Direito do Consumidor

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Princípios da vulnerabilidade, da equidade e da segurança



Antes de começarmos, vamos a uma curiosidade sobre a atuação do Procon: foi comentada a competência originária de aplicar multas. Decisão relativamente recente do STJ: existe uma ideia conflitante entre agências reguladoras e Procon. Tem este legitimidade para aplicar multas, ou estaria usurpando a competência das agências reguladoras? A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a General Motors do Brasil não precisa pagar diferentes multas pelo mesmo motivo. O problema ocorreu com os modelos Corsa e Tigra, com o sistema de ancoragem.

O que temos? Dois entes administrativos, o DPDC – Departamento Nacional de Defesa do Consumidor e o Procon aplicando multas pelo mesmo fato. E a legitimidade do Procon para aplicar multas? De acordo com esta decisão do STJ, não podemos ter um bis in idem administrativo. Isso podemos extrair e levar para a área das agências reguladoras. O que aconteceria no caso delas? Se a Anatel aplica uma multa a uma empresa de telefonia, e, pelo mesmo fato o Procon também aplica uma multa, teríamos duplicidade de multas administrativas.

O problema é que a segunda turma do STJ julgou em sentido contrário outra causa. Reiterou a legitimidade do Procon para aplicar multas administrativas, mesmo diante de uma multa aplicada pela própria agência reguladora. O Procon aplicou uma multa, que se converteu em um fundo chamado de fluid recovery, um fundo criado com as class actions americanas, para os casos em que determinado agente causa um dano a um número muito grande de pessoas, portanto difícil de identificar cada uma e precisar o valor da reparação.

Pois bem, a agência reguladora recorreu. O STJ decidiu que o Procon tem legitimidade para aplicar a multa, mesmo em lugar da agência reguladora, caso sua decisão tenha sido descumprida. Suponhamos: a empresa de telefonia entrou em acordo, mediado pelo Procon, com o consumidor. A empresa, depois, deixou de cumprir com sua parte do pactuado. Como houve o descumprimento de uma decisão do Procon, este tem legitimidade para aplicar a multa, em virtude da decisão descumprida. Foi nesse sentido a decisão da Corte Superior.

Como fica a questão do bis in idem? O Procon tem competência originária para aplicar multas? Não temos como saber agora. Ministro Luiz Fux, quando ainda estava no STJ, entendeu que, se há uma agência reguladora de uma determinada atividade, então é ela quem deve aplicar a multa. O Ministro Castro Meira, por outro lado, diz que o Procon tem a legitimidade, quando houver descumprimento de suas decisões.

Por isso há brigas. No entender do professor, quando temos uma agência reguladora específica, compete a esta determinar, fiscalizar, cobrar. Se há uma multa aplicada por aquela agência, significa que pertence a ela a competência originária para aplicar multas. Neste caso, se o Procon aplica multa, ele usurpa a função da agência reguladora. Em última instância a agência reguladora aplica a multa para beneficiar o consumidor. Se houver o conflito, o professor decidiria pela competência originária da agência reguladora.

Veja o REsp 1087892 – primeira decisão no site do STJ.

Observação: estamos falando de agência reguladora. Ao falar de veículos automotores, não há órgão responsável pela fiscalização. A competência seria, neste caso, efetivamente do Procon.
 

Princípio da confiança – continuação

Falamos do princípio da transparência, boa-fé e confiança. Vamos dar sequência. Ainda em relação ao princípio da confiança, o consumidor adquire um produto e confia que ele servirá para o que espera. Um computador, por exemplo. O consumidor tem a legítima expectativa. Ele, leigo em regra, não sabe como funciona o computador em sua inteireza, mas tem a legítima expectativa que ele servirá para o que se propõe. Quando está diante de um anúncio publicitário, ele cria a expectativa. E tem confiança de que aquele anúncio contém as características do produto. Se alguém faz a publicidade de um computador gerando no consumidor a legítima expectativa sobre aquela máquina, a publicidade necessariamente terá que fazer parte do contrato. É o princípio vinculativo, derivado do princípio da confiança. Significa que a oferta vincula o contrato. Aquilo que é ofertado, o que é oferecido ao consumidor necessariamente terá que fazer parte de um contrato. A oferta vincula, dessa forma, o contrato. Voltaremos isso ao vermos o art. 29 do CDC.
 

Princípio da vulnerabilidade

Já estamos comentando sobre ele há algum tempo. Por quê? Falamos da relação jurídica entre consumidor e fornecedor, que não é equilibrada. De um lado temos o fornecedor, que se apresenta na relação jurídica como a parte mais forte. Do outro lado temos o consumidor que se apresenta como a parte mais frágil, mais débil, que conhece menos daquilo que é objeto da contratação. O que é o objeto da contratação numa relação de consumo são produtos e serviços. O fornecedor os conhece mais do que o consumidor. Daí temos uma relação jurídica desequilibrada.

Esse desequilíbrio é tão flagrante e importante nas relações de consumo que os doutrinadores resolveram estabelecer um princípio, porque tudo que advém do sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor decorre desse desequilíbrio. O nome dado a isso foi vulnerabilidade. Quando temos o reconhecimento do desequilíbrio de uma relação jurídica de consumo, temos o reconhecimento de que o consumidor é vulnerável nessa relação. Ele não está numa posição de igualdade nas relações de consumo. Por essa razão não aplicaremos, em tese, o Código Civil, mas o Código de Defesa do Consumidor, pois, ao se aplicar a Lei Civil, a premissa é que as partes estão em posição de igualdade. Quando temos uma relação desequilibrada, temos o reconhecimento de que o consumidor é mais fraco.

Cuidado: não confundir vulnerabilidade com hipossuficiência. Para nós, no Direito do Consumidor, a vulnerabilidade tem um aspecto mais amplo que a hipossuficiência. A hipossuficiência está efetivamente vinculada a questões sociais e econômicas, ao passo que a vulnerabilidade é mais ampla, decorrendo também, entre outras coisas, da relativa falta de sabedoria jurídica, técnica e de do próprio fato de não ser acostumado a litigar. Vamos ver mais para frente. Uma pessoa, um consumidor analfabeto pode ser classificado como um exemplo clássico de hipossuficiência em sentido social. Via de regra, o analfabeto também será economicamente hipossuficiente.

Quando temos um consumidor hipossuficiente, temos uma proteção ainda maior para ele. Todo consumidor goza de proteção pelo Código de Defesa do Consumidor. Se o consumidor é hipossuficiente, a proteção é ainda mais ampla. Por que todo consumidor goza de proteção específica? Pelo reconhecimento do princípio da vulnerabilidade.

Por isso, a vulnerabilidade é inafastável. Todo consumidor, enquanto tal, é vulnerável. Isso tem que ser reconhecido para todo consumidor. Quando é vulnerável e ainda hipossuficiente, a proteção é ainda maior. Para os hipossuficientes, em juízo deve haver a inversão do ônus da prova. Se o consumidor é vulnerável e hipossuficiente inverte-se o ônus da prova de forma obrigatória, ou seja, é mais ampla a proteção para o consumidor que se apresenta como hipossuficiente.

Mas não é uma regra obrigatória aplicada a todos os consumidores? Não! Apesar de, na prática, o que se observa é uma inversão a torto e a direito do ônus da prova, não deveria ser assim. A regra ainda deveria ser a do Código de Processo Civil, insculpida no art. 333:

Art. 333.  O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único.  É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

O que há são distorções do CDC, invertendo-se sempre, considerando-se todos os consumidores como hipossuficientes. A inversão, a princípio, deve atingir o hipossuficiente. Quando houver verossimilhança nas alegações do consumidor, o juiz também deverá inverter. Vamos ver já, já.

Portanto, vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência. Nem todo consumidor é hipossuficiente. A relação jurídica de consumo é desequilibrada. Aquele que se apresentar hipossuficiente terá uma proteção ainda mais ampla.

Não confundam com os requisitos de concessão da justiça gratuita. Para consegui-la, o autor de uma ação judicial ou recorrente demonstra que pagar as custas processuais será por demais oneroso para suas condições socioeconômicas. E, quando a lide versa sobre uma relação de consumo, a demonstração da onerosidade excessiva pode levar à inversão do ônus da prova.
 

Espécies de vulnerabilidade

Há autores que citam três, outros quatro. Vamos falar de três.

Vulnerabilidade fática: é a primeira vulnerabilidade. Basicamente, a vulnerabilidade fática está vinculada à econômica. Podemos dizer que são praticamente a mesma coisa, ou seja, o consumidor, em regra, não tem as mesmas condições financeiras do fornecedor. O fornecedor prepondera economicamente no mercado. O consumidor é membro de uma massa de consumidores. Os produtos fornecidos são produzidos em massa, e o fornecedor ganha muito dinheiro, preponderando economicamente. Então, sob o ponto de vista fático, nós observamos o consumidor economicamente com menor poder de ação, frágil. Ele não tem as mesmas condições financeiras do fornecedor, excluindo os expoentes de fortuna, como Bill Gates, Carlos Slim, Warren Buffet, Eike Batista e outras pessoas não tão pobres. 0,0001% da população mundial. Essa é a primeira espécie de vulnerabilidade.

Vulnerabilidade técnica: nós consumidores não sabemos do que é formado o produto. Além, é claro, de não termos o know-how de produção. Não temos a expertise do fornecedor. Não sabemos, enquanto consumidores, como é fabricado o produto, quais as peças, não dominamos as informações sobre os produtos e serviços. Não temos este domínio. Então, quando colocamos um sujeito que está adquirindo um GalaxyTab diante de um engenheiro da Samsung, não temos nem como compará-los. Existe uma deficiência muito grande no conhecimento do consumidor. Não sabemos nem se o produto tem um problema.

Vulnerabilidade jurídica: Microsoft e Apple têm departamentos jurídicos relativamente competentes. A primeira, por exemplo, é grande e bem-sucedida litigante, em particular em causas de violação de suas patentes. O fornecedor é o que chamamos de litigante habitual. Enquanto estamos diante de um problema que para nós é uma novidade, para o fornecedor, aquele problema é habitual. Já sabe como agirá. Já sabe a lei, a jurisprudência, o modo de agir em juízo. O fornecedor tem mais expertise jurídica do que o próprio consumidor. Esse é o litigante habitual. O fornecedor presume-se mais poderoso juridicamente. Tem bancas de advogados trabalhando para ele, às vezes exclusivamente.

Outros falam, ainda, da vulnerabilidade social, mas não é fácil dissociá-la da vulnerabilidade fática.

Em todas as situações em que houver relação de consumo vamos verificar as três espécies de vulnerabilidade sendo aplicadas? Não necessariamente. Eike, muito embora não seja expert em design, engenharia e programação de tablets, não pode ser reputado faticamente vulnerável. Mas isso não retira dele o caráter de consumidor vulnerável. E se ele quiser adquirir vários caminhões para sua empresa de mineração? Iremos depender da aferição da vulnerabilidade para saber qual legislação será aplicada no caso concreto: Código Civil ou Código de Defesa do Consumidor.

O princípio da vulnerabilidade é importantíssimo.

Observação: certas lojas de eletrodomésticos vendem alguns computadores e notebooks “low-end”, nomenclatura comercial utilizada para computadores de configuração mais modesta, para usuários menos exigentes e que, portanto, também requerem menos conhecimento de informática do vendedor para convencer o consumidor. Até porque informática não é a especialidade desse tipo de fornecedor que, no entanto, adquire um grande número de lotes desses computadores para revender. E, como são computadores novos, a maioria deles emprega o sistema operacional atual da Microsoft, o Windows 7. Nisso, se um consumidor tiver problemas com o sistema operacional e tal problema estiver amparado por uma previsão contratual, ele poderá acionar tanto a loja de eletrodomésticos quanto a própria Microsoft, solidariamente, já que ambos são fornecedores na cadeia de consumo.

Diferente é a situação em que a loja adquire computadores prontos, já com o sistema operacional instalado, para uso dela própria, como, por exemplo, para usar como terminais de consulta de preço. Neste caso ela é a consumidora final, e não é especialista em bits & bytes, portanto ela poderá arguir vulnerabilidade técnica caso queira ser enquadrada, nessa relação de compra e venda, como consumidora. Essa é uma tese defensável em juízo, mas não uma garantia absoluta.
 

Princípio da equidade

Temos, primeiramente, que saber as funções da equidade. São duas:

