Na aula passada falávamos sobre
consumidor. Recapitulando:
trabalhamos com o elemento teleológico da relação de consumo, que é
formada pelos
elementos subjetivos, que são consumidor e fornecedor, o objetivo, que
é o objeto
da relação, e o elemento teleológico, que define se uma pessoa é ou não
consumidora do ponto de vista da intenção. Qual a intenção daquele que
adquire produtos
ou serviços no mercado.
Trabalhamos com duas correntes muito
importantes: primeira
foi a maximalista, ou objetiva, e a segunda, a finalista ou subjetiva.
Pela
maximalista, não importa a intenção do consumidor. Não importa se este
comprará
o produto para fins econômicos. Ele poderá comprar livro para usar na
advocacia, adquirir ou materiais de escritório. Isso não retira dele a
característica de consumidor. O intuito econômico não importa. Por
outro lado,
vimos que, pela teoria finalista, importa o intuito daquele que compra
do
produto ou adquire o serviço, na medida em que se ele adquire o serviço
e, com
este, lucrará de alguma forma, ou com o produto, então pela teoria
finalista
este que adquiriu o produto com a intenção de lucrar não será
considerado
consumidor. Significa dizer que pela teoria finalista pura, um advogado
que
compra um livro de direito para elaborar uma petição não é consumidor,
porque
tem a intenção de lucro.
A pergunta é: qual das duas teorias
prevalece no ordenamento
jurídico brasileiro mesmo? Nenhuma das duas. Existe uma terceira
corrente, que
é uma derivação da segunda, que é a teoria do finalismo aprofundado,
muito bem
defendida por Claudia Lima Marques, adotada pelo STJ, que será
consumidor toda
pessoa física ou jurídica que, no caso concreto, se apresentar como
vulnerável.
Se houver vulnerabilidade fática, técnica ou jurídica, então esta
pessoa, seja
física ou jurídica, poderá ser considerada consumidor.
Isso é fundamental, e assim
conseguimos classificar o
consumidor, e, a partir do momento em que conseguimos classificá-lo,
temos uma relação
jurídica de consumo. E só existe a incidência do Código de Defesa do
Consumidor
se houver a relação jurídica de consumo. O objeto é bem simples:
produtos ou
serviços.
O negócio é o seguinte: tudo o que
vimos na aula passada,
que é muito importante, se restringe a um único artigo, que é o art. 2º
do
Código de Defesa do Consumidor.
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. [...] |
Mas temos quatro conceitos de
consumidor dentro do Código de
Defesa do Consumidor. Falamos só de um deles! Trabalhamos com o caput
do art.
2º. Existem mais três. E, de forma perfunctória,
superficial, vamos ver os três outros conceitos. De forma superficial
porque
não entraremos diretamente nesses conceitos aprofundando. Teremos o
momento
certo. Temos que ter em mente todos os conceitos de consumidor porque
estamos
vendo a relação jurídica de consumo.
O segundo dispositivo que conceitua o
consumidor é o parágrafo
único do mesmo art. 2º.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. |
A coletividade de pessoas equipara-se
a consumidor. O que
esse parágrafo quer dizer? Que hoje o consumidor é visto como um grupo,
uma
categoria diferenciada, e, enquanto categoria, poderão ser reconhecidos
direitos que chamamos de metaindividuais, ou transindividuais. Como
assim?
Temos a categoria dos trabalhadores. Temos a categoria dos funcionários
de uma
siderúrgica. E também a categoria dos servidores públicos, e hoje temos
a
categoria dos consumidores. E esta categoria assim reconhecida possui
um
direito metaindividual. O que significa dizer isso? Que, quando há a
violação a
um direito metaindividual por uma determinada empresa, como um carro
sair de fábrica
com um defeito, prejudicando cem mil consumidores, como se trata de um
direito
de uma categoria, existe um órgão que pode fiscalizar, controlar, e que
pode,
em nome desta categoria, ajuizar uma ação em defesa dessa categoria.
Diga-se,
antes de qualquer coisa, que não existe sindicato dos consumidores.
Quem faria
sua função é o próprio Ministério Público. Quem defende em juízo
direitos metaindividuais
essencialmente é o Ministério Público. E não somente o MP. Sou
procurador, e
quero ajuizar uma ação contra determinada fábrica que lançou no mercado
veículos com um vício. O que posso fazer? Aproveitar-me do art. 2º,
parágrafo
único e dizer que consumidor é a coletividade de pessoas. Como defendo
interesses coletivos, eu posso, em nome próprio, como membro do MP,
ajuizar uma
ação fundamentando minha legitimidade no art. 2º, parágrafo único, do
CDC.
