Direito do Consumidor

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Direito básicos do consumidor – continuação



Vamos agora para o inciso VI até o inciso X do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Antes de prosseguir, contudo, vamos relembrar o inciso V. É direito básico do consumidor...

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Na última aula dividimos esse inciso em duas partes: modificação de cláusulas desproporcionais, e revisão das cláusulas por fatos supervenientes. Já trabalhamos com isso. Isso é uma possibilidade, um direito básico do consumidor, em virtude de onerosidade excessiva. Se uma cláusula contratual se tornar excessivamente onerosa ao consumidor, ela poderá ser revista. Venda de carro em leasing atrelado ao dólar é um exemplo que vimos, ao longo da vida, mais de cinco vezes, duas delas só nesta disciplina.

Quando trabalhamos com o Código Civil, não é tão fácil fazer uma alteração numa cláusula contratual. No Código Civil temos o regime de paridade, sem vislumbrar-se o desequilíbrio entre as partes. A alteração de um contrato é bem mais difícil do que aquilo que ocorre no Código de Defesa do Consumidor. A prevalência do pacta sunt servanda no Código Civil é muito maior do que no CDC. Para modificar um contrato no Direito Civil, temos que aplicar a teoria da imprevisão. É complexa a modificação de uma cláusula contratual pelo Código Civil. O fato tem que ser irresistível e imprevisível. Aqui no Código de Defesa do Consumidor não; o fato não precisa ser imprevisível. Pode até ser que o consumidor, quando adquiriu o carro atrelado ao dólar, vislumbrasse a possibilidade de elevação do valor da moeda americana. Mas não importa. Havendo onerosidade excessiva, ele poderá pedir a revisão.

Quando temos um contrato com uma cláusula que mostra uma onerosidade excessiva, podemos ter também a onerosidade desfavorável ao fornecedor. Pode acontecer? Pode. Pode ser que ele seja o extremamente prejudicado em virtude de uma cláusula contratual. Pergunta: esta cláusula pode ser modificada em prol do fornecedor com base neste mesmo inciso V? Não, pois o artigo trata de são direito básicos do consumidor. O fornecedor deverá se valer das regras do Código Civil para fazer a mudança de uma cláusula contratual mesmo que haja uma relação consumerista. Consumidor pode invocar o inciso V do art. 6º do CDC, mas fornecedor não. O fornecedor precisa recorrer à teoria da imprevisão, que não é muito fácil. Terá que apelar para os artigos 317 e 478 do CC:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Vamos para o próximo inciso.

Inciso VI: são direito básicos do consumidor...

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Vejam: efetiva proteção contra danos. Trataremos, no futuro, oportunamente sobre tutela dos direitos difusos e coletivos, relativamente aos direitos do consumidor. Vamos trabalhar agora com essa possibilidade de prevenção de danos materiais e morais.

Existem duas espécies de dano envolvidas neste inciso. Moral e patrimonial. Para que haja responsabilidade civil, é necessário que haja conduta, nexo de causalidade e dano. O dano, por sua vez, pode ser patrimonial, dividindo-se em danos emergentes e lucros cessantes. O consumidor pode ser afetado por um vício em um produto ou um serviço sendo que esse dano pode configurar um lucro cessante ou um dano emergente, que são espécies de dano patrimonial. Como funcionam os lucros cessantes e os danos emergentes? Os danos emergentes são o componente mais simples: o que se observa direta e imediatamente com o acontecimento do fato. Imagine que um carro atravesse o sinal vermelho e bata na porta de outro. O dano emergente é a porta quebrada do carro abalroado. Dano direto e imediato que se observa a partir da ocorrência do fato. Imagine que o carro batido seja o veículo no qual a Dona Clotilde transporta seus doces para entregar nas casas dos fregueses todos os dias, que ficará sem poder rodar. Enquanto a Fiorino dela estiver na oficina, Dona Clotilde não estará ganhando dinheiro. Que tipo de dano é este? Lucro cessante. A porta da Fiorino amassada é um dano emergente, direto, imediato que se observa do acontecimento do fato. O veículo parado constitui lucro cessante pelos doces que ela deixará de vender nesses dias. Duas espécies de dano patrimonial, portanto.

Temos como enquadrar no Código de Defesa do Consumidor? Dona Clotilde compra uma Fiorino. Ela pode ser enquadrada na figura de consumidora? Pode, dependendo da situação. Lembrem-se, vamos até o final deste curso entender completamente o que é a figura do consumidor. Digamos, por ora, que possa sim Clotilde ser enquadrada como consumidora. Quando falamos em responsabilidade civil, falamos em indenização. Como há um dano patrimonial, haverá uma indenização em virtude de um lucro cessante ou de um dano emergente.

Exemplo de dano emergente que vincule o Código de Defesa do Consumidor: Dona Clotilde compra um liquidificador. Ao ligar na tomada, a lâmina voa e degola a Dona Clotilde. Lucro cessante? Não. Dano emergente. Fica bem caracterizado, e este exemplo impede que esqueçamos. A família pode receber uma indenização pela morte e uma indenização na forma de pensão por lucro cessante.

