Direito do Consumidor

sábado, 5 de novembro de 2011

Bancos de dados de consumo


No que diz respeito a bancos de dados, temos que ter em mente que eles, historicamente, se iniciaram da forma contrária à que existe hoje. À época da revolução industrial, surgiram também os direitos sociais. Esses direitos sociais, que se associam à figura dos trabalhadores das indústrias, que laboravam com as grandes máquinas, fizeram surgir uma coisa que se chamava listas brancas. O que eram as listas brancas? Na verdade, eram listas criadas pelos trabalhadores, na época das revoluções dos séculos XVII e XVIII, que tinham por finalidade denunciar quais eram os empreendimentos e quais indústrias que desrespeitavam os direitos dos trabalhadores. Qual era a proposta, então? Na época era: “vamos criar listas de várias empresas que desrespeitam os direitos dos trabalhadores.” Em seguida, tiveram a ideia de dar publicidade a elas. Para quê? Justamente para que as empresas A, B e C, que eram as que desrespeitavam os direitos sociais, não tivessem condições de continuar no mercado. Se uma empresa produz determinado produto mas não respeita o direito daqueles que estão contribuindo com a fabricação dele, trata-se de uma que não pode continuar no mercado. Essa era a ideia deles.

Então o que os trabalhadores da época resolveram fazer? Criar e divulgar as listas brancas, que eram, na verdade, cadastros de empresas que desrespeitam os direitos dos trabalhadores. A ideia era atacar a posição no mercado das empresas desatentas aos direitos dos trabalhadores.

E foi com base nessa ideia da revolução industrial que se desenvolveu o seguinte pensamento: “ora, se criarmos listas com pessoas físicas ou jurídicas que desrespeitam direitos, então temos duas questões que serão solucionadas. Primeira delas, eu não esqueço de que aquela pessoa me causou prejuízo; e segunda, dou publicidade de que aquela pessoa não é confiável.” E as listas começaram a ser usadas em grande escala. Constituíam uma mensagem aos consumidores: “não comprem dessas empresas!”

Muito bem.

O que os empreendedores resolveram fazer com as listas brancas? Viram que as listas criadas pelos trabalhadores realmente funcionavam. Algumas empresas de fato pararam de vender. Não conseguiam mais produzir porque não havia mais consumidores para seus produtos. Isso porque desrespeitavam direitos. Aí os fornecedores perceberam que: “se eles podem criar listas, colocando nossos nomes, por que nós também não podemos criar as nossas, ou nossos bancos de dados próprios? Qual a vantagem de usarmos uma lista, enquanto fornecedores? Vamos dar conhecimento a todo o mercado de que aquele consumidor que desrespeita o fornecedor não é um consumidor confiável, e não merece crédito.”

Então vejam que interessante: a lista, inicialmente, ou os cadastros, foram desenvolvidos pelos trabalhadores contra as empresas que desrespeitavam direitos sociais. Com o passar dos tempos, as próprias empresas passaram a usar cadastros que tinham por função dar conhecimento ao mercado daqueles consumidores que não eram confiáveis, que não mereciam créditos.

E depois de um longo período, essas listas, esses cadastros se aperfeiçoaram a ponto de criar um sistema. Hoje, existem empresas que são especializadas em trabalhar com cadastro de consumidores não confiáveis. Em outras palavras, são especializadas em trabalhar com listas de compradores que não merecem crédito. E o conjunto dessas empresas que gerenciam essas listas forma um sistema. Chamamos de “sistema de proteção ao fornecedor”. Mas o fornecedor concede o que no mercado? Crédito. Significa que temos hoje um sistema de proteção ao crédito. São listas cadastrais, sendo que esse sistema tem uma denominação própria: sistema de proteção ao crédito. E, aí, há uma empresa específica que resolveu inclusive adotar esse nome: SPC. Pegou o nome do sistema! Confunde-se com o próprio instituto jurídico. Na verdade, a letra S refere-se à palavra “serviço”, serviço esse que é prestado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas aos associados.