Note que consumidor não é mais
somente o indivíduo. Se
fosse, cada um teria que defender sua própria causa. Já que é
categoria, o Ministério
Público pode defendê-la. E se aproveita do parágrafo único do art. 2º
para
ajuizar uma ação, e demonstra em juízo que tem legitimidade. O
parágrafo único
do art. 2º serve aos órgãos de proteção de direitos coletivos,
metaindividuais.
Se você está com um problema, e está com o liquidificador quebrado em
casa e
vai ajuizar uma ação contra a Walita, você fundamentará no caput do
art. 2º, e
não do parágrafo único daquele artigo. Você quer mostrar sua
legitimidade
individual, em defesa de seu direito individual enquanto consumidor.
Ou, se
você for representante de um órgão de defesa do consumidor, IDEC por
exemplo,
você fundamentará no parágrafo único. Não é somente o MP que fundamenta
a legitimidade no
parágrafo único do art. 2º.
Outra observação: ser a empresa
demandada de abrangência
nacional não faz deslocar a competência para a Justiça Federal. O que
faz
deslocar a Justiça Federal é o interesse da União. Não interessa a
localização
da sede para a fixação da competência.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. |
Vejam: Dona Clotilde, que está
próxima de seus 120 anos, com
seu andador, atravessando na faixa de pedestres, a uma velocidade de
0,25km/h,
é atropelada por um ônibus. Dona Clotilde não estava dentro do ônibus e
não
havia pagado a passagem. Pode até ter terminado dentro dele ao final desse processo.
Mas não estabeleceu um contrato com a empresa de transportes. A
pergunta é:
neste caso, dona Clotilde poderia se aproveitar do Código de Defesa do
Consumidor para defender, em juízo, seus direitos? Ou ela terá que
recorrer ao
Código Civil e pedir o reconhecimento da responsabilidade civil da
empresa?
Existe uma relação de consumo
“envolvida nesse evento”? Como
assim uma relação de consumo envolvida? Alguém está prestando serviço
para
alguém, e ganhando dinheiro com isso? Sim. Uma empresa de ônibus está
prestando
o serviço e ganhando com a tarifa que se cobra. Há a relação de
consumo, mas a
priori seria entre o passageiro e a empresa prestadora do serviço. Mas,
em
virtude da prestação do serviço, houve um acidente, um atropelamento. A
vítima
equipara-se, para efeitos jurídicos, a consumidor, mesmo que não tenha
contratado os serviços de transporte.
Mais um caso: churrascão na casa da
Tawanna, com cerveja, no
jogo do Flamengo sábado que vem. Vitor foi convidado. Ele, como um bom
apreciador
de bebidas alcoólicas, resolve beber cerveja. Mas Tawanna ofereceu uma
cerveja
completamente excêntrica, e Vitor não sabia abrir a lata. Quando
conseguiu,
cortou a mão. Vitor pode ajuizar uma ação com base no Código de Defesa
do
Consumidor contra a empresa que fabricou essa cerveja? Pode! Há relação
jurídica, mesmo que quem a tenha adquirido seja a Tawanna. Vitor é
vítima
do evento, de um acidente de consumo. Ele se equipara a consumidor.
E, se demandar contra a empresa
fornecedora da cerveja,
Vitor provavelmente pedirá inversão do ônus da prova, imediatamente.
Mais um conceito de consumidor. Art.
29 do Código:
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. |
Temos que ler para saber do que se
trata este capítulo
referido pelo art. 29. O capítulo é “Das Práticas Comerciais”. Vamos
entrar um
pouco mais nas práticas comerciais. Quando o CDC se refere às práticas
comerciais, ele trabalha basicamente com duas coisas: cláusulas
abusivas em um
contrato, e publicidade. Vamos ver a publicidade: todos aqueles que
estiverem
sujeitos a uma publicidade enganosa ou abusiva têm legitimidade para
ajuizar uma
ação e são considerados consumidores. Então, o fato de estarmos sujeitos, por
exemplo, a
uma publicidade, já nos classifica como consumidores. "Mas não vi o
anúncio, e
não liguei a TV quando passava a propaganda!" Isso não importará. Basta
que
estejamos sujeitos à publicidade. Não vi a publicidade, e poderíamos
ter visto.
