Direito do Consumidor

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tutela coletiva – conclusão


Na aula de ontem começamos a trabalhar com a tutela coletiva. Vamos lembrar para continuar. Trabalhamos com conceitos básicos, os previstos no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. A tutela coletiva não exclui a individual. Vimos os interesses difusos, interesses coletivos strictu sensu, e os interesses individuais homogêneos. Então já temos hoje, em mente, em cada situação, se o caso em análise busca a tutela de um direito difuso, de um direito coletivo ou de um direito individual homogêneo.

Digamos que um carro saia com defeito de determinada fábrica. O Ministério Público ajuíza uma ação que visa à tutela coletiva, em que o órgão pede que seja realizado o recall. Este é o pedido do MP: pede judicialmente a realização do recall. De que espécie de tutela coletiva que se trata? A quem atingirá? Qual é o fundamento para informar qual é a tutela buscada é direito coletivo? A existência de uma relação jurídica base, um contrato. Qual é a relação jurídica base para essas pessoas que serão afetadas pelo recall? Uma compra e venda. Mas e o pai que comprou o carro para o filho? O filho tem um contrato de compra e venda com a concessionária? Existe relação jurídica base tutelando o filho? Não. Mas o filho é quem anda com o carro e é quem buscará a concessionária para arrumar. A relação jurídica base que prende o filho à concessionária é nenhuma, portanto. Exclui-se a relação jurídica base mas equipara-se o filho a consumidor. Significa que o pedido do MP afetará a todos, independentemente de existir uma relação jurídica base.

O pedido é que se faça o recall, e não que se paguem as indenizações devidas. Somente o recall. Significa que, se não conseguimos individualizar obrigações e responsabilidades civis, só resta uma coisa: que o direito tutelado é difuso! Não temos a relação jurídica base que prende as pessoas. Não podemos individualizar obrigações.

Imaginem um contrato padrão e vários consumidores. Do outro lado da relação temos o fornecedor. Observando tudo há o Ministério Público. Notando um defeito, este faz o pedido de recall. O fornecedor fez contrato com esses consumidores. Qual é o objeto? Um veículo. É o objeto da relação. Qual o pedido do Ministério Público? Só esse, que se faça o recall. Pergunta: o recall irá abranger só os consumidores que realizaram um contrato, que estão vinculados por uma relação jurídica base com o fornecedor, ou será que existem outros consumidores que não realizaram o contrato e não estão presos a uma relação jurídica base, mas que adquiram o carro? Se a iniciativa do Ministério Público só abrangesse os consumidores que têm a relação jurídica base, o direito seria coletivo. Mas há outros consumidores, equiparados na forma do art. 17 do CDC, como aqueles que adquiriram o carro indiretamente. Temos então a proteção a direitos difusos.

O pedido do recall irá albergar todos os consumidores, mesmo os que receberam o carro por doação! Então é um direito difuso que está sendo tutelado.

Agora imagine que o pedido do Ministério Público é que se faça o recall e se pague a indenização pelo defeito. Esse pedido abrange somente quem tem uma relação jurídica base com o fornecedor? Não, porque o recall por si só já abrangerá mais gente do que os que celebraram contrato com a fornecedora. E o pagamento da indenização pelo defeito? Existe uma origem comum que vincularia todos esses consumidores? Existe. Adquirir o mesmo carro, com o mesmo defeito. Se então existe o pedido para indenizar individualmente cada consumidor e se esses consumidores estão vinculados entre si por uma origem comum, então trata-se de uma tutela de um direito individual homogêneo.

Agora, removendo a indenização e deixando só o recall, temos um direito difuso, como já falamos. E se o pedido for: que se pague à associação de donos de veículos que ajuizou a ação por conta deste defeito. Qual é o interesse tutelado? Quem não está dentro da associação não irá receber. Os consumidores estão vinculados por uma relação jurídica base. Fazem parte de uma única categoria que fizeram um contrato com o fornecedor.

Vamos entender um pouco mais. Quem são os legitimados para a propositura de ações de tutela coletiva do Direito do Consumidor? A regra é a seguinte: quem tem legitimidade para propor ações para o Direito do Consumidor também terá para outras questões. Esses legitimados podem propor ações de tutela coletiva de outros direitos.

Quem colocaríamos no topo da lista? O Ministério Público, claro. Art. 129 da Constituição, e art. 5º da Lei 7347/1985, a famosa Lei de Ação Civil Pública. Quando o Ministério Público terá legitimidade para propor uma ação buscando, visando à tutela coletiva? Em três situações.

  1. Primeira: quando houver manifesto interesse social;
  2. Segunda: em razão da relevância do objeto;
  3. Terceira: ou quando esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico.