  1. Função integradora;
  2. Função corretiva.

A função integradora: quando estamos trabalhando com o Código de Defesa do Consumidor, o que se busca é a igualdade material, e não a igualdade formal. O que queremos dizer com isso é que, quando estamos diante de uma relação regida pelo Código Civil, temos a igualdade formal, ou seja, as partes estão trabalhando em igualdade. As partes são iguais. No Código de Defesa do Consumidor, o que se busca é a igualdade material, ou igualdade real. Então, presume-se que existe uma relação desequilibrada entre consumidor e fornecedor, que tem que ser reequilibrada. Quando o juiz está diante de um caso concreto, ele tem que buscar a igualdade material. E, aplicando-a, o juiz pode fazer o quê? Pode modificar cláusulas contratuais, revisar cláusulas contratuais, aplicar, pelo senso de justiça, leis análogas. Suponhamos a existência de uma relação de consumo sobre a qual não haja lei específica. O juiz pode importar de uma legislação extravagante ou internacional um dispositivo para essa relação de consumo específica. Não temos no Brasil, então podemos aplicar lei estrangeira. Isso é integrar uma norma internacional ao sistema brasileiro, no preenchimento de uma lacuna. Importa-se à jurisprudência brasileira. Significa que, pela integração, o juiz não está adstrito às normas específicas do contrato, à jurisprudência brasileira; ele pode usar o senso de justiça para decidir uma questão específica, um caso concreto peculiar. Isso é a integração, a função integradora da equidade. É uma lacuna, uma falta de regulamentação de algo. Quando existe essa falta de regulamentação, o que o juiz pode fazer é integrar, importar uma lei, uma jurisprudência para revisar contratos, para modificar contratos de consumo.

Detalhe: o juiz não está adstrito às cláusulas contratuais. Pode ser que uma cláusula esteja dispondo de determinada maneira, e, com a função integradora, o juiz revisa ou modifica essa cláusula. Isso é integração.

Infelizmente hoje o STJ está se desviando demais do princípio pacta sunt servanda. Quando equilibramos uma relação jurídica, preservamos o pacta, só retirando de circulação uma cláusula que é injusta. O problema é que, quando, pela equidade, acaba-se exagerando, modificando-se metade um contrato, o consumidor fica mais forte do que o fornecedor, o que também não pode. O princípio da equidade deve ser aplicado com razoabilidade, usando-se do dispositivo importado do Direito Alienígena que tenha pertinência. O pacta sunt servanda ainda norteia o sistema jurídico. O que acontece dentro do Código de Defesa do Consumidor é somente uma flexibilização do princípio. Para romper um contrato, temos teoria específica para isso: a teoria da imprevisão. No Direito Civil, sua invocação é difícil, e precisam-se de fatos fortes para ensejá-la. No Código de Defesa do Consumidor não é tão difícil. O que se tem feito é flexibilizar demais.

Função corretiva: esta função, na verdade, é efetivamente o poder conferido ao juiz para revisar cláusulas contratuais ou modificá-las. Função corretiva é dizer que o juiz está corrigindo o desvio ou desequilíbrio que existe na relação de consumo. Pela função corretiva, o juiz pode revisar e modificar cláusulas contratuais. A função integradora é mais ampla que isso, então não confunda. Um exemplo bom para colocarmos aqui é o art. 51, inciso IV do CDC.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Opa! Incompatíveis com a boa-fé e com a equidade. O juiz procura reequilibrar uma situação desequilibrada. É o que chamamos de igualdade material.
 

Princípio da segurança

Arts. 12 e 14 do Código.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

[...]

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[...]

Toda responsabilidade civil do Código de Defesa do Consumidor decorre do princípio da segurança. Não temos que saber agora, neste momento, o que exatamente é responsabilidade civil. Adianta-se que seus elementos são conduta, nexo de causalidade e dano. Este é o tripé da responsabilidade civil. Não estamos falando ainda de responsabilidade civil objetiva ou subjetiva.

O que significa dizer então que deve haver dano para que haja responsabilidade civil. Vamos entender como funciona a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva.

A subjetiva ou extracontratual é a responsabilidade civil que está pautada na culpa latu sensu. Significa que podemos acrescentar mais um requisito à responsabilidade civil: conduta, culpa, nexo de causalidade e dano. Culpa latu sensu engloba culpa strictu sensu e dolo. Culpa strictu sensu envolve negligência, imperícia e imprudência. Se o agente provocar dano, agirá com culpa. Culpa e dolo são requisitos da responsabilidade civil subjetiva.

Isso também se aplica às relações de consumo? Calma. Vamos ver um exemplo. Uma pessoa está dirigindo seu carro, distraída, não observa outra pessoa que está atravessando fora da faixa de pedestres e atropela-a. Responsabilidade civil gera o dever de indenizar monetariamente, ou seja, dinheiro, grana, cash, tutu, bufunfa. É uma responsabilidade civil subjetiva ou objetiva? Vamos analisar o nexo de causalidade. Digamos que não conseguimos classificar essa conduta do sujeito como culpável. Esta é uma deixa para o futuro, para discutirmos quando melhor estudarmos no nexo de causalidade.

