Direito do Consumidor

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Práticas abusivas


Na última aula falamos de publicidade enganosa e publicidade abusiva, e trabalhamos com a inversão do ônus da prova justamente quando se trata de publicidade enganosa e publicidade abusiva. Inverte-se o ônus e, quem tem que provar que o anúncio não é enganoso nem abusivo é o fornecedor, que faz veicular a publicidade.

Vamos agora para práticas abusivas, discriminadas no art. 39 no Código de Defesa do Consumidor.

São abusivas as práticas que atentem contra a dignidade da pessoa humana, a igualdade de origem, raça, cor e idade (art. 39, inciso IV do CDC), os direitos humanos (art. 3º, inciso II da CF), a intimidade, a vida privada a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, inciso X da CF).

Primeira coisa: a prática abusiva latu sensu é carreada de imoralidade. Quando trabalhamos com a publicidade abusiva, nós vimos que não necessariamente ela será falsa. Não necessariamente induz o consumidor em erro. A publicidade abusiva, na verdade, é discriminatória, trata o consumidor de forma aética, não ética. A prática abusiva segue essa mesma linha. É uma prática dotada de imoralidade, o que significa dizer que o fornecedor, quando trata abusivamente o consumidor, o faz de forma a discriminá-lo, a abusar de sua inocência, utilizando-se de seu poderio econômico para empurrar certos produtos e serviços ao consumidor, ou seja, a prática abusiva é imoral e aética.

O art. 39 do Código de Defesa do Consumidor traz exemplos de condutas tratadas como abusivas. Por que estamos falando que o art. 39 traz “exemplos”? Porque o art. 39 é exemplificativo e não exaustivo (ou taxativo). Então tudo aquilo que for visto como imoral ou aético pode ser considerado como prática abusiva, não necessariamente prevista dentro do CDC.

Vamos ler todos os incisos do art. 39 e entenderemos como que pode se manifestar a abusividade do fornecedor. Já sabemos uma maneira de o fornecedor tratar abusivamente o consumidor. Uma é por meio da publicidade. A publicidade abusiva é uma prática abusiva. Então já podemos dizer que a prática abusiva é gênero, que tem diversas espécies. A prática abusiva em sentido lato é a conduta imoral e aética do fornecedor perante o consumidor.

E será que não existe prática abusiva entre fornecedores? Ou a prática abusiva só se dá entre fornecedor e consumidor? Dependerá de sob qual ângulo estamos analisando a questão, sob qual ponto de vista. Se estivermos olhando sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, só existe prática abusiva feita pelo fornecedor contra o consumidor. Se estivermos olhando sob o ponto de vista da Lei 9279/96, a Lei de Propriedade Industrial, a prática abusiva pode sim ocorrer entre fornecedor e fornecedor, e existe um nome próprio para isso: concorrência desleal.

Mais uma coisa com relação às práticas abusivas: a classificação.
 

Classificação das práticas abusivas

Existem dois critérios para classificarmos as práticas abusivas. Um é quanto ao momento em que se manifestam as práticas abusivas no processo econômico, e outro critério é o jurídico-contratual.

Pelo primeiro critério, quanto ao momento em que se manifestam no processo econômico, são duas as espécies de práticas abusivas:

Muito bem.

Quando trabalhamos com uma prática produtiva abusiva, perguntamos: em que momento a prática está se manifestando? No momento em que o produto é fabricado, produzido. O produto é fabricado com desrespeito às normas técnicas impostas pelo Estado, com desrespeito aos padrões de produção fixados. Então, a prática produtiva abusiva se manifesta no momento em que o produto é gerado. O fornecedor está gerando um produto em desacordo com os padrões de construção e fabricação, em desrespeito àquilo que o Inmetro ou o Conmetro estabelecem, ou àquilo que a Anvisa estabelece. A prática abusiva produtiva se manifesta no momento da fabricação.

Note que esta classificação é doutrinário-teórica. O produto não foi posto no mercado ainda, então aparentemente não poderia ser configurada a prática abusiva. Mas só aferiremos depois que a prática abusiva se deu no momento da geração do produto. Também devemos nos perguntar: “o defeito decore da comercialização ou da fabricação do produto?” Decorre de publicidade abusiva ou enganosa, em que não se diz exatamente aquilo que o produto faz? Será que o veneno de rato não mata rato? Ou um remédio para gripe que, no momento em que se é vendido, o comerciante diz que aquele remédio é para curar frieira e não gripe. O problema não está na fabricação do remédio, mas na comercialização. Se for o caso, a prática abusiva é comercial e não produtiva.

E essa é a segunda hipótese de prática comercial: em qual outro momento se manifesta a prática abusiva? No momento em que se comercializa, como adiantado no parágrafo anterior. O art. 39, inciso VIII é o único dispositivo que trata da prática produtiva abusiva:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Todos os outros incisos do art. 39 são práticas comerciais abusivas.

Mas o momento em que se manifesta no processo mercadológico é só um critério de classificação.

Outro critério de classificação é o critério jurídico-contratual.

Existem três subespécies do critério jurídico-contratual.

Primeira: práticas abusivas contratuais. Não estamos mais falando do momento de manifestação. Quando trabalhamos com práticas abusivas contratuais, queremos dizer que existem práticas abusivas que ocorrem no interior de um contrato, no momento em que ele está se desenrolando, se aperfeiçoando. Não confundir “no interior do contrato” com “presente em alguma cláusula do instrumento”. Aqui falamos no momento em que as partes estão cumprindo suas obrigações. Nesse momento, existe um vício, uma prática abusiva.

A segunda subespécie de prática abusiva jurídico-contratual é aquela que se desenrola pós-contrato, ou seja, depois de já estabelecido o contrato. Vamos com calma.

Se estamos trabalhando com prática abusiva jurídico-contratual, estamos trabalhando com três subespécies. A contratual é a que se verifica no decorrer do contrato. Exemplo: plano de previdência privada, que o consumidor só vai terminar de pagar em 20, 30 anos. Durante todo esse período, o contrato ainda está se aperfeiçoando, porque você paga uma contribuição, um prêmio para a seguradora, que só lhe pagará a indenização daqui a muitos anos. Se ocorrer algum tipo de desvio da seguradora, ou seja, ela se comprometera a pagar uma indenização X, mas no decorrer do tempo, enquanto o contrato ainda está em vigência, ela decide baixar para 60% de X, isso é uma prática abusiva. E no curso do contrato, daí prática abusiva jurídico-contratual, porque está no interior, durante o contrato.

Terceira subespécie: práticas abusivas jurídico-contratuais pré-contratuais: Como, de que forma que podemos ver uma prática abusiva jurídico-contratual numa fase pré-contratual? Estamos vendo que prática abusiva jurídico-contratual se classifica em contratual, pré-contratual e pós-contratual. Exemplo de prática abusiva pré-contratual é aquela plaquinha com nota de isenção de responsabilidade do estacionamento por objetos deixados no interior do veículo. É cláusula em branco do sistema jurídico brasileiro.

Observação: promessa de compra e venda é regulamentada pelo Código Civil, e não pelo CDC, então cuidado.

E qual é outro grande exemplo de prática abusiva jurídico-contratual pré-contratual? A publicidade! Tanto a enganosa quanto a abusiva. A publicidade acontece antes de se realizar o contrato, e pode sim configurar uma prática abusiva. Ela virá a integrar o contrato, mas se dá antes de realizar o contrato. Como vimos, a publicidade é um convite para o consumidor contratar. Diferença é que a proposta vincula o contrato no Código de Defesa do Consumidor.

Veja o art. 39, inciso XII do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

Ele deixa de estipular um prazo para cumprir sua obrigação. Vamos tentar dar um exemplo, e não é um contrato diferido. Nós dois contratamos que irei lhe prestar um serviço de mecânica. Consertarei o motor do seu carro. No momento da contratação, você deixa seu carro em meu estabelecimento e eu digo: “fique tranquilo(a) porque vou consertar.” Você vai embora para casa e pensa. “Mas pera! Preciso do carro para amanhã!” Não é um contrato de longa duração, mas existe um vício, um defeito no contrato porque o fornecedor deixou de estipular um prazo. Só ocorre no interior do contrato.

Outro exemplo: art. 51 do Código.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

[...]

Ou seja, aquelas cláusulas que exonerem o fornecedor de responsabilidade por vícios e por fatos do produto são nulas de pleno direito. E nada têm a ver com contrato de prestação diferida. O art. 51 elenca uma série de práticas abusivas jurídico-contratuais que se classificam como contratuais.

Por via de regra, as práticas abusivas contratuais são comerciais. Se se trata de defeito de fabricação, a prática abusiva e pré-contratual.

E, finalmente, uma prática abusiva pós-contratual: negar peças de reposição. Os fornecedores devem disponibilizar no mercado, por um prazo, na forma da lei, peças de reposição. Mas, como a tal disposição legal não existe, usa-se o prazo jurisprudencial de um ano. Se por acaso você contratou, comprou o produto, quebrou, você quer a peça, o fornecedor não disponibiliza, trata-se de uma prática abusiva pós-contratual. Outro exemplo é negar ao consumidor o direito ao recall. O que é isso mesmo? Acontece muito com veículos. O carro sai com algum defeito de fábrica e o consumidor já fechou o contrato, o contrato já se aperfeiçoou, o consumidor já está andando com o veículo viciado e o fornecedor se nega a fazer o recall, mesmo diante de pedidos das entidades governamentais, se sujeitando, inclusive, a tomar uma multa pesada dos PROCONs, do DPDC, etc. Mas se o veículo saiu com defeito de fábrica, isso não seria uma prática abusiva pré-contratual? Também! Uma não exclui a outra. Fornecer produto com defeito de fabricação ou em desacordo com normas técnicas estabelecidas é prática abusiva pré-contratual. Negar o reparo é prática abusiva pós-contratual.

Vamos, então, definitivamente, ao art. 39 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;
X - (Vetado).
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
XI – (Dispositivo incluído pela MPV  nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso  XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999)
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Não vamos terminar todos os incisos hoje, mas olhem só: inciso I. Vamos colocar aqui duas espécies de proibição para o fornecedor derivadas desse inciso. Primeira proibição é que o fornecedor não pode condicionar a venda de um produto a outro. O que isso significa dizer? Proibição da famosa e notória venda casada. Como funciona isso?

Venda casada

A venda casada consiste no seguinte: o consumidor tem interesse em comprar um determinado produto, que tem características próprias, que sozinho é suficiente para satisfazer suas necessidades. Ou seja, o consumidor quer comprar um shampoo. Ótimo. Basta aquele shampoo e o consumidor já estará satisfeito. Mas o fornecedor não vende o shampoo se o consumidor não comprar o condicionador. Isso é venda casada. Por quê? Se o shampoo é vendido isoladamente, condicionar a venda do shampoo à venda do condicionador constitui venda casada.

E se no estabelecimento só tem aquela embalagem que contém um shampoo e um condicionador? Tenham calma.

Quantas salsichas vêm num pacotinho? 12? E quantos pães de cachorro-quente num pacote? Nove. Há um problema sério na mente dos fornecedores? Eles não têm condições de imaginar a diferença entre 12 e 9? Vender 12 salsichas ao invés de 9 é venda casada? Sabemos que não.

Mais um exemplo bem vívido: uma pessoa só tem um braço; é maneta. Vai comprar luvas porque pretende viajar para o Canadá. Tenta comprar uma única luva, mas o comerciante só vende o par. Indignado, o deficiente responde: “Deixe de ser imbecil! Sou maneta! Quero só uma!” O que vocês acham disso?

A grande chave é: qual é o produto? No caso do shampoo e condicionador, trata-se de um produto coletivo. E no caso de um shampoo vendido isoladamente, o produto é individual. Quem irá dizer? O fornecedor que disponibiliza o produto na fabricação. O que significa que se o fabricante do produto o fabricou como um kit, então o produto é coletivo. Trata-se de um produto coletivo, é mais de uma unidade. Só a embalagem propriamente dita que irá mostrar que aquele produto é coletivo. É o fornecedor fabricante que determina a extensão do produto.

Estamos falando do fornecedor que disponibiliza o produto no mercado. Shampoo, por exemplo. Dentro de uma única embalagem, com a base, a publicidade, o shampoo e o condicionador. É um produto coletivo. A fabricante também disponibiliza só o shampoo e só o condicionador. Sem problema.

Agora imagine que o dono da farmácia pegue um saco plástico e junte o shampoo e o condicionador. É venda casada? É. Isso porque o comerciante está transformando o produto individual em coletivo. E só o fabricante pode fazer isso.

Lâminas de barbear: em geral o fornecedor disponibiliza caixas com duas ou quatro. O consumidor não pode exigir que se venda somente uma, pela metade do valor do par. O fornecedor poderá dizer: “se quiser, procure outro fornecedor que disponibilize somente uma.”

Outra questão que pode ser suscitada em relação à venda casada é a compra de ingressos para os jogos da Copa de 2010 que se realizarem no Rio. Você, que tem parentes na cidade, já tem onde ficar. Então você pede à agência de turismo que lhe venda um pacote somente com o ingresso e com a passagem. Mas a agência só comercializa pacotes com o ingresso + a passagem + a hospedagem. Isso não é venda casada, pois é a própria agência que coloca o serviço de agenciamento no mercado. Ela determina o pacote dela.

Mais um: você vai assistir no fim de semana na sala “XD” ao filme "Os Três Mosqueteiros." Você chega lá no cinema e, claro, não quer deixar de comer uma boa pipoca para acompanhar o filme. Mas você não quer comprar a pipoca de R$ 400,00. Então você compra em outro lugar, e a Coca você leva de casa mesmo, naquele copo plástico que você ganhou de brinde na Copa de 94. Chega ao cinema e, quando você vai entrar com seu próprio copo e a pipoca debaixo do braço, o recepcionista o barra. “Você não pode entrar no cinema com esse copo de 1994!” O que você acha? É venda casada? E aqui sim, a resposta certa é “depende”. Já vimos isso antes. Se o fornecedor vende pipoca dentro do cinema e nega sua entrada porque você está de pipoca do concorrente, o que acontece neste caso é venda casada, porque ele condiciona você a assistir o filme comendo a pipoca dele. Mas não são coisas diferentes, pipoca e filme? Serviço e produto? Significa que, se só se pode comprar aquela pipoca, que é a dele, então temos venda casada, e o fornecedor está condicionando. O fornecedor poderá impedir quando ele não fornecer o produto, então te impede por outros motivos, tais como questões de segurança ou higiene. Neste caso é justificável, e a proibição seria de entrar com “alimentos” ou com “bebidas”.

