Antes de
começarmos, vamos a uma curiosidade sobre a atuação do Procon: foi
comentada a
competência originária de aplicar multas. Decisão relativamente recente
do STJ:
existe uma ideia conflitante entre agências reguladoras e Procon. Tem
este legitimidade
para aplicar multas, ou estaria usurpando a competência das agências
reguladoras? A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu
que a General
Motors do Brasil não precisa pagar diferentes multas pelo mesmo motivo.
O
problema ocorreu com os modelos Corsa e Tigra, com o sistema de
ancoragem.
O que
temos?
Dois entes administrativos, o DPDC – Departamento Nacional de Defesa do
Consumidor e o Procon aplicando multas pelo mesmo fato. E a
legitimidade do Procon para aplicar multas? De acordo com esta decisão do STJ, não
podemos ter
um bis in idem administrativo. Isso
podemos extrair e levar para a área das agências reguladoras. O que
aconteceria no caso delas? Se a Anatel aplica uma multa a uma empresa
de
telefonia, e, pelo mesmo fato o Procon também aplica uma multa,
teríamos
duplicidade de multas administrativas.
O
problema é que
a segunda turma do STJ julgou em sentido contrário outra causa.
Reiterou a
legitimidade do Procon para aplicar multas administrativas, mesmo
diante de uma
multa aplicada pela própria agência reguladora. O Procon aplicou uma
multa, que
se converteu em um fundo chamado de fluid
recovery, um fundo criado com as class
actions americanas, para os casos em que determinado agente
causa um dano a
um número muito grande de pessoas, portanto difícil de identificar cada
uma e
precisar o valor da reparação.
Pois bem,
a agência
reguladora recorreu. O STJ decidiu que o Procon tem legitimidade para
aplicar a
multa, mesmo em lugar da agência reguladora, caso sua decisão tenha
sido
descumprida. Suponhamos: a empresa de telefonia entrou em acordo,
mediado pelo Procon, com o consumidor. A empresa, depois, deixou de cumprir com sua
parte do
pactuado. Como houve o descumprimento de uma decisão do Procon, este
tem
legitimidade para aplicar a multa, em virtude da decisão descumprida.
Foi nesse
sentido a decisão da Corte Superior.
Como fica
a
questão do bis in idem? O Procon
tem
competência originária para aplicar multas? Não temos como saber agora.
Ministro
Luiz Fux, quando ainda estava no STJ, entendeu que, se há uma agência
reguladora de uma determinada atividade, então é ela quem deve aplicar
a multa.
O Ministro Castro Meira, por outro lado, diz que o Procon tem a
legitimidade,
quando houver descumprimento de suas decisões.
Por isso
há
brigas. No entender do professor, quando temos uma agência reguladora
específica,
compete a esta determinar, fiscalizar, cobrar. Se há uma multa aplicada
por
aquela agência, significa que pertence a ela a competência originária
para
aplicar multas. Neste caso, se o Procon aplica multa, ele usurpa a
função da
agência reguladora. Em última instância a agência reguladora aplica a
multa
para beneficiar o consumidor. Se houver o conflito, o professor
decidiria pela
competência originária da agência reguladora.
Veja o
REsp
1087892 – primeira decisão no site do STJ.
Observação:
estamos falando de agência reguladora. Ao falar de veículos
automotores, não há
órgão responsável pela fiscalização. A competência seria, neste caso,
efetivamente do Procon.
Princípio da confiança – continuação
Falamos
do
princípio da transparência, boa-fé e confiança. Vamos dar sequência.
Ainda em
relação ao princípio da confiança, o consumidor adquire um produto e
confia que
ele servirá para o que espera. Um computador, por exemplo. O consumidor tem a legítima
expectativa. Ele, leigo em regra, não sabe como
funciona o
computador em sua inteireza, mas tem a legítima expectativa que ele
servirá
para o que se propõe. Quando está diante de um anúncio publicitário,
ele cria a
expectativa. E tem confiança de que aquele anúncio contém as
características do
produto. Se alguém faz a publicidade de um computador gerando no
consumidor a
legítima expectativa sobre aquela máquina, a
publicidade necessariamente terá que fazer parte do contrato.
É o princípio vinculativo, derivado
do
princípio da confiança. Significa que a oferta vincula o contrato.
Aquilo que é
ofertado, o que é oferecido ao consumidor necessariamente terá que
fazer parte
de um contrato. A oferta vincula, dessa forma, o contrato. Voltaremos
isso ao
vermos o art. 29 do CDC.
