Direito do Consumidor

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Conclusão da relação de consumo, diálogo das fontes e conceito de fornecedor



Na aula passada falávamos sobre consumidor. Recapitulando: trabalhamos com o elemento teleológico da relação de consumo, que é formada pelos elementos subjetivos, que são consumidor e fornecedor, o objetivo, que é o objeto da relação, e o elemento teleológico, que define se uma pessoa é ou não consumidora do ponto de vista da intenção. Qual a intenção daquele que adquire produtos ou serviços no mercado.

Trabalhamos com duas correntes muito importantes: primeira foi a maximalista, ou objetiva, e a segunda, a finalista ou subjetiva. Pela maximalista, não importa a intenção do consumidor. Não importa se este comprará o produto para fins econômicos. Ele poderá comprar livro para usar na advocacia, adquirir ou materiais de escritório. Isso não retira dele a característica de consumidor. O intuito econômico não importa. Por outro lado, vimos que, pela teoria finalista, importa o intuito daquele que compra do produto ou adquire o serviço, na medida em que se ele adquire o serviço e, com este, lucrará de alguma forma, ou com o produto, então pela teoria finalista este que adquiriu o produto com a intenção de lucrar não será considerado consumidor. Significa dizer que pela teoria finalista pura, um advogado que compra um livro de direito para elaborar uma petição não é consumidor, porque tem a intenção de lucro.

A pergunta é: qual das duas teorias prevalece no ordenamento jurídico brasileiro mesmo? Nenhuma das duas. Existe uma terceira corrente, que é uma derivação da segunda, que é a teoria do finalismo aprofundado, muito bem defendida por Claudia Lima Marques, adotada pelo STJ, que será consumidor toda pessoa física ou jurídica que, no caso concreto, se apresentar como vulnerável. Se houver vulnerabilidade fática, técnica ou jurídica, então esta pessoa, seja física ou jurídica, poderá ser considerada consumidor.

Isso é fundamental, e assim conseguimos classificar o consumidor, e, a partir do momento em que conseguimos classificá-lo, temos uma relação jurídica de consumo. E só existe a incidência do Código de Defesa do Consumidor se houver a relação jurídica de consumo. O objeto é bem simples: produtos ou serviços.

O negócio é o seguinte: tudo o que vimos na aula passada, que é muito importante, se restringe a um único artigo, que é o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Mas temos quatro conceitos de consumidor dentro do Código de Defesa do Consumidor. Falamos só de um deles! Trabalhamos com o caput do art. 2º. Existem mais três. E, de forma perfunctória, superficial, vamos ver os três outros conceitos. De forma superficial porque não entraremos diretamente nesses conceitos aprofundando. Teremos o momento certo. Temos que ter em mente todos os conceitos de consumidor porque estamos vendo a relação jurídica de consumo.

O segundo dispositivo que conceitua o consumidor é o parágrafo único do mesmo art. 2º.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

A coletividade de pessoas equipara-se a consumidor. O que esse parágrafo quer dizer? Que hoje o consumidor é visto como um grupo, uma categoria diferenciada, e, enquanto categoria, poderão ser reconhecidos direