Falamos
na aula passada de formas de introdução ao Direito do Consumidor.
Colocamos o
Código de Defesa do Consumidor de várias formas diferentes,
introduzindo-o sob vários aspectos. Hoje vamos entrar um pouco mais no CDC. Teremos que ter a companhia dele todas as aulas!
Portanto, ache
a Lei 8078/90. Às vezes encontra-se como sendo uma lei ordinária do ano
de 1991.
Tratamos do método constitucional como uma das formas de se introduzir o Código. Colocamos com
qual nome? Introdução sistemática. A introdução sistemática nada mais que uma forma de se introduzir o
Código de
Defesa do Consumidor sob o ponto de vista constitucional. Neste início,
esta
vai ser a modalidade mais importante, por ora. Vamos só relembrar
alguns pontos
principais da Constituição Federal que dizem respeito ao Direito do
Consumidor:
Primeiro
e mais importante é o art. 5º, inciso XXXII.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...] |
Outros
artigos constitucionais que temos que ter em mente são o art. 24,
inciso VIII;
150, § 5º; 170, inciso V; e o art. 48 do ADCT, todos importantíssimos
no que
diz respeito à origem constitucional do Direito do Consumidor.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito
Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...] |
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios: [...] § 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. [...] |
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor; [...] |
Art. 48 do ADCT: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. |
Campo de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor
Para
que exista, ou para que seja possível, em uma relação, incidirem as normas de
defesa do
consumidor, é necessário que haja uma relação de consumo. Isso é a
base. Mas
quando haverá a relação de consumo? Para que ela exista, é necessário
que
estejam presentes os elementos da relação de consumo. Quais são eles?
Nós
temos o sujeito, ou melhor, os sujeitos
da relação de consumo, o objeto da
relação de consumo, que constituiria o segundo elemento. E o terceiro
seria um
que não vamos compreender agora: o elemento
teleológico.
São
três elementos para que se forme a relação de consumo. Sujeito, objeto
e o
elemento teleológico. Os dois primeiros nós vamos discutir agora, e o
terceiro
vamos deixar para frente, que é um pouco mais complexo.
Quais
são os sujeitos de uma relação de consumo? É muito difícil: não
poderiam ser
outros a não ser o fornecedor e o consumidor.
E
qual seria o objeto de uma relação de consumo? Produtos
ou serviços.
Estamos aqui diante dos dois primeiros elementos de uma relação de
consumo.
Sujeitos são consumidor e fornecedor, e objeto são produtos e serviços.
Vamos
encontrar onde a classificação ou o conceito de fornecedor e
consumidor? Dentro
do Código de Defesa do Consumidor, claro. Basicamente vamos encontrar o
conceito em quatro locais diferentes. A primeira das formas de se definir o consumidor, que é a
mais
simples, vamos encontrar no art. 2º do CDC. Vamos já aproveitar para
entrar
agora no Código, tratando dele desde já.
Art.
1º da Lei 8078/90:
Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. |
Não
significa que o juiz pode ajuizar uma ação e iniciar um processo. O princípio da inércia
ainda
existe! Provocado o Judiciário, aí sim o juiz poderá apreciar de
ofício.
Há
um tempo, alguns consumidores compraram alguns veículos em que o
indexador das
parcelas era o dólar. O governo afirmava que o real permaneceria
atrelado ao
dólar. E o governo anunciou que não alteraria a taxa cambial. Foi em
1999,
quando o dólar explodiu. Quem devia R$ 30 mil passou a dever R$ 90 mil.
Mas,
para o Código de Defesa do Consumidor, nem se precisa alegar a teoria
da
imprevisão, pois o pacta sunt servanda
é mitigado quando se trata de uma relação consumerista. Assinar o
contrato não
o torna imutável, quando se trata de relação de consumo. Muito cuidado
com
isso. Estamos falando do Código de Defesa do Consumidor. Detalhe: mesmo
no
Código, tem-se que observar sim o brocardo, que é um princípio
genérico, que se
aplica dentro do CDC, mas de forma mitigada. Vamos trabalhar muito com
isso.