Observação: relação entre concorrentes não importa ao consumidor. Se está sendo servida cerveja dentro de uma festa pública, mas a fabricante de cerveja que patrocina o evento exigiu exclusividade, para que só a marca daquela fabricante seja vendida lá dentro, você poderá entrar com sua cerveja da concorrente. Claro que, na prática, você terá que dobrar o segurança. A não ser que a proibição da festa seja quanto a “entrar com garrafas de vidro”: você caminha em direção ao portão de entrada carregando uma garrafa long neck enquanto a organização só permitiu que se vendesse cerveja em lata. Aí sim, não haverá venda casada, pois o fundamento da proibição pode ser a prevenção do uso de cacos de vidro como arma.

Vamos adiante. Isso tudo foi só a primeira proibição. Na venda casada, O produto é vendido só se estiver atrelado a outro. Prática abusiva.

Segundo tipo de proibição, ainda no inciso I, é a condição quantitativa.

Vejam: o consumidor tem o direito de comprar mais de um produto igual ao outro. Mas o fornecedor não tem o direito de forçar a venda de produtos iguais juntos se eles puderem ser consumidos isoladamente ou se também forem oferecidos isoladamente. Exemplo: óleo de cozinha. Não falamos mais de shampoo e condicionador, nem de cinema e pipoca, que são, no primeiro caso, produtos diferentes e, no segundo, mescla de produto com serviço. Aqui, o que o fornecedor não pode fazer é condicionar a venda de um produto, que é igual a outro, à aquisição em determinadas quantidades. Se o óleo de soja é vendido isoladamente, o comerciante não pode juntar os dois e vender no mínimo duas embalagens de cada vez. Isso é venda irregular em conjunto, o que significa dizer que, se o consumidor quiser comprar dois óleos, ele pode, mas o comerciante não poderá juntar dois. É um tipo de venda casada que chamamos de condicionante quantitativa.

Existe outra coisa chamada limite de estoque. Agora temos uma proibição para o consumidor. A priori, ele pode comprar quantos produtos iguais ele quiser. Mas o fornecedor pode se negar a vender uma quantidade exagerada de produtos, ou, até mesmo, se negar a vender mais de um produto para um mesmo consumidor. Por quê? Existe uma justificativa plausível. Limite de estoque. Já viram aquelas publicidades: “venda limitada a um CPF”? A justificativa é que o fornecedor tem um estoque limitado. E, tendo uma quantidade limitada de exemplares para vender, ele preferirá vender para cem diferentes pessoas do que cem unidades para um único consumidor. Será melhor para o negócio. Ele terá que provar que tem o estoque limitado, se demandado numa ação em que se questiona o porquê de não vender “regularmente”. Não precisa ser veiculada anteriormente a condição de venda.

Vamos ao inciso II:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

[...]

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

Recusa ao atendimento à demanda do consumidor. Exemplo: Ticiana foi para o Garota Carioca com as amigas comemorar aquele aniversário e toma todas, se acaba. Sai de lá troncha, torta. Ela decide que não tem condições de dirigir. Mas ela mora ali na 302 Norte! Poderia só atravessar a pista, mesmo que não esteja vendo a pista. Chama um taxi, mas o taxista diz: “minha senhora, eu mesmo estou vendo seu prédio daqui. É aqui do lado! De jeito nenhum farei uma viagem só para te levar até ali!” Ela responde: você não tá entendendo! E aí, o taxista pode negar? Porque Ticiana, saindo do Garota, estará certamente com um CDC na bolsa, e lê para o taxista o inciso II do art. 39. “Tem que levar, meu amigo!” Mesmo que só 500 metros de viagem. “Você não pode recusar a demanda do consumidor se você tem o produto ou serviço à disposição!” Obviamente, claro, limitado ao estoque. Mas aqui falamos de serviços.

Outro exemplo: outro consumidor passa um cheque sem fundo para um posto de gasolina. O que acontece? O fornecedor, que recebeu aquele cheque, fica furioso, mesmo que o sujeito tenha aparecido depois e quitado a dívida. Numa vez futura, o cidadão tenta pagar com cheque novamente, mas o frentista nega seu cheque. Cheque é ordem de pagamento à vista, então, em regra, o posto teria que cumprir a demanda do consumidor. Mas há exceções à obrigação de aceitar cheque que vamos ver na próxima aula.