Vamos
agora para o inciso
VI até o inciso X do art. 6º do Código de Defesa do
Consumidor.
Antes
de prosseguir,
contudo, vamos relembrar o inciso V. É direito básico do
consumidor...
V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; |
Na
última aula dividimos
esse inciso em duas partes: modificação de cláusulas desproporcionais,
e
revisão das cláusulas por fatos supervenientes. Já trabalhamos com
isso. Isso é
uma possibilidade, um direito básico do consumidor, em virtude de
onerosidade
excessiva. Se uma cláusula contratual se tornar excessivamente onerosa
ao
consumidor, ela poderá ser revista. Venda de carro em leasing atrelado
ao dólar
é um exemplo que vimos, ao longo da vida, mais de cinco vezes, duas
delas só
nesta disciplina.
Quando
trabalhamos com o
Código Civil, não é tão fácil fazer uma alteração numa cláusula
contratual. No
Código Civil temos o regime de paridade, sem vislumbrar-se o
desequilíbrio
entre as partes. A alteração de um contrato é bem mais difícil do que
aquilo
que ocorre no Código de Defesa do Consumidor. A prevalência do pacta sunt servanda no Código Civil é
muito maior do que no CDC. Para modificar um contrato no Direito Civil,
temos
que aplicar a teoria da imprevisão. É complexa a modificação de uma
cláusula
contratual pelo Código Civil. O fato tem que ser irresistível e
imprevisível.
Aqui no Código de Defesa do Consumidor não; o fato não
precisa ser imprevisível. Pode até ser que o consumidor,
quando
adquiriu o carro atrelado ao dólar, vislumbrasse a possibilidade de
elevação do valor da
moeda americana. Mas não importa. Havendo onerosidade excessiva, ele
poderá
pedir a revisão.
Quando
temos um contrato
com uma cláusula que mostra uma onerosidade excessiva, podemos ter
também a
onerosidade desfavorável ao fornecedor. Pode acontecer? Pode. Pode ser
que ele
seja o extremamente prejudicado em virtude de uma cláusula contratual.
Pergunta: esta cláusula pode ser modificada em prol do fornecedor com
base
neste mesmo inciso V? Não, pois o artigo trata de são direito básicos
do
consumidor. O fornecedor deverá se valer das regras do Código Civil
para fazer
a mudança de uma cláusula contratual mesmo que haja uma relação
consumerista.
Consumidor pode invocar o inciso V do art. 6º do CDC, mas fornecedor
não. O
fornecedor precisa recorrer à teoria da imprevisão, que não é muito
fácil. Terá
que apelar para os artigos 317 e 478 do CC:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. |
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. |
Vamos
para o próximo
inciso.
Inciso
VI: são direito
básicos do consumidor...
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; |
Vejam:
efetiva proteção
contra danos. Trataremos, no futuro, oportunamente sobre tutela dos
direitos
difusos e coletivos, relativamente aos direitos do consumidor. Vamos
trabalhar
agora com essa possibilidade de prevenção de danos materiais e morais.
Existem
duas espécies de
dano envolvidas neste inciso. Moral e patrimonial. Para que haja
responsabilidade civil, é necessário que haja conduta, nexo de
causalidade e
dano. O dano, por sua vez, pode ser patrimonial, dividindo-se em danos
emergentes e lucros cessantes. O consumidor pode ser afetado por um
vício em um
produto ou um serviço sendo que esse dano pode configurar um lucro
cessante ou
um dano emergente, que são espécies de dano patrimonial. Como funcionam
os
lucros cessantes e os danos emergentes? Os danos emergentes são o
componente mais
simples: o que se observa direta e imediatamente com o acontecimento do
fato.
Imagine que um carro atravesse o sinal vermelho e bata na porta de
outro. O
dano emergente é a porta quebrada do carro abalroado. Dano direto e
imediato
que se observa a partir da ocorrência do fato. Imagine que o carro
batido seja
o veículo no qual a Dona Clotilde transporta seus doces para entregar
nas casas
dos fregueses todos os dias, que ficará sem poder rodar. Enquanto a
Fiorino
dela estiver na oficina, Dona Clotilde não estará ganhando dinheiro.