Princípio da vulnerabilidade
Já
estamos
comentando sobre ele há algum tempo. Por quê? Falamos da relação
jurídica entre
consumidor e fornecedor, que não é equilibrada. De um lado temos o
fornecedor,
que se apresenta na relação jurídica como a parte mais forte. Do outro
lado
temos o consumidor que se apresenta como a parte mais frágil, mais
débil, que
conhece menos daquilo que é objeto da contratação. O que é o objeto da
contratação
numa relação de consumo são produtos e serviços. O fornecedor os
conhece mais do
que o consumidor. Daí temos uma relação jurídica desequilibrada.
Esse
desequilíbrio é tão flagrante e importante nas relações de consumo que
os doutrinadores
resolveram estabelecer um princípio, porque tudo que advém do sistema
protetivo
do Código de Defesa do Consumidor decorre desse desequilíbrio. O nome
dado a
isso foi vulnerabilidade. Quando
temos o reconhecimento do desequilíbrio de uma relação jurídica de
consumo,
temos o reconhecimento de que o consumidor é vulnerável nessa relação.
Ele não
está numa posição de igualdade nas relações de consumo. Por essa razão
não
aplicaremos, em tese, o Código Civil, mas o Código de Defesa do
Consumidor,
pois, ao se aplicar a Lei Civil, a premissa é que as partes estão em
posição de
igualdade. Quando temos uma relação desequilibrada, temos o
reconhecimento de
que o consumidor é mais fraco.
Cuidado:
não
confundir vulnerabilidade com hipossuficiência.
Para nós, no Direito do Consumidor, a vulnerabilidade tem um aspecto
mais amplo
que a hipossuficiência. A hipossuficiência está efetivamente vinculada
a
questões sociais e econômicas, ao passo que a vulnerabilidade é mais
ampla,
decorrendo também, entre outras coisas, da relativa falta de sabedoria
jurídica, técnica e de do próprio fato de não ser acostumado a litigar.
Vamos
ver mais para frente. Uma pessoa, um consumidor analfabeto pode ser
classificado como um exemplo clássico de hipossuficiência em sentido
social.
Via de regra, o analfabeto também será economicamente hipossuficiente.
Quando
temos um
consumidor hipossuficiente, temos uma proteção ainda maior para ele.
Todo
consumidor goza de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor. Se o
consumidor é hipossuficiente, a proteção é ainda mais ampla. Por que
todo
consumidor goza de proteção específica? Pelo reconhecimento do
princípio da
vulnerabilidade.
Por isso,
a
vulnerabilidade é inafastável. Todo consumidor, enquanto tal, é
vulnerável.
Isso tem que ser reconhecido para todo consumidor. Quando é vulnerável
e ainda
hipossuficiente, a proteção é ainda maior. Para os hipossuficientes, em
juízo
deve haver a inversão do ônus da prova. Se o consumidor é vulnerável e
hipossuficiente inverte-se o ônus da prova de forma obrigatória, ou
seja, é
mais ampla a proteção para o consumidor que se apresenta como
hipossuficiente.
Mas não é
uma
regra obrigatória aplicada a todos os consumidores? Não! Apesar de, na
prática,
o que se observa é uma inversão a torto e a direito do ônus da prova,
não
deveria ser assim. A regra ainda deveria ser a do Código de Processo
Civil,
insculpida no art. 333:
Art. 333. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. |
Portanto,
vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência. Nem todo
consumidor é
hipossuficiente. A relação jurídica de consumo é desequilibrada. Aquele
que se
apresentar hipossuficiente
terá uma proteção ainda
mais ampla.
Não
confundam com
os requisitos de concessão da justiça gratuita. Para consegui-la, o
autor de
uma ação judicial ou recorrente demonstra que pagar as custas
processuais será
por demais oneroso para suas condições socioeconômicas. E, quando a
lide versa
sobre uma relação de consumo, a demonstração da onerosidade excessiva
pode
levar à inversão do ônus da prova.
Espécies de vulnerabilidade
Há
autores que
citam três, outros quatro. Vamos falar de três.
