Direito do Consumidor

terça-feira, 1º de novembro de 2011

Cláusulas abusivas


Olhem só: na aula de ontem tratamos da fase pré-contratual na relação de consumo. Na verdade, vimos a fase pré-contratual e um pouco da contratual. Ontem vimos a formação dos contratos de consumo. Falamos dos contratos padronizados, de adesão. Especificamente trabalhamos com a formação desses contratos. Hoje vamos ver a parte de execução desses contratos e um pedaço da parte pós-contratual.

Muito bem.

Vamos trabalhar mais especificamente com cláusulas abusivas em um contrato de uma relação de consumo. Onde vamos encontrar no Código de Defesa do Consumidor as cláusulas abusivas? Art. 51.

Antes de ler o artigo, que é meio extenso, vamos passar aqui alguns pontos importantes com relação a cláusulas abusivas. São pontos ou cobrados na prova da Ordem ou nas de concursos.

Primeiro ponto: a fase de execução do contrato lida com as cláusulas abusivas. O que queremos dizer com isso? Não há que se discutir sobre a abusividade ou não das cláusulas se ainda não existir um contrato. Não podemos falar que em determinada relação de consumo há abusividade se o consumidor não tiver firmado contrato com o fornecedor. Quando é que o juiz e a doutrina se preocuparão em analisar a abusividade das cláusulas? Basicamente, na fase de execução do contrato. Mas não somente na fase de execução; pode ser também que haja uma repercussão futura das cláusulas abusivas. Pode ser que o consumidor venha a ser prejudicado futuramente por conta de alguma situação que lhe causou um prejuízo decorrente da abusividade de uma cláusula contratual.

E aqui surge a primeira indagação. Qual seria o prazo prescricional para se pleitear uma indenização em virtude da abusividade de uma cláusula? Qual seria o prazo prescricional para suscitar a abusividade inserta em um contrato de consumo? Temos prazo prescricional para fato do produto, para vícios do produto, e qual seria o prazo prescricional para apontar uma cláusula abusiva no contrato? “Juiz, este contrato contém uma cláusula que deve ser considerada nula pelo fato de que é abusiva.” Sabe qual é o prazo? Não existe. É imprescritível. Não há prazo prescricional para suscitar a abusividade de cláusulas contratuais.

O fundamento é que não se pode jogar nas costas do consumidor um contrato com cláusulas abusivas sendo que o contrato pode ser de longa duração, como aqueles de 30 anos. Se você limitar a um prazo de cinco anos o direito do consumidor de suscitar a abusividade de uma cláusula, o consumidor ficará desamparado fatalmente. Note que estamos falando da fase de execução do contrato. Seria imputar ao consumidor uma responsabilidade ou um prejuízo limitando seu tempo de suscitar a nulidade de uma cláusula enquanto estiver vigente. Então, quando se perguntar qual é o prazo prescricional para pleitear a declaração de abusividade de uma cláusula contratual, na fase de execução do contrato? É imprescritível. Não se esqueçam!

Depois da fase de execução, aí sim pesquisem o art. 206 do Código Civil.

Outra questão relacionada ao prazo: será que preclui o direito do autor caso venha a ajuizar uma ação contra um fornecedor com base no contrato? Um contrato de consumo tem cinco cláusulas, mas o consumidor suscita judicialmente a abusividade de uma cláusula apenas. Será que há preclusão? Não há preclusão, também. E com um detalhe ainda maior: o juiz, diante de um contrato em que perceba a existência de quatro cláusulas nulas, deverá, de ofício, se manifestar. Violação ao Direito do Consumidor é questão de ordem pública. Não é por causa da cláusula individualmente considerada. Não há preclusão por ser a relação consumerista disciplinada por normas de ordem pública.

