Este
é um quadro sinótico
dos direitos básicos do consumidor que estão previstos no art. 6º do
CDC. Esse
é o tema de hoje.
O
art. 6º do CDC é o
artigo basilar. Toda a principiologia do Código de
Defesa do Consumidor está consolidada aqui. É um resumo do próprio
Código. Vamos
ler, portanto, o artigo, inciso por inciso. Este artigo tem que ser
100%
explorado.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; |
Inciso
I: proteção à vida
e a segurança. Existem, hoje, no CDC, dois tipos de qualidade.
A qualidade dos produtos e serviços, juridicamente
falando, é tratada sob dois enfoques. Uma é a qualidade-adequação,
e outra é a qualidade-segurança.
Hoje, para que o produto de fato seja
reconhecido como produto ou serviço de qualidade, ele terá que
apresentar esses
dois elementos: qualidade-adequação e qualidade-segurança. O que temos
que
entender por qualidade-adequação: é aquele produto que atinge os fins a
que se
propõe. É o produto que atende às legítimas
expectativas do consumidor. É o produto que se presta para
aquilo que foi
anunciado. Apresenta a qualidade que dele se espera. O liquidificador
liquidifica, a faca corta, o processador calcula, o carro anda, a
corneta faz
barulho. É a legítima expectativa atendida.
A
qualidade-segurança,
por sua vez, se traduz num produto que, por mais que apresente riscos,
também
detém mecanismos de segurança que protegem a vida e a saúde do
consumidor. Assim,
quando o produto apresenta a qualidade-adequação quanto a
qualidade-segurança,
aí sim podemos dizer que é um produto de qualidade. E a
qualidade-segurança
aqui é a segurança em todos seus aspectos. Por exemplo: a segurança
informacional. A falta de informação sobre as características de um
produto
pode torná-lo inseguro. Veneno de rato que se parece com Mentos ou
outra bala
refrescante não é um produto de qualidade. Pode até matar o rato, ou
seja,
possui qualidade-adequação, mas não se presta efetivamente porque não
tem a
segurança necessária. É nesses critérios que o Inmetro se baseia: o
veneno com
aparência de Mentos pode ser atrativo às crianças, portanto não será
seguro.
Esses
dois conceitos
foram colocados pela primeira vez pelo Ministro do STJ Antonio Herman
de
Vasconcellos e Benjamin. Hoje são ideias aceitas mundialmente. Vamos
resumir:
O sistema do CDC no mercado de consumo impõe a
todos os fornecedores um dever de qualidade dos produtos e serviços
fornecidos.
Rompem-se, aqui, os liames de responsabilidade contratual ou
extracontratual,
pois o que importa é a segurança do consumidor. Nesta vereda, os
fornecedores
responderão solidariamente na cadeia de consumo.
O
que temos aqui? Alguns
aspectos importantíssimos sobre a segurança. Como o que é mais
importante é a
segurança do consumidor, se por acaso houver um dano causado por um
produto ou
por um serviço que funcione mal, todos os fornecedores respondem
solidariamente. Mas como assim “todos os fornecedores”? Quem são eles?
A cadeia
de consumo é verticalizada. Temos o fornecedor de arroz no
supermercado. Temos
o sujeito que planta, o que o que ensaca os grãos, o que distribui e o
que
vende ao destinatário final. Todos são fornecedores na cadeia de
consumo. O que
significa dizer que essas pessoas, mesmo que apresentem CNPJs e
atividades
diferentes, responderão todas solidariamente.