Vulnerabilidade fática: é a primeira vulnerabilidade. Basicamente,
a vulnerabilidade fática está vinculada à econômica. Podemos dizer que
são praticamente
a mesma coisa, ou seja, o consumidor, em regra, não tem as mesmas
condições
financeiras do fornecedor. O fornecedor prepondera economicamente no
mercado. O
consumidor é membro de uma massa de consumidores. Os produtos
fornecidos são
produzidos em massa, e o fornecedor ganha muito dinheiro, preponderando
economicamente. Então, sob o ponto de vista fático, nós observamos o
consumidor
economicamente com menor poder de ação, frágil. Ele não tem as mesmas
condições
financeiras do fornecedor, excluindo os expoentes de fortuna, como Bill
Gates,
Carlos Slim, Warren Buffet, Eike Batista e outras pessoas não tão
pobres. 0,0001%
da população mundial. Essa é a primeira espécie de vulnerabilidade.
Vulnerabilidade técnica: nós consumidores não sabemos do que é
formado o produto. Além, é claro, de não termos o know-how
de produção. Não temos a expertise do fornecedor. Não
sabemos, enquanto consumidores, como é fabricado o produto, quais as
peças, não
dominamos as informações sobre os produtos e serviços. Não temos este
domínio.
Então, quando colocamos um sujeito que está adquirindo um GalaxyTab diante
de um
engenheiro da Samsung, não temos nem como compará-los. Existe uma
deficiência
muito grande no conhecimento do consumidor. Não sabemos nem se o
produto tem um
problema.
Vulnerabilidade
jurídica: Microsoft e Apple têm departamentos jurídicos relativamente
competentes. A primeira, por exemplo, é grande e bem-sucedida
litigante, em
particular em causas de violação de suas patentes. O fornecedor é o que
chamamos de litigante habitual.
Enquanto estamos diante de um problema que para nós é uma novidade,
para o
fornecedor, aquele problema é habitual. Já sabe como agirá. Já sabe a
lei, a
jurisprudência, o modo de agir em juízo. O fornecedor tem mais
expertise
jurídica do que o próprio consumidor. Esse é o litigante habitual. O
fornecedor
presume-se mais poderoso juridicamente. Tem bancas de advogados
trabalhando
para ele, às vezes exclusivamente.
Outros
falam,
ainda, da vulnerabilidade social, mas não é fácil dissociá-la da
vulnerabilidade fática.
Em todas
as
situações em que houver relação de consumo vamos verificar as três
espécies de
vulnerabilidade sendo aplicadas? Não necessariamente. Eike, muito
embora não
seja expert em design, engenharia e programação de tablets,
não pode ser reputado faticamente vulnerável. Mas isso não
retira dele o caráter de consumidor vulnerável. E se ele quiser
adquirir vários
caminhões para sua empresa de mineração? Iremos depender da aferição da vulnerabilidade
para saber qual legislação será aplicada no caso concreto: Código
Civil ou
Código de Defesa do Consumidor.
O
princípio da
vulnerabilidade é importantíssimo.
Observação:
certas
lojas de eletrodomésticos vendem alguns computadores e notebooks
“low-end”,
nomenclatura comercial utilizada para computadores de configuração mais
modesta, para usuários menos exigentes e que, portanto, também requerem
menos
conhecimento de informática do vendedor para convencer o consumidor.
Até porque
informática não é a especialidade desse tipo de fornecedor que, no
entanto,
adquire um grande número de lotes desses computadores para revender. E,
como
são computadores novos, a maioria deles emprega o sistema operacional
atual da Microsoft,
o Windows 7. Nisso, se um consumidor tiver problemas com o sistema
operacional
e tal problema estiver amparado por uma previsão contratual, ele poderá
acionar
tanto a loja de eletrodomésticos quanto a própria Microsoft,
solidariamente, já
que ambos são fornecedores na cadeia de consumo.
Diferente
é a
situação em que a loja adquire computadores prontos, já com o sistema
operacional
instalado, para uso dela própria, como, por exemplo, para usar como
terminais
de consulta de preço. Neste caso ela é a consumidora final, e não é
especialista em bits & bytes, portanto ela poderá arguir
vulnerabilidade
técnica caso queira ser enquadrada, nessa relação de compra e venda,
como
consumidora. Essa é uma tese defensável em juízo, mas não uma garantia absoluta.
Princípio da equidade
Temos,
primeiramente, que saber as funções da equidade. São duas:
A função
integradora:
quando estamos trabalhando com o Código de Defesa do Consumidor, o que
se busca
é a igualdade material, e não a igualdade formal. O que queremos dizer
com isso
é que, quando estamos diante de uma relação regida pelo Código Civil,
temos a
igualdade formal, ou seja, as partes estão trabalhando em igualdade. As
partes
são iguais. No Código de Defesa do Consumidor, o que se busca é a
igualdade
material, ou igualdade real. Então, presume-se que existe uma relação
desequilibrada entre consumidor e fornecedor, que tem que ser
reequilibrada.
