Hoje vamos começar a trabalhar com
tutela coletiva dos
direitos do consumidor, mais propriamente dito como tutela de direitos
difusos,
coletivos e individuais homogêneos. Quando trabalhamos
com a
defesa do consumidor em juízo, nós temos que imaginar algumas coisas: o
consumidor,
individualmente, pode tutelar seus direitos? Vocês acham que o
consumidor
pessoa física, individualmente, que foi prejudicado em virtude de um
fato do
produto, ou vício, ou prática abusiva pode buscar seus direitos
individualmente
em juízo? Claro que pode. O consumidor que se sentir prejudicado em
virtude da
má prestação do serviço ou em virtude de algum vício ou fato do produto
terá o
direito de, com as próprias pernas, se dirigir ao juízo e cobrar aquilo
que
acha devido e justo. Isso individualmente.
Mas a grande questão não é a busca
individual do consumidor.
Até teremos a oportunidade de trabalhar com a tutela individual, com o
consumidor indo sozinho ao Judiciário buscar seus direitos. Veremos
isso mas, a
bem da verdade, já vimos isso durante o semestre inteiro. Vamos mostrar
os
aspectos processuais mas, o que importa mesmo agora é o aspecto
material.
O que não tratamos de forma ostensiva
e vamos ver hoje não é
o consumidor buscando seus direitos individualmente; vamos ver outro
aspecto.
Qual? A tutela coletiva. O consumidor, enquanto categoria, enquanto
classe,
tendo seus direitos resguardados em juízo. É por isso que vamos começar
hoje
com a tutela.
Vamos ver todo uma categoria sendo
tutelada. Com isso não
estamos trabalhando com pessoas, com uma pessoa física, com um
indivíduo.
Tenham isso em mente.
Muito bem.
No que diz respeito à tutela de
direitos difusos e
coletivos, já devemos ter ouvido falar em direitos com base
constitucional, que
seriam os direitos de primeira geração, de segunda e terceira. O que
consideraríamos como sendo os direitos de primeira geração? Liberdades
individuais. Os direitos de primeira geração estão vinculados à
liberdade do
indivíduo. Contra quem? Contra o Estado. Então esses direitos estão
vinculados
a direitos civis. O cidadão tem hoje o direito de ser livre,
obviamente, desde
que respeite as regras impostas pelo Estado. Mas este não pode
imotivadamente
prender uma pessoa e colocá-la sob tortura. Hoje não pode mais isso.
Hoje
existem direitos políticos, civis, assegurados a todos os cidadãos. Os
direitos
vinculados à liberdade são direitos de primeira geração.
Existem aqueles outros direitos
chamados direitos de segunda
geração. O que seriam estes? Direitos sociais, pautados na isonomia.
Agora não
estamos mais efetivamente trabalhando com uma imposição contra o
Estado, coisa
que cabe aos direitos de primeira geração. Os de segunda, na verdade,
buscam
fazer com que o Estado garanta a isonomia, assuma uma posição ativa.
Como isso
funciona? O Estado deve buscar implantar políticas sociais,
trabalhistas; todos
têm o de viver com dignidade, com trabalho. O Estado precisa implantar
políticas sociais para que o ser humano seja igual, para que não haja
um
desequilíbrio social, um desequilíbrio de classes, em virtude de
gênero, raça,
origem. Esses direitos sociais são conhecidos como direitos de segunda
geração.
E os direitos de terceira geração?
Estão baseados justamente
numa política de fraternidade. Ou seja, o ser humano precisa aprender a
conviver com outro ser humano. E nós só aprenderemos a conviver com
outro ser
humano quando respeitarmos direitos que visam à solidariedade.
E aqui estamos falando em justiça social de que
modo? Todos nós precisamos respirar. Se eu preciso respirar e outro ser
humano
também precisa, a partir do momento em que eu poluo o ar, estou
desrespeitando
um direito pautado na fraternidade. O mesmo se eu poluir a água. Então
temos
aqui, por exemplo, o Direito Ambiental como um exemplo de Direito de
terceira
geração.