Temos hoje também o Cadin, o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal, que trabalha, em regra, com o registro de pessoas jurídicas. É destinado a divulgar as pessoas jurídicas que, de alguma forma, corromperam o sistema de crédito. Como assim? Você tem uma pequena empresa, e faz a compra de insumos para ela. Uma vez você compra, mas deixa de pagar ao fornecedor de seus insumos. A empresa é uma pessoa jurídica. Onde é o lugar que essa empresa deveria ficar “fichada” como suja? Especializado em pessoas jurídicas, o Cadin é um banco de dados governamental, utilizado e alimentado por órgãos e entidades da Administração Pública Federal. É administrado pelo Banco Central, e cabe à Secretaria do Tesouro Nacional a expedição de atos normativos a respeito do Cadin. ¹ Para o Direito do Consumidor, o que importa em relação ao Cadin que ele é uma das organizações que tem por função cadastrar consumidores inadimplentes. Mas especializou-se em pessoas jurídicas.

Ao lado do Cadin temos outras instituições como o SPC. Temos a Serasa Experian também, que possui um banco de dados protetivo do crédito usado amplamente, popularmente conhecido como “o Serasa”, referido no masculino talvez por ser um banco de dados, mas na verdade confunde-se com a própria empresa, a Serasa. Tanto o serviço da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas quanto o do grupo Experian são especializados em “fichar” consumidores inadimplentes.

Mas será que as listas brancas desapareceram? Será que o consumidor não tem mais o direito de criar bancos de dados contra fornecedores inadimplentes? Vejam que interessante: conhecemos os serviços de proteção ao crédito porque são os que mais nos afetam. Mas existe sim um banco de dados de empresas que desrespeitam os direitos dos consumidores. O problema é que, por algum motivo que não imaginamos qual é, são pouco divulgados. Existe o Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor. Esse sistema nacional, que é dirigido pelo Ministério da Justiça, possui uma lista, um cadastro de fornecedores inadimplentes. Mas inadimplentes de que modo? “Inadimplentes” na observância dos direitos dos consumidores, inadimplentes no sentido de que desrespeitam os direitos dos consumidores.

Então hoje existe, inclusive de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o que chamamos de listas brancas. Há o Sistema de Proteção ao Crédito, em que os fornecedores listam os nomes dos consumidores inadimplentes, e temos também as listas brancas, nas quais os consumidores listam os fornecedores que desrespeitam o Direito do Consumidor.

Isso é apenas para nos situarmos na origem dos bancos de dados, de onde vieram, como surgiram. Apenas para sintonizarmos numa linha do tempo.

Vamos para o Código de Defesa do Consumidor.

Terminamos a aula passada falando de repetição de indébito no art. 42, parágrafo único na aula passada. Pergunta: consumidor que não paga a conta que está sendo duplamente cobrada pode repetir o indébito? Não. Só se tiver pagado, evidentemente, pois não se pode repetir o que não se pagou. ²

Art. 43 do Código:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

[...]

Vejam só: esse dispositivo é interessante porque, sempre que houver a negativação do nome do consumidor em algum tipo de lista, será obrigatória a notificação a ele sobre tal fato. Mas, agora, é bom explicar uma diferença entre banco de dados e cadastro. Por incrível que pareça há uma pequena diferença. O negócio é: o cadastro é de uso interno do fornecedor. Como assim? Suponha que você vai às Casas Bahia, e quando chega lá, o que vendedor irá te pedir? Que você, ao adquirir aquele magnífico karaokê com 168 músicas sertanejas na memória, forneça nome, telefone, CPF, endereço, e outros dados pessoais. O vendedor alimentará um cadastro montado pela fornecedora. Nesse cadastro podem constar informações negativas contra o consumidor. Só que, dentro das Casas Bahia, as informações ficarão em ambiente restrito; o que significa dizer que, quando as CB montam esse cadastro para elas próprias, obviamente a empresa não precisa dizer para o consumidor. Estamos falando aqui de um registro do nome do consumidor, um registro interno. A isso damos o nome de cadastro.

