Direito do Consumidor

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Defesa do consumidor em juízo – a tutela coletiva


Hoje vamos começar a trabalhar com tutela coletiva dos direitos do consumidor, mais propriamente dito como tutela de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Quando trabalhamos com a defesa do consumidor em juízo, nós temos que imaginar algumas coisas: o consumidor, individualmente, pode tutelar seus direitos? Vocês acham que o consumidor pessoa física, individualmente, que foi prejudicado em virtude de um fato do produto, ou vício, ou prática abusiva pode buscar seus direitos individualmente em juízo? Claro que pode. O consumidor que se sentir prejudicado em virtude da má prestação do serviço ou em virtude de algum vício ou fato do produto terá o direito de, com as próprias pernas, se dirigir ao juízo e cobrar aquilo que acha devido e justo. Isso individualmente.

Mas a grande questão não é a busca individual do consumidor. Até teremos a oportunidade de trabalhar com a tutela individual, com o consumidor indo sozinho ao Judiciário buscar seus direitos. Veremos isso mas, a bem da verdade, já vimos isso durante o semestre inteiro. Vamos mostrar os aspectos processuais mas, o que importa mesmo agora é o aspecto material.

O que não tratamos de forma ostensiva e vamos ver hoje não é o consumidor buscando seus direitos individualmente; vamos ver outro aspecto. Qual? A tutela coletiva. O consumidor, enquanto categoria, enquanto classe, tendo seus direitos resguardados em juízo. É por isso que vamos começar hoje com a tutela.

Vamos ver todo uma categoria sendo tutelada. Com isso não estamos trabalhando com pessoas, com uma pessoa física, com um indivíduo. Tenham isso em mente.

Muito bem.

No que diz respeito à tutela de direitos difusos e coletivos, já devemos ter ouvido falar em direitos com base constitucional, que seriam os direitos de primeira geração, de segunda e terceira. O que consideraríamos como sendo os direitos de primeira geração? Liberdades individuais. Os direitos de primeira geração estão vinculados à liberdade do indivíduo. Contra quem? Contra o Estado. Então esses direitos estão vinculados a direitos civis. O cidadão tem hoje o direito de ser livre, obviamente, desde que respeite as regras impostas pelo Estado. Mas este não pode imotivadamente prender uma pessoa e colocá-la sob tortura. Hoje não pode mais isso. Hoje existem direitos políticos, civis, assegurados a todos os cidadãos. Os direitos vinculados à liberdade são direitos de primeira geração.

Existem aqueles outros direitos chamados direitos de segunda geração. O que seriam estes? Direitos sociais, pautados na isonomia. Agora não estamos mais efetivamente trabalhando com uma imposição contra o Estado, coisa que cabe aos direitos de primeira geração. Os de segunda, na verdade, buscam fazer com que o Estado garanta a isonomia, assuma uma posição ativa. Como isso funciona? O Estado deve buscar implantar políticas sociais, trabalhistas; todos têm o de viver com dignidade, com trabalho. O Estado precisa implantar políticas sociais para que o ser humano seja igual, para que não haja um desequilíbrio social, um desequilíbrio de classes, em virtude de gênero, raça, origem. Esses direitos sociais são conhecidos como direitos de segunda geração.

E os direitos de terceira geração? Estão baseados justamente numa política de fraternidade. Ou seja, o ser humano precisa aprender a conviver com outro ser humano. E nós só aprenderemos a conviver com outro ser humano quando respeitarmos direitos que visam à solidariedade. E aqui estamos falando em justiça social de que modo? Todos nós precisamos respirar. Se eu preciso respirar e outro ser humano também precisa, a partir do momento em que eu poluo o ar, estou desrespeitando um direito pautado na fraternidade. O mesmo se eu poluir a água. Então temos aqui, por exemplo, o Direito Ambiental como um exemplo de Direito de terceira geração.

Se eu produzo máquinas que causem prejuízos injustificados àqueles que as compram, ou fabricos produtos tóxicos e não informo essa condição, da mesma forma estou violando direitos pautados na fraternidade, na solidariedade. Ora, quem é que fornece produtos tóxicos, ou quem fornece esses máquinas no mundo? São justamente os fornecedores,  juridicamente considerados, com quem trabalhamos ao longo deste semestre. Quase óbvio. São os fabricantes. Qual é o Direito que trabalha com esse tipo de solidariedade, com esse aspecto fraternal? O Direito do Consumidor! Então temos no Direito do Consumidor uma outra espécie de Direito de terceira geração.

