Direito do Consumidor

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Direito básicos do consumidor



  1. Vida, saúde, segurança
  2. Liberdade de escolha
  3. Informação
  4. Transparência e boa-fé
  5. Proteção contratual
  6. Prevenção e reparação
  7. Acesso à justiça e inversão do ônus da prova
  8. Serviços públicos adequados e eficientes

Este é um quadro sinótico dos direitos básicos do consumidor que estão previstos no art. 6º do CDC. Esse é o tema de hoje.

O art. 6º do CDC é o artigo basilar. Toda a principiologia do Código de Defesa do Consumidor está consolidada aqui. É um resumo do próprio Código. Vamos ler, portanto, o artigo, inciso por inciso. Este artigo tem que ser 100% explorado.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

Direito básicos, basilares, aquilo que deve de imediato ser reconhecido ao consumidor, e o fornecedor não pode se furtar de observá-los, nem o juiz. Não são aqueles direitos “a mais”, como a proteção maior em juízo, mas sim o que é realmente básico.

Inciso I: proteção à vida e a segurança. Existem, hoje, no CDC, dois tipos de qualidade. A qualidade dos produtos e serviços, juridicamente falando, é tratada sob dois enfoques. Uma é a qualidade-adequação, e outra é a qualidade-segurança. Hoje, para que o produto de fato seja reconhecido como produto ou serviço de qualidade, ele terá que apresentar esses dois elementos: qualidade-adequação e qualidade-segurança. O que temos que entender por qualidade-adequação: é aquele produto que atinge os fins a que se propõe. É o produto que atende às legítimas expectativas do consumidor. É o produto que se presta para aquilo que foi anunciado. Apresenta a qualidade que dele se espera. O liquidificador liquidifica, a faca corta, o processador calcula, o carro anda, a corneta faz barulho. É a legítima expectativa atendida.

A qualidade-segurança, por sua vez, se traduz num produto que, por mais que apresente riscos, também detém mecanismos de segurança que protegem a vida e a saúde do consumidor. Assim, quando o produto apresenta a qualidade-adequação quanto a qualidade-segurança, aí sim podemos dizer que é um produto de qualidade. E a qualidade-segurança aqui é a segurança em todos seus aspectos. Por exemplo: a segurança informacional. A falta de informação sobre as características de um produto pode torná-lo inseguro. Veneno de rato que se parece com Mentos ou outra bala refrescante não é um produto de qualidade. Pode até matar o rato, ou seja, possui qualidade-adequação, mas não se presta efetivamente porque não tem a segurança necessária. É nesses critérios que o Inmetro se baseia: o veneno com aparência de Mentos pode ser atrativo às crianças, portanto não será seguro.

Esses dois conceitos foram colocados pela primeira vez pelo Ministro do STJ Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin. Hoje são ideias aceitas mundialmente. Vamos resumir:

O sistema do CDC no mercado de consumo impõe a todos os fornecedores um dever de qualidade dos produtos e serviços fornecidos. Rompem-se, aqui, os liames de responsabilidade contratual ou extracontratual, pois o que importa é a segurança do consumidor. Nesta vereda, os fornecedores responderão solidariamente na cadeia de consumo.

O que temos aqui? Alguns aspectos importantíssimos sobre a segurança. Como o que é mais importante é a segurança do consumidor, se por acaso houver um dano causado por um produto ou por um serviço que funcione mal, todos os fornecedores respondem solidariamente. Mas como assim “todos os fornecedores”? Quem são eles? A cadeia de consumo é verticalizada. Temos o fornecedor de arroz no supermercado. Temos o sujeito que planta, o que o que ensaca os grãos, o que distribui e o que vende ao destinatário final. Todos são fornecedores na cadeia de consumo. O que significa dizer que essas pessoas, mesmo que apresentem CNPJs e atividades diferentes, responderão todas solidariamente. Por quê? O mais importante é a segurança do consumidor. Aqui protegemos o elo mais fraco na cadeia de consumo, que é o consumidor. Existem exceções, mas a regra básica prevista aqui nos direitos básicos do consumidor é a regra da solidariedade. As exceções vamos ver um pouco mais à frente. Rompe-se o liame do pacta sunt servanda. A força do pacta que existe no Código Civil é mitigada dentro do Código de Defesa do Consumidor. Isso porque ao invés de se dar força ao pacta sunt servanda, o legislador optou por preservar a segurança do consumidor. Então por mais que exista no contrato a exoneração de responsabilidade do fornecedor, essa cláusula não será válida, porque o legislador dispôs em sentido contrário. Não se pode retirar do consumidor a proteção que a lei lhe assegura.

Sim, isso tudo no pequeno inciso I do art. 6º.

Inciso II: é direito básico do consumidor...

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

Olhem só: existe uma fase de proteção ao consumidor que é a fase pré-contratual. Vamos trabalhar com Direito do Consumidor na fase pré-contratual, na fase contratual e na pós-contratual. Quando estamos trabalhando com os direitos básicos do consumidor à educação e divulgação de informações, estamos na fase pré-contratual. O consumidor precisa ser informado e tem que estar educado. Busca-se proteger o consumidor nesta primeira fase. O consumidor tem o direito a ser educado, inclusive sobre seus direitos.

Existem dois tipos de educação para o consumidor. Vamos colocar como duas modalidades de educação para o consumidor, que decorrem deste inciso II. Uma delas é a chamada educação formal, ou educação pelo aspecto formal. Como é isso? Como fazemos valer essa educação pelo aspecto formal? Consiste em colocar, em estabelecer, nas instituições de ensino, disciplinas específicas vinculadas ao Direito do Consumidor. O Estado tem que promover a defesa do consumidor. É uma norma de eficácia limitada. O inciso II vem tratar desse dispositivo constitucional. O legislador diz: coloque uma disciplina no primeiro grau ensinando às crianças as regras de Direito do Consumidor. E também uma cadeira específica de Direito do Consumidor na educação superior, para informar os estudantes sobre seus direitos enquanto consumidores. E também para a formação de advogados, para proteger os direitos do consumidor. Com tudo isso se promove a defesa do consumidor, que passa pela educação daqueles que são consumidores e daqueles que defenderão os direitos dos consumidores. Quem são esses? Nós advogados!

E a educação informal, ou o aspecto informal da educação do consumidor? Educa-se o consumidor por meio do quê? Propaganda. Não confundir com publicidade. Através dos meios de comunicação em massa, televisão, rádio, jornal. Esta educação, em termos jurídicos, se dá pelo aspecto informal. Então, o Estado promove a defesa do consumidor educando-o, não somente no aspecto formal, colocando nas instituições de ensino cadeiras sobre Direito do Consumidor, mas também sob o aspecto informal, regulando a propaganda. Paulo Roque na CBN, por exemplo ¹. Uma empresa privada promovendo a educação informal, por meio dos meios de comunicação.

Também decorre daqui a obrigação de disponibilizar um Código de Defesa do Consumidor em cada estabelecimento comercial. Era antes uma Lei Distrital, e depois foi aprovada a Lei 12291/2010, Lei Ordinária Federal:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º  São os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços obrigados a manter, em local visível e de fácil acesso ao público, 1 (um) exemplar do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 2º  O não cumprimento do disposto nesta Lei implicará as seguintes penalidades, a serem aplicadas aos infratores pela autoridade administrativa no âmbito de sua atribuição:

I - multa no montante de até R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos);

II – (VETADO); e

III – (VETADO).

Art. 3o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,  20  de  julho  de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

Direito à educação pelo aspecto formal, ainda, pode ser descrito como "políticas públicas de inserção de temas relacionados ao Direito do Consumidor em currículos escolares e em cadeiras de Direito de faculdades" (Resolução 39/248, de 16/04/1985, da Organização das Nações Unidas ²). Falamos antes que a ONU estabelecera as diretrizes básicas para a defesa do consumidor. Uma delas é esta!

