Direito do Consumidor

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Princípios do Código de Defesa do Consumidor



O CDC possui 119 artigos, sendo que os 54 primeiros são normas de cunho civil, de direito privado, de efetiva regulamentação. As demais são normas de cunho administrativo, penal e processual. Portanto, os três primeiros capítulos do Código de Defesa do Consumidor são os mais importantes.

Essa primeira parte do Código é fundamental: estabelece conceitos, conceitos básicos de consumidor e fornecedor, e é onde trabalhamos, de forma superficial, o conceito de produtos e serviços, para então tratar da defesa do consumidor em juízo. São três capítulos fundamentais.

Na aula de hoje vamos começar a trabalhar com os princípios do Código de Defesa do Consumidor.

Os direitos básicos estabelecidos no art. 6º do CDC estão fundamentados nos princípios. Assim, é muito provável que, quando estivermos lendo os direitos do art. 6º vamos recapitular os princípios. O que está disposto no art. 6º é a normatização dos princípios consagrados na doutrina.
 

Objetivos dos três primeiros capítulos do CDC

Princípios e direitos básicos do consumidor. Isso é o que está nos três primeiros capítulos.

O professor nos passou, na aula passada, que o Código de Defesa do Consumidor é uma lei principiológica. Significa dizer que o CDC estabelece diretrizes de trato. Ou seja, o fornecedor terá que seguir determinados padrões de conduta ao se relacionar com o consumidor. Esses padrões de conduta decorrem dos princípios. Quando o Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seu art. 6º, os direitos básicos do consumidor, ele o faz com fundamento nos princípios. Como sabemos, existem regras e existem princípios.

Diferença básica entre norma regra e norma princípio: a regra é aquilo que ou tudo, ou nada vale. Ou respeita-se a regra, ou desrespeita-se-a. Não existe meio-termo. O princípio não; ele estabelece um padrão de conduta ou um valor social de uma disciplina, ou de uma determinada matéria. Então, os princípios que vamos começar a tratar estabelecem valores sociais de trato entre fornecedor e consumidor.

Muito bem.

Hoje vamos tratar de três princípios básicos que norteiam o Código de Defesa do Consumidor. São eles:

1 – Princípio da boa-fé. art. 4º, inciso III do Código:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

“Sempre com base na boa-fé.” Veja o art. 51, inciso IV:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Tais cláusulas são nulas de pleno direito. Estamos começando a falar de contratos! Novamente temos o CDC mencionando expressamente o princípio da boa-fé. Por isso, a boa-fé é fundamental, um princípio fundamental norteador do Código de Defesa do Consumidor.

A boa-fé tem dois momentos de interpretação. A boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. O que é a boa-fé subjetiva? Para que se analise a boa-fé subjetiva, é necessário analisar a consciência do agente no momento em que ele está se relacionando com o consumidor. Vamos colocar, portanto, o agente como o fornecedor. Temos que saber se o fornecedor está agindo com malícia, com dolo, se de alguma forma está agindo com culpa, ou seja, quando falamos da boa-fé subjetiva, entramos na cabeça dele e buscamos interpretar se ele tem consciência da forma com a qual ele está agindo. Boa-fé subjetiva, então, está vinculada à psicologia, ao dolo, à consciência da conduta. O que poderíamos dizer com isso é que, sob o ponto de vista da boa-fé subjetiva, o fornecedor não tem responsabilidade por prejuízo causado ao consumidor se ele não teve malícia, dolo ou culpa. Veja como o fornecedor poderia ser isentado de responsabilidade se não se conseguisse provar que ele agiu com dolo ou culpa. O fornecedor praticou um ato e prejudicou ou consumidor. Teríamos, portanto, que analisar se ele agiu com dolo ou culpa. Sem aferir, o consumidor ficaria desamparado, já que o fornecedor não teve malícia ou má-fé, ou pelo menos elas não foram comprovadas.

O que acontece e como é vista a boa-fé hoje em dia? A boa-fé, antigamente, era vista sob o ponto de vista subjetivo. Só se poderia dizer que uma pessoa desrespeitou o princípio da boa-fé se se provasse que ela agiu com dolo, culpa, querendo prejudicar. Hoje em dia o que prevalece é a boa-fé objetiva. Hoje alguém pode violar o princípio da boa-fé inconscientemente. Alguém pode desrespeitar um direito de um consumidor sem mesmo saber que o está fazendo. Como isso funciona? É bem simples.

Existe um padrão ético de conduta que tem que ser respeitado por todos os fornecedores. Hoje, o homem médio, ou o fornecedor enquanto homem médio, tem que saber tratar o consumidor. Existe um padrão de conduta exigido do fornecedor. Se houver um desvio desse padrão de conduta, não importa se o fornecedor agiu com dolo, com culpa, se tinha ou não malícia; se houver o desvio do padrão de conduta, haverá violação ao princípio da boa-fé.

Hoje sabemos como temos que ser tratados. Hoje qualquer fornecedor sabe como se deve tratar o consumidor. Se ele se desviar desse caminho, desse padrão de conduta, ele estará, provavelmente, violando o princípio da boa-fé.

Pois bem.

Não importa hoje, para o Direito do Consumidor, para o princípio da boa-fé, indagar ou investigar se o fornecedor tinha malícia, se tinha consciência que estava causando prejuízo. Isso não importa. A boa-fé não é mais vista em seu aspecto subjetivo. Hoje sabemos se aquele fornecedor se desviou, ou se ele violou o princípio da boa-fé simplesmente analisando o comportamento dele. Se não é igual ao dos outros fornecedores, então ele não está agindo com deveria agir. Obviamente, se o comportamento não for igual ao dos outros fornecedores e se ele estiver causando prejuízo.

O Código de Defesa do Consumidor vê a boa-fé sob o ponto de vista objetivo. O Código Civil também o vê sob o aspecto objetivo.

E quem irá fazer a análise valorativa sobre o comportamento do fornecedor? Duas pessoas. O juiz, provocado pelo consumidor. "Excelência! Hoje, para o Código de Defesa do Consumidor, não importa mais a malícia, o dolo, a culpa. Hoje a boa-fé é vista sob o aspecto objetivo! Ele se desviou do padrão de conduta, do fornecedor homem médio, prejudicando meu cliente." Assim violou a boa-fé objetiva.

A boa-fé também possui funções. ¹
 

Funções da boa-fé

Primeira delas: função integrativa. A boa-fé é fonte de direitos acessórios, direitos anexos. Como assim? Quando contratamos com o fornecedor, quando compramos determinado produto, o objeto da negociação é o produto. É só pagar e receber o produto. Esse é o objeto da negociação. Existe uma obrigação, claro, de pagar, e outra, de entregar a coisa, ou prestar o serviço. Está e a obrigação principal. Mas a boa-fé estabelece outras obrigações, que são acessórias a essa obrigação principal. Além de pagar, deve-se ser honesto ao pagar. Agir com lealdade, com honestidade. Além de o fornecedor entregar o contratado ao consumidor e prestar um determinado serviço, ao estabelecer essa negociação, o fornecedor passará a ter outras obrigações, quais sejam: de ser honesto e leal. Essas obrigações acessórias, tais como a lealdade, honestidade, ausência de malícia são obrigações acessórias.

O fornecedor não poderá dizer: “entrego-te um carro. Tome! Mas tu me pagas 100 prestações de 450 mil reais.” A obrigação principal foi cumprida, mas as acessórias não. Por isso, o juiz poderá mitigar o princípio do pacta sunt servanda, justamente pela não observância às obrigações acessórias. As funções acessórias decorrem da função integrativa da boa-fé. E pode fazer isso de ofício. Por que mesmo? Porque as normas consumeristas são normas de ordem pública. E a boa-fé é uma norma do Código de Defesa do Consumidor. Art. 4º, inciso III, e art. 51, inciso IV, como acabamos de ler. A função integrativa é uma função da boa-fé, portanto o juiz pode proceder de ofício.