O que estamos querendo dizer com isso? Queremos dizer que existem determinados direitos que, por essência, são indisponíveis. E que também, por essência, são indivisíveis.

Quando trabalhamos com direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, veremos que eles têm características interessantíssimas, como a indisponibilidade. O que podemos chamar de direito indisponível. O que seria um direito indisponível? Um direito que o cidadão não pode dispor! É lícito, legal, você dispor da sua vida? Você pode se matar? É justo, legal, lícito? Não. É ilegal e ilícito; você não tem o aval legal do Estado para se matar. Não podemos cometer suicídio, porque a vida se trata de um direito indisponível. A vida tem imensa relevância.

E quando estamos trabalhando com tutela de direitos coletivos latu sensu, estamos trabalhando com a tutela de direitos indisponíveis. Como assim? O Estado pode permitir a violação ou a poluição do meio-ambiente? O Estado pode dispor de tal direito? Não. Trata-se de um direito indisponível. O Estado pode permitir a violação ao Direito do Consumidor? Não, porque são indisponíveis, e tudo aquilo que se vincula ao Direito do Consumidor é questão de ordem pública.

Vamos para o Código.

O Código de Defesa do Consumidor divide os direitos e interesses coletivos em três categorias:

Primeira: direitos ou interesses difusos. É a primeira categoria de direito coletivo latu sensu. Direitos difusos ou interesses difusos. Se por acaso, em algum tipo de prova for perguntado se o Direito do Consumidor tutela interesses difusos, interpretem isso como sinônimo de direitos difusos. As duas expressões significam a mesma coisa.

Segunda categoria de direitos coletivos prevista no CDC é a dos direitos ou interesses coletivos strictu sensu. Quer dizer então que o CDC tutela direitos ou interesses coletivos latu sensu? Sim. Porque direitos e interesses coletivos latu sensu querem dizer simplesmente que a tutela de direitos em juízo abarca uma multiplicidade de pessoas. Quando trabalhamos com a tutela de direitos coletivos latu sensu, o que queremos dizer é que trabalhamos com uma tutela que envolve essa multiplicidade de pessoas. Mas essa multiplicidade não se confunde com o litisconsórcio. Tutela de direitos coletivos latu sensu é gênero, que tem como espécies a tutela de direitos difusos, de direitos coletivos strictu sensu e os direitos individuais homogêneos. Tutela de direitos coletivos latu sensu é diferente de litisconsórcio. No litisconsórcio, há uma multiplicidade de agentes no polo ativo ou no polo passivo de uma relação jurídica processual. Na tutela de direitos coletivos em juízo, só existe um agente. Mas este agente representa uma multiplicidade de indivíduos.

Estão compreendendo? Quando trabalhamos com a tutela de direitos coletivos, temos somente um agente, por exemplo, um sindicato. Será que o sindicato representa só ele, defendendo interesses próprios, ou representa uma multiplicidade de pessoas? Claro que representa uma multiplicidade, que são os sindicalizados. E isso nada tem a ver com litisconsórcio.

Quando temos uma associação de defesa do consumidor, temos uma associação que vai a juízo defender os interesses não dela própria, mas dos consumidores. Temos a associação representando uma multiplicidade de indivíduos, sendo que eles são os consumidores, um agente ajuizando uma ação para tutelar um direito que é coletivo.

Comecemos com a complicação.

É possível litisconsórcio para tutela coletiva de direitos? Sim. É possível litisconsórcio. Mesmo que sejam coisas diferentes. Pode haver tutela coletiva e litisconsórcio ao mesmo tempo. Pode ser que, em determinado processo, tenhamos uma associação que representa uma multiplicidade de pessoas, e um sindicato, tudo na mesma ação, representando outra multiplicidade de pessoas. E podemos ter também os indivíduos em litisconsórcio: tutela coletiva e individual dentro de um mesmo processo. Ou seja, não confundam tutela do direito coletivo com litisconsórcio, mas saibam que é possível, no mesmo processo, haver tanto a tutela coletiva de direitos como o litisconsórcio. Se temos uma associação litigando juntamente com um sindicato, associação representando uma coletividade de indivíduos, e o sindicato representando outra coletividade, mas estão agindo dentro de um mesmo processo, temos tutela coletiva e litisconsórcio. Uma coisa não exclui a outra.

A terceira categoria de direitos coletivos latu sensu discriminada no Código de Defesa do Consumidor é a dos direitos ou interesses individuais homogêneos.

A primeira coisa que temos que entender é a seguinte: há uma lei específica que disciplina a regra dos direitos difusos e coletivos, que é a Lei de Ação Civil Pública, a Lei 7347/1985. É a lei básica que irá disciplinar a tutela de direitos coletivos no ordenamento jurídico brasileiro. Nessa lei encontramos as diretrizes, fundamentos e como funciona um processo em que haja uma pessoa representando vários indivíduos. Lá na LACP vamos encontrar a disciplina para a tutela de direitos coletivos latu sensu. Veremos quem tem legitimidade ativa, quem tem legitimidade passiva, como se desenrola um processo em que haja a tutela coletiva de direitos... mas existe uma coisa que não constava na Lei de Ação Civil Pública e que só passou a constar a partir de 1990. Por quê? Porque foi o ano em que surgiu o Código de Defesa do Consumidor. O que não consta na Lei de Ação Civil Pública que consta no Código de Defesa do Consumidor? Exatamente os conceitos de direitos difusos, direitos coletivos strictu sensu e direitos individuais homogêneos. Não existiam na Lei de Ação Civil Pública esses conceitos até a edição do Código de Defesa do Consumidor, que alterou o art. 15 da Lei de Ação Civil Pública.

Vejam que interessante! O CDC modificou a Lei de Ação Civil Pública, o que significa dizer que, com a entrada em vigor do Código do Consumidor houve uma ramificação do instituto para todos os ramos do Direito. Significa que um sindicato pode ajuizar uma ação de cunho trabalhista buscando o conceito do interesse tutelado no Código de Defesa do Consumidor! Assim como uma associação que trate de previdência pública, associação de previdenciários para ajuizar uma ação de tutela coletiva tenha que buscar os fundamentos no CDC. Isso porque não existe nenhuma outra lei. É o Código de Defesa do Consumidor que conceitua. Vejam, portanto, como tem importância o CDC no aspecto da tutela de direitos coletivos.

Podemos ver que o Ministério Público, hoje, em qualquer petição inicial de ação civil pública, faz menção ao Código de Defesa do Consumidor. Por que o MP, ao ajuizar uma ação versando sobre meio-ambiente, cita o CDC e não o Código Florestal? Porque este não tem os conceitos necessários relacionados aos interesses violados.

Art. 114 do CDC:

Art. 114. O art. 15 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a ter a seguinte redação:

        "Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados".

Estamos vendo uma influência direta do CDC sobre a Lei de Ação Civil Pública. É uma extralegalidade fortíssima: a intervenção direta de uma lei sobre outra. Quando o CDC derroga a LACP, ele influencia todos os ramos do Direito que trabalham com a tutela coletiva.

E onde vamos encontrar, então, a definição de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos? Vamos por partes.

Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Aqui temos a disciplina dos direitos coletivos latu sensu no ordenamento jurídico brasileiro. Todos que trabalham com direitos coletivos têm que recorrer ao art. 81 do CDC. Artigo importantíssimo, portanto.

Caput:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Ou seja, o Código de Defesa do Consumidor não exclui da defesa em juízo a tutela individual. O que significa dizer que a tutela individual pode ser exercida mesmo que concomitantemente esteja sendo exercida a tutela coletiva. Mesmo que o objeto da ação seja o mesmo. Se seu carro teve um problema e você já ajuizou com base nesse problema, pode ser que o Procon ou uma associação ajuíze pelo mesmo motivo. A ação coletiva não prejudicará a sua.

Parágrafo único, inciso I:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

[...]

Olhem só: interesses ou direitos difusos. O que se entende por direitos difusos? Muito bem. Interesses transindividuais, que também têm outras denominações, como direitos ou interesses metaindividuais, ou supraindividuais. São todos sinônimos. Transindividual, metaindividual ou supraindividual são sinônimos. Transindividualidade ou metaindividualidade significam “além de um indivíduo”, mais de um indivíduo. São direitos que pertencem a mais de uma pessoa. Direitos transindividuais. Lemos ali que temos direitos indivisíveis, e para pessoas indeterminadas ou indetermináveis. Vamos tentar entender o que são direitos transindividuais indivisíveis para pessoas indeterminadas ou indetermináveis ligadas por circunstâncias de fato. Vejam que interessante: o que forma o vínculo entre as pessoas que estão sob a égide de um direito difuso é uma circunstância de fato. Ela é que ligará as pessoas. Como assim uma “circunstância de fato ligar as pessoas”? A melhor forma de entendermos uma circunstância de fato vinculando pessoas é estabelecermos um contraponto, um vínculo com circunstâncias jurídicas, ou circunstâncias contratuais. Vamos entender.