Educação pelo aspecto informal: divulgação por meio de mídias, veículos de comunicação com esclarecimentos sobre direitos dos consumidores.

Inciso III:

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

É direito básico do consumidor a informação adequada, clara e suficiente sobre os riscos de produtos e de serviços. Está escrito no inciso III. Veja que coisa interessante: hoje não basta informar. A informação, de acordo com o inciso III, tem que efetivamente atingir o consumidor. Foi feita uma reportagem, assim que entrara em vigor a Lei 8078/90, de uma senhora muito conhecida, estava saindo de uma loja de panelas. O repórter a abordou e lhe perguntou se sabia o que ela faria se a panela apresentasse um defeito. Ela disse que remendaria, ou faria outros consertos complicados. Destaque para a resposta dada por ela: “Mas fui eu quem escolhi o produto!” Essa era a mentalidade antes do CDC. Se alguém escolhia algo errado, dançava-se. O fornecedor não tinha que informar nada. A culpa seria do consumidor se comprasse algo com defeito. O inciso III mostra uma inversão nessa situação: hoje, de acordo com o inciso III, quem deve buscar o consumidor é o fornecedor, que deve atingir o consumidor com as informações. Por isso o inciso III dispõe que a informação deve ser adequada, clara e suficiente, de forma a efetivamente atingir o consumidor. Por quê? Se a informação não for clara, adequada e suficiente, trata-se de um produto defeituoso. Mesmo que funcione bem!

Veja que estamos trabalhando com os princípios a todo o momento. O princípio da segurança reconhece que o consumidor está sujeito a produtos que oferecem riscos. Ralador de queijo, por exemplo. Ou inseticida, ou cortador de grama. Certo. Agora pense num produto que não apresente riscos. Não existe! Existem produtos que apresentam riscos inerentes, e outros riscos adquiridos. Inerentes são riscos que se espera do produto. Ralador pode ralar a mão. A informação que deve constar, portanto, é “cuidado para não ralar a mão!” Ou seja, quando um produto não informa sobre os riscos que dele decorrem, trata-se de um produto defeituoso. Mesmo que o pretenso destinatário dessa orientação seja uma criança de três anos. Claro que deve ser observada a razoabilidade aqui. Vamos ver mais para frente o risco adquirido.

Observação: ao informar sobre a necessidade de um recall, o fornecedor se desincumbe de uma ação coletiva, mas não de uma ação individual. Se sobrevier dano, terá que indenizar a vítima do ilícito. Exemplo: convocação de todos os proprietários de um determinado veículo para substituir a pastilha de freio. Ao fazer isso, o fornecedor afasta a possibilidade de ser demandado em uma ação coletiva, cujas espécies vamos ver no futuro. Por outro lado, sem fazer o fornecedor o recall, um consumidor pode sentir-se lesado ao bater o carro no nono ano de posse do automóvel por causa do freio que já não funciona bem. Neste caso, a razoabilidade deverá ser observada e ele não deverá ter direito à reparação, pois ficou inerte e o sistema de freios se desgastou como aconteceria naturalmente.

Formalizando a ideia do inciso III: visa assegurar não apenas a segurança mas também a liberdade do consumidor de escolher o melhor parceiro fornecedor.

Quando trabalhamos com liberdade de escolha e informação adequada, temos dois institutos ligados. Só temos liberdade de escolha quando sabemos das características do produto que estamos comprando. Então, além de preservar a segurança do consumidor contra riscos dos produtos, também se assegura a liberdade de escolha do consumidor. Daí a informação clara, adequada e suficiente.

Inciso IV:

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Ou seja, estamos trabalhando especificamente com dois princípios: da transparência e da boa-fé. O inciso IV quase que explica-os. Sempre que se estabelecer um contrato com um consumidor, as cláusulas desse contrato não poderão ser maliciosas, ter por objeto ou buscarem, de certa forma, prejudicar o consumidor. Por mais que sejam de adesão, esses contratos devem ser justos, equilibrados.