Assim como não preclui o direito da parte, em um processo, de suscitar a ilegitimidade, ou a ausência de interesse de agir. Ou a impossibilidade jurídica do pedido. Se não suscitar na contestação, poderá fazer em apelação? Pode. Por que pode? Porque “PIL” (possibilidade, interesse e legitimidade) são questões de ordem pública. Assim como é a violação ao Direito do Consumidor. Pode ser manifestada em recurso especial? Questão de Direito Processual que caiu em concurso de procurador. Será aceito pelo STJ? Não é a Súmula 5 nem a Súmula 7 do STJ. O primeiro enunciado diz que “a simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial”, enquanto o segundo prevê que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” O problema aqui é a ausência de prequestionamento. Por mais que seja uma questão de ordem pública, a ausência de prequestionamento impede a análise do REsp. E aqui vem uma briga doutrinária absurda sobre isso. Porque o prequestionamento não poderia nunca barrar a análise de uma questão de direito material. Prequestionamento é instituto processual.

Segundo ponto: cláusula abusiva não se confunde com a cláusula que enseja a revisão do contrato. O que isso significa? A cláusula abusiva nasce concomitantemente com a formação do contrato. Significa dizer que quando o fornecedor elabora o contrato, ele é infeliz ao estipular uma cláusula que causa prejuízos ao consumidor, de forma injustificada. É uma cláusula abusiva. A cláusula abusiva nasce junto com o próprio contrato.

E por que a cláusula abusiva é diferente da cláusula que pode ensejar a revisão contratual? Porque as coisas são assim: existe, no Direito do Consumidor, uma regrinha básica: os contratos não podem, de forma alguma, conferir ao fornecedor vantagem exagerada. Os contratos de consumo não podem ser excessivamente onerosos para o consumidor. Mas suponhamos que fechemos um contrato de relação de consumo que não é em si excessivamente oneroso, mas, amanhã, as condições mudam drasticamente. O dólar dispara. E há uma cláusula no contrato que atrela o índice de correção daquele contrato ao índice de variação do dólar. E, quando fechamos, o dólar estava 1 para 1. O consumidor, quando assina, não espera superonerosidade. Mas o que acontece? O dólar dispara extraordinariamente. A cláusula que vinculava ao valor do dólar não era abusiva, e continua não sendo após a ocorrência do evento inesperado. Mas o que acontece no decorrer do contrato é uma onerosidade excessiva para o consumidor. Essa cláusula, apesar de não ser abusiva, poderá ser invalidada, ou melhor, revisada pelo juiz, justamente por conta da onerosidade excessiva. Mas vejam como existe uma diferença entre a cláusula abusiva e a cláusula que enseja a revisão do contrato.

A cláusula que enseja a revisão decorre de fatos supervenientes ao nascimento do contrato. A cláusula abusiva nasce com o contrato. Já foi questão de prova.

Sobre a corretagem temos um caso verídico: determinado investidor solicitou a determinado banco aqui do Brasil que investisse em um hedge fund, chamado também de fundo de “cobertura”, constituído para proteger o investidor de oscilações do humor do mercado e da economia em geral. O investidor mandou um e-mail para o corretor, determinando-o que investisse no fundo. O corretor do banco disse: “esse cara não está entendendo. Ele não tem que investir no hedge. Ele tem que investir no fundo abczyx!” O corretor pegou o dinheiro e investiu neste segundo estranho fundo, mas não no hedge. O que aconteceu é que o fundo que o investidor queria teve valorização de 300%, enquanto o fundo efetivamente investido teve perda de 200%. Houve aqui uma violação a um direito do consumidor. A ordem expressa era para que se investisse no fundo hedge. Vimos aqui que existe um risco controlado. É determinação do consumidor. Se vai perder, o problema é dele. Agora o banco tem responsabilidade com certeza. Mas o mais interessante foi que se investiram R$ 150 mil. O juiz condenou o banco e ordenou o pagamento da diferença. Quando o investidor foi resgatar os 150 mil inicialmente investidos, o banco disse “não, o juiz não determinou!” e o Tribunal confirmou que não existia decisão para liberar os R$ 150 mil. Sim, infelizmente acontece. Na prática, quando estivermos advogando, veremos que na realidade faz-se tudo errado. Tentamos mostrar o certo ao juiz e ao Tribunal. No caso, o que o advogado deveria ter notado rapidamente era uma omissão na sentença e opor embargos de declaração. Provavelmente o advogado e o cliente ficaram felizes em ler a expressão “julgo procedente o pedido para determinar a restituição da diferença entre o rendimento dos dois fundos” no dispositivo.
 

Terceiro ponto com relação às cláusulas abusivas trata de abuso de direito: interpretam-se as cláusulas abusivas com base no art. 187 do Código Civil.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Vamos entender. Se formos associar o Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil, teremos que nos pautar no art. 187. Como assim? A questão é: eu, fornecedor, elaborarei as cláusulas de um contrato padronizado, já que, no Direito do Consumidor, os contratos são, em regra, de adesão. Vou criar as cláusulas e vou submeter a ti, consumidor, para que tu aceites ou não. Se não aceitares, é simples: não há contrato. A partir do momento em que coloco no contrato uma cláusula que causa prejuízo injustificado a ti, estarei abusando do meu direito. Como assim? Já se sabe que, pelo costume que temos, os contratos são de adesão, em geral. De certa forma, criou-se para mim, fornecedor, a possibilidade de fazer com que tu, consumidor, só aceites ou rejeites. Se coloco uma cláusula que prejudica o Direito do Consumidor, temos, na verdade, um abuso do meu direito. A cláusula abusiva inserta em um contrato em que há relação de consumo é interpretada e pautada no art. 187 do Código Civil. E o art. 187 diz o que mesmo? “Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Ou seja, eu, que tenho o direito de formular um contrato de adesão, o exerço escrevendo as cláusulas contratuais. Se uma delas for abusiva, cometo o que se chama abuso de direito, que é um ato ilícito.

Se forem fazer uma petição alegando que determinada cláusula é abusiva, como vocês vão se pautar, como conduzir a petição? “Excelência, a cláusula é abusiva com base no art. 51 do CDC. Mesmo que não se aplicasse o CDC, aplicando-se o art. 187 do Código Civil a cláusula continua abusiva. O fornecedor está abusando de seu direito ao elaborar um contrato de adesão com cláusulas que prejudicam o consumidor de forma ilegal.”

Uma colocação: pode ser que em um contrato de consumo exista uma cláusula que cause prejuízo ao consumidor? Sim, é possível. Só que o que não é permitido é o prejuízo injustificado. É o prejuízo ilícito, ilegal. Exemplo: fecho um contrato de corretagem. Contrato uma pessoa para investir meu dinheiro na bolsa de valores. O que pode acontecer? Posso ter ganhos ou perdas. Se eu tivesse uma perda, isso seria justificado, e eu saberia dos riscos. O que não pode ocorrer é o prejuízo injustificado, ilícito. Então a cláusula abusiva é abuso de direito de acordo com o Código Civil e é ato ilícito.

Cláusula que força à arbitragem é abusiva. Mas suponha que o próprio consumidor concorde, e assine o contrato. Vamos colocar uma cláusula extra neste contrato, em que “qualquer questão jurídica será decidida no juízo arbitral.” Eu concordo, e não há problema nenhum. Questões vinculadas ao Direito do Consumidor podem sim ser julgadas pelo juízo arbitral, desde que o consumidor expressamente concorde com isso. O que não se pode é forçá-lo. E o juízo arbitral tem que ser imparcial em todas as circunstâncias, mesmo que o consumidor concorde.

Prossigamos.

Quarto ponto: cláusula geral de não indenizar: art. 51, § 1º:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Vamos explicar o inciso I. Existem alguns contratos em que se estipula cláusula que exime o fornecedor de responsabilidade civil. Antigamente, antes do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores estipulavam essas cláusulas que eram, na verdade, absurdas, e não só abusivas. O que acontecia é que eles se obrigavam a uma coisa na primeira cláusula, e na segunda se desobrigavam do que haviam se obrigaram na primeira. Não podem existir cláusulas gerais de não indenizar em contratos de consumo. Estabeleço contigo um contrato em que tu estacionarás teu carro no estacionamento que eu administro e estipulo uma cláusula geral de não indenizar: furtam teu carro em meu estacionamento, então não tenho responsabilidade civil! Qual o dever do estacionamento? De guarda, de olhar o carro. Alguém quebra o vidro do teu carro e furta o interior. Aí eu, fornecedor, oponho a cláusula de não responsabilidade pelos objetos deixados dentro. Isso é cláusula geral de não indenizar que não é admitida, porque faria desobrigar-me para com próprio objeto do contrato. Essas cláusulas são abusivas.

Aproveitando isso, vejam o...

Quinto ponto importante: a cláusula geral de não indenizar não se confunde com a cláusula limitativa de direitos. Como funciona a cláusula limitativa de direitos? Ela simplesmente estabelecerá o limite de responsabilidade civil do fornecedor. O limite de pagamento, de indenização cabível. E, até mesmo, nos casos em que não haverá o pagamento de indenização por fugir do objeto do contrato. Caso clássico interessantíssimo: seguradoras. Existem seguros diferenciados, várias espécies deles. Existe o seguro de vida, e existe o seguro de acidentes pessoais. São duas espécies diferentes. Se a pessoa morrer, ela poderá vir a receber a indenização? Ela mesma não, né. Mas e seu beneficiário? Sim. E no caso do de acidentes pessoais? O beneficiário vai receber a indenização, mas depende. Do quê? Do objeto do contrato. Vejam que interessante: se a pessoa morreu, como funcionará essa história? O seguro de vida é um seguro amplo, ou seja, a pessoa faleceu e, independentemente de qualquer situação, o beneficiário vai receber a indenização. No de acidentes pessoais, o beneficiário só recebe se a pessoa vier a falecer em virtude de um evento direto, imediato, em que não existam sintomas, e que, de forma alguma, caracterize doença. Alguém pega uma gripe desgraçada. O sujeito morreu em virtude da doença. O beneficiário recebe o seguro de vida? Sim. E de acidentes pessoais? Não.

Logo, estamos colocando no contrato uma limitação aos direitos do consumidor. Existe aqui uma cláusula limitativa de direitos. O seguro abrange acidente pessoal. Falecimento em caso de doença não está abarcado no seguro. E o seguro de acidentes pessoais? Alguém sofre acidente de trânsito e fica sem o movimento dos braços. Recebe seguro de vida? Não! Só em caso de falecimento! Mas recebe o seguro de acidentes pessoais. Por quê? Porque sofreu um acidente, perdeu o movimento de um dos braços, e terá o direito de receber uma indenização securitária; é o próprio objeto do contrato.

Então existem cláusulas contratuais limitativas de direitos, que não se confundem com a cláusula geral de não indenizar. O que não pode é haver a seguinte falácia no corpo do contrato: “cláusula primeira: “a SEGURADORA pagará a indenização ao BENEFICIÁRIO se o SEGURADO morrer. Cláusula segunda: A SEGURADORA não paga nenhuma indenização.” Isso não pode. Não confundam cláusulas limitativas de direito com cláusulas gerais de não indenizar ou cláusulas que afrontam o próprio objeto do contrato.

Com relação à cláusula limitativa do direito, o consumidor efetivamente concorda com ela. O objeto do contrato é que define o pacto. Então, se o consumidor está aderindo a um determinado contrato, ele concorda que este contrato não abarca tudo, mas uma coisa predeterminada.

Sexto ponto: prática abusiva não se confunde com cláusula abusiva. Por que não? É uma boa pergunta! Porque uma é espécie, outra é gênero. A prática é gênero, e a cláusula é espécie. Mas não só isso. Vejamos um exemplo prático: publicidade abusiva. Dá-se em qual fase contratual? Na pré-contratual. Prática abusiva é gênero que não se confunde com cláusula abusiva pois aquela pode ocorrer em todas as fases de uma relação de consumo. Na pré-contratual, na fase de execução do contrato e na fase pós-contratual. Publicidade abusiva e cobrança constrangedora são práticas abusivas. Não prestar serviços como oferecidos também é prática abusiva. Então não confundam a prática com a cláusula abusiva. A cláusula é uma espécie de prática.

Sétimo ponto: a boa-fé funciona como instrumento de controle das cláusulas contratuais. Lembram quando falamos do princípio da boa-fé, nas primeiras aulas? Falamos que a boa-fé tem funções. São elas a integrativa, a interpretativa, e a de controle. A boa-fé aplicada aos contratos de consumo controla o quê? Controla a criação do contrato, a elaboração dele. A boa-fé limita o direito subjetivo do fornecedor ao elaborar as cláusulas contratuais. Ou seja, se estamos trabalhando com contratos de adesão, em que é o fornecedor quem elabora as cláusulas, o fornecedor está restrito. O fornecedor estará preso à boa-fé, à sua função de controle. Ele estará com seus direitos subjetivos de elaborar o contrato restritos. O que significa dizer que ele não pode elaborar qualquer cláusula que achar que está boa, bacana, que ache que lhe vá dar vantagem maneiríssima. Não pode, porque viola a boa-fé. Isso é fundamentação para petição. “Houve violação da boa-fé, meritíssimo, porque o fornecedor não elaborou a cláusula observando os limites subjetivos que lhe são impostos. Importa o que o homem médio acha.” E quem define o que o homem médio acha é o juiz.

Terminamos as observações importantes sobre as cláusulas abusivas! Vamos apenas repetir seus enunciados:

  1. A fase de execução do contrato lida com as cláusulas abusivas. Não há prazo prescricional para suscitar a abusividade de uma cláusula de um contrato de consumo nem preclui o direito do consumidor de acionar o fornecedor com base num contrato.
  2. Cláusula abusiva não se confunde com a cláusula que enseja a revisão do contrato. Pode ensejar a revisão do contrato o acontecimento superveniente imprevisível, tornando-o excessivamente vantajoso ao fornecedor.
  3. Interpretam-se as cláusulas abusivas com base no art. 187 do Código Civil. O fornecedor tem o direito de elaborar as cláusulas contratuais, mas o abuso desse direito constitui ato ilícito.
  4. O Direito do Consumidor não permite a elaboração de cláusulas gerais de não indenizar. O fornecedor não pode se desobrigar em relação ao próprio objeto do contrato, seu cerne.
  5. A cláusula geral de não indenizar não se confunde com a cláusula limitativa de direitos. O consumidor sabe, de antemão, que o contrato não pode abranger tudo.
  6. Cláusula abusiva não se confunde com prática abusiva. Esta é gênero, aquela é espécie.
  7. A boa-fé funciona como instrumento de controle das cláusulas contratuais. A liberdade do fornecedor em estipular cláusulas pode ser limitada caso esse direito venha a ser exercido além dos ditames da boa-fé.

Agora sim, estamos prontos para passar à leitura e comentário de alguns pontos do...
 

Art. 51:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

[...]

São nulas, inválidas, não existem. Isso é interessante. Se as cláusulas contratuais são nulas de pleno direito, o efeito de sua declaração é ex-tunc ou ex-nunc? Ex-tunc.

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

Notem que o art. 51 é exemplificativo. É possível encontrar outros tipos de cláusulas abusivas.

[...]

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

V - (Vetado);

VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

[...]

O inciso IV contém uma norma geral. Se você não encontrar um exemplo, se você entende e não tem o que colocar em sua fundamentação, você pode usar o art. 51, inciso IV. É um comando normativo aberto. A cláusula pode ser iniqua, violar a boa-fé. “Isso é abusivo, Excelência!” Você não está dizendo nada, mas está justificando de acordo com a lei.

O inciso V é o mais fácil de todos: foi vetado.

Inciso VI: isso é a coisa mais abusiva de todas. Já comentamos no passado. O consumidor é vulnerável e basta a verossimilhança de suas alegações para que se determine, judicialmente, a inversão do ônus da prova.

[...]

VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;

VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

[...]

Inciso VII: não significa que a arbitragem não se aplica ao Direito do Consumidor, mas ele terá que querer e anuir à utilização de um arbitro.

Inciso VIII: impor que se fale com outra pessoa. Fácil resolver problemas assim...

Inciso IX: chega a ser engraçado. O fornecedor termina a prestação se quiser? E o consumidor tem que pagar de qualquer modo?

Inciso X: olhem só: podemos estabelecer que serão usados índices de variação de preços. Desde o início da relação jurídica o consumidor saberá que haverá um índice na avaliação dos preços cobrados. O que não pode é o fornecedor unilateralmente alterar o índice utilizado.

[...]

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

[...]

Inciso XI: sem que igual direito seja conferido ao consumidor. Se o consumidor puder, aí sim estará lícita a cláusula. Cuidado com isso.

Inciso XIV: cláusula tipicamente abusiva por inter-relação de direitos. É o Direito do Consumidor preocupado com o meio-ambiente.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Vantagem exagerada é cláusula abusiva. E o que o Código de Defesa do Consumidor considera como exagerado?

Inciso II: temos o exemplo da cláusula geral de não indenizar, que tem por base o art. 51, § 1º, inciso II. Se um fornecedor pretender se desobrigar do próprio objeto do contrato, invoque este inciso II do § 1º do art. 51 do CDC.

§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

Muita atenção para esse § 2º. Suponha que o juiz decrete a nulidade de uma cláusula contratual. A cláusula não mais pertence ao contrato. O contrato como um todo não está invalidado. Princípio da manutenção do contrato. Por mais que se anule uma ou duas cláusulas, pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos, esse contrato deverá ser mantido.

Mas o juiz retirou uma cláusula essencial. O que terá que ser feito? Primeira coisa é aplicar as condições gerais e normas gerais de nosso ordenamento jurídico. Bem simples. Nosso ordenamento jurídico é positivado. Retirada a cláusula, aplique-se o ordenamento jurídico. E se não houver previsão? O juiz terá que estipular uma cláusula contratual. Não depende da anuência das partes para estipular a cláusula. Claro que terá que observar o princípio da equidade.

O § 3º foi vetado, então vamos direto para o...

§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Sabe por que o Ministério Público intervirá? Porque se trata da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Art. 42, importantíssimo, que vamos usar muito para nós mesmos e para nossos clientes:

Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Cobrança de débito: o consumidor não pode ser exposto ao ridículo, de forma alguma. Nem sofrer qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Se o consumidor recebe de 10 em 10 minutos uma ligação de um “telemarketeiro” chato, isso é considerado constrangimento. Cobrança de dívidas no local de trabalho: prática também considerada constrangimento. “Se você não pagar, você pode estar sujeito a uma visita dos nossos seguranças. Você compreendeu?” Isso é ameaça. Não pode, de forma alguma, o consumidor estar exposto a ridículo, ameaça ou constrangimento.

Parágrafo único, tão importante quanto o caput: o consumidor tem direito à repetição de indébito. Chega à sua casa uma conta de telefone. O que você faz? Vê que já pagou no mês anterior. Você vai ao Judiciário. Qual será a resposta? “Você não teve aula de Direito do Consumidor! Só existe repetição de indébito com relação a quantias pagas!” Ok, aparece em seu escritório um cliente dizendo que chegou à casa dele uma cobrança de algo que ele já pagou. Você vai fazer o quê? Não mandará seu cliente pagar novamente. Mande-o simplesmente desconsiderar aquela cobrança indevida.

Mas, se por acaso você não lembra que pagou, e depois descobre que você já tinha pagado, você terá direito, enquanto consumidor, de pedir a repetição do indébito em dobro. Você pagou 100, e deverá receber 200, salvo engano justificado. Neste caso a restituição será simples, e não em dobro. Quando há enganos justificados? Descontos em folha, por exemplo. O consumidor pode autorizar o desconto em folha de prestações de um produto comprado. O empregador começa a realizar o desconto. O desconto ocorre cada dia 5, e exatamente nesse dia você manda cancelar o desconto. Se ocorre dúvida sobre qual coisa deveria ocorrer primeiro, então temos engano justificável. Aí devolve-se o valor simples, e não em dobro.  

Observação: independente de má-fé.