É possível que as pessoas estejam ligadas por circunstâncias de fato, ou pela existência de uma relação jurídica base, por meio de um contrato. Querem ver? Eu, Victor e Denise vamos estabelecer um contrato de seguro com a Bradesco Seguros. Assino o contrato com a seguradora, que é um contrato, em regra, de adesão, padronizado. Regras aplicadas a mim também são aplicadas ao Victor e à Denise. E nem conheço eles dois. Perguntamos: estamos ligados de alguma maneira? Sim! Somos signatários de um mesmo contrato. Nós temos um vínculo pelo fato de nós estarmos sob a tutela de uma mesma relação jurídica base. Existe uma relação jurídica contratual que nos liga.

Mas vejam: existe um contraponto nisso. Existe uma relação jurídica que vincula pessoas por circunstâncias de fato, e não por circunstâncias contratuais. Como assim? Uma publicidade, um acidente nuclear, um acidente automobilístico com vários envolvidos. Tomemos o exemplo da publicidade. É veiculada numa emissora qualquer uma publicidade enganosa. Eu assisti, Lucas também, e Bruno também teve o desprazer de estar com a televisão ligada no momento da exibição daquela publicidade enganosa. Existe algum contrato que nos vincula? “Evidente que não, estou vendo televisão! Não firmei contrato com ninguém.” Mas, na verdade, estou sujeito a uma publicidade enganosa. Todos nós três estamos sujeitos. O que nos vincula neste caso? É uma relação jurídica base, um contrato? Não! É uma circunstância de fato. Ou seja, existe uma publicidade enganosa que poderá causar prejuízo a nós todos. Mesmo que nem nos conheçamos, temos um vínculo, uma circunstância de fato que pode nos causar prejuízo de forma igual. Sem contar com as demais pessoas que, muito embora não tenham assistido à publicidade, estavam sujeitas a ela.

E, aí, temos, então, a colocação dos direitos difusos. Quando colocamos o exemplo de nós todos, estamos lidando com uma multiplicidade de pessoas. Se é multiplicidade de pessoas, trata-se de tutela de direitos coletivos. Quando falamos que Zeca, Lucas, Guilherme e Bruno estão sujeitos a uma publicidade enganosa, eles estão vinculados por uma circunstância de fato. Vejam que interessante: é direito metaindividual? É, porque existe a multiplicidade de indivíduos. Em relação aos indivíduos, no caso desses personagens todos, temos uma pergunta: são sujeitos indetermináveis que estão sujeitos à publicidade enganosa? Sim! Mas não somos somente eles, porque qualquer pessoa poderia ter assistido, afinal todos estão sujeitos! Posso nomear algumas pessoas, mas todos que estão assistindo àquela publicidade estão sujeitos, e mesmo os que não estão assistindo estão sujeitos. Ou seja, são pessoas indetermináveis.

Existe divisibilidade no direito, ou se trata de um direito indivisível? Este um direito que nos ampara, um direito que temos de não sermos submetidos a uma publicidade enganosa? Sim, existe esse direito. É um direito individual, indivisível? Estou assistindo à publicidade enganosa. Esse direito é divisível? O direito que proíbe a publicidade enganosa é divisível? Não, é indivisível! Existe um direito em gênero que proíbe a publicidade enganosa.

Tudo isso é de forma ampla.