Lembrem-se que quem conduz o barco é o advogado. O juiz fica ali sentadinho. Dificilmente o juiz procurará chifre em cavalo. Pode, mas não necessariamente o fará, então o advogado deverá apontar onde estão as desproporcionalidades.

Segunda função da boa-fé: a função interpretativa. Pela função interpretativa, ao juiz e àqueles que estão vinculados ao contrato é proibido interpretar a avença de forma maliciosa, tendenciosa, de uma maneira que possa causar prejuízo ao consumidor. Além da função integrativa temos a função interpretativa. Se estivermos diante de uma cláusula que possa, em sua interpretação, prejudicar o consumidor, ela terá que ser interpretada de forma contrária. Não se pode estabelecer uma cláusula dúbia, que causa confusão àquele que está submetido ao contrato. A função interpretativa da boa-fé é importante porque na maioria das vezes os contratos são elaborados pelo fornecedor, já que são, quase todos, de adesão. Significa que é possível que o fornecedor coloque no contrato disposições que só interessem a ele. Tratam-se de questões que, ao serem interpretadas, podem prejudicar o consumidor. Pela função interpretativa proíbe-se a interpretação maliciosa. O juiz sempre interpretará o contrato visualizando os direitos do consumidor. E, novamente, se um contrato for interpretado pelo fornecedor de forma tendenciosa e maliciosa, os efeitos dessa interpretação maliciosa poderão ser anulados pelo juiz e a interpretação correta da cláusula poderá ser colocada pelo próprio juiz. Ou, ainda, se não for possível uma interpretação benéfica, compatível com a boa-fé, a cláusula poderá ser anulada, ou revogada. Veremos mais para frente a anulação e a revogação.

Observação: o Procon, pela Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85), tem poder para ajuizar ações. Mas não presta serviços vinculados a um produto específico, ou a alguma prestação específica. A Aneel é uma agência administrativa reguladora. A quem compete estabelecer multas caso a CEB descumpra um direito do consumidor? Compete à agência encarregada de fiscalizar. Mas a Aneel não consegue desempenhar esse papel de forma preponderante em todos os Estados. Daí ela se aproveita de outros órgãos que possam fazer isso por ela. Por exemplo, o Procon! Mas, originariamente, não pertence ao Procon essa iniciativa. Não é função do Procon aplicar multa.

Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE: existe uma defesa horizontal e uma defesa vertical da economia. Quando se trabalha com propriedade intelectual, marcas, patentes e defesa da concorrência, evitando práticas caracterizadoras da concorrência desleal, atua-se, se de acordo com o a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/96), de forma horizontal: impedir a Pepsi de usar a marca da Coca-Cola. Presumem-se em igualdade de condições as empresas envolvidas. O CADE atua em primeira instância para proteger a concorrência. E pode intervir no aspecto vertical em última instância porque, se se protege a Coca-Cola contra a Pepsi, protege-se o consumidor contra o monopólio, e o consumidor é hipossuficiente em relação às grandes empresas de refrigerantes.

Terceira função: a função de controle. Pela função de controle, o juiz pode modificar ou revisar cláusulas contratuais. A função de controle funciona em dois momentos: o primeiro da função de controle é o momento anterior ao contrato, e o segundo é o posterior ao contrato. O momento anterior funciona da seguinte forma: existe, pela função de controle, um limite ao exercício de direitos subjetivos. Pela função de controle da boa-fé, o fornecedor, ao estabelecer um contrato, ou ao elaborar um, que via de regra são de adesão, não poderá colocar determinadas cláusulas. Quais são as cláusulas que o fornecedor não pode colocar no contrato? Dúbias, abusivas, e cláusulas que, de alguma forma, possam, injustificadamente, prejudicar o consumidor. A função de controle estabelecida pela boa-fé, neste primeiro momento, impõe limites ao exercício de direitos subjetivos. O fornecedor não é completamente livre para elaborar o contrato. Ele possui determinadas restrições. Esse é o primeiro momento.