A publicidade é potencialmente prejudicial.
Quando se trata de publicidade,
acabará que, em vista do
desinteresse daqueles em ajuizarem uma ação por publicidade enganosa ou
abusiva, e pela abstração, quem irá acionar, na maioria das vezes, será
o
Ministério Público. Mas já saibam: todos os que estiverem expostos a
práticas
comerciais são considerados consumidores para efeito do art. 29 do
Código do
Consumidor. Ou seja, temos, agora, quatro definições de consumidor.
Mais interessante é o seguinte: se
todos que estão expostos
são consumidores, então por que vimos toda aquela teoria do art. 2º,
caput? É
que nem todos são consumidores. Quando virmos o art. 29 e seguintes,
veremos as
práticas comerciais que classificarão as pessoas como consumidores.
Vítima de
acidente é consumidor pelo art. 17, e não pelo art. 29. Significa que
estamos
trabalhando com o conceito de consumidor de forma superficial porque
não vimos
ainda direitos difusos e coletivos aplicados ao Código de Defesa do
Consumidor.
Também não vimos ainda fato do produto e do serviço. Por isso não temos
ainda
como ver com precisão o que quer dizer o art. 17, e também não vimos
práticas comerciais.
Mas, de antemão, já sabemos que existem quatro conceitos. Art. 2º,
caput, art.
2º, parágrafo único, art. 17 e art. 29.
Não se busca acionar a empresa por
dano hipotético, mas por
dano potencial. A sanção pode se dar em três esferas: civil, quando
temos um
dano efetivo, administrativa, pela mera potencialidade, ou na penal,
quando há
a satisfação da conduta tipificada.
Diálogo das
fontes
Expressão adorada por doutrinadores
de Direito do
Consumidor, introduzida no Direito Brasileiro por Claudia Marques. Explica de que maneira que o
CDC
dialoga com, primeiramente, o Código Civil; quando o CDC irá prevalecer,
quando o
Código Civil irá prevalecer, e como o CDC se comporta em relação a
outras leis.
Para o Código de Defesa do Consumidor, todos os fornecedores são
solidários.
Art. 6º. Ou seja, desde aquele que produz, que cria, aquele que
distribui, até
o comerciante seriam solidários, em tese. Viaje um pouco e vamos
trabalhar com
um tipo de produto intelectual. Exemplo: música ou filme, bem
imaterial, que não se
esgota. É interessante a questão de não se esgotar porque nós, no
mundo, temos
bens esgotáveis e bens não esgotáveis. O livro é esgotável porque não
pode ser
possuído simultaneamente. Nem todos têm acesso a bens materiais. Mas
músicas
não são retiráveis, não são esgotáveis. O controle sobre isso se torna
muito
difícil, principalmente com a Internet. Daí o diálogo das fontes. Temos
uma
determinada música, e todos os fornecedores são responsáveis. Compro um
CD do Roberto
Carlos, maneiríssimo. Ele vem com um arranhado. É um produto viciado, e
não consigo ouvir. Enquanto pessoa leiga, acionamos quem? Todos na
cadeia de
consumo, e são solidários. Quem certamente tem dinheiro? Roberto
Carlos!
E se a música for horrível para um
entusiasta de Roberto
Carlos? Digamos, RC inventou de abandonar seu estilo tradicional para
tocar thrash
metal? A música não atende suas legítimas expectativas enquanto fã e
consumidor
das canções do Rei. Você irá mover uma ação contra ele? Nisso entra em jogo novamente
a
autora Claudia Lima Marques dizendo: há que se fazer o diálogo do Código de Defesa do Consumidor com a
Lei 9610/96,
a Lei de Direitos Autorais, que prevê a liberdade na criação, e uma
terá que
limitar a outra. Daí esse problema: limites. Posso me classificar como
consumidor? Sim. Mas até que limite? Pode-se classificar como
consumidor
sempre, mas há limites legais por causa do diálogo das fontes. Mas, se
há
relação de consumo, há necessariamente incidência do Código de Defesa
do
Consumidor. Por exemplo, RC e sua venda do álbum “revolucionário”.
Fornecedor
Primeiramente, ao conceito: fornecedor é aquele que atua profissionalmente no
mercado recebendo
remuneração direta ou indireta pela produção e distribuição de bens e
serviços.
Vamos fazer agora um trabalho
inverso: excluímos determinadas
pessoas do rol de fornecedores. Vimos o conceito, e vamos agora
observar aquilo
para classificar alguém como não
fornecedor.