Que tipo
de dano é este? Lucro cessante. A porta da Fiorino amassada é um dano
emergente, direto, imediato que se observa do acontecimento do fato. O
veículo parado
constitui lucro cessante pelos doces
que ela deixará de vender nesses dias. Duas espécies de dano
patrimonial,
portanto.
Temos
como enquadrar no
Código de Defesa do Consumidor? Dona Clotilde compra uma Fiorino. Ela
pode ser
enquadrada na figura de consumidora? Pode, dependendo da situação.
Lembrem-se,
vamos até o final deste curso entender completamente o que é a figura
do
consumidor. Digamos, por ora, que possa sim Clotilde ser enquadrada
como
consumidora. Quando falamos em responsabilidade civil, falamos em
indenização.
Como há um dano patrimonial, haverá uma indenização em virtude de um
lucro
cessante ou de um dano emergente.
Exemplo
de dano emergente
que vincule o Código de Defesa do Consumidor: Dona Clotilde compra um
liquidificador.
Ao ligar na tomada, a lâmina voa e degola a Dona Clotilde. Lucro
cessante? Não.
Dano emergente. Fica bem caracterizado, e este exemplo impede que
esqueçamos. A
família pode receber uma indenização pela morte e uma indenização na
forma de
pensão por lucro cessante.
E
a teoria da perda de uma chance? É
um pouco fora do Código de Defesa
do Consumidor, mas vamos falar rapidamente, já que estamos falando em
responsabilidade civil. O bom exemplo para lembrarmos é o programa Show
do Milhão,
do Senor Abravanel. Determinada senhora foi programa e passou por todas
as
etapas. Chegou à última pergunta, quatro alternativas para ela
assinalar uma.
Ela poderia sair do jogo naquele momento, embolsando R$ 500 mil, ou
arriscar
responder a pergunta e pegar R$ 1 milhão, ou, errando, levaria três
notas de R$
100 para casa. A última pergunta foi elaborada mas não existia nenhuma
resposta
certa. Todas as alternativas estavam erradas. Não havia como responder
de forma
certa. A participante disse “não há nenhuma resposta certa” e resolveu
sair do
jogo. Levou seus R$ 500.000,00, e aforou pedido de indenização contra o
SBT
pela perda da chance de ganhar R$
1.000.000,00. Ela tinha a expectativa de acertar a pergunta,
coisa que não
necessariamente aconteceria, mas sequer teve a chance.
O
tribunal entendeu que
ela tinha 25% de chance de acertar a pergunta, considerando que eram
quatro
alternativas. Terminou levando, no final da ação, um total de R$ 500
mil
(que, somados aos 500 que já ganhara no jogo, seriam R$ 1 milhão), pois
esses
500 conseguidos judicialmente correspondiam aos 25% (250 mil)
atualizados
monetariamente.
Essa
indenização havida
pela perda de uma chance é dano patrimonial, considerada, por alguns
autores,
como lucros cessantes, e por outros doutrinadores como uma terceira
espécie,
que não danos emergentes nem lucros cessantes. Isso em si não é muito
importante, o que devemos é entender conceitualmente o que é a teoria
da perda
de uma chance.
A
chance tem que ser séria e plenamente viável. Ao participar de um
concurso em que a
probabilidade de se ganhar é de 1 para 1000, isso retira a viabilidade.
A
análise é mais subjetiva aqui. Talvez na prova de prático (manobrista
de
navios), cuja remuneração compensa muito,
o juiz possa entender que a frustração foi significativa.
Outra
espécie de dano é o
dano moral.
No
que diz respeito a
danos morais, o consumidor, obviamente, tem o direito de ter a sua
imagem, a
sua honradez, sua reputação resguardadas. Houve uma palestra semana
passada em
que tivemos um exemplo de um dano moral. Uma senhora foi tentar pagar
suas
contas no caixa de um mercado com cheque, mas o estabelecimento não
aceitava.