Se eu produzo máquinas que causem
prejuízos injustificados
àqueles que as compram, ou fabricos produtos tóxicos e não informo essa
condição, da mesma forma estou violando direitos pautados na
fraternidade, na
solidariedade. Ora, quem é que fornece produtos tóxicos, ou quem
fornece esses máquinas
no mundo? São justamente os fornecedores,
juridicamente considerados, com quem trabalhamos ao longo
deste semestre.
Quase óbvio. São os fabricantes. Qual é o Direito que trabalha com esse
tipo de
solidariedade, com esse aspecto fraternal? O Direito do Consumidor!
Então temos
no Direito do Consumidor uma outra espécie de Direito de terceira
geração.
O que estamos querendo dizer com
isso? Queremos dizer que
existem determinados direitos que, por essência, são indisponíveis.
E que também, por essência, são indivisíveis.
Quando trabalhamos com direitos
difusos, coletivos e
individuais homogêneos, veremos que eles têm características
interessantíssimas,
como a indisponibilidade. O que
podemos chamar de direito indisponível. O que seria um direito
indisponível? Um
direito que o cidadão não pode dispor! É lícito, legal, você dispor da
sua
vida? Você pode se matar? É justo, legal, lícito? Não. É ilegal e
ilícito; você
não tem o aval legal do Estado para se matar. Não podemos cometer
suicídio,
porque a vida se trata de um direito indisponível. A vida tem imensa
relevância.
E quando estamos trabalhando com
tutela de direitos
coletivos latu sensu, estamos
trabalhando com a tutela de direitos indisponíveis. Como assim? O
Estado pode
permitir a violação ou a poluição do meio-ambiente? O Estado pode
dispor de tal
direito? Não. Trata-se de um direito indisponível. O Estado pode
permitir a
violação ao Direito do Consumidor? Não, porque são indisponíveis, e
tudo aquilo
que se vincula ao Direito do Consumidor é questão de ordem pública.
Vamos para o Código.
O Código de Defesa do Consumidor
divide os direitos e
interesses coletivos em três categorias:
Primeira: direitos ou interesses
difusos. É a primeira
categoria de direito coletivo latu sensu.
Direitos difusos ou interesses difusos. Se por acaso, em algum tipo de
prova for
perguntado se o Direito do Consumidor tutela interesses difusos,
interpretem
isso como sinônimo de direitos difusos. As duas expressões significam a
mesma
coisa.
Segunda categoria de direitos
coletivos prevista no CDC é a
dos direitos ou interesses coletivos strictu
sensu. Quer dizer então que o CDC tutela direitos ou
interesses coletivos latu sensu?
Sim. Porque direitos e
interesses coletivos latu sensu querem dizer simplesmente que a tutela
de
direitos em juízo abarca uma multiplicidade de pessoas. Quando
trabalhamos com
a tutela de direitos coletivos latu sensu,
o que queremos dizer é que trabalhamos com uma tutela que envolve essa
multiplicidade de pessoas. Mas essa multiplicidade não
se confunde com o litisconsórcio. Tutela de direitos
coletivos latu sensu é gênero, que
tem como
espécies a tutela de direitos difusos, de direitos coletivos strictu sensu e os direitos individuais
homogêneos. Tutela de direitos coletivos latu
sensu é diferente de litisconsórcio. No litisconsórcio, há
uma
multiplicidade de agentes no polo ativo ou no polo passivo de uma
relação jurídica
processual. Na tutela de direitos coletivos em juízo, só existe um
agente. Mas
este agente representa uma multiplicidade de indivíduos.
Estão compreendendo? Quando
trabalhamos com a tutela de direitos
coletivos, temos somente um agente, por exemplo, um sindicato. Será que
o
sindicato representa só ele, defendendo interesses próprios, ou
representa uma
multiplicidade de pessoas? Claro que representa uma multiplicidade, que
são os
sindicalizados. E isso nada tem a ver com litisconsórcio.