Preciso notificar o consumidor de que eu o cadastrei em minha empresa? Não. Fazer o cadastro de um consumidor em minha empresa, não significa que eu tenha que notificá-lo. Isso é uma coisa.

Outra coisa seria o banco de dados. E o que seria o banco de dados?

Diferente do que fazem as empresas com seus cadastros particulares, há a possibilidade de requerer a uma empresa especializada em gestão de bancos de dados de proteção de crédito que negative ou registre o nome do consumidor como um consumidor não confiável, inadimplente. São duas coisas diferentes. E por que queremos dizer isso? Que muita gente acha que tem o direito de saber que seu nome está registrado em algum lugar. Se eu tiver o nome de um consumidor na minha loja, não preciso notificá-lo. Quero criar mala direta e registro o e-mail do sujeito. Mas, a partir do momento em que busco uma empresa de gestão de bancos de dados de negativação do consumidor para que ela inclua, aí sim se torna obrigatória a notificação.

O banco de dados é público. Dá-me o direito de ser notificado, e, também, de sempre que eu quiser, ter acesso àqueles dados. Será que o direito de ter acesso àqueles dados pode sofrer restrição? Por exemplo: estou sabendo que meu nome foi registrado no Serasa. Alguém me falou; sei por acaso. É evidente que vou querer ter acesso à informação. Quero uma certidão de que meu nome está ou não registrado. Pode me cobrar pela certidão? Não. Mas às vezes cobram. Não podem, porque é um modo de restringir o acesso. Mas ainda assim o fornecedor pode negar crédito. E essa negativa pode ocorrer graças ao cadastro interno da empresa ou pelo banco de dados do SPC e/ou da Serasa. Então vou atrás do meu karaokê nas Casas Bahia, e surpreendo-me com a notícia de que a loja não me dará crédito, e não dá muitos detalhes do porquê. A loja em si não tem obrigação de dar crédito, somente de vender à vista ao consumidor que se disponha a prontamente a pagar. Então resta-me consultar o banco de dados público. Se nada constar lá, pronto, matei a charada: é a loja que não gosta de mim porque registrou, no passado, um comportamento meu em seu próprio cadastro privado, e não tinha a obrigação de me notificar sobre isso.

E agora cabe falar em que sentido a jurisprudência se firmou em relação aos bancos de dados: o mero registro indevido do nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito é suficiente para ensejar dano moral. Estamos em um dano moral “em si mesmo”, in re ipsa, que quer dizer “da própria coisa”. Vejamos: o que a jurisprudência diz sobre o dano moral? O dano moral tem que ser provado. Não podemos simplesmente argumentar: “juiz, quero indenização de R$ 10 mil porque sofri danos morais.” Ele vai mandar você provar. O simples pedido não o legitima. Como provar? Provando o fato. “Excelência, meu cliente foi atropelado e perdeu a perna direita; em virtude de ter perdido da perna direita, ele não consegue mais sequer conversar direito com as pessoas, porque olham primeiro para a perna que não existe em vez de com ele conversar.” Pergunta: o que estamos fazendo aqui? Estamos provando os fatos. Demonstramos para o juiz que houve um acidente e que o cliente perdeu uma perna, e há uma repulsa subentendida da sociedade por conta daquela deformidade física. Não estou provando a aflição, uma dor. Estou simplesmente demonstrando o fato. Do fato decorre logicamente a violação ao direito da personalidade. A simples prova de que a pessoa perdeu a perna em virtude uma conduta culposa de outra pessoa já faz com que ali já esteja ínsito o dano moral. Pela prova do fato, por logicidade, prova-se o dano moral. Temos, então, o dano in re ipsa. O dano decorre da própria existência do fato. O juiz que deverá deduzir que estou psicologicamente abalado.