Ao receber o cheque da consumidora que ignorava esse fato, a vendedora
teve um
ataque. A consumidora foi destratada na frente de outros clientes, de
forma
injusta e não razoável. Com agravante de que não havia escrito em lugar
algum
que aquele estabelecimento não aceitava cheque. Para efeitos legais, o
cheque é
ordem de pagamento à vista. Pelo Código de Defesa do Consumidor, não se
pode
recusar se o pagamento for à vista. Deve-se ter uma placa gigantesca
evidenciando que não se aceita cheque. Vamos ver isso em práticas
abusivas
depois. Pode-se recusar o cheque, e isso deriva de uma decisão do STF.
Voltando
à senhora, ela tem direito de pleitear uma indenização por dano moral.
Adiante.
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; |
Direito
de acesso aos
órgãos de proteção ao consumidor. É uma norma quase que programática.
Por quê?
Ela orienta o Estado em como agir para proteger o consumidor. Esse
inciso diz:
“Estado brasileiro: você deve criar mecanismos que viabilizem o Direito
do
Consumidor. Nos termos da própria Constituição Federal, art. 5º, inciso
XXXII,
você tem que disponibilizar para o consumidor ferramentas que tornem
viável sua
defesa.” O que o Estado faz? Possibilitando para o consumidor o acesso
ao Poder
Judiciário por meio da justiça gratuita. É uma possibilidade. Mas a
justiça
gratuita não se aplica só ao consumidor. Qualquer pessoa que tenha
dificuldades
financeiras pode ter acesso. Então, além dela, a criação de órgãos
administrativos que tenham por finalidade precípua a defesa do
consumidor: Pro
Con (pró consumidor, dando origem aos Procons). Além disso, temos a criação de varas
especializadas na
defesa do consumidor. Não existe em Brasília. Mais ainda: o Sistema
Nacional de
Defesa do Consumidor – SNDC.
São
essas as ferramentas,
entre outras.
Inciso
VIII:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; |
Verossimilhança e
hipossuficiência. Olhem essas duas palavrinhas-chaves. Quando for verossímil, o juiz poderá inverter o ônus
da
prova. Quando o consumidor for hipossuficiente, o juiz poderá inverter
o ônus
da prova. “Poderá”? Como se trata de um direito básico do consumidor,
nós não
estamos de uma faculdade do juiz. Não é facultado ao juiz a inversão do
ônus da
prova nos casos de verossimilhança ou hipossuficiência. Quando houver
uma das
duas, o juiz é obrigado a promover
a
inversão. Estamos trabalhando novamente com a facilitação dos direitos
do
consumidor. Em juízo, quem terá que provar não será o consumidor, mas o
fornecedor. Por quê? Por que o Código de Defesa do Consumidor coloca de
forma
tão clara a inversão do ônus da prova? Vulnerabilidade do consumidor!
Especificamente,
a vulnerabilidade técnica.
Seguradora de
previdência privada: alguns acionam a
justiça pedindo revisão do benefício previdenciário para que seja
aumentado.
Para que se possa efetivamente visualizar o quantum de contribuição que
refletirá num quantum de pensão, precisamos da figura de um perito atuarial. É especialista em
cálculos de previdência privada, trabalha com todos os índices
específicos. Determina
o valor final da pensão. Quem se sente injustiçado pede a revisão. O
juiz,
então, inverte o ônus da prova diante da verossimilhança ou
hipossuficiência do
consumidor. E deixa para a empresa seguradora de previdência privada. A
empresa, então, tem duas opções: produzir a prova ou não. O que ela
faz? Produz
a prova, por meio do perito atuarial, judicial ou perito assistente da
seguradora. Como advogados da empresa, escolheríamos o assistente da
empresa
para o cálculo. E ela coloca no processo esses cálculos atuariais
produzidos.