Práticas comerciais desleais: propaganda subliminar. É uma prática comercial extremamente desleal. Outra prática desleal é, por exemplo, recusar o fornecimento de produtos e serviços para determinadas pessoas. Essa prática não é admitida pelo Código de Defesa do Consumidor, e é uma prática abusiva. Você quer comprar uma joia. O vendedor se recusa a vendê-la porque o vendedor acha que você não terá condições de pagar. É um dispositivo que reequilibra a relação de consumo, e tem uma função social.

Vimos a Lei de Propriedade Industrial de maneira rápida, com a proteção horizontal, aquela que impede que uma empresa utilize-se da marca de outra, ambas presumidamente fortes, tanto economicamente quanto juridicamente (no sentido de que são litigantes habituais e contam com uma assessoria jurídica de alto nível). Essa proteção busca reequilibrar as forças de mercado. Como trabalhamos com o inciso IV, buscamos a concorrência leal no sentido vertical, entre fornecedor e consumidor, aquele presumidamente mais forte que este. Não protegemos empresas, mas consumidores. Não pode haver concorrência desleal, porque haverá aumento de preços e monopólio. O prejudicado será sempre o consumidor.

Publicidade abusiva e enganosa são duas coisas diferentes. Vamos ver no art. 29 em aula posterior. Para adiantar, apenas imagine que você veja o anúncio “Motosserra Jet 3000: com esta hyper-powered chainsaw de 11000 RPM e lâmina com fio de diamante, você poderá cortar árvores muito mais rapidamente, e desmatar em questão de minutos vários hectares de florestas.” É uma propaganda considerada abusiva. Já a enganosa é a propaganda do tipo “compre este café, que te manterá acordado para estudar para a prova da Ordem!” Uma pode até falar a verdade, mas não pode ser feita. Vamos ver depois. Estamos ainda nos direito básicos.

Releiam os princípios da transparência e boa-fé.

Inciso V: é direito básico do consumidor...

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais / ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Vamos separar em partes, exatamente onde há uma /barra/ na transcrição acima. Quando nós advogados vamos pedir a modificação de um contrato? Digamos que alguém compre um carro, e as prestações estipuladas são completamente fora da realidade. Estão estabelecidos juros de 50% ao mês. Não é possível. Temos um contrato que estabelece cláusulas desproporcionais e desarrazoadas. O que o advogado pede? A modificação da cláusula que já está inserta no contrato. Há uma cláusula absolutamente abusiva, que estabelece juros de 50% ao mês? Isso é desarrazoado. É a modificação de uma cláusula contratual.

E quando pedimos a revisão? Quando for abusiva a cláusula? Quando temos a prestação desproporcional de um carro, temos uma cláusula abusiva? Não. A cláusula abusiva enseja modificação ou anulação. Entretanto, quando um contrato de compra de veículo estiver em ordem, usando o dólar como indexador, e rapidamente a razão real-dólar desce para 1/3, aplicaríamos a teoria da imprevisão, se estivéssemos tratando de uma relação civil, com presunção de igualdade entre as partes. Mas a teoria da imprevisão não é exigida no Código de Defesa do Consumidor. A revisão ou modificação das cláusulas pode ser feita muito mais facilmente.

Vamos ver com mais detalhes em aulas posteriores o que exatamente é anulação, revisão, modificação de cláusulas contratuais.

Observação: quer advogar para empresas? Leia o livro do Humberto Theodoro Júnior. O doutrinador afirma que o Código de Defesa do Consumidor é subserviente ao Código Civil, e defende que o pacta sunt servanda se aplica ao Código de Defesa do Consumidor sim.


  1. Fonte: http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/cbn-direitos-do-consumidor-bsb/CBN-DIREITOS-DO-CONSUMIDOR-BSB.htm
  2. Fonte: http://www.un.org/documents/ga/res/39/a39r248.htm