Caso concreto: uma senhora (desta vez não era a Dona Clotilde!) estava andando na rua, carregando sua bolsa com seus pertences, e esbarrou com alguém que vinha na direção contrária, fazendo com que caísse de sua bolsa um objeto fálico. Ficou extremamente abalada psicologicamente. Ela não tinha como falar que o brinquedo era da filha; era dela mesmo, então resolveu propor uma ação contra o sujeito que nela esbarrou. Narrou o fato, o incidente. E pediu o dano moral. O que o juiz falou? “Data maxima venia, esse fato não é suficiente para comprovar a violação ao direito da personalidade. É um aborrecimento, um constrangimento.” Foi algo que poderia acontecer. Diferente daquele que foi atropelado e perdeu a perna, em virtude de uma conduta culposa de um bêbado. Por método dedutivo, ele estabelece o dano moral. O dano moral é in re ipsa. Deduz-se o dano do próprio fato.

Voltando ao Direito do Consumidor especificamente: o simples cadastro do consumidor em serviços de proteção ao crédito, desde que indevido, já é suficiente para que se possa pleitear uma indenização por danos morais. Ou seja, o cadastro indevido do nome do consumidor em serviços de proteção ao crédito é um dano in re ipsa. Da simples inscrição indevida já se deduz o constrangimento. O consumidor não precisa se dirigir ao juiz e dizer: “fui constrangido pela loja ao ter sido negado o crédito! Fiquei chocado, psicologicamente abalado, um horror, uma loucura!” O advogado do consumidor pode até usar como tática uma narrativa mais enaltecida, com o intuito de elevar o valor da indenização. Neste caso, não há jeito, não há para onde o responsável correr: inscrição indevida em cadastros de inadimplentes não é “mero aborrecimento da vida”.

Art. 43, § 1º:

§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

“Não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos”. Isso é fulcral. Em algum tipo de prova, alguém cobrará de nós uma questão com uma historinha em que alguém foi inscrito no banco de dados no ano de 2000. Em 2006, o nome continuava inscrito lá. E, aí, o que se perguntará é: “o fornecedor tem o direito de fazer com que o nome do consumidor permaneça cadastrado.” Essa questão é falsa, errada, claro. Por mais que o consumidor permaneça inadimplente e não tenha saudado a dívida, o nome dele não pode ficar inscrito nos bancos de dados de proteção ao crédito por período superior a cinco anos. Mesmo que ele não tenha pagado a dívida. Que seja cobrada em juízo, se assim quiser o credor. Mas o nome não pode permanecer inscrito nos bancos de dados. Prazo máximo de cinco anos.

Outro caso concreto: determinado consumidor foi ao hospital para fazer uma cirurgia em no joelho. Apareceu no dia da cirurgia, e ele tinha um plano de saúde, que emitira a autorização para fosse feita a intervenção. Depois do procedimento, o hospital percebeu que o uso de alguns equipamentos não havia sido autorizado pelo plano de saúde, mas foram usados. Quando o recém-operado estava saindo da sala de cirurgia a caminho da sala de recuperação deitado na maca que era empurrada, o consumidor-paciente estava em completo estado de woo-hoo, ainda estava drogado pelos anestésicos. O que fizeram com o consumidor? Pediram que assinasse um papelzinho. Ele, apesar da embriaguez, assinou. O hospital aforou cobrança contra o consumidor com base nesse papel por ele assinado.

Vejam que fantástico. Começaram já errado, porque esse negócio jurídico não só foi viciado, como a responsabilidade pelo uso, sem advertência, de equipamentos sem autorização do plano de saúde é do hospital. Esse foi o começo dos erros. A outra parte foi que o hospital também inscreveu o nome do paciente no Serviço de Proteção ao Crédito. Isso aconteceu quando ele tinha 18 anos de idade, e a situação permaneceu assim até os 28 anos. Ele nunca tinha conseguido comprar nada a crédito. Não conseguia nem abrir conta. O resultado disso foi que ele recebeu uma indenização pesada porque, depois de passado os cinco anos, mantiveram o nome dele no banco de dados. Seu advogado ampliou a situação, mostrou problemas no emprego, impossibilidade de abrir conta corrente para o próprio recebimento do salário, vergonhas, a impossibilidade de sequer contratar um cartão de crédito...