E a teoria da perda de uma chance? É um pouco fora do Código de Defesa do Consumidor, mas vamos falar rapidamente, já que estamos falando em responsabilidade civil. O bom exemplo para lembrarmos é o programa Show do Milhão, do Senor Abravanel. Determinada senhora foi programa e passou por todas as etapas. Chegou à última pergunta, quatro alternativas para ela assinalar uma. Ela poderia sair do jogo naquele momento, embolsando R$ 500 mil, ou arriscar responder a pergunta e pegar R$ 1 milhão, ou, errando, levaria três notas de R$ 100 para casa. A última pergunta foi elaborada mas não existia nenhuma resposta certa. Todas as alternativas estavam erradas. Não havia como responder de forma certa. A participante disse “não há nenhuma resposta certa” e resolveu sair do jogo. Levou seus R$ 500.000,00, e aforou pedido de indenização contra o SBT pela perda da chance de ganhar R$ 1.000.000,00. Ela tinha a expectativa de acertar a pergunta, coisa que não necessariamente aconteceria, mas sequer teve a chance.

O tribunal entendeu que ela tinha 25% de chance de acertar a pergunta, considerando que eram quatro alternativas. Terminou levando, no final da ação, um total de R$ 500 mil (que, somados aos 500 que já ganhara no jogo, seriam R$ 1 milhão), pois esses 500 conseguidos judicialmente correspondiam aos 25% (250 mil) atualizados monetariamente.

Essa indenização havida pela perda de uma chance é dano patrimonial, considerada, por alguns autores, como lucros cessantes, e por outros doutrinadores como uma terceira espécie, que não danos emergentes nem lucros cessantes. Isso em si não é muito importante, o que devemos é entender conceitualmente o que é a teoria da perda de uma chance.

A chance tem que ser séria e plenamente viável. Ao participar de um concurso em que a probabilidade de se ganhar é de 1 para 1000, isso retira a viabilidade. A análise é mais subjetiva aqui. Talvez na prova de prático (manobrista de navios), cuja remuneração compensa muito, o juiz possa entender que a frustração foi significativa.

Outra espécie de dano é o dano moral.

No que diz respeito a danos morais, o consumidor, obviamente, tem o direito de ter a sua imagem, a sua honradez, sua reputação resguardadas. Houve uma palestra semana passada em que tivemos um exemplo de um dano moral. Uma senhora foi tentar pagar suas contas no caixa de um mercado com cheque, mas o estabelecimento não aceitava. Ao receber o cheque da consumidora que ignorava esse fato, a vendedora teve um ataque. A consumidora foi destratada na frente de outros clientes, de forma injusta e não razoável. Com agravante de que não havia escrito em lugar algum que aquele estabelecimento não aceitava cheque. Para efeitos legais, o cheque é ordem de pagamento à vista. Pelo Código de Defesa do Consumidor, não se pode recusar se o pagamento for à vista. Deve-se ter uma placa gigantesca evidenciando que não se aceita cheque. Vamos ver isso em práticas abusivas depois. Pode-se recusar o cheque, e isso deriva de uma decisão do STF. Voltando à senhora, ela tem direito de pleitear uma indenização por dano moral.

Adiante.

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

Direito de acesso aos órgãos de proteção ao consumidor. É uma norma quase que programática. Por quê? Ela orienta o Estado em como agir para proteger o consumidor. Esse inciso diz: “Estado brasileiro: você deve criar mecanismos que viabilizem o Direito do Consumidor. Nos termos da própria Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXII, você tem que disponibilizar para o consumidor ferramentas que tornem viável sua defesa.” O que o Estado faz? Possibilitando para o consumidor o acesso ao Poder Judiciário por meio da justiça gratuita. É uma possibilidade. Mas a justiça gratuita não se aplica só ao consumidor. Qualquer pessoa que tenha dificuldades financeiras pode ter acesso. Então, além dela, a criação de órgãos administrativos que tenham por finalidade precípua a defesa do consumidor: Pro Con (pró consumidor, dando origem aos Procons). Além disso, temos a criação de varas especializadas na defesa do consumidor. Não existe em Brasília. Mais ainda: o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC.

São essas as ferramentas, entre outras.

Inciso VIII:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Verossimilhança e hipossuficiência. Olhem essas duas palavrinhas-chaves. Quando for verossímil, o juiz poderá inverter o ônus da prova. Quando o consumidor for hipossuficiente, o juiz poderá inverter o ônus da prova. “Poderá”? Como se trata de um direito básico do consumidor, nós não estamos de uma faculdade do juiz. Não é facultado ao juiz a inversão do ônus da prova nos casos de verossimilhança ou hipossuficiência. Quando houver uma das duas, o juiz é obrigado a promover a inversão. Estamos trabalhando novamente com a facilitação dos direitos do consumidor. Em juízo, quem terá que provar não será o consumidor, mas o fornecedor. Por quê? Por que o Código de Defesa do Consumidor coloca de forma tão clara a inversão do ônus da prova? Vulnerabilidade do consumidor! Especificamente, a vulnerabilidade técnica.