Quando a atividade desenvolvida é não
profissional, ou é casual, ou eventual, este sujeito não pode ser considerado fornecedor.
Quando
temos alguém que fornece produtos ou serviços no mercado, este alguém
poderá
fornecer este produto ou serviço de duas maneiras. Primeira: faz isso
todos os
dias, ganha dinheiro com isso, vive disso, e transforma essa atividade
numa
atividade efetivamente remunerada, que irá gerar dividendos ou
benefícios
diretos ou indiretos. É um corretor de imóveis, uma empresa que vende
determinado produto ou presta determinado serviço. Mas aquele que
adquire um
produto e, no momento em que não lhe serve mais, resolve vender,
colocando no Mercado
Livre, o vendedor, que não tem uma atividade profissional e que
eventualmente
resolve disponibilizar o bem, não poderá ser, de forma alguma, ser
considerado
fornecedor.
Um pouco além: teremos que voltar, só
para compreendermos, àqueles conceitos que vimos quando trabalhávamos com a doutrina
finalista. Se
um sujeito compra determinado produto já com a intenção de revendê-lo,
ele
deverá ser considerado fornecedor. Então temos que juntar as duas
coisas agora:
você vai para os Estados Unidos, compra 10 computadores, consegue
passar na
alfandega, e surge a pergunta: você pode ser classificado como
fornecedor? Você
só foi uma vez. Você venderá nove no Brasil. E começa a vendê-los. Você
pode
ser classificado como fornecedor? Não existe habitualidade, e não é uma
atividade profissional. O conceito de fornecedor é facilmente
trabalhável
juridicamente.
Você pode alegar que não é
fornecedor, mas por outro lado
você comprou nove e venderá para nove pessoas diferentes. Isso
caracterizaria
sua profissionalização, o que te colocaria como fornecedor. É uma
questão
nebulosa. Então, na verdade, irá depender muito do caso concreto para
que
possamos interpretar alguém como fornecedor ou não. O professor afirma,
com
plena certeza, que nós não seriamos considerados fornecedores se
comprássemos
um único computador para revender aqui no Brasil. A partir do momento
em que
temos nove computadores, um vendido atrás do outro, isso caracteriza
certa profissionalização.
Partindo, claro, do ponto de vista subjetivíssimo.
E o porteiro que faz bicos? Trabalha
principalmente como
Coordenador de Movimentação Interna do condomínio, mas, quando
interfonamos
para ele, ele vem resolver nosso problema de vazamento ou fazer papel
de
eletricista. Podemos colocar com plena certeza: e eventualidade
desconfigura a
característica de fornecedor de serviços. A relação não chega a
apresentar o
desequilíbrio a ponto de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor.
Qual é o
desequilíbrio? Técnico, jurídico, fático?
Outro problema temos quando vemos um
investidor imobiliário interessado
em vender seus dois imóveis vagos. O investidor é proprietário de três,
mas
mora em um, e está interessado em vender os outros dois. Para conseguir
rapidamente, ele dá uma leve baixada no preço e anuncia em outdoors.
Não só um
ou dois, mas em vários espalhados pela cidade. Nessas condições, é
possível
argumentar que a colocação do anúncio em outdoors caracteriza a
profissionalização.
Quando o sujeito compra a coisa com a
intenção de vendê-la,
em outras palavras, com fins econômicos, ele terá que ser classificado
como
fornecedor, e não como consumidor. Será o que chamamos de fornecedor
intermediário. Mas há que se adequar a postura ou o conceito de
fornecedor com
o conceito de consumidor. Se ele vai para os Estados Unidos, compra um
computador, quer vender aqui, ele pode ser considerado fornecedor? Não,
porque não
existe profissionalização nem habitualidade. Então temos que juntar o
conceito
de consumidor com o conceito de fornecedor. Se ele, agora, resolve
comprar dez
computadores para vender aqui no Brasil? Aí sim. Tanto pelo conceito de
consumidor, aquele que compra com o intuito de lucro, como pelo
conceito de
fornecedor, uma atividade que se torna profissional. O que estamos
fazendo?
Juntando dois conceitos. Se trabalharmos só com um, poderemos achar que
o
sujeito é consumidor. Pode não ser! Devemos, ao mesmo tempo, trabalhar
com o
conceito de fornecedor.
Para ser consumidor, o sujeito tem
que ser destinatário
final, independente de qual a teoria adotada!