Na aula de ontem começamos a
trabalhar com a tutela
coletiva. Vamos lembrar para continuar. Trabalhamos com conceitos
básicos, os
previstos no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. A tutela
coletiva não
exclui a individual. Vimos os interesses difusos, interesses coletivos strictu sensu, e os interesses
individuais
homogêneos. Então já temos hoje, em mente, em cada situação, se o caso
em
análise busca a tutela de um direito difuso, de um direito coletivo ou
de um direito
individual homogêneo.
Digamos que um carro saia com defeito
de determinada fábrica.
O Ministério Público ajuíza uma ação que visa à tutela coletiva, em que
o órgão
pede que seja realizado o recall. Este é o pedido do MP: pede
judicialmente a
realização do recall. De que espécie de tutela coletiva que se trata? A
quem
atingirá? Qual é o fundamento para informar qual é a tutela buscada é
direito
coletivo? A existência de uma relação jurídica base, um contrato. Qual
é a
relação jurídica base para essas pessoas que serão afetadas pelo
recall? Uma
compra e venda. Mas e o pai que comprou o carro para o filho? O filho
tem um
contrato de compra e venda com a concessionária? Existe relação
jurídica base tutelando
o filho? Não. Mas o filho é quem anda com o carro e é quem buscará a
concessionária para
arrumar. A relação jurídica base que prende o filho à concessionária é
nenhuma,
portanto. Exclui-se a relação jurídica base mas equipara-se o filho a
consumidor. Significa que o pedido do MP afetará a todos,
independentemente de
existir uma relação jurídica base.
O pedido é que se faça o recall, e
não que se paguem as
indenizações devidas. Somente o recall. Significa que, se não
conseguimos
individualizar obrigações e responsabilidades civis, só resta uma
coisa: que o direito
tutelado é difuso! Não temos a relação jurídica base que prende as
pessoas. Não
podemos individualizar obrigações.
Imaginem um contrato padrão e vários
consumidores. Do outro
lado da relação temos o fornecedor. Observando tudo há o Ministério
Público. Notando
um defeito, este faz o pedido de recall. O fornecedor fez contrato com
esses
consumidores. Qual é o objeto? Um veículo. É o objeto da relação. Qual
o pedido
do Ministério Público? Só esse, que se faça o recall. Pergunta: o recall irá
abranger só
os consumidores que realizaram um contrato, que estão vinculados por
uma
relação jurídica base com o fornecedor, ou será que existem outros
consumidores
que não realizaram o contrato e não estão presos a uma relação jurídica
base,
mas que adquiram o carro? Se a iniciativa do Ministério Público só
abrangesse
os consumidores que têm a relação jurídica base, o direito seria
coletivo. Mas
há outros consumidores, equiparados na forma do art. 17 do CDC, como
aqueles
que adquiriram o carro indiretamente. Temos então a proteção a direitos
difusos.
O pedido do recall irá albergar todos
os consumidores, mesmo
os que receberam o carro por doação! Então é um direito difuso que está
sendo
tutelado.
Agora imagine que o pedido do
Ministério Público é que se
faça o recall e se pague a
indenização pelo defeito. Esse pedido abrange somente quem tem uma
relação
jurídica base com o fornecedor? Não, porque o recall por si só já
abrangerá
mais gente do que os que celebraram contrato com a fornecedora. E o
pagamento
da indenização pelo defeito? Existe uma origem comum que vincularia
todos esses
consumidores? Existe. Adquirir o mesmo carro, com o mesmo defeito. Se
então
existe o pedido para indenizar individualmente cada consumidor e se
esses
consumidores estão vinculados entre si por uma origem comum, então
trata-se de
uma tutela de um direito individual homogêneo.
Agora, removendo a indenização e
deixando só o recall, temos
um direito difuso, como já falamos. E se o pedido for: que se pague à
associação de donos de veículos que ajuizou a ação por conta deste
defeito. Qual
é o interesse tutelado? Quem não está dentro da associação não irá
receber. Os
consumidores estão vinculados por uma relação jurídica base. Fazem
parte de uma
única categoria que fizeram um contrato com o fornecedor.
Vamos entender um pouco mais. Quem
são os legitimados para a
propositura de ações de tutela coletiva do Direito do Consumidor? A
regra é a
seguinte: quem tem legitimidade para propor ações para o Direito do
Consumidor
também terá para outras questões. Esses legitimados podem propor ações
de
tutela coletiva de outros direitos.
Quem colocaríamos no topo da lista? O
Ministério Público,
claro. Art. 129 da Constituição, e art. 5º da Lei 7347/1985, a famosa
Lei de
Ação Civil Pública. Quando o Ministério Público terá legitimidade para
propor
uma ação buscando, visando à tutela coletiva? Em três situações.