Seguradora de previdência privada: alguns acionam a justiça pedindo revisão do benefício previdenciário para que seja aumentado. Para que se possa efetivamente visualizar o quantum de contribuição que refletirá num quantum de pensão, precisamos da figura de um perito atuarial. É especialista em cálculos de previdência privada, trabalha com todos os índices específicos. Determina o valor final da pensão. Quem se sente injustiçado pede a revisão. O juiz, então, inverte o ônus da prova diante da verossimilhança ou hipossuficiência do consumidor. E deixa para a empresa seguradora de previdência privada. A empresa, então, tem duas opções: produzir a prova ou não. O que ela faz? Produz a prova, por meio do perito atuarial, judicial ou perito assistente da seguradora. Como advogados da empresa, escolheríamos o assistente da empresa para o cálculo. E ela coloca no processo esses cálculos atuariais produzidos.

O consumidor autor pede a perícia judicial, que custa para a empresa. Ela não é obrigada a produzir essa prova. O juiz já deferiu a inversão do ônus da prova. O que a empresa demandada faz é suportar o ônus de não produzir a prova, e ficará apenas com a perícia assistencial. O que queremos dizer com isso é que a inversão do ônus da prova não é obrigatoriedade em produzir a prova. Ao inverter, temos presunção de veracidade das alegações do autor. O que significa dizer que não produzir a prova, presumir-se-á que as alegações do autor são verdadeiras. Mas quem decide se vai produzir ou não a prova é o réu.

O problema é quando a inversão do ônus da prova é determinada em sentença. Existe uma inclinação doutrinária para essa possibilidade. Fica difícil para aquele que ficou incumbindo de fazer a prova, afinal, quando a sentença determina a inversão, significa que a lide já foi solucionada com a sucumbência de uma das partes, que pode não ter sabido que tinha a obrigação de produzir a prova. Como a inversão do ônus em favor do consumidor autor, e a empresa fornecedora demandada fica cerceada em seu direito de defesa.

Continuemos o artigo. A inversão do ônus da prova é um direito básico do consumidor, no caso de hipossuficiência e verossimilhança de suas alegações. Note que hipossuficiência não é o mesmo que vulnerabilidade. Nem todo consumidor é considerado hipossuficiente, mas todo consumidor é considerado vulnerável. O conceito de hipossuficiência está atrelado à questão social e à questão econômica. Se a pessoa é hipossuficiente, o juiz obrigatoriamente deverá inverter. Se a justiça gratuita é concedida, a pessoa é considerada hipossuficiente. Assim o advogado do consumidor se aproveita desse fato e pede a inversão. Não é obrigatória; o advogado deve ficar esperto!

Verossimilhança em alegações: vimos em antecipação de tutela. Art. 273 do Código de Processo Civil.

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação [...]

Prova inequívoca ou verossimilhança? Isso gera algumas confusões. A prova inequívoca deveria convencer da alegação em si, e não da verossimilhança dela. Então temos a palavra “verossimilhança” usada tanto no art. 273 do CPC quanto no inciso VIII do art. 6º do CDC. Estas duas verossimilhanças são iguais? Não são iguais. A verossimilhança do Código de Processo Civil requer uma prova muito robusta, difícil de desviar. Prova contundente. Até legitimaria um mandado de segurança, porque seria direito líquido e certo, mas, no âmbito da vida privada, não se pode ajuizar mandado de segurança. No Código de Defesa do Consumidor, temos a expressão “caso se convença...” ele precisa estar supedaneado em uma prova robusta? Não! A verossimilhança daqui pode até estar baseada em prova nenhuma, mas sim pelas circunstâncias naturais dos acontecimentos, dos ocorridos. Convence-se por meio da prova de primeira aparência. Diferente da verossimilhança do art. 273 do Código de Processo Civil.

Como concluir? Este inciso é bom! Para cair em prova, claro.

Inciso IX:

Vetado!

Está explicado. Foi vetado porque existem outras repartições do Código de Defesa do Consumidor que tratam da matéria que estava neste inciso IX. Uma questão de política e outra de língua portuguesa.

Inciso X: é direito básico do consumidor...

X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

É direito básico do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Existem vários serviços públicos que são exercidos por empresas concessionárias e permissionárias. Essas empresas estarão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor. E o INSS, por que não está? E uma autarquia? Uma fundação pública como UnB também não? Veremos tudo ao seu tempo. A princípio temos que saber que são concessionárias e permissionárias que prestam serviços públicos e estão sujeitas. Veremos mais para frente por quê.

Art. 7º:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Não se tem como tratar de forma exaustiva. Então, podemos usar a analogia, os princípios gerais do Direito e a equidade. Resolução 39/248 da ONU é a diretriz básica internacional de defesa do consumidor.