A responsabilidade civil subjetiva está baseada na culpa. A teoria da culpa explica o dolo, a culpa strictu sensu, a culpa in vigilando, a culpa in eligendo, in custodiendo, apesar de serem modalidades que não existem mais no Código Civil, existe uma teoria que explica a culpa. A responsabilidade civil subjetiva está baseada na teoria da culpa. É o que fundamenta a responsabilidade civil subjetiva.

E a responsabilidade civil objetiva? Não está baseada na teoria da culpa. A responsabilidade civil objetiva está baseada na teoria do risco. Os fundamentos da responsabilidade civil subjetiva são diferentes dos da objetiva. Então, ao dizer que existem várias modalidades de culpa, falamos em responsabilidade civil subjetiva. Mas na objetiva temos outro campo completamente diferente. E existem várias modalidades de risco. Risco integral, por exemplo. O que é? Estão presentes a conduta, o nexo e o dano? Pronto, terá de pagar. Mas espere! Lembram-se que nos foi dito que se houver caso fortuito, força maior, legítima defesa, culpa exclusiva da vítima, teremos excludente da própria ilicitude? E que, portanto, não teríamos responsabilidade civil? É isso mesmo.

Se, por outro lado, a responsabilidade civil estiver fundamentada na teoria do risco integral, não haverá jeito. Pode alegar caso fortuito ou força maior, legítima defesa ou qualquer outra coisa, terá que indenizar de qualquer jeito. Existem outras modalidades de risco, mas esta é a teoria extremada.

O ordenamento jurídico brasileiro aplica em alguma hipótese o risco integral? Sim, há situações excepcionais em que o sistema jurídico brasileiro aplica a teoria do risco integral. Exemplo: Seguro DPVAT. Mesmo se você causar o acidente, você tem o direito de ser indenizado.

O sujeito que estava trabalhando no décimo andar e pulou terá direito de ser indenizado pelo fundo previdenciário. Há dano. Vamos ver isso no futuro.

Estamos começando a compreender a teoria do risco. Uma das modalidades da teoria do risco é a teoria do risco empresarial. A teoria risco empresarial ou, ainda, a teoria do risco da atividade empresarial, sinônimos, também fundamentará a responsabilidade civil objetiva. Mas é outra teoria que não a do risco integral. Se não é risco integral, comporta exceções. Comporta a força maior, o caso fortuito, a culpa exclusiva da vítima. Mas a teoria do risco empresarial fundamenta a responsabilidade civil objetiva e faz que se aplique o Código de Defesa do Consumidor para imputar ao fornecedor a responsabilidade civil. Pauta-se no risco da atividade.

Foi tema de duas questões da penúltima prova da Ordem.

Exemplo: uma montadora montou um carro que, ao mexer no cinto de segurança, o passageiro perdia dedos. Existe responsabilidade civil do fornecedor? Construir carro é uma conduta. Perder os dedos é o dano. Nexo de causalidade também existe, mas não vamos comentar ele agora, que é uma questão tormentosa neste caso. Então existe responsabilidade civil objetiva. Há o dever de indenizar. Existe alguma excludente? Culpa exclusiva da vítima? Não. Existe responsabilidade de terceiros? Não. Então estamos na teoria do risco da atividade. A montadora pratica uma atividade que gera risco, que é a construção do carro. O risco, aqui, provocou um dano. O comprador perdeu o dedo. O fornecedor terá que responder.

Notem que a palavra "culpa" (a não ser em “culpa exclusiva da vítima”) passou bem longe do último parágrafo.

Agora prestem atenção. O fornecedor construiu esse carro que serve de guilhotina. Em outra ocasião, o usuário vê que quase perdeu o dedo, mas escapou ileso. Houve dano? Não. Não há responsabilidade civil. Isso não significa que não haverá dever de indenizar. Mas se dará na tutela coletiva, e não na individual. Para ser individualmente indenizado, o dano teria que ser pontual.

Mas existia risco? O risco já é suficiente para que haja responsabilização civil? O risco, por si só, não imputa responsabilidade civil. Existe uma diferente muito grande entre risco e dano. Risco sem dano não gera responsabilidade civil. Quando haverá responsabilidade civil? Quando houver violação ao dever de segurança que redunde num dano. Há o risco de um lado e dever de segurança do outro, e haverá responsabilidade civil quando houver violação ao dever de segurança, porque existe uma gama de produtos e serviços que são perigosos. Faca, por exemplo. Faca corta! Mas nada de ir atrás do fornecedor se a faca não servir para matar alguém. Não é o fim para o qual a faca foi concebida.