Simplificando, o Ministério Público
atua sempre que houver
relevante interesse público. Seja em razão do objeto, da repercussão da
questão, então quando houver um grande interesse da sociedade na tutela
de um
determinado direito, esse interesse é que legitimará a ação do
Ministério
Público. Mas como classificar de maneira objetiva? Não existe esse
critério
objetivo. É por isso que há quem diga que o Ministério Público é
enxerido,
chato, que se mete em tudo. Mas a ação do Ministério Público é
subjetiva.
Quando o promotor entender que deve agir, ele age. Mas é com base
efetivamente
no achismo, no subjetivismo, de acordo com a repercussão do caso.
Além do Ministério Público, quem mais
tem legitimidade para
propor ações de tutela coletiva de direitos? Defensoria Pública.
Existia uma discussão
muito grande, antigamente, sobre a existência ou não de legitimidade da
Defensoria Pública para ajuizar ações da tutela de direitos coletivos.
A Defensoria
só tinha legitimidade para o quê? Para promover, ou patrocinar, mas não
para iniciar uma ação.
Essa era a discussão do passado. Se por acaso houver algum tipo de
pessoa
física ou jurídica que não tenha condições econômicas para sustentar
uma
demanda de tutela coletiva, a Defensoria Pública poderia ajuizar, mas
simplesmente
na qualidade de defensora do réu, mas nunca do autor, porque ele que
inicia a
ação. Isso não existe mais hoje. Ampliou-se o rol do art. 5º da Lei de
Ação
Civil Pública. Ele não trazia a Defensoria como legitimada. Uma reforma
fez que
se incluísse a Defensoria Pública no rol desse art. 5º. Então,
tratando-se da
defesa daqueles que são comprovadamente pobres, sem condições de
sustentar uma
lide, então a Defensoria Pública pode, inclusive, dar início a uma ação
de
tutela coletiva. O que significa dizer que a Defensoria Pública hoje
age como
se fosse o Ministério Público com uma ressalva: para os que são
declarada e
comprovadamente pobres.
E existe uma questão: então a
Defensoria Pública não
concorre com o Ministério Público? Não. A competência do Ministério
Público não
é exclusiva. Não existe exclusividade para a competência do Ministério
Público.
Em nenhum lugar está dito que somente ele pode ajuizar ações de tutela
coletiva. Se fosse o caso, poderíamos falar em concorrência ilegal.
Quem mais tem legitimidade? As
associações constituídas há
mais de um ano, mas com uma ressalva: desde que a defesa do consumidor
esteja
prevista em seu estatuto, e seja um fim da associação. A questão é: no
que diz
respeito à defesa do consumidor, se não estiver no estatuto, isso é
inderrogável;
a associação não poderá acionar. Todavia, quanto à constituição há mais
de um
ano já existe jurisprudência contrária. O STJ já decidiu que, se a
associação
for séria, idônea, com fundos suficientes, mesmo que não esteja
constituída há
mais de um ano, ela poderá ajuizar ação civil pública. Isso é
entendimento
jurisprudencial do STJ ainda não consolidado. Carro chefe dessa decisão
foi o
Ministro Herman Benjamin, que também tem suas associações de defesa do
consumidor. Essa quebra no entendimento legal já existe. Não temos
posição
majoritária ainda. Mantemos, para
a prova,
então, que a associação tem que estar constituída há mais de um ano.
Quem mais tem legitimidade? Entes
políticos e órgãos da
Administração Pública. Quem são eles mesmo? União, estados, municípios
e
Distrito Federal. A União tem legitimidade para ajuizar uma ação em
prol do
consumidor. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor. Art.
5º, inciso XXXII:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; |
O mesmo para estados e municípios. E
os órgãos da
Administração Pública? Qualquer órgão pode? Não. Só aqueles que são
destinados
para tanto. Tem que haver a pertinência temática. Ibama tem, por
exemplo. Mas o
mais eminente é o Procon. Os Procons estaduais estão geralmente ligados
às
secretarias de justiça dos estados. E o Procon tem legitimidade para
ajuizar
uma ação na defesa do consumidor. Mas é estranhíssimo: existe
personalidade
jurídica desses órgãos? Não. Então como podem fazer? Procon não tem
personalidade jurídica própria! Órgãos da Administração Direta não têm
personalidade jurídica. Estamos diante de uma exceção! Mesmo sem
personalidade
podem ajuizar ações. Questão excepcionalíssima,
exceção suprema.
Efeitos da
coisa
julgada em tutela coletiva
Temos dois possíveis efeitos: erga omnes, ou ultra
partes.
Quando é que os efeitos da coisa
julgada afetarão a todos?
Quando se tratar de defesa de direitos difusos. Mesmo que haja
indenizações
individuais. Ou também quando tratar-se de direito individual
homogêneo. Então
determinada sentença que tutele o direito difuso terá efeito erga omnes, desde que a ação não seja
julgada improcedente por falta de provas. Na tutela de direitos
individuais
homogêneos o efeito também é erga omnes.