Direitos difusos são transindividuais, para pessoas indetermináveis e são indivisíveis. É um direito amplo que tutela todas as pessoas de forma isonômica, igual. Não é direito só do Zeca ou do Guilherme. Outro exemplo é: o não cumprimento do dever de informar do fornecedor. Trata-se de direito difuso. Pode ensejar, inclusive, uma publicidade enganosa ou abusiva. Saindo do Direito do Consumidor, temos o dano ambiental da devastação da Amazônia. Trata-se de direito difuso? Para saber se estamos lidando com um interesse difuso, temos que ter em mente três coisas: é transindividual o interesse? Sim. Por quê? A devastação da Amazônia, o prejuízo ao meio-ambiente propriamente dito não afeta a uma pessoa só. Ok, é transindividual. Segunda coisa: é indivisível? Alguém devastou cem arvores no meio da Amazônia. “Isso é terra de ninguém!” Ou seria terra de todo mundo? Esse direito é divisível ou indivisível? É um direito só do Lucas? Podemos dividir esse direito dizendo que aquelas cem arvores constituem direito somente do Lucas? Admitindo, claro, que as árvores estavam em terra pública, claro. O direito é indivisível, porque a Floresta pertence a todos. A terceira coisa a se perguntar para verificar se o interesse é difuso: afeta a pessoas indetermináveis? Claro. Todos estão sendo afetados. E falta uma coisinha para vermos se é direito difuso: há circunstâncias de fato que vinculam todas as pessoas? Há vinculação a uma relação jurídica base? Não, não há contrato; então se trata de uma união de pessoas ligadas por uma circunstância de fato. Qual é a circunstância? A derrubada das arvores. Então sim, confirmamos que é um exemplo de um direito difuso.

Resumo das perguntas-teste para aferir se o interesse em discussão é difuso:

  1. É transindividual?
  2. É indivisível?
  3. Afeta a pessoas indetermináveis?
  4. Há circunstâncias de fato ou relação jurídica base que vincula as pessoas?

Se a resposta de todas as perguntas for “sim”, então estamos falando de um interesse difuso.

Observação muito importante: no Código de Defesa do Consumidor temos que “consideram-se, para efeitos deste Código...” mas o que o Código fez com a ação civil pública? Por mais que o art. 81 tenha essa expressão, este Código se proliferou, porque modificou a própria ação civil pública. Então não se tratam de conceitos a serem aplicados somente na tutela dos direitos consumeristas, mas quaisquer direitos coletivos em sentido amplo.

Direitos coletivos: onde está o conceito deles? De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, temos no art. 81, parágrafo único, inciso II.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

[...]

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

[...]

Olhem isto: estamos falando de direitos coletivos strictu sensu. Estamos conceituando direitos coletivos em sentido estrito. São direitos transindividuais e indivisíveis. Até aqui, tudo igual aos direitos difusos. Mas a segunda parte do inciso tem a diferença. A diferença não está na transindividualidade, nem na indivisibilidade, mas no vínculo entre as pessoas. O que cria o vínculo entre as pessoas na tutela de direitos coletivos strictu sensu? A relação jurídica base, o contrato. Aquela situação que prende uma categoria, que prende um grupo. São direitos transindividuais, indivisíveis.

Será que os direitos coletivos são, por essência, para pessoas indeterminadas? Ou para pessoas determinadas? Por essência não podemos classificar os direitos coletivos strictu sensu assim. Isso porque dependerá da situação. Enquanto os difusos são para pessoas indetermináveis por essência, nos coletivos em sentido estrito essa aferição dependerá da situação. Se for tutela da categoria "consumidores", pode ser que não, que as pessoas sejam determináveis. Exemplo: pessoas que adquirem um Fiat Stilo, que sempre que passa de 100 km/h perde a roda traseira. Várias pessoas assinaram um contrato com a concessionária e compraram esse automóvel. Contrato de compra e venda. É possível identificar, por meio deste contrato de compra e venda todas as pessoas que adquiriram um Fiat Stilo? É possível sim. Basta analisar os contratos e verificar quem assinou. Neste caso temos um direito tutelando pessoas determináveis. São pessoas possíveis de serem identificadas.

Outra situação: tutela de direitos coletivos para pessoas que adquiram Fiat Stilo da concessionária ou de qualquer maneira. Digamos que o sujeito que não gostava daquele carro doou informalmente para alguém, dizendo que odiou. “Fique com ele!” E passou o carro para Victor. Neste exemplo, portanto, estamos já trabalhando com pessoas indeterminadas. Estamos trabalhando com todo mundo. Então não podemos classificar o direito coletivo strictu sensu pela determinação ou indeterminação das pessoas. Neste caso não será possível; dependerá da realidade, da circunstância de fato. Mas o que vincula efetivamente as pessoas submetidas a direitos coletivos é a relação jurídica base. É um contrato.

Existe uma terceira categoria que é a dos direitos individuais homogêneos. Onde estão conceituados os direitos individuais homogêneos? No inciso III do art. 81 do CDC:

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

[...]