Simplificando, o Ministério Público atua sempre que houver relevante interesse público. Seja em razão do objeto, da repercussão da questão, então quando houver um grande interesse da sociedade na tutela de um determinado direito, esse interesse é que legitimará a ação do Ministério Público. Mas como classificar de maneira objetiva? Não existe esse critério objetivo. É por isso que há quem diga que o Ministério Público é enxerido, chato, que se mete em tudo. Mas a ação do Ministério Público é subjetiva. Quando o promotor entender que deve agir, ele age. Mas é com base efetivamente no achismo, no subjetivismo, de acordo com a repercussão do caso.

Além do Ministério Público, quem mais tem legitimidade para propor ações de tutela coletiva de direitos? Defensoria Pública. Existia uma discussão muito grande, antigamente, sobre a existência ou não de legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ações da tutela de direitos coletivos. A Defensoria só tinha legitimidade para o quê? Para promover, ou patrocinar, mas não para iniciar uma ação. Essa era a discussão do passado. Se por acaso houver algum tipo de pessoa física ou jurídica que não tenha condições econômicas para sustentar uma demanda de tutela coletiva, a Defensoria Pública poderia ajuizar, mas simplesmente na qualidade de defensora do réu, mas nunca do autor, porque ele que inicia a ação. Isso não existe mais hoje. Ampliou-se o rol do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública. Ele não trazia a Defensoria como legitimada. Uma reforma fez que se incluísse a Defensoria Pública no rol desse art. 5º. Então, tratando-se da defesa daqueles que são comprovadamente pobres, sem condições de sustentar uma lide, então a Defensoria Pública pode, inclusive, dar início a uma ação de tutela coletiva. O que significa dizer que a Defensoria Pública hoje age como se fosse o Ministério Público com uma ressalva: para os que são declarada e comprovadamente pobres.

E existe uma questão: então a Defensoria Pública não concorre com o Ministério Público? Não. A competência do Ministério Público não é exclusiva. Não existe exclusividade para a competência do Ministério Público. Em nenhum lugar está dito que somente ele pode ajuizar ações de tutela coletiva. Se fosse o caso, poderíamos falar em concorrência ilegal.

Quem mais tem legitimidade? As associações constituídas há mais de um ano, mas com uma ressalva: desde que a defesa do consumidor esteja prevista em seu estatuto, e seja um fim da associação. A questão é: no que diz respeito à defesa do consumidor, se não estiver no estatuto, isso é inderrogável; a associação não poderá acionar. Todavia, quanto à constituição há mais de um ano já existe jurisprudência contrária. O STJ já decidiu que, se a associação for séria, idônea, com fundos suficientes, mesmo que não esteja constituída há mais de um ano, ela poderá ajuizar ação civil pública. Isso é entendimento jurisprudencial do STJ ainda não consolidado. Carro chefe dessa decisão foi o Ministro Herman Benjamin, que também tem suas associações de defesa do consumidor. Essa quebra no entendimento legal já existe. Não temos posição majoritária ainda. Mantemos, para a prova, então, que a associação tem que estar constituída há mais de um ano.

Quem mais tem legitimidade? Entes políticos e órgãos da Administração Pública. Quem são eles mesmo? União, estados, municípios e Distrito Federal. A União tem legitimidade para ajuizar uma ação em prol do consumidor. O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Art. 5º, inciso XXXII:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

O mesmo para estados e municípios. E os órgãos da Administração Pública? Qualquer órgão pode? Não. Só aqueles que são destinados para tanto. Tem que haver a pertinência temática. Ibama tem, por exemplo. Mas o mais eminente é o Procon. Os Procons estaduais estão geralmente ligados às secretarias de justiça dos estados. E o Procon tem legitimidade para ajuizar uma ação na defesa do consumidor. Mas é estranhíssimo: existe personalidade jurídica desses órgãos? Não. Então como podem fazer? Procon não tem personalidade jurídica própria! Órgãos da Administração Direta não têm personalidade jurídica. Estamos diante de uma exceção! Mesmo sem personalidade podem ajuizar ações. Questão excepcionalíssima, exceção suprema.
 

Efeitos da coisa julgada em tutela coletiva

Temos dois possíveis efeitos: erga omnes, ou ultra partes.

Quando é que os efeitos da coisa julgada afetarão a todos? Quando se tratar de defesa de direitos difusos. Mesmo que haja indenizações individuais. Ou também quando tratar-se de direito individual homogêneo. Então determinada sentença que tutele o direito difuso terá efeito erga omnes, desde que a ação não seja julgada improcedente por falta de provas. Na tutela de direitos individuais homogêneos o efeito também é erga omnes.