Quando temos uma associação de defesa
do consumidor, temos
uma associação que vai a juízo defender os interesses não dela própria,
mas dos
consumidores. Temos a associação representando uma multiplicidade de
indivíduos, sendo que eles são os consumidores, um agente ajuizando uma
ação
para tutelar um direito que é coletivo.
Comecemos com a complicação.
É possível litisconsórcio para tutela
coletiva de direitos?
Sim. É possível litisconsórcio. Mesmo que sejam coisas diferentes. Pode
haver
tutela coletiva e litisconsórcio ao mesmo tempo. Pode ser que, em
determinado
processo, tenhamos uma associação que representa uma multiplicidade de
pessoas,
e um sindicato, tudo na mesma ação, representando outra multiplicidade
de
pessoas. E podemos ter também os indivíduos em litisconsórcio: tutela
coletiva
e individual dentro de um mesmo processo. Ou seja, não confundam tutela
do direito
coletivo com litisconsórcio, mas saibam que é possível, no mesmo
processo,
haver tanto a tutela coletiva de direitos como o litisconsórcio. Se
temos uma
associação litigando juntamente com um sindicato, associação
representando uma
coletividade de indivíduos, e o sindicato representando outra
coletividade, mas
estão agindo dentro de um mesmo processo, temos tutela coletiva e litisconsórcio. Uma coisa não exclui a
outra.
A terceira categoria de direitos
coletivos latu sensu discriminada
no Código de
Defesa do Consumidor é a dos direitos ou interesses individuais
homogêneos.
A primeira coisa que temos que
entender é a seguinte: há uma
lei específica que disciplina a regra dos direitos difusos e coletivos,
que é a
Lei de Ação Civil Pública, a Lei 7347/1985. É a lei básica que irá
disciplinar a
tutela de direitos coletivos no ordenamento jurídico brasileiro. Nessa lei encontramos as diretrizes, fundamentos e como
funciona um
processo em que haja uma pessoa representando vários indivíduos. Lá na
LACP vamos
encontrar a disciplina para a tutela de direitos coletivos latu sensu. Veremos quem tem legitimidade
ativa, quem tem
legitimidade passiva, como se desenrola um processo em que haja a
tutela
coletiva de direitos... mas existe uma coisa que não constava na Lei de
Ação
Civil Pública e que só passou a constar a partir de 1990. Por quê?
Porque foi o
ano em que surgiu o Código de Defesa do Consumidor. O que não consta na
Lei de
Ação Civil Pública que consta no Código de Defesa do Consumidor?
Exatamente os conceitos de direitos
difusos, direitos
coletivos strictu sensu e direitos
individuais
homogêneos. Não existiam na Lei de Ação Civil Pública esses conceitos
até a
edição do Código de Defesa do Consumidor, que alterou o art. 15 da Lei
de Ação
Civil Pública.
Vejam que interessante! O CDC
modificou a Lei de Ação Civil
Pública, o que significa dizer que, com a entrada em vigor do Código do
Consumidor houve uma ramificação do instituto para todos os ramos do
Direito.
Significa que um sindicato pode ajuizar uma ação de cunho trabalhista
buscando o
conceito do interesse tutelado no Código de Defesa do Consumidor! Assim
como
uma associação que trate de previdência pública, associação de
previdenciários
para ajuizar uma ação de tutela coletiva tenha que buscar os
fundamentos no
CDC. Isso porque não existe nenhuma outra lei. É o Código de Defesa do
Consumidor que conceitua. Vejam, portanto, como tem importância o CDC
no
aspecto da tutela de direitos coletivos.
Podemos ver que o Ministério Público,
hoje, em qualquer
petição inicial de ação civil pública, faz menção ao Código de Defesa
do
Consumidor. Por que o MP, ao ajuizar uma ação versando
sobre
meio-ambiente, cita o CDC e não o Código Florestal? Porque este não tem
os
conceitos necessários relacionados aos interesses violados.