O
consumidor autor pede a
perícia judicial, que custa para a empresa. Ela não é obrigada a
produzir essa
prova. O juiz já deferiu a inversão do ônus da prova. O que a empresa
demandada
faz é suportar o ônus de não produzir a prova, e ficará apenas com a
perícia
assistencial. O que queremos dizer com isso é que a inversão do ônus da
prova
não é obrigatoriedade em produzir a prova. Ao inverter, temos presunção
de
veracidade das alegações do autor.
O
que significa dizer que não produzir a prova, presumir-se-á que as
alegações do
autor são verdadeiras. Mas quem decide se vai produzir ou não a prova é
o réu.
O
problema é quando a inversão
do ônus da prova é determinada em sentença. Existe uma inclinação
doutrinária
para essa possibilidade. Fica difícil para aquele que ficou incumbindo
de fazer
a prova, afinal, quando a sentença determina a inversão, significa que
a lide
já foi solucionada com a sucumbência de uma das partes, que pode não
ter sabido
que tinha a obrigação de produzir a prova. Como a inversão do ônus em
favor do
consumidor autor, e a empresa fornecedora demandada fica cerceada em
seu
direito de defesa.
Continuemos
o artigo. A
inversão do ônus da prova é um direito básico do consumidor, no caso de
hipossuficiência
e verossimilhança de suas alegações. Note que hipossuficiência não é o
mesmo
que vulnerabilidade. Nem todo consumidor é considerado hipossuficiente,
mas
todo consumidor é considerado vulnerável. O conceito de
hipossuficiência está
atrelado à questão social e à questão econômica. Se a pessoa é
hipossuficiente,
o juiz obrigatoriamente deverá inverter. Se a justiça gratuita é
concedida, a
pessoa é considerada hipossuficiente. Assim o advogado do consumidor se
aproveita desse fato e pede a inversão. Não é obrigatória; o advogado
deve
ficar esperto!
Verossimilhança
em
alegações: vimos em antecipação de tutela. Art. 273 do Código de
Processo
Civil.
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação [...] |
Prova
inequívoca ou
verossimilhança? Isso gera algumas confusões. A prova inequívoca
deveria
convencer da alegação em si, e não da verossimilhança dela. Então temos
a
palavra “verossimilhança” usada tanto no art. 273 do CPC quanto no
inciso VIII
do art. 6º do CDC. Estas duas verossimilhanças são iguais? Não são iguais. A verossimilhança do
Código de Processo Civil
requer uma prova muito robusta, difícil de desviar. Prova contundente.
Até
legitimaria um mandado de segurança, porque seria direito líquido e
certo, mas,
no âmbito da vida privada, não se pode ajuizar mandado de segurança. No
Código
de Defesa do Consumidor, temos a expressão “caso se convença...” ele
precisa
estar supedaneado em uma prova robusta? Não! A verossimilhança daqui
pode até
estar baseada em prova nenhuma, mas sim pelas circunstâncias naturais
dos
acontecimentos, dos ocorridos. Convence-se por meio da prova de
primeira
aparência. Diferente da verossimilhança do art. 273 do Código de
Processo
Civil.
Como
concluir? Este inciso é bom!
Para cair em prova, claro.
Inciso
IX:
Vetado! |
Está
explicado. Foi
vetado porque existem outras repartições do Código de Defesa do
Consumidor que
tratam da matéria que estava neste inciso IX. Uma questão de política e
outra
de língua portuguesa.
Inciso
X: é direito básico
do consumidor...
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. |
É
direito básico do
consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em
geral.
Existem vários serviços públicos que são exercidos por empresas
concessionárias
e permissionárias. Essas empresas estarão submetidas ao Código de
Defesa do
Consumidor. E o INSS, por que não está? E uma autarquia? Uma fundação
pública
como UnB também não? Veremos tudo ao seu tempo. A princípio temos que
saber que
são concessionárias e permissionárias que prestam serviços públicos e
estão
sujeitas. Veremos mais para frente por quê.
Art.
7º:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não
excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de
que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes,
bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. |