Por quê? O mais importante é a segurança do consumidor. Aqui protegemos
o elo
mais fraco na cadeia de consumo, que é o consumidor. Existem exceções,
mas a
regra básica prevista aqui nos direitos básicos do consumidor é a regra
da
solidariedade. As exceções vamos ver um pouco mais à frente. Rompe-se o
liame
do pacta sunt servanda. A força do pacta que existe no Código Civil é
mitigada dentro do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque ao invés
de se
dar força ao pacta sunt servanda, o
legislador optou por preservar a segurança do consumidor. Então por
mais que
exista no contrato a exoneração de responsabilidade do fornecedor, essa
cláusula
não será válida, porque o legislador dispôs em sentido contrário. Não
se pode
retirar do consumidor a proteção que a lei lhe assegura.
Sim,
isso tudo no pequeno
inciso I do art. 6º.
Inciso
II: é direito
básico do consumidor...
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; |
Olhem
só: existe uma fase
de proteção ao consumidor que é a fase pré-contratual. Vamos trabalhar
com
Direito do Consumidor na fase pré-contratual, na fase contratual e na
pós-contratual.
Quando estamos trabalhando com os direitos básicos do consumidor à
educação e
divulgação de informações, estamos na fase pré-contratual. O consumidor
precisa
ser informado e tem que estar educado. Busca-se proteger o consumidor
nesta
primeira fase. O consumidor tem o direito a ser educado, inclusive
sobre seus
direitos.
Existem
dois tipos de
educação para o consumidor. Vamos colocar como duas modalidades de
educação
para o consumidor, que decorrem deste inciso II. Uma delas é a chamada educação formal, ou educação
pelo aspecto formal. Como é isso? Como fazemos valer essa
educação pelo aspecto formal? Consiste em colocar, em estabelecer, nas
instituições
de ensino, disciplinas específicas vinculadas ao Direito do Consumidor.
O
Estado tem que promover a defesa do consumidor. É uma norma de eficácia
limitada. O inciso II vem tratar desse dispositivo constitucional. O
legislador
diz: coloque uma disciplina no primeiro grau ensinando às crianças as
regras de
Direito do Consumidor. E também uma cadeira específica de Direito do
Consumidor
na educação superior, para informar os estudantes sobre seus direitos
enquanto consumidores.
E também para a formação de advogados, para proteger os direitos do
consumidor.
Com tudo isso se promove a defesa do consumidor, que passa pela
educação
daqueles que são consumidores e daqueles que defenderão os direitos dos
consumidores. Quem são esses? Nós advogados!
E
a educação informal, ou o aspecto
informal da
educação do consumidor? Educa-se o consumidor por meio do quê? Propaganda. Não confundir com publicidade. Através dos meios de
comunicação em massa, televisão, rádio, jornal. Esta educação, em
termos
jurídicos, se dá pelo aspecto informal. Então, o Estado promove a
defesa do
consumidor educando-o, não somente no aspecto formal, colocando nas
instituições de ensino cadeiras sobre Direito do Consumidor, mas também
sob o
aspecto informal, regulando a propaganda. Paulo
Roque na CBN, por exemplo ¹. Uma empresa privada promovendo a
educação informal, por meio dos meios de comunicação.
Também
decorre daqui a
obrigação de disponibilizar um Código de Defesa do Consumidor em cada
estabelecimento comercial. Era antes uma Lei Distrital, e depois foi
aprovada a
Lei 12291/2010, Lei Ordinária Federal:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º São os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços obrigados a manter, em local visível e de fácil acesso ao público, 1 (um) exemplar do Código de Defesa do Consumidor. Art. 2º O não cumprimento do disposto nesta Lei implicará as seguintes penalidades, a serem aplicadas aos infratores pela autoridade administrativa no âmbito de sua atribuição: I - multa no montante de até R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); II – (VETADO); e III – (VETADO). Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 20 de julho de 2010; 189o da Independência e 122o da República. |
Educação
pelo aspecto
informal: divulgação por meio de mídias,
veículos de comunicação com esclarecimentos sobre direitos dos
consumidores.