Art. 114 do CDC:
Art. 114. O art. 15 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação: "Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados". |
Estamos vendo uma influência direta
do CDC sobre a Lei de
Ação Civil Pública. É uma extralegalidade fortíssima: a intervenção
direta de
uma lei sobre outra. Quando o CDC derroga a LACP, ele influencia todos
os ramos
do Direito que trabalham com a tutela coletiva.
E onde vamos encontrar, então, a
definição de direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos? Vamos por partes.
Art. 81 do Código de Defesa do
Consumidor:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. |
Aqui temos a disciplina dos direitos
coletivos latu sensu no
ordenamento jurídico brasileiro. Todos que trabalham com direitos
coletivos têm
que recorrer ao art. 81 do CDC. Artigo importantíssimo, portanto.
Caput:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. |
Ou seja, o Código de Defesa do
Consumidor não exclui da
defesa em juízo a tutela individual. O que significa dizer que a tutela
individual pode ser exercida mesmo que concomitantemente esteja sendo
exercida
a tutela coletiva. Mesmo que o objeto da ação seja o mesmo. Se seu
carro teve um
problema e você já ajuizou com base nesse problema, pode ser que o
Procon ou
uma associação ajuíze pelo mesmo motivo. A ação coletiva não
prejudicará a sua.
Parágrafo único, inciso I:
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; [...] |
Olhem só: interesses
ou direitos difusos. O que se entende por direitos difusos?
Muito bem.
Interesses transindividuais, que também têm outras denominações, como
direitos
ou interesses metaindividuais, ou supraindividuais. São todos sinônimos.
Transindividual, metaindividual ou supraindividual são sinônimos.
Transindividualidade ou metaindividualidade significam “além de um
indivíduo”, mais
de um indivíduo. São direitos que pertencem a mais de uma pessoa.
Direitos
transindividuais. Lemos ali que temos direitos indivisíveis, e para
pessoas
indeterminadas ou indetermináveis. Vamos tentar entender o que são
direitos
transindividuais indivisíveis para pessoas indeterminadas ou
indetermináveis
ligadas por circunstâncias de fato. Vejam que interessante: o que forma
o
vínculo entre as pessoas que estão sob a égide de um direito difuso é
uma circunstância de fato. Ela é
que ligará
as pessoas. Como assim uma “circunstância de fato ligar as pessoas”? A
melhor
forma de entendermos uma circunstância de fato vinculando pessoas é
estabelecermos
um contraponto, um vínculo com circunstâncias jurídicas, ou
circunstâncias
contratuais. Vamos entender.
É possível que as pessoas estejam
ligadas por circunstâncias
de fato, ou pela existência de uma relação jurídica base, por meio de
um
contrato. Querem ver? Eu, Victor e Denise vamos estabelecer um contrato
de
seguro com a Bradesco Seguros. Assino o contrato com a
seguradora, que é
um contrato, em regra, de adesão, padronizado. Regras aplicadas a mim
também
são aplicadas ao Victor e à Denise. E nem conheço eles dois.
Perguntamos:
estamos ligados de alguma maneira? Sim! Somos signatários de um mesmo
contrato.
Nós temos um vínculo pelo fato de nós estarmos sob a tutela de uma
mesma relação
jurídica base. Existe uma relação jurídica contratual que nos liga.
Mas vejam: existe um contraponto
nisso. Existe uma relação
jurídica que vincula pessoas por circunstâncias de fato, e não por
circunstâncias contratuais. Como assim? Uma publicidade, um acidente
nuclear,
um acidente automobilístico com vários envolvidos. Tomemos o exemplo da
publicidade. É veiculada numa emissora qualquer uma publicidade
enganosa. Eu assisti,
Lucas também, e Bruno também teve o desprazer de estar com a televisão
ligada
no momento da exibição daquela publicidade enganosa. Existe algum
contrato que
nos vincula? “Evidente que não, estou vendo televisão! Não firmei
contrato com
ninguém.” Mas, na verdade, estou sujeito a uma publicidade enganosa.
