cláusula que força à arbitragem é
abusiva. Mas suponha que o
próprio consumidor concorde, e assine o contrato. Vamos colocar uma
cláusula
extra neste contrato, em que “qualquer questão jurídica será decidida
no juízo
arbitral.” Eu concordo, e não há problema nenhum. Questões vinculadas
ao
Direito do Consumidor podem sim ser julgadas pelo juízo arbitral, desde
que o
consumidor expressamente concorde com isso. O que não se pode é
forçá-lo. E o
juízo arbitral tem que ser imparcial em todas as circunstâncias, mesmo
que o
consumidor concorde.
Prossigamos.
Quarto ponto:
cláusula
geral de não indenizar: art. 51, § 1º:
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a
vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. |
Vamos explicar o inciso I. Existem
alguns contratos em que
se estipula cláusula que exime o fornecedor de responsabilidade civil.
Antigamente, antes do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores
estipulavam
essas cláusulas que eram, na verdade, absurdas, e não só abusivas. O
que
acontecia é que eles se obrigavam a uma coisa na primeira cláusula, e
na
segunda se desobrigavam do que haviam se obrigaram na primeira. Não
podem
existir cláusulas gerais de não indenizar em contratos de consumo.
Estabeleço contigo
um contrato em que tu estacionarás teu carro no estacionamento que eu
administro e estipulo uma cláusula geral de não indenizar: furtam teu
carro em
meu estacionamento, então não tenho responsabilidade civil! Qual o
dever do
estacionamento? De guarda, de olhar o carro. Alguém quebra o vidro do
teu carro
e furta o interior. Aí eu, fornecedor, oponho a cláusula de não
responsabilidade pelos objetos deixados dentro. Isso é cláusula geral
de não
indenizar que não é admitida, porque faria desobrigar-me para com
próprio
objeto do contrato. Essas cláusulas são abusivas.
Aproveitando isso, vejam o...
Quinto ponto
importante: a cláusula geral de não
indenizar não se confunde com a cláusula limitativa de direitos.
Como
funciona a cláusula limitativa de direitos? Ela simplesmente
estabelecerá o
limite de responsabilidade civil do fornecedor. O limite de pagamento,
de
indenização cabível. E, até mesmo, nos casos em que não haverá o
pagamento de
indenização por fugir do objeto do contrato. Caso clássico
interessantíssimo: seguradoras.
Existem seguros diferenciados, várias espécies deles. Existe o seguro
de vida,
e existe o seguro de acidentes pessoais. São duas espécies diferentes.
Se a
pessoa morrer, ela poderá vir a receber a indenização? Ela mesma não,
né. Mas e
seu beneficiário? Sim. E no caso do de acidentes pessoais? O
beneficiário vai
receber a indenização, mas depende. Do quê? Do objeto do contrato.
Vejam que
interessante: se a pessoa morreu, como funcionará essa história? O
seguro de
vida é um seguro amplo, ou seja, a pessoa faleceu e, independentemente
de
qualquer situação, o beneficiário vai receber a indenização. No de
acidentes
pessoais, o beneficiário só recebe se a pessoa vier a falecer em
virtude de um
evento direto, imediato, em que não existam sintomas, e que, de forma
alguma,
caracterize doença. Alguém pega uma gripe desgraçada. O sujeito morreu
em
virtude da doença. O beneficiário recebe o seguro de vida? Sim. E de
acidentes
pessoais? Não.
Logo, estamos colocando no contrato
uma limitação aos
direitos do consumidor. Existe aqui uma cláusula limitativa de
direitos. O
seguro abrange acidente pessoal. Falecimento em caso de doença não está
abarcado no seguro. E o seguro de acidentes pessoais? Alguém sofre
acidente de
trânsito e fica sem o movimento dos braços. Recebe seguro de vida? Não!
Só em
caso de falecimento! Mas recebe o seguro de acidentes pessoais. Por
quê? Porque
sofreu um acidente, perdeu o movimento de um dos braços, e terá o
direito de
receber uma indenização securitária; é o próprio objeto do contrato.