E nos direitos coletivos? O efeito é ultra partes, porque só afeta aquela categoria. Quando se tutela um direito coletivo strictu sensu, o efeito da sentença só vale para quem está dentro da categoria, para quem tem uma relação jurídica base vinculativa. Não afetará a todos.

Cuidado com esse efeito erga omnes no que diz respeito aos direitos individuais homogêneos. Por quê? Vamos tentar agora entender processualmente como funciona esse efeito erga omnes quando há direitos individuais homogêneos.

Primeira coisa: quando falamos que existe um direito individual, então existe um direito divisível. Cada indivíduo poderia, sozinho, individualmente, promover a ação. Se por acaso um carro da Chevrolet apresenta um defeito, esse defeito de fábrica afetará vários consumidores. Mas, em virtude dele, fiquei no meio da rua e perdi um compromisso seríssimo. Tenho um dano individual meu. Em virtude desse defeito, outra pessoa acabou batendo o carro. Origem comum dos danos: o defeito.

Posso ingressar com a ação em virtude dos danos que sofri. Posso ir atrás da minha indenização específica. A pessoa que ajuizou por causa do mesmo defeito também pode, individualmente em juízo, buscar o valor que entende de direito.

Então temos duas pessoas, A e B ajuizando. Uma pede R$ 1.000,00, e outra pede R$ 5.500,00. Mas o Ministério Público, percebendo que aquele defeito é gravíssimo e afeta a muita gente, e notando também que existe relevância social, decide pelo ajuizamento de uma ação para fazer a tutela coletiva de direitos, para tutelar todos que estão sofrendo o dano. Então o MP ajuíza a ação pedindo que haja o reconhecimento do dever de indenizar, e, segundo, que haja o pagamento a quem sofreu os danos. Temos três ações judiciais que têm por fundamento o mesmo objeto. Qual? Defeito no carro. O sujeito A, Zé, ajuizou sua própria ação pedindo R$ 1.000,00, e Maria ajuizou a sua, pedindo R$ 5.500,00. A questão toda é: há litispendência? Olhem que interessante: o MP também não representa o Zé? Zé faz parte da sociedade. E também a Maria. Partes iguais, causa de pedir iguais, e pedidos iguais! Então haveria litispendência. Mas não é assim que funciona na tutela coletiva. Não há litispendência. Haverá três processos.

Mas o que Zé e Maria podem fazer? Tendo em vista que o Ministério Público ajuizou a ação coletiva, eles podem pedir a suspensão do processo. Em que prazo? Num prazo de 30 dias a partir do momento em que tomaram ciência de que o MP ajuizou a ação. Publica-se no Diário da Justiça de que o Ministério Público ajuizou uma ação de tutela coletiva. Nisso, eles terão 30 dias. Se pedirem a suspensão, o processo movido pelo MP irá correr, o juiz reconhecerá o dever de indenizar, e, aí, quando houver a necessidade de pagamento, o que Zé e Maria poderão fazer? Aproveitar-se-ão desta sentença, que reconheceu o dever de indenizar, o chamado an debeatur, e promoverão somente a liquidação. Não precisarão mais passar pela fase de conhecimento, pois ela já foi definida na ação do MP. Ao reconhecer o dever de indenizar, poderão pedir a reabertura dos processos individuais deles e já requerer a liquidação. Na liquidação, decide-se o quantum debeatur. E por que podem se aproveitar dessa sentença? Porque houve a tutela de um direito individual homogêneo. Vejam as indenizações. O efeito da sentença é erga omnes. Então eles se aproveitam dessa sentença.

Existe uma hipótese em que eles não irão se aproveitar dessa sentença? Existe: se não pedirem a suspensão no prazo de 30 dias. Neste caso, haverá três processos diferentes, em que poderão existir três decisões diferentes. Os juízes podem ser diferentes, e o reconhecimento do dever de indenizar pode não ocorrer num dos juízos.

E se Zé e Maria não tiverem ajuizado nenhuma ação individual? Eles tiveram prejuízos individuais. O que eles podem fazer? Podem se habilitar nesse processo depois que o Ministério Público já tiver ganhado a ação. Se houver o reconhecimento do dever de indenizar, eles se habilitarão no processo. Tornar-se-ão partes e, aí, só irão liquidar. O que eles terão que provar? O nexo de causalidade, o defeito reconhecido pelo juiz é o defeito que a eles atingiu e existe o dano. Isso depois de reconhecido o dever de indenizar. Se se habilitarem antes de reconhecido o dever de indenizar, antes da sentença, aí sim eles não poderão ajuizar suas próprias ações individuais.