Todos nós
três estamos sujeitos. O que nos vincula neste caso? É uma relação
jurídica
base, um contrato? Não! É uma circunstância de fato. Ou seja, existe
uma
publicidade enganosa que poderá causar prejuízo a nós todos. Mesmo que
nem nos
conheçamos, temos um vínculo, uma circunstância de fato que pode nos
causar
prejuízo de forma igual. Sem contar com as demais pessoas que, muito
embora não
tenham assistido à publicidade, estavam sujeitas a ela.
E, aí, temos, então, a colocação dos
direitos difusos.
Quando colocamos o exemplo de nós todos, estamos lidando com uma
multiplicidade
de pessoas. Se é multiplicidade de pessoas, trata-se de tutela de
direitos
coletivos. Quando falamos que Zeca, Lucas, Guilherme e Bruno estão
sujeitos a
uma publicidade enganosa, eles estão vinculados por uma circunstância
de fato.
Vejam que interessante: é direito metaindividual? É, porque existe a
multiplicidade de indivíduos. Em relação aos indivíduos, no caso desses
personagens todos, temos uma pergunta: são sujeitos indetermináveis que
estão
sujeitos à publicidade enganosa? Sim! Mas não somos somente eles,
porque
qualquer pessoa poderia ter assistido, afinal todos estão sujeitos!
Posso
nomear algumas pessoas, mas todos que estão assistindo àquela publicidade estão
sujeitos, e
mesmo os que não estão assistindo estão sujeitos. Ou seja, são pessoas
indetermináveis.
Existe divisibilidade no direito, ou
se trata de um direito
indivisível? Este um direito que nos ampara, um direito que temos de
não sermos
submetidos a uma publicidade enganosa? Sim, existe esse direito. É um
direito
individual, indivisível? Estou assistindo à publicidade enganosa. Esse
direito
é divisível? O direito que proíbe a publicidade enganosa é divisível?
Não, é
indivisível! Existe um direito em gênero que proíbe a publicidade
enganosa.
Tudo isso é de forma ampla.
Direitos difusos
são transindividuais, para
pessoas indetermináveis e são indivisíveis. É um direito amplo que
tutela todas
as pessoas de forma isonômica, igual. Não é direito só do Zeca ou do
Guilherme.
Outro exemplo é: o não cumprimento do dever de informar do fornecedor.
Trata-se
de direito difuso. Pode ensejar, inclusive, uma publicidade enganosa ou
abusiva.
Saindo do Direito do Consumidor, temos o dano ambiental da devastação
da Amazônia.
Trata-se de direito difuso? Para saber se estamos lidando com um
interesse
difuso, temos que ter em mente três coisas: é transindividual o
interesse? Sim.
Por quê? A devastação da Amazônia, o prejuízo ao meio-ambiente
propriamente
dito não afeta a uma pessoa só. Ok, é transindividual. Segunda coisa: é
indivisível?
Alguém devastou cem arvores no meio da Amazônia. “Isso é terra de
ninguém!” Ou
seria terra de todo mundo? Esse
direito é divisível ou indivisível? É um direito só do Lucas? Podemos
dividir
esse direito dizendo que aquelas cem arvores constituem direito somente
do Lucas?
Admitindo, claro, que as árvores estavam em terra pública, claro. O
direito é
indivisível, porque a Floresta pertence a todos. A terceira coisa a se
perguntar para verificar se o interesse é difuso: afeta a pessoas
indetermináveis? Claro. Todos estão sendo afetados. E falta uma
coisinha para
vermos se é direito difuso: há circunstâncias de fato que vinculam
todas as
pessoas? Há vinculação a uma relação jurídica base? Não, não há
contrato; então
se trata de uma união de pessoas ligadas por uma circunstância de fato.
Qual é
a circunstância? A derrubada das arvores. Então sim, confirmamos que é
um exemplo
de um direito difuso.
Resumo das perguntas-teste para
aferir se o interesse em
discussão é difuso:
Se a resposta de todas as perguntas
for “sim”, então estamos
falando de um interesse difuso.