Então existem cláusulas contratuais
limitativas de direitos,
que não se confundem com a cláusula geral de não indenizar. O que não
pode é
haver a seguinte falácia no corpo do contrato: “cláusula primeira: “a
SEGURADORA pagará a indenização ao BENEFICIÁRIO se o SEGURADO morrer. Cláusula segunda: A
SEGURADORA não paga nenhuma indenização.” Isso não pode. Não confundam
cláusulas limitativas de direito com cláusulas gerais de não indenizar
ou
cláusulas que afrontam o próprio objeto do contrato.
Com relação à cláusula limitativa do
direito, o consumidor
efetivamente concorda com ela. O objeto do contrato é que define o
pacto.
Então, se o consumidor está aderindo a um determinado contrato, ele
concorda
que este contrato não abarca tudo, mas uma coisa predeterminada.
Sexto ponto:
prática abusiva não se confunde com cláusula abusiva. Por que não? É uma boa pergunta! Porque
uma é espécie, outra é
gênero. A prática é gênero, e a cláusula é espécie. Mas não só isso.
Vejamos um
exemplo prático: publicidade abusiva. Dá-se em qual fase contratual? Na
pré-contratual. Prática abusiva é gênero que não se confunde com
cláusula abusiva
pois aquela pode ocorrer em todas as fases de uma relação de consumo.
Na
pré-contratual, na fase de execução do contrato e na fase
pós-contratual. Publicidade
abusiva e cobrança constrangedora são práticas abusivas. Não prestar
serviços
como oferecidos também é prática abusiva. Então não confundam a prática
com a
cláusula abusiva. A cláusula é uma espécie de prática.
Sétimo ponto:
a boa-fé funciona como instrumento de
controle das cláusulas contratuais. Lembram quando falamos
do princípio da
boa-fé, nas primeiras aulas? Falamos que a boa-fé tem funções. São elas
a
integrativa, a interpretativa, e a de controle. A boa-fé aplicada aos
contratos
de consumo controla o quê? Controla a criação do contrato, a elaboração
dele. A
boa-fé limita o direito subjetivo do fornecedor ao elaborar as
cláusulas
contratuais. Ou seja, se estamos trabalhando com contratos de adesão,
em que é
o fornecedor quem elabora as cláusulas, o fornecedor está restrito. O
fornecedor estará preso à boa-fé, à sua função de controle. Ele estará
com seus
direitos subjetivos de elaborar o contrato restritos. O que significa
dizer que
ele não pode elaborar qualquer cláusula que achar que está boa, bacana,
que
ache que lhe vá dar vantagem maneiríssima. Não pode, porque viola a
boa-fé. Isso
é fundamentação para petição. “Houve violação da boa-fé, meritíssimo,
porque o
fornecedor não elaborou a cláusula observando os limites subjetivos que
lhe são
impostos. Importa o que o homem médio acha.” E quem define o que o
homem médio
acha é o juiz.
Terminamos as observações importantes
sobre as cláusulas
abusivas! Vamos apenas repetir seus enunciados:
Agora sim, estamos prontos para
passar à leitura e
comentário de alguns pontos do...
Art. 51:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as
cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços
que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; [...] |
São nulas, inválidas, não existem.
Isso é interessante. Se
as cláusulas contratuais são nulas de pleno direito, o efeito de sua
declaração
é ex-tunc ou ex-nunc?
Ex-tunc.
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; |
Notem que o art. 51 é
exemplificativo. É possível encontrar outros
tipos de cláusulas abusivas.
[...] III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; [...] |
O inciso IV contém uma norma geral.
Se você não encontrar um
exemplo, se você entende e não tem o que colocar em sua fundamentação,
você
pode usar o art. 51, inciso IV. É um comando normativo aberto. A
cláusula pode
ser iniqua, violar a boa-fé. “Isso é abusivo, Excelência!” Você não
está dizendo
nada, mas está justificando de acordo com a lei.
O inciso V é o mais fácil de todos:
foi vetado.
Inciso VI: isso é a coisa mais
abusiva de todas. Já comentamos
no passado. O consumidor é vulnerável e basta a verossimilhança de suas
alegações para que se determine, judicialmente, a inversão do ônus da
prova.
[...] VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; [...] |
Inciso VII: não significa que a
arbitragem não se aplica ao
Direito do Consumidor, mas ele terá que querer e anuir à utilização de
um
arbitro.
Inciso VIII: impor que se fale com
outra pessoa. Fácil
resolver problemas assim...
Inciso IX: chega a ser engraçado. O
fornecedor termina a
prestação se quiser? E o consumidor tem que pagar de qualquer modo?