O segundo momento é: depois de elaborada uma cláusula abusiva pelo fornecedor, o juiz pode declarar essa situação, declarar que o fornecedor assim o fez, então revisará ou modificará essa cláusula abusiva. Em um primeiro momento a função de controle é realizada antes de se estabelecer o contrato, e outra, depois que o contrato já está pronto e que é posto ao consumidor.

Tanto a função integrativa, quanto a interpretativa, quanto a de controle são analisadas em conjunto. Ao analisar um contrato, uma relação jurídica entre fornecedor e consumidor, o juiz analisará o conjunto: se há lealdade, se há cooperação, se o fornecedor não está agindo de forma tendenciosa, e se o fornecedor não excedeu os limites que lhe são impostos ao elaborar o contrato. Daí a as importantíssimas funções da boa-fé.

Detalhes: essas funções terão sempre que ser analisadas tanto pelo juiz quanto pelo advogado. Isso porque é um princípio, e, como fundamentação normativa, pode-se aproveitar da boa-fé, apontando condutas desconformes com ela. Assim o direito já está escorado. O Art. 4º, inciso III do CDC pode ser invocado neste momento.

Este foi o princípio da boa-fé. É o primeiro princípio!

Junto com ele existe outro princípio fundamental que é o da vulnerabilidade. Mas vamos ver um outro agora.
 

Princípio da transparência

Pelo princípio da transparência, o consumidor tem o direito de ser informado e o fornecedor tem o dever de informar. O alimento contém glúten? É obrigatório informar. Todas as características devem ser informadas pelo fornecedor. O fornecedor que não informa, que não repassa para o consumidor todas as características e informações necessárias sobre o produto está descumprindo com o dever de informar. Princípio da transparência = dever de informar.

Há alguns produtos em que o dever de informar é mais pesado, e o princípio da transparência é mais rigoroso. Vemos isso nos agrotóxicos, em venenos para rato, que têm que apresentar um destaque maior na informação de que são produtos tóxicos. Deve haver destaque de forma que não cause confusão. Quando se trata de produto nocivo à saúde, a fiscalização sobre essa informação é muito mais rigorosa. Existem determinadas características de outros produtos que devem constar de forma destacada. Por exemplo: “não contém açúcar.” Ou então, “contém açúcar.” Justamente pelo fato de sabermos que grande parte da população apresenta diabetes, essa informação tem que ser destacada. A nocividade tem que ser destacada. Quando se trata de produto naturalmente nocivo, a própria rotulagem tem que ser destacada.

 

Princípio da confiança

Pelo princípio da confiança, o fornecedor deve atender às legítimas expectativas do consumidor. Quando falamos em legítima expectativa, o que queremos dizer é que, ao comprar algo, temos a expectativa de que o produto irá funcionar e não irá arrebentar nada em minha casa, e que não irá explodir. Se por um caso for frustrada essa legítima expectativa, então haverá violação ao princípio da confiança. E a relação de consumo é baseada na confiança que se estabelece entre consumidor e fornecedor, principalmente pelo fato de aquele ser uma pessoa leiga com relação ao produto que está adquirindo. O consumidor não sabe todas as características e funcionalidades, não conhece o produto a fundo. Quem compra um iPad compra porque “confia na Maçã”.

Atenção: expectativas devem ser legítimas. Não se pode esperar que o iPad vá coar café. Com esse exemplo podemos entender a ideia do que seja a legítima expectativa.


  1. Depois daqui o professor falou algo sobre redes sociais. Como revisei esta nota mais de um mês depois da aula, acabei esquecendo o que era.