Quando o juiz está diante de um caso concreto, ele tem que buscar a
igualdade
material. E, aplicando-a, o juiz pode fazer o quê? Pode modificar
cláusulas
contratuais, revisar cláusulas contratuais, aplicar, pelo senso de
justiça,
leis análogas. Suponhamos a existência de uma relação de consumo sobre
a qual
não haja lei específica. O juiz pode importar de uma legislação
extravagante ou
internacional um dispositivo para essa relação de consumo específica.
Não temos
no Brasil, então podemos aplicar lei estrangeira. Isso é integrar
uma norma internacional ao sistema brasileiro, no
preenchimento de uma lacuna. Importa-se à jurisprudência brasileira.
Significa
que, pela integração, o juiz não está adstrito às normas específicas do
contrato, à jurisprudência brasileira; ele pode usar o senso de justiça
para
decidir uma questão específica, um caso concreto peculiar. Isso é a
integração,
a função integradora da equidade. É uma lacuna, uma falta de
regulamentação de
algo. Quando existe essa falta de regulamentação, o que o juiz pode
fazer é
integrar, importar uma lei, uma jurisprudência para revisar contratos,
para
modificar contratos de consumo.
Detalhe:
o juiz
não está adstrito às cláusulas contratuais. Pode ser que uma cláusula
esteja
dispondo de determinada maneira, e, com a função integradora, o juiz
revisa ou
modifica essa cláusula. Isso é integração.
Infelizmente
hoje o STJ está se desviando demais do princípio pacta
sunt servanda. Quando equilibramos uma relação jurídica,
preservamos o pacta, só retirando
de
circulação uma cláusula que é injusta. O problema é que, quando, pela
equidade,
acaba-se exagerando, modificando-se metade um contrato, o consumidor
fica mais
forte do que o fornecedor, o que também não pode. O princípio da
equidade deve
ser aplicado com razoabilidade, usando-se do dispositivo importado do
Direito
Alienígena que tenha pertinência. O pacta
sunt servanda ainda norteia o sistema jurídico. O que
acontece dentro do
Código de Defesa do Consumidor é somente uma flexibilização do
princípio. Para
romper um contrato, temos teoria específica para isso: a teoria da
imprevisão. No
Direito Civil, sua invocação é difícil, e precisam-se de fatos fortes
para
ensejá-la. No Código de Defesa do Consumidor não é tão difícil. O que
se tem
feito é flexibilizar demais.
Função corretiva: esta função, na verdade, é efetivamente
o poder conferido ao juiz para revisar cláusulas contratuais ou
modificá-las.
Função corretiva é dizer que o juiz está corrigindo o desvio ou
desequilíbrio
que existe na relação de consumo. Pela função corretiva, o juiz pode
revisar e
modificar cláusulas contratuais. A função integradora é mais ampla que
isso,
então não confunda. Um exemplo bom para colocarmos aqui é o art. 51,
inciso IV
do CDC.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre
outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos
e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; |
Princípio da segurança
Arts. 12
e 14 do
Código.
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor,
nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da
existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem,
fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua utilização e riscos. [...] |
Art.
14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] |
Toda
responsabilidade civil do Código de Defesa do Consumidor decorre do
princípio
da segurança. Não temos que saber agora, neste momento, o que
exatamente é
responsabilidade civil. Adianta-se que seus elementos são conduta, nexo
de causalidade
e dano. Este é o tripé da responsabilidade civil. Não estamos falando
ainda de
responsabilidade civil objetiva ou subjetiva.
O que
significa
dizer então que deve haver dano para que haja responsabilidade civil.
Vamos
entender como funciona a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva.
A
subjetiva ou
extracontratual é a responsabilidade civil que está pautada na culpa latu sensu. Significa que podemos
acrescentar mais um requisito à responsabilidade civil: conduta, culpa, nexo de causalidade e dano. Culpa
latu sensu engloba culpa strictu sensu e dolo. Culpa strictu sensu envolve negligência,
imperícia e imprudência. Se o agente provocar dano, agirá com culpa.
Culpa e
dolo são requisitos da responsabilidade civil subjetiva.