E nos direitos coletivos? O efeito é ultra partes, porque só afeta aquela
categoria. Quando se tutela um
direito coletivo strictu sensu, o
efeito da sentença só vale para quem está dentro da categoria, para
quem tem
uma relação jurídica base vinculativa. Não afetará a todos.
Cuidado com esse efeito erga
omnes no que diz respeito aos direitos individuais
homogêneos. Por quê?
Vamos tentar agora entender processualmente como funciona esse efeito erga omnes quando há direitos
individuais homogêneos.
Primeira coisa: quando falamos que
existe um direito
individual, então existe um direito divisível. Cada indivíduo poderia,
sozinho,
individualmente, promover a ação. Se por acaso um carro da Chevrolet
apresenta
um defeito, esse defeito de fábrica afetará vários consumidores. Mas,
em
virtude dele, fiquei no meio da rua e perdi um compromisso seríssimo.
Tenho um
dano individual meu. Em virtude desse defeito, outra pessoa acabou
batendo o
carro. Origem comum dos danos: o defeito.
Posso ingressar com a ação em virtude
dos danos que sofri.
Posso ir atrás da minha indenização específica. A pessoa que ajuizou
por causa
do mesmo defeito também pode, individualmente em juízo, buscar o valor
que
entende de direito.
Então temos duas pessoas, A e B
ajuizando. Uma pede R$ 1.000,00,
e outra pede R$ 5.500,00. Mas o Ministério Público, percebendo que
aquele defeito
é gravíssimo e afeta a muita gente, e notando também que existe
relevância
social, decide pelo ajuizamento de uma ação para fazer a tutela
coletiva de
direitos, para tutelar todos que estão sofrendo o dano. Então o MP
ajuíza a
ação pedindo que haja o reconhecimento do dever de indenizar, e,
segundo, que
haja o pagamento a quem sofreu os danos. Temos três ações judiciais que
têm por
fundamento o mesmo objeto. Qual? Defeito no carro. O sujeito A, Zé,
ajuizou sua
própria ação pedindo R$ 1.000,00, e Maria ajuizou a sua, pedindo R$
5.500,00. A
questão toda é: há litispendência? Olhem que interessante: o MP também
não
representa o Zé? Zé faz parte da sociedade. E também a Maria. Partes
iguais,
causa de pedir iguais, e pedidos iguais! Então haveria litispendência.
Mas não
é assim que funciona na tutela coletiva. Não
há litispendência. Haverá três processos.
Mas o que Zé e Maria podem fazer?
Tendo em vista que o
Ministério Público ajuizou a ação coletiva, eles podem pedir a suspensão do processo. Em que prazo? Num
prazo de 30 dias a partir do momento em que tomaram ciência de que o MP
ajuizou
a ação. Publica-se no Diário da Justiça de que o Ministério Público
ajuizou uma
ação de tutela coletiva. Nisso, eles terão 30 dias. Se pedirem a
suspensão, o
processo movido pelo MP irá correr, o juiz reconhecerá o dever de
indenizar, e,
aí, quando houver a necessidade de pagamento, o que Zé e Maria poderão
fazer? Aproveitar-se-ão
desta sentença, que reconheceu o dever de indenizar, o chamado an debeatur, e promoverão somente a
liquidação. Não precisarão mais passar pela fase de conhecimento, pois
ela já
foi definida na ação do MP. Ao reconhecer o dever de indenizar, poderão
pedir a
reabertura dos processos individuais deles e já requerer a liquidação.
Na
liquidação, decide-se o quantum debeatur.
E por que podem se aproveitar dessa sentença? Porque houve a tutela de
um
direito individual homogêneo. Vejam as indenizações. O efeito da
sentença é erga omnes. Então eles
se aproveitam
dessa sentença.
Existe uma hipótese em que eles não
irão se aproveitar dessa
sentença? Existe: se não pedirem a suspensão no prazo de 30 dias. Neste
caso,
haverá três processos diferentes, em que poderão existir três decisões
diferentes. Os juízes podem ser diferentes, e o reconhecimento do dever
de
indenizar pode não ocorrer num dos juízos.
E se Zé e Maria não tiverem ajuizado nenhuma ação individual? Eles tiveram prejuízos individuais. O que eles podem fazer? Podem se habilitar nesse processo depois que o Ministério Público já tiver ganhado a ação. Se houver o reconhecimento do dever de indenizar, eles se habilitarão no processo. Tornar-se-ão partes e, aí, só irão liquidar. O que eles terão que provar? O nexo de causalidade, o defeito reconhecido pelo juiz é o defeito que a eles atingiu e existe o dano. Isso depois de reconhecido o dever de indenizar. Se se habilitarem antes de reconhecido o dever de indenizar, antes da sentença, aí sim eles não poderão ajuizar suas próprias ações individuais.