Inciso
III:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; |
É
direito básico do
consumidor a informação adequada, clara e suficiente sobre os riscos de
produtos e de serviços. Está escrito no inciso III. Veja que coisa
interessante: hoje não basta informar. A informação, de acordo com o
inciso
III, tem que efetivamente atingir o consumidor. Foi feita uma
reportagem, assim
que entrara em vigor a Lei 8078/90, de uma senhora muito conhecida,
estava
saindo de uma loja de panelas. O repórter a abordou e lhe perguntou se
sabia o
que ela faria se a panela apresentasse um defeito. Ela disse que
remendaria, ou
faria outros consertos complicados. Destaque para a resposta dada por
ela: “Mas
fui eu quem escolhi o produto!” Essa era a mentalidade antes do CDC. Se
alguém
escolhia algo errado, dançava-se. O fornecedor não tinha que informar
nada. A
culpa seria do consumidor se comprasse algo com defeito. O inciso III
mostra
uma inversão nessa situação: hoje, de acordo com o inciso III, quem
deve buscar
o consumidor é o fornecedor, que deve atingir o consumidor com as
informações.
Por isso o inciso III dispõe que a informação deve ser adequada, clara
e
suficiente, de forma a efetivamente atingir o consumidor. Por quê? Se a
informação não for clara, adequada e suficiente, trata-se de um produto
defeituoso. Mesmo que funcione bem!
Veja
que estamos
trabalhando com os princípios a todo o momento. O princípio da
segurança
reconhece que o consumidor está sujeito a produtos que oferecem riscos.
Ralador
de queijo, por exemplo. Ou inseticida, ou cortador de grama. Certo.
Agora pense
num produto que não apresente riscos. Não existe! Existem produtos que
apresentam riscos inerentes, e outros riscos adquiridos. Inerentes são
riscos
que se espera do produto. Ralador pode ralar a mão. A informação que
deve
constar, portanto, é “cuidado para não ralar a mão!” Ou seja, quando um
produto
não informa sobre os riscos que dele decorrem, trata-se de um produto
defeituoso. Mesmo que o pretenso destinatário dessa orientação seja uma
criança
de três anos. Claro que deve ser observada a razoabilidade aqui. Vamos
ver mais
para frente o risco adquirido.
Observação:
ao informar
sobre a necessidade de um recall, o fornecedor se desincumbe de uma
ação
coletiva, mas não de uma ação individual. Se sobrevier dano, terá que
indenizar
a vítima do ilícito. Exemplo: convocação de todos os proprietários de
um
determinado veículo para substituir a pastilha de freio. Ao fazer isso,
o
fornecedor afasta a possibilidade de ser demandado em uma ação
coletiva, cujas
espécies vamos ver no futuro. Por outro lado, sem fazer o fornecedor o
recall,
um consumidor pode sentir-se lesado ao bater o carro no nono ano de
posse do
automóvel por causa do freio que já não funciona bem. Neste caso, a
razoabilidade deverá ser observada e ele não deverá ter direito à
reparação,
pois ficou inerte e o sistema de freios se desgastou como aconteceria
naturalmente.
Formalizando
a ideia do
inciso III: visa assegurar não apenas a
segurança mas também a liberdade do consumidor de escolher o melhor
parceiro
fornecedor.
Quando
trabalhamos com
liberdade de escolha e informação adequada, temos dois institutos
ligados. Só
temos liberdade de escolha quando sabemos das características do
produto que
estamos comprando. Então, além de preservar a segurança do consumidor
contra
riscos dos produtos, também se assegura a liberdade de escolha do
consumidor. Daí
a informação clara, adequada e suficiente.
Inciso
IV:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; |
Ou
seja, estamos
trabalhando especificamente com dois princípios: da transparência e da
boa-fé.
O inciso IV quase que explica-os. Sempre que se estabelecer um contrato
com um
consumidor, as cláusulas desse contrato não poderão ser maliciosas, ter
por
objeto ou buscarem, de certa forma, prejudicar o consumidor. Por mais
que sejam
de adesão, esses contratos devem ser justos, equilibrados.