Isso por causa da vulnerabilidade do consumidor.
Vamos
ao art. 2º:
Art. 2° Consumidor
é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final. [...] |
E
o que é o destinatário final? Aqui incidirá o elemento teleológico. Há
outro
conceito de consumidor que está no parágrafo único do mesmo art. 2º.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. |
Certo,
e para quem vai o dinheiro? Como o consumidor se aproveita dessa
situação?
Calma nesta hora! O que temos que saber agora é simplesmente que o
Ministério
Público, se aproveitando do art. 2º, parágrafo único, pode tutelar os
interesses de consumidores indetermináveis. Depois vamos entender a
destinação
desse dinheiro.
Art.
3º:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. [...] |
Nada que tenha caráter
eventual se encaixa no conceito de consumidor ou fornecedor. Vamos
continuar
lendo o art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. § 1º:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. |
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. |
Se
existe lei especial, deve haver uma lei geral. Por acaso o Código de
Defesa do
Consumidor é uma norma de direito privado, ou norma de direito público?
Se baseia
em que tipo de Direito? Os dois! O Código de Defesa do Consumidor é sui generis. Faz uma mescla de regras de
Direito Civil, privado, de Direito Comercial, privado, Direito Penal,
público,
e Direito Administrativo, que também é público. Então o CDC é uma
mescla de normas
administrativas, civilistas, comerciais e penais. Ele é quase 70%
derivado do
direito privado. Então, a maior origem, a maior influência sobre o
Código de
Defesa do Consumidor é exercida pelo Código Civil. Significa dizer que
70% do
Código trabalha com questões de ordem puramente privada.
Aqui
surge uma dúvida. De quando é o Código de Defesa do Consumidor? De
1990. E o
Código Civil? De 2002. E agora, para que haja uma recepção, deve estar
expresso
e delimitado na lei. Tais dispositivos foram recepcionados? Não. Como
ficam as
relações entre as partes, tratados por cada Código? Vamos delimitar
mais, mas
vamos ter uma base desde agora de como funciona o Código Civil e o
Código de
Defesa do Consumidor. Pode haver confusão. Contrato de transporte, por
exemplo.
Quando estamos transportando uma pessoa estamos prestando um serviço?
Estamos
diante de uma relação de consumo? Sim. Será que existe esse serviço
chamado
transporte inserido no Código Civil de 2002? Veja o art. 730 do Código
Civil:
Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. |
Já
o Código de Defesa do Consumidor trata de uma relação desequilibrada,
materialmente
falando. O CDC tenta reequilibrar uma situação em que não há uma
igualdade
material entre as partes envolvidas. O Código do Consumidor, então,
estabelece
certas premissas que buscarão proteger aquele que está em posição de
fragilidade, de inferioridade na relação jurídica.
Imagine,
então, que eu seja o dono da fábrica da Nissan no Brasil. Vou vender uma caminhonete
à
Talita. Existe desequilíbrio de forças nesta relação contratual? Sim!
Primeira
coisa que indica o desequilíbrio aqui é o poderio econômico. Certo, e
se meu
consumidor fosse Abílio Diniz, dono do Pão de Açúcar? Mesmo que
tenhamos
fortunas comparáveis, a relação continua desequilibrada, em meu favor.
Afinal
ainda sei abrir o capô e dizer se há, no motor, “bons cavalos” ou o
pônei
maldito! Neste caso aplicar-se-á o Código de Defesa do Consumidor. Por
quê?
Porque existe uma relação desequilibrada, desta vez pelo motivo
técnico, e o
Código de Defesa do Consumidor buscará reequilibrá-la.
Outro
exemplo: sou um passageiro de um ônibus. Dou o dinheiro para o
cobrador, que
não me dá o troco, e começo a discutir com ele. Levo à justiça. Incidem
as
normas do Código de Defesa do Consumidor ou do Código Civil?