Prossigamos no art. 43 do CDC. § 2º:

§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

Já explicamos isso. Ou seja, o consumidor deve ser notificado por escrito.

Note a diferença entre o cadastro, que é interno de uma empresa, e o banco de dados, que é público. O § 2º se refere àquilo que é público.

§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.

Vejam que coisa importantíssima: quando o consumidor verificar que existe uma informação incorreta, e que o nome dele está negativado sem justa causa, o que poderá fazer? Notificar: “olhe aqui, empresa administradora de bancos de dados: retire meu nome daí e comunique a todos os fornecedores de que eu sou um consumidor adimplente, idôneo, que paga as contas, e estou provando para você, por meio deste extrato de pagamento, que essa conta já foi paga.”

Em resposta, vejam o que as administradoras fazem hoje: “seguinte, doutor: não fomos nós quem registrou seu nome aqui porque queríamos, mas sim tal pessoa, por solicitação dela. Você tem que reclamar é com ele.” E agora, o que você faz? Diga “não.” Fundamento é o art. 43, § 3º. “Você é quem gere o banco de dados. Se eu provar para você que a dívida está paga, você terá que comunicar a ela que a dívida está paga. E não só à pessoa que me inscreveu aí , mas a todos que tiverem acesso ao seu banco de dados.”

§ 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.

Qual a importância disso? São considerados de caráter público. Por que isso está aqui no Código de Defesa do Consumidor? Se fosse de caráter privado, isso teria alguma diferença? Vejam a tutela de direitos difusos e coletivos. Esse § 4º nos informa que as empresas de gestão de bancos de dados são de caráter público. Gerem informações pessoais suas. Imaginemos que você tenha um cadastro no Ministério da Fazenda. Nesse cadastro há um registro feito sobre você, o que atrai sua curiosidade para saber do que se trata. Quando você interpela o órgão, o Ministério nega a informação. O que isso significa? Que cabe habeas data! Processualmente, você pode usar um remédio constitucional, o habeas data. Essa é a grande fundamentação deste parágrafo. E cabe também mandado de segurança. Você pode inclusive chamar de autoridade coatora a administradora do banco de dados.

Quem pagará o dano moral em virtude do registro indevido? Quem enviou a informação incorreta ao banco de dados. Só? Não. A pessoa que enviou e a administradora do banco de dados são solidariamente responsáveis! E se já tiverem passado os cinco anos? Continuam solidários. Juntos para todo o sempre. Se o banco de dados não remover depois dos cinco anos, a empresa que enviou também terá que mandar retirar. Se a empresa não provar em juízo que mandou retirar, ela também será responsabilizada. Não importa. Deverá pagar ao consumidor e depois entrar com ação regressiva contra o corresponsável.

§ 5º:

§ 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Se não pode mais cobrar do consumidor porque a dívida está prescrita, então não serão fornecidas pelos sistemas quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. Então vejam que interessante: hora de dar uma olhada no art. 206 do Código Civil.

Art. 206. Prescreve:

[...]

§ 5º Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

[...]

Cobrança de instrumento público ou particular. Como é isso? Existe uma dívida de uma pessoa junto a uma instituição. Ou junto a uma loja de eletros da vida.

Outro parágrafo do art. 206 do CC: § 3º, inciso III:

Art. 206. Prescreve:

[...]

§ 3º Em três anos:

[...]

III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

[...]