Isso
também se
aplica às relações de consumo? Calma. Vamos ver um exemplo. Uma pessoa
está
dirigindo seu carro, distraída, não observa outra pessoa que está
atravessando fora da faixa de pedestres e atropela-a. Responsabilidade
civil gera o dever
de
indenizar monetariamente, ou seja, dinheiro, grana, cash, tutu,
bufunfa. É uma
responsabilidade civil subjetiva ou objetiva? Vamos analisar o nexo de
causalidade. Digamos que não conseguimos classificar essa conduta do
sujeito
como culpável. Esta é uma deixa para o futuro, para discutirmos quando
melhor
estudarmos no nexo de causalidade.
A
responsabilidade civil subjetiva está baseada na culpa. A teoria da
culpa
explica o dolo, a culpa strictu sensu,
a culpa in vigilando, a culpa in eligendo, in
custodiendo, apesar de serem modalidades que não existem mais
no
Código Civil, existe uma teoria que explica a culpa. A responsabilidade
civil
subjetiva está baseada na teoria da culpa. É o que fundamenta a
responsabilidade civil subjetiva.
E a
responsabilidade civil objetiva? Não está baseada na teoria da culpa. A
responsabilidade civil objetiva está baseada na teoria
do risco. Os fundamentos da responsabilidade civil subjetiva
são diferentes dos da objetiva. Então, ao dizer que existem várias
modalidades
de culpa, falamos em responsabilidade civil subjetiva. Mas na objetiva
temos
outro campo completamente diferente. E existem várias modalidades de
risco.
Risco integral, por exemplo. O que é? Estão presentes a conduta, o nexo
e o dano?
Pronto, terá de pagar. Mas espere! Lembram-se que nos foi dito que se
houver
caso fortuito, força maior, legítima defesa, culpa exclusiva da vítima,
teremos
excludente da própria ilicitude? E que, portanto, não teríamos
responsabilidade
civil? É isso mesmo.
Se, por outro lado, a
responsabilidade civil estiver fundamentada na teoria do risco
integral, não
haverá jeito. Pode alegar caso fortuito ou força maior, legítima defesa
ou
qualquer outra coisa, terá que indenizar de qualquer jeito. Existem
outras
modalidades de risco, mas esta é a teoria extremada.
O ordenamento jurídico brasileiro aplica em alguma hipótese o risco
integral? Sim,
há situações excepcionais em que o sistema jurídico brasileiro aplica a
teoria
do risco integral. Exemplo: Seguro DPVAT. Mesmo se você causar o
acidente, você
tem o direito de ser indenizado.
O sujeito
que
estava trabalhando no décimo andar e pulou terá direito de ser
indenizado pelo
fundo previdenciário. Há dano. Vamos ver isso no futuro.
Estamos
começando a compreender a teoria do risco. Uma das modalidades da
teoria do
risco é a teoria do risco empresarial.
A teoria risco empresarial ou, ainda, a teoria do risco da atividade
empresarial, sinônimos, também fundamentará a responsabilidade civil
objetiva.
Mas é outra teoria que não a do risco integral. Se não é risco
integral,
comporta exceções. Comporta a força maior, o caso fortuito, a culpa
exclusiva
da vítima. Mas a teoria do risco empresarial fundamenta a
responsabilidade
civil objetiva e faz que se aplique o Código de Defesa do Consumidor
para
imputar ao fornecedor a responsabilidade civil. Pauta-se no risco da
atividade.
Foi tema
de duas
questões da penúltima prova da Ordem.
Exemplo:
uma
montadora montou um carro que, ao mexer no cinto de segurança, o
passageiro perdia
dedos. Existe responsabilidade civil do fornecedor? Construir carro é
uma
conduta. Perder os dedos é o dano. Nexo de causalidade também existe,
mas não
vamos comentar ele agora, que é uma questão tormentosa neste caso.
Então existe
responsabilidade civil objetiva. Há o dever de indenizar. Existe alguma
excludente? Culpa exclusiva da vítima? Não. Existe responsabilidade de
terceiros? Não. Então estamos na teoria do risco da atividade. A
montadora
pratica uma atividade que gera risco, que é a construção do carro. O
risco,
aqui, provocou um dano. O comprador perdeu o dedo. O fornecedor terá
que
responder.
Notem que
a
palavra "culpa" (a não ser em “culpa exclusiva da vítima”) passou bem
longe do
último parágrafo.
Agora
prestem
atenção. O fornecedor construiu esse carro que serve de guilhotina. Em
outra
ocasião, o usuário vê que quase perdeu o dedo, mas escapou ileso. Houve
dano?
Não. Não há responsabilidade civil. Isso não significa que não haverá
dever de
indenizar. Mas se dará na tutela coletiva, e não na individual. Para
ser
individualmente indenizado, o dano teria que ser pontual.