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Decorrentes de origem comum. Ficou fácil agora de diferenciar? Vamos lá. Os direitos individuais homogêneos são, por essência, divisíveis. Conseguimos identificar qual é o indivíduo que está sendo prejudicado naquela situação. Na poluição do meio-ambiente não conseguimos identificar, porque é indeterminável saber quem foi atingido. Prestem atenção agora: uma pessoa que é afetada por conta de um brinquedo que solta uma peça pequena que venha a ser engolida pelo filho: o prejuízo para essa pessoa é individual? É um dano mensurável? É sim. É individualizável. Mas por que se chama individual homogêneo? Digamos que o brinquedo foi fabricado por uma máquina que produziu todos os ursinhos de pelúcia; produção em série desse ursinho de focinho frágil que as crianças mordem e arrancam. Quem comprou teve prejuízo. Outros podem ter prejuízos individualizados? Podem. Mas não é igual a origem? Qual é a origem? Fabricação de um ursinho de pelúcia com defeito. Então os prejuízos, apesar de individualizáveis, têm uma origem comum, que é o processo de fabricação do ursinho. Vejam que o prejuízo pode ser individualizado. E agora muita atenção: agora é que vamos entender a diferença. Até agora não entendemos, claro!

O que diferencia o direito difuso do coletivo e do individual homogêneo é o pedido formulado na ação. Podemos ter uma situação em que haverá classificação pelos três tipos de direito. Viram que interessante! Uma única ação, tutelando direitos difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos. O que diferenciará é o pedido. Muita atenção agora: contrato bancário. Cláusula de juros. Suponhamos que exista, nos contratos bancários como um todo, uma cláusula que estipule juros acima de 12% ao ano. Infelizmente existe no mercado. Ajuíza-se uma ação cujo pedido é para que seja decretada ou declarada a inconstitucionalidade de cláusulas de juros que estipulem juros acima de 12% a.a. Pergunta: qual é o direito tutelado? Qual dos três? O Ministério Público pede que o Supremo Tribunal Federal decrete que a cobrança de juros acima de 12% é inconstitucional. Pelo pedido, que é a decretação da inconstitucionalidade, temos que o interesse é divisível ou não? É indivisível. Por quê? Não se pode decretar “meia inconstitucionalidade”. Quando houver a decisão, isso afetará a quem? A todo mundo. O pedido tem natureza transindividual. Tem natureza indivisível? Com certeza. Há pessoas ligadas por circunstância de fato ou por uma relação jurídica base? O Ministério Público pede que seja declarada a inconstitucionalidade da cobrança dos juros acima de 12%. As pessoas que sentirão essa medida serão somente os que assinaram o contrato com o banco? Para se tratar de uma relação jurídica base, todos têm que estar vinculados. Quando declarada a inconstitucionalidade, isso afetará quem já assinou o contrato, ou quem vier a assinar também? Vejamos.

O que o MP pretende com o pedido de declaração de inconstitucionalidade? Que todos se beneficiem, então o caráter é preventivo! Então há pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Mesmo quem ainda não assinou esse contrato bancário será beneficiado! A relação jurídica base das pessoas que ainda não assinaram não existe! O pedido está indicando que se trata da tutela de um direito difuso. E se, em relação a esse contrato bancário, ajuíza-se uma ação pedindo a nulidade da cláusula contratual do Banco Dexia? Não é de todos os contratos, de todos os bancos, mas sim daquela única cláusula daquele contrato, daquele banco. O interesse é transindividual? Sim, várias pessoas assinaram aquele contrato. Vamos pensar: irá beneficiar todo mundo, ou só os vinculados àquela relação jurídica base, só aquela categoria? Só aquelas pessoas vinculadas àquela relação jurídica base! Trata-se de tutela de direito coletivo strictu sensu.

E se o pedido agora for: “decrete a nulidade e pague os prejuízos que cada um dos clientes do banco sofreu.” É divisível o interesse? Sim. Pode-se saber qual foi o prejuízo de cada um dos afetados. Trata-se, portanto, de um direito individual homogêneo. O que define, então, é o pedido.

Caso Walmart: notou-se em determinado supermercado da rede que mulheres não conseguiam se promover, mesmo com competência e antiguidade. Comunicando-se com outras funcionárias de outros lojas dentro dos Estados Unidos, descobriram que isso era uma prática generalizada na empresa. Ajuizaram ação de classe, pedindo equiparação salarial e o direito de serem promovidas, caso atingidos certos requisitos objetivos. Qual o interesse? Individual homogêneo, que corresponde à class action americana.