Primeiramente
parece ser uma relação de consumo, como realmente é, então aplica-se o
CDC. Mas
o Código Civil é posterior, de 2002, e agora? Código de Defesa do
Consumidor é
lei especial, mas e se o Código Civil tiver tratado especificamente
daquela
matéria, como transporte, o que é o caso? Aplicam-se os dois. Isso
porque o
Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, e sempre terá
que ser
observado. Só que vamos aplicar a norma mais favorável ao consumidor!
Isso
porque o Código de Defesa do Consumidor estabelece normas que visam a
proteger
a parte mais fraca. Se ela fosse mais beneficiada pela aplicação do
Código
Civil, o próprio Código de Defesa do Consumidor manda que se aplique o
Código
Civil, em detrimento do próprio Código de
Defesa do Consumidor.
Princípio
básico do CDC. Aplicar-se-á o Código Civil em detrimento do Código de
Defesa do
Consumidor, porque aquele é mais favorável. O legislador compreendeu
que as
normas dentro do CDC não eram suficientes para a situação, então
inseriu as normas
do art. 730 do CC e seguintes.
Um
conflita com o outro? De forma alguma. O Código Civil existe para
tutelar uma
relação entre iguais. O Código de Defesa do Consumidor existe para
tutelar uma
relação entre desiguais. “Tratar desigualmente os desiguais na medida
em que
eles se desigualam”: ideia defendida até por Ruy Barbosa.
É
tarefa do advogado defender seu cliente com base numa norma mais
favorável. Ele
deverá indicar o fundamento legal de suas alegações. Não caberá ao juiz
mandar
emendar a peça para mudar a fundamentação.
Em qualquer campo do
Direito em que haja relação de consumo haverá a tutela do Código de
Defesa do
Consumidor. O CDC criou uma sobreestrutura jurídica multidisciplinar.
Outra
pequena questão:
O Código de Defesa do
Consumidor é uma lei principiológica, e não tipificadora de condutas,
exceto em
seu aspecto penal.
O
que queremos dizer com isso? É que existem várias relações comerciais,
vários
tipos de negócios jurídicos que não estarão diretamente especificados
no CDC.
Temos tantas possíveis formas de relação jurídica que vêm sendo
desenvolvidas
que não vêm disciplinadas no Código de Defesa do Consumidor. O CDC
estabelece
princípios. Esses princípios serão aplicados diante dos casos
concretos. Por
isso que falamos que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei
principiológica,
e não tipificadora de condutas. A lei que tipifica diz que tudo que se
fizer, e
não estiver tipificado como ilícito é lícito. Alguém pode vir a
praticar ato
ilícito não penal que venha a contrariar princípios de proteção ao
consumidor.
Por isso o Código de Defesa do Consumidor é principiológico.
Outra
frase para guardar na memória:
As normas do CDC são de
ordem pública e interesse social de observância obrigatória e
necessária.
Outras normas que disponham sobre relação de consumo coexistem com o
Código de
Defesa do Consumidor.
Atenção
para o que ocorre na teoria e na prática. A teoria é linda, a prática é
imunda.
Ao advogar, temos uma zona desgraçada. Quando estamos diante de um ou
até dez processos
para cuidar, o juiz tem sete mil numa vara. Ele não ficará preocupado
em
verificar se incide ou não o Código de Defesa do Consumidor. Por isso o
advogado é tão importante. Inclusive o advogado existe para corrigir
alguns error in judicando ou error in procedendo. Por isso os
embargos declaratórios!
Objetivo do Código de
Defesa do Consumidor
Qual
o objetivo do CDC? É estabelecer uma
política nacional de consumo. Como é que todos os
fornecedores terão que
tratar os consumidores. Respeito, honestidade, dignidade. E esses
princípios de
trato, de relacionamento estão no Código. Significa então que o
objetivo do
Código é tratar uma política nacional de tratamento do consumidor.
Esse
objeto está delimitado no Código? Sim. Art. 4º:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem
por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. |