Observação muito importante: no
Código de Defesa do
Consumidor temos que “consideram-se, para efeitos
deste Código...” mas o que o Código fez com a ação civil
pública? Por mais
que o art. 81 tenha essa expressão, este Código se proliferou, porque
modificou
a própria ação civil pública. Então não se tratam de conceitos a serem
aplicados somente na tutela dos direitos consumeristas, mas quaisquer
direitos
coletivos em sentido amplo.
Direitos
coletivos:
onde está o conceito deles? De acordo com o Código de Defesa do
Consumidor,
temos no art. 81, parágrafo único, inciso II.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: [...] II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; [...] |
Olhem isto: estamos falando de
direitos coletivos strictu sensu.
Estamos conceituando direitos
coletivos em sentido estrito. São direitos transindividuais e
indivisíveis. Até
aqui, tudo igual aos direitos difusos. Mas a segunda parte do inciso
tem a
diferença. A diferença não está na transindividualidade, nem na
indivisibilidade,
mas no vínculo entre as pessoas. O que cria o vínculo entre as pessoas
na
tutela de direitos coletivos strictu
sensu? A relação jurídica base, o contrato. Aquela situação
que prende uma categoria, que
prende um grupo. São direitos
transindividuais,
indivisíveis.
Será que os direitos coletivos são,
por essência, para
pessoas indeterminadas? Ou para pessoas determinadas? Por essência não
podemos
classificar os direitos coletivos strictu
sensu assim. Isso porque dependerá da situação. Enquanto os
difusos são
para pessoas indetermináveis por essência, nos coletivos em sentido
estrito
essa aferição dependerá da situação. Se for tutela da categoria
"consumidores",
pode ser que não, que as pessoas sejam determináveis. Exemplo: pessoas
que
adquirem um Fiat Stilo, que sempre que passa de 100 km/h perde a roda
traseira.
Várias pessoas assinaram um contrato com a concessionária e compraram
esse
automóvel. Contrato de compra e venda. É possível identificar, por meio
deste
contrato de compra e venda todas as pessoas que adquiriram um Fiat
Stilo? É
possível sim. Basta analisar os contratos e verificar quem assinou.
Neste caso
temos um direito tutelando pessoas determináveis. São pessoas possíveis
de
serem identificadas.
Outra situação: tutela de direitos
coletivos para pessoas
que adquiram Fiat Stilo da concessionária ou de
qualquer maneira. Digamos que o sujeito que não gostava
daquele
carro doou informalmente para alguém, dizendo que odiou. “Fique com
ele!” E passou
o carro para Victor. Neste exemplo, portanto, estamos já trabalhando
com
pessoas indeterminadas. Estamos trabalhando com todo mundo. Então não
podemos
classificar o direito coletivo strictu
sensu pela determinação ou indeterminação das
pessoas. Neste caso não será possível; dependerá da realidade, da
circunstância
de fato. Mas o que vincula efetivamente as pessoas submetidas a
direitos
coletivos é a relação jurídica base. É um contrato.
Existe uma terceira categoria que é a
dos direitos individuais homogêneos.
Onde
estão conceituados os direitos individuais homogêneos? No inciso III do
art. 81
do CDC:
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: [...] III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. |
Decorrentes de origem comum. Ficou
fácil agora de
diferenciar? Vamos lá. Os direitos individuais homogêneos são, por
essência,
divisíveis. Conseguimos identificar qual é o indivíduo que está sendo
prejudicado naquela situação. Na poluição do meio-ambiente não
conseguimos identificar,
porque é indeterminável saber quem foi atingido. Prestem atenção agora:
uma
pessoa que é afetada por conta de um brinquedo que solta uma peça
pequena que
venha a ser engolida pelo filho: o prejuízo para essa pessoa é
individual? É um
dano mensurável? É sim. É individualizável. Mas por que se chama
individual homogêneo? Digamos que o
brinquedo foi
fabricado por uma máquina que produziu todos os ursinhos de pelúcia;
produção em
série desse ursinho de focinho frágil que as crianças mordem e arrancam. Quem comprou teve prejuízo. Outros podem ter
prejuízos
individualizados? Podem. Mas não é igual a origem? Qual é a origem?