Queremos dizer, com as transcrições acima, que existem diversas situações no art. 206 para prazos prescricionais. Cada uma dessas prescrições para casos específicos, que tenham prazos próprios, podem eventualmente incidir sobre o Direito do Consumidor. Pagamento de dívidas, por exemplo. Pode ser que eu tenha uma dívida com a Helena, mas também com a loja de departamentos em que comprei minha batedeira. No primeiro caso, não há relação de consumo, mas no segundo há sim. Locação: posso pagar alugueis para uma imobiliária, ou para um senhorio pessoa física. Depende da outra parte para saber se há relação de consumo. O prazo prescricional é de três anos, pois é uma hipótese prevista no § 3º do art. 206 do Código Civil. Se a imobiliária não me adicionar nesse tempo, terá prescrito o direito dela de me cobrar o aluguel. Veja como há duas coisas distintas no CDC.

No § 4º do art. 43 vimos que não pode passar de cinco anos para que o nome do consumidor fique inscrito no SPC. Mas no § 5º temos outro prazo sendo estabelecido, que é um prazo prescricional. Vamos supor, então, que estejamos diante de uma relação de consumo em que uma imobiliária está locando um apartamento para um consumidor. Ele não pagou aluguel referente ao mês de janeiro de 2000. O que ela fez? Primeira coisa, em virtude do não pagamento de aluguel, inscreveu o nome do inquilino no banco de dados protetivo do crédito. Mas não ingressou com a devida ação para cobrar aquele aluguel. Em fevereiro, o consumidor pagou tempestivamente, em março também... e foi pagando até o ano de 2004. Tudo nos conformes, exceto por aquele mês de janeiro de 2000. Já se passaram cinco anos? Não. Ele não pagou aluguel em janeiro de 2000, e desse fato não passaram cinco anos. Pergunta: já prescreveu o direito da imobiliária de pleitear aquele aluguel? Opa, prescrição e alugueis são uma hipótese do § 3º do art. 206 do Código Civil, que prevê prescrição em três anos. Significa o quê? Que o nome do consumidor não pode continuar lá! Ou seja, o que beneficia o consumidor é sempre o menor prazo. Então temos que interpretar o art. 43, §§ 4º e 5º em consonância com o art. 206 do Código Civil. Sempre que existir um prazo prescricional que vincule uma relação de consumo, temos que ver se o prazo não é menor do que 5 anos, porque, passado esse prazo, o nome do consumidor deverá ser retirado dos bancos de dados.

Retirado por quem? Tanto faz! Ou pelo fornecedor, ou pela gestora do banco de dados.

E se não retirarem? Inscrição indevida, dano moral in re ipsa. Não interessa se quem inscreveu achava que eram cinco anos a regra para manutenção do nome do inadimplente. É uma responsabilidade objetiva. Descabe alegar a boa-fé quando houver manutenção do nome por mais tempo do que o prazo prescricional para aquele tipo de relação.

Adiante.

Lembram-se das listas brancas? Vejam que interessante o art. 44 do CDC:

Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.

[...]

Neste caput temos cadastros contra fornecedores. São as listas brancas! O consumidor reclama para o órgão público, que tem com o fornecedor uma relação administrativa. Ele cobra informações do fornecedor, que deverá prestá-las. Administrativamente o fornecedor está liberado. Mas o consumidor ainda poderá ir ao Judiciário caso entenda-se lesado.

§ 1° É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado.

§ 1º: de qualquer interessado. Se você estiver em dúvida se quer contratar com determinado fornecedor, consulte as listas brancas, acessando o Ministério da Justiça. ³

§ 2º:

§ 2° Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste código.

  1. Fonte: http://www.bcb.gov.br/?CADINFAQ
  2. O professor aproveitou este momento da aula para dizer que, nas provas da OAB, inclusive na da semana passada, têm caído questões da maneira exata como estamos vendo aqui. Conteúdos que sempre são cobrados são: vício do produto, fato do produto e prazos prescricionais e decadenciais. Arts. 12, 14 e 42, além do que caiu e sempre vai cair: o art. 6º, com os direitos básicos do consumidor.
  3. Fonte: http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ5E813CF3PTBRNN.htm