Práticas
comerciais
desleais: propaganda subliminar. É uma prática comercial extremamente
desleal.
Outra prática desleal é, por exemplo, recusar o fornecimento de
produtos e
serviços para determinadas pessoas. Essa prática não é admitida pelo
Código de
Defesa do Consumidor, e é uma prática abusiva. Você quer comprar uma
joia. O
vendedor se recusa a vendê-la porque o vendedor acha que você não terá
condições de pagar. É um dispositivo que reequilibra a relação de
consumo, e
tem uma função social.
Vimos
a Lei de
Propriedade Industrial de maneira rápida, com a proteção horizontal,
aquela que
impede que uma empresa utilize-se da marca de outra, ambas
presumidamente
fortes, tanto economicamente quanto juridicamente (no sentido de que
são
litigantes habituais e contam com uma assessoria jurídica de alto
nível). Essa
proteção busca reequilibrar as forças de mercado. Como trabalhamos com
o inciso
IV, buscamos a concorrência leal no sentido vertical, entre fornecedor
e
consumidor, aquele presumidamente mais forte que este. Não protegemos
empresas,
mas consumidores. Não pode haver concorrência desleal, porque haverá
aumento de
preços e monopólio. O prejudicado será sempre o consumidor.
Publicidade
abusiva e
enganosa são duas coisas diferentes. Vamos ver no art. 29 em aula
posterior. Para
adiantar, apenas imagine que você veja o anúncio “Motosserra Jet 3000:
com esta
hyper-powered chainsaw de 11000 RPM e lâmina com fio de diamante, você
poderá
cortar árvores muito mais rapidamente, e desmatar em questão de minutos
vários
hectares de florestas.” É uma propaganda considerada abusiva. Já a
enganosa é a
propaganda do tipo “compre este café, que te manterá acordado para
estudar para
a prova da Ordem!” Uma pode até falar a verdade, mas não pode ser
feita. Vamos
ver depois. Estamos ainda nos direito básicos.
Releiam
os princípios da
transparência e boa-fé.
Inciso
V: é direito básico do consumidor...
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais / ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; |
Vamos
separar em partes,
exatamente onde há uma /barra/ na transcrição acima. Quando nós
advogados vamos
pedir a modificação de um contrato? Digamos que alguém compre um carro,
e as
prestações estipuladas são completamente fora da realidade. Estão
estabelecidos
juros de 50% ao mês. Não é possível. Temos um contrato que estabelece cláusulas desproporcionais e desarrazoadas. O
que o
advogado pede? A modificação da cláusula que já está inserta no
contrato. Há
uma cláusula absolutamente abusiva, que estabelece juros de 50% ao mês?
Isso é
desarrazoado. É a modificação de uma cláusula contratual.
E
quando pedimos a
revisão? Quando for abusiva a cláusula? Quando temos a prestação
desproporcional de um carro, temos uma cláusula abusiva? Não. A
cláusula
abusiva enseja modificação ou anulação. Entretanto, quando um contrato
de
compra de veículo estiver em ordem, usando o dólar como indexador, e
rapidamente a razão real-dólar desce para 1/3, aplicaríamos a teoria da
imprevisão, se estivéssemos tratando de uma relação civil, com
presunção de
igualdade entre as partes. Mas a teoria da imprevisão não é exigida no
Código
de Defesa do Consumidor. A revisão ou modificação das cláusulas pode
ser feita
muito mais facilmente.
Vamos
ver com mais
detalhes em aulas posteriores o que exatamente é anulação, revisão,
modificação
de cláusulas contratuais.
Observação:
quer advogar
para empresas? Leia o livro do Humberto Theodoro Júnior. O doutrinador
afirma que
o Código de Defesa do Consumidor é subserviente
ao Código Civil, e defende que o pacta
sunt servanda se aplica ao Código de Defesa do Consumidor sim.