Inciso X: olhem só: podemos
estabelecer que serão usados índices
de variação de preços. Desde o início da relação jurídica o consumidor
saberá
que haverá um índice na avaliação dos preços cobrados. O que não pode é
o
fornecedor unilateralmente alterar o índice utilizado.
[...] XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. [...] |
Inciso XI: sem que igual direito seja
conferido ao
consumidor. Se o consumidor puder, aí sim estará lícita a cláusula.
Cuidado com
isso.
Inciso XIV: cláusula tipicamente
abusiva por inter-relação
de direitos. É o Direito do Consumidor preocupado com o meio-ambiente.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a
vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. |
Vantagem exagerada é cláusula
abusiva. E o que o Código de
Defesa do Consumidor considera como exagerado?
Inciso II: temos o exemplo da
cláusula geral de não
indenizar, que tem por base o art. 51, § 1º, inciso II. Se um
fornecedor pretender
se desobrigar do próprio objeto do contrato, invoque este inciso II do
§ 1º do
art. 51 do CDC.
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. |
Muita atenção para esse § 2º. Suponha
que o juiz decrete a
nulidade de uma cláusula contratual. A cláusula não mais pertence ao
contrato.
O contrato como um todo não está invalidado. Princípio da manutenção do
contrato. Por mais que se anule uma ou duas cláusulas, pelo princípio
da
conservação dos negócios jurídicos, esse contrato deverá ser mantido.
Mas o juiz retirou uma cláusula
essencial. O que terá que
ser feito? Primeira coisa é aplicar as condições gerais e normas gerais
de
nosso ordenamento jurídico. Bem simples. Nosso ordenamento jurídico é
positivado. Retirada a cláusula, aplique-se o ordenamento jurídico. E
se não
houver previsão? O juiz terá que estipular uma cláusula contratual. Não
depende
da anuência das partes para estipular a cláusula. Claro que terá que
observar o
princípio da equidade.
O § 3º foi vetado, então vamos direto
para o...
§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. |
Sabe por que o Ministério Público
intervirá? Porque se trata
da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Art. 42, importantíssimo, que vamos
usar muito para nós
mesmos e para nossos clientes:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor
inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer
tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. |
Cobrança de débito: o consumidor não
pode ser exposto ao
ridículo, de forma alguma. Nem sofrer qualquer tipo de constrangimento
ou
ameaça. Se o consumidor recebe de 10 em 10 minutos uma ligação de um
“telemarketeiro”
chato, isso é considerado constrangimento. Cobrança de dívidas no local
de
trabalho: prática também considerada constrangimento. “Se você não
pagar, você
pode estar sujeito a uma visita dos nossos seguranças. Você
compreendeu?” Isso
é ameaça. Não pode, de forma alguma, o consumidor estar exposto a
ridículo,
ameaça ou constrangimento.
Parágrafo único, tão importante
quanto o caput: o consumidor tem
direito à
repetição de indébito. Chega à sua casa uma conta de telefone. O que
você faz?
Vê que já pagou no mês anterior. Você vai ao Judiciário. Qual será a
resposta? “Você
não teve aula de Direito do Consumidor! Só existe repetição de indébito
com
relação a quantias pagas!” Ok,
aparece
em seu escritório um cliente dizendo que chegou à casa dele uma
cobrança de
algo que ele já pagou. Você vai fazer o quê? Não mandará seu cliente
pagar novamente.
Mande-o simplesmente desconsiderar aquela cobrança indevida.
Mas, se por acaso você não lembra que
pagou, e depois
descobre que você já tinha pagado, você terá direito, enquanto
consumidor, de
pedir a repetição do indébito em dobro. Você pagou 100, e deverá
receber 200, salvo engano justificado.
Neste caso a
restituição será simples, e não em dobro. Quando há enganos
justificados? Descontos
em folha, por exemplo. O consumidor pode autorizar o desconto em folha
de
prestações de um produto comprado. O empregador começa a realizar o
desconto. O
desconto ocorre cada dia 5, e exatamente nesse dia você manda cancelar
o desconto.
Se ocorre dúvida sobre qual coisa deveria ocorrer primeiro, então temos
engano
justificável. Aí devolve-se o valor simples, e não em dobro.
Observação: independente de má-fé.