Vamos introduzir o Código de Defesa
do Consumidor primeiro
e, ao longo do curso, vamos ter uma história bacana de Direito do
Consumidor em
juízo.
Quando trabalhamos com Direito do
Consumidor, temos que fazer
uma rápida reflexão histórica desse ramo do Direito: obviamente, quando
o ser
humano começou a comprar e vender coisas, ali está a semente do Direito
do
Consumidor. Alguém fornece produtos, artesanais ou industrializados, e
outra
pessoa compra em virtude de suas necessidades pessoais. Isso no
princípio.
Depois veremos que um dos conceitos mais complexos de Direito do
Consumidor é o
próprio conceito de consumidor. Não é fácil saber o que é. Mas é
basicamente aquele
que adquire produtos ou serviços industrializados ou artesanais para
fins
pessoais.
Quando tivemos o primeiro ato de
compra ou prestação de
serviços, tínhamos uma pessoa, com necessidade pessoal, adquirindo de
outra um
determinado produto ou serviço produzido ou fabricado por aquela pessoa
chamado
de fornecedor. O primeiro ato de compra é pessoal, personalizado. O
produto que
se fabricava era artesanal. Com as próprias mãos, desenvolvo algum
produto e
ofereço a alguém que tenha interesse em comprá-lo. Quem desenvolve e
fornece
sou eu. E fico nas mãos daquela pessoa que tem o dinheiro para comprar.
O
produto não me serve pois não preciso dele, e quero o dinheiro para
comprar
coisas que me sirvam.
A primeira visão que se tinha na
história era que o
fornecedor, que produziu algo com as próprias mãos, dependia da boa
vontade
daquele que tem o dinheiro para comprar. Essa é a visão enraizada, como
se o
fornecedor fosse a parte mais fraca. Isso poderia ser verdade no
primeiro
momento, já que o fornecedor queria e precisava prestar o serviço. Se já sei
prestar
o serviço, ele é inútil para mim, mas para outras pessoas ele pode ser
útil. Nesse
primeiro momento, poderíamos considerar o consumidor como o rei do mercado, então, ele seria também a parte mais forte de uma
relação de
consumo, pois é ele que tem o dinheiro que, de frente a alguém que tem
o
produto, não sabe o que fazer com ele.
O que aconteceu com o decorrer dos
anos? Uma verdadeira
subversão dessa primeira noção de Direito do Consumidor. Vamos ver que
a partir
do momento em que há uma massificação da produção, toda essa versão que
vem
enraizada de que o consumidor é o rei do mercado cai por terra.
Saindo da modernidade, indo para a contemporaneidade chegando até
1962: até a década de
60, tinha-se uma visão de que o consumidor era um indivíduo. Era uma
pessoa que
deveria ser tratada individualmente. Não se entendia o consumidor como
uma categoria.
Cada consumidor tinha um interesse diferente, e cada um deles tinha uma
vontade
própria, o que significava que não se poderia tratá-lo de forma
generalizada,
categorizadamente. Se a Caroline quisesse comprar um carro, ela tinha
um
interesse específico. Eu, vendedor, trataria diretamente com ela,
observando os
interesses dela, sem que houvesse uma padronização com outras pessoas
que quisessem
comprar o mesmo carro que ela. Isso significa que o consumidor não era
considerado categoria, e não havia tutela dos interesses do consumidor
de forma
coletiva. Não existia a figura do Estado para proteger o consumidor
como classe. Isso porque o consumidor era visto individualmente.
Significa que o
fornecedor poderia aumentar preços, e se valer de sua expertise sobre
os
produtos que serviços que fornecia para prejudicar o consumidor como um
todo. O
Estado não interferia aí.
Falamos de 1962 porque naquele ano o
Presidente Americano John
Fitzgerald Kennedy proferiu um discurso completamente diferente do que
se via
nas décadas de 60 e anteriores. Disse que "se nós não considerarmos o
consumidor como uma classe, como uma categoria, tiramos a força dele.
Se eu, governante, não o tratar de forma protegida, por meio do meu ministério
público, o
consumidor perderá força, e ficará à mercê das vontades do fornecedor. E,
se
fica, ele poderá empobrecer. Se empobrecer, não teremos economia
circulante e
forte. Significa que devemos reconhecer o consumidor como categoria a ser
protegida, e que não deve ser prescindida. É a categoria mais importante
para o
desenvolvimento da economia.”
John Kennedy estabeleceu as bases da
proteção ao consumidor
por meio da tutela de direitos difusos e coletivos. Reconheceu como
categoria
para que pudesse incidir a proteção do estado e assim estabelecer um
equilíbrio
numa situação que era desequilibrada.
Já em 1985, a Organização das Nações Unidas reconheceu a
necessidade de tutelar o Consumidor.
Estabeleceu as diretrizes básicas para essa proteção. Editou uma
Resolução, de
nº 39/248, que trazia as diretrizes fundamentais do Direito do
Consumidor.
Todos os países que quisessem estabelecer uma lei de proteção ao
consumidor
poderiam se utilizar das diretrizes básicas criadas pela ONU em 1985.
Estabeleceu direitos básicos, proteções básicas.
Todos os
países que quisessem usar uma lei para tutelar o consumidor poderiam
fazer isso.
Isso tudo ainda é um pouco
filosófico, “ainda no ar”. É
pouco para captarmos. Vamos delimitar no decorrer de nosso curso. Agora
é que
vamos começar a ver as três formas de produzir o Direito do Consumidor.
Nem
introduzidos ainda!
Três formas
de
introduzir o Direito do Consumidor
Peguem a Constituição.