Fabricação
de um ursinho de pelúcia com defeito. Então os prejuízos, apesar de
individualizáveis, têm uma origem comum, que é o processo de fabricação
do
ursinho. Vejam que o prejuízo pode ser individualizado. E agora muita
atenção:
agora é que vamos entender a diferença. Até agora não entendemos, claro!
O que diferencia o direito difuso do
coletivo e do
individual homogêneo é o pedido
formulado
na ação. Podemos ter uma situação em que haverá classificação pelos
três tipos
de direito. Viram que interessante! Uma única ação, tutelando direitos
difusos,
coletivos strictu sensu e
individuais
homogêneos. O que diferenciará é o pedido. Muita atenção agora:
contrato
bancário. Cláusula de juros. Suponhamos que exista, nos contratos
bancários
como um todo, uma cláusula que estipule juros acima de 12% ao ano.
Infelizmente
existe no mercado. Ajuíza-se uma ação cujo pedido é para que seja
decretada ou
declarada a inconstitucionalidade de cláusulas de juros que estipulem
juros
acima de 12% a.a. Pergunta: qual é o direito tutelado? Qual dos três? O
Ministério
Público pede que o Supremo Tribunal Federal decrete que a cobrança de
juros
acima de 12% é inconstitucional. Pelo pedido, que é a decretação da
inconstitucionalidade, temos que o interesse é divisível ou não? É
indivisível.
Por quê? Não se pode decretar “meia inconstitucionalidade”. Quando
houver a
decisão, isso afetará a quem? A todo mundo. O pedido tem natureza
transindividual. Tem natureza indivisível? Com certeza. Há pessoas
ligadas por
circunstância de fato ou por uma relação jurídica base? O Ministério
Público
pede que seja declarada a inconstitucionalidade da cobrança dos juros
acima de
12%. As pessoas que sentirão essa medida serão somente os que assinaram
o
contrato com o banco? Para se tratar de uma relação jurídica base,
todos têm
que estar vinculados. Quando declarada a inconstitucionalidade, isso
afetará
quem já assinou o contrato, ou quem vier a assinar também? Vejamos.
O que o MP pretende com o pedido de
declaração de
inconstitucionalidade? Que todos se beneficiem, então o caráter é
preventivo! Então
há pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Mesmo quem ainda não
assinou esse
contrato bancário será beneficiado! A relação jurídica base das pessoas
que
ainda não assinaram não existe! O pedido está indicando que se trata da
tutela
de um direito difuso. E se, em relação a esse contrato bancário,
ajuíza-se uma
ação pedindo a nulidade da cláusula contratual do Banco Dexia? Não é de
todos
os contratos, de todos os bancos, mas sim daquela única cláusula
daquele
contrato, daquele banco. O interesse é transindividual? Sim, várias
pessoas
assinaram aquele contrato. Vamos pensar: irá beneficiar todo mundo, ou
só os
vinculados àquela relação jurídica base, só aquela categoria? Só
aquelas
pessoas vinculadas àquela relação jurídica base! Trata-se de tutela de
direito
coletivo strictu sensu.
E se o pedido agora for: “decrete a
nulidade e pague os
prejuízos que cada um dos clientes do banco sofreu.” É divisível o
interesse?
Sim. Pode-se saber qual foi o prejuízo de cada um dos afetados.
Trata-se,
portanto, de um direito individual homogêneo. O que define, então, é o
pedido.
Caso Walmart: notou-se em determinado
supermercado da rede
que mulheres não conseguiam se promover, mesmo com competência e
antiguidade. Comunicando-se
com outras funcionárias de outros lojas dentro dos Estados Unidos,
descobriram
que isso era uma prática generalizada na empresa. Ajuizaram ação de
classe,
pedindo equiparação salarial e o direito de serem promovidas, caso
atingidos certos
requisitos objetivos. Qual o interesse? Individual homogêneo, que
corresponde à
class action americana.