Introdução
sistemática ao Direito do Consumidor: a introdução
sistemática se refere a
valores constitucionais de proteção ao consumidor. Por essa introdução,
o Direito
do Consumidor seria um reflexo da proteção constitucional. Por que
existe o Direito
do Consumidor? Simples. Porque a Constituição da República de 1988
estabelece
que o consumidor tem que ser protegido! Então, por essa teoria
sistemática, o
consumidor tem que ser protegido pelo simples fato de a Constituição
assim
estabelecer. E, de fato, a Constituição é muito rica na proteção ao
consumidor.
A Carta Magna estabelece em vários artigos que o
consumidor tem
que ser protegido. Faz isso totalmente inspirada em John Kennedy.
Aquele cara
tinha razão! É bom proteger o consumidor porque, do contrário, é a
economia que
sofre! A Constituição de 1988 captou direitinho isso. E nisso o constituinte
estabeleceu em diversos artigos a proteção ao consumidor. O primeiro
desses é o
art. 5º, inciso XXXII. É bem evidente mesmo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...] |
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. |
Vejam! Dentro de 120 dias da promulgação
deverá estabelecer um Código
de Defesa do Consumidor! Mas o fizeram com processo legislativo de lei
ordinária. Significa que o CDC não deveria ser entendido como Código,
mas,
daquela época em diante, o CDC não ter sido aprovado no rito
legislativo
próprio dos códigos não terá importância prática nenhuma. Perguntem-se
se o
Código foi elaborado nesse prazo estabelecido pelo constituinte
originário! Dica: o CDC é de 1990.
Ok. O art. 5º, inciso XXXII é uma
norma de eficácia
limitada. Falou de forma direta! Está bem claro. Mas a Constituição
para aqui?
Não. Veja o art. 170, Inciso V:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor; [...] |
Os princípios da ordem econômica são
soberania nacional,
propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência,
defesa
do consumidor. So-Pro-Fu-Li-De.
Atentem para a OAB e concursos. O professor não dá macetes!
Há outros princípios? Sim. Mais para
baixo há outros, mas os
acima são os mais cobrados.
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. |
Enfim, veremos que a Constituição
reconhece em vários
dispositivos a importância do consumidor, tanto como pessoa quanto para
a economia.
É uma proteção sistemática. Essa é a definição sistemática da qual
começamos a
falar. Protege-se o consumidor porque está estabelecido na
Constituição. O Código
de Defesa do Consumidor seria um reflexo da ordem constitucional.
Introdução
dogmático-filosófica
É outra forma de introduzir o Direito
do Consumidor. O que
significa isso? Com a evolução das normas e da doutrina que diz
respeito ao Direito
do Consumidor, consagrou-se o princípio do favor
debilis. O que é favor debilis?
Princípio
que reconhece que, em determinada relação jurídica, em uma cadeia de
produção,
que podemos chamar também de cadeia de
consumo, existe uma parte que será mais forte, e outra que
será mais fraca.
Hoje, esse elo mais fraco é o consumidor. Por quê? Quem é expert
naquilo que
fabrica é o fornecedor. Engenheiros da Apple conhecem plenamente um
iPad.
Conhecem de forma vertical tudo que compõe o produto. O fornecedor é
muito mais
experto do que o consumidor. Você aceita aquilo da forma que está sendo
entregue. O consumidor é a parte débil dessa relação jurídica entre
fornecedor
e consumidor. A introdução dogmático-filosófica consagrou o princípio
do favor debilis.
O que seria o favor
debilis: significa proteger a parte débil. A parte mais
fraca, aquele que
não tem condições de saber tudo que envolve a prestação de serviços ou
o
produto. Se somos consumidores, nós somos a parte mais fraca da relação jurídica de consumo.
Estamos
em uma relação jurídica desequilibrada. O fornecedor tem todas as
ferramentas à
sua disposição. Nós, consumidores, temos que aceitar a coisa como está.
A
doutrina e a lei consagraram o princípio do favor
debilis estabelecendo que existe a vulnerabilidade do
consumidor. O
consumidor é a parte vulnerável da relação jurídica de consumo. O
consumidor
está frente ao fornecedor numa situação desequilibrada. As palavras
vulnerabilidade
e desequilíbrio vamos ver em praticamente todas as aulas. Este é o
fundamento
maior do Direito do Consumidor. Desequilíbrio na relação jurídica e
vulnerabilidade do consumidor. Aqui introduzimos o Direito do
Consumidor sob
uma forma dogmático-filosófica.
Introdução
socioecônomica
Por meio dessa forma de introduzir o
Direito do Consumidor,
o que queremos dizer são duas coisas. Primeira, o consumidor não é o rei do mercado. Segunda, o
consumidor está sujeito a uma produção massificada. Com a primeira
dizemos que
não é o consumidor que estabelecerá o preço, que sujeita o fornecedor,
diferente daquela concepção que existia antes. Hoje, há uma subversão
completa
desse entendimento: quem está sujeito ao fornecedor é o consumidor. Se
não há
um consumidor, há vários outros, e o fornecedor raramente ficará
desamparado.
Hoje, quem estabelece as regras do mercado é o fornecedor. E o
consumidor não é
livre.
Outro fator que deixa clara a
fraqueza do consumidor é a
mensagem subliminar, elementos visuais sutis que surgem na propaganda,
que
fazem a vontade desperta sem que o indivíduo saiba o que a está
despertando.
Exemplo: flashes rápidos da marca “Coca-Cola” em alguns quadros de um
filme
exibido no cinema, como aconteceu há décadas atrás, o que fez com que,
em
poucos dias de cartaz, o consumo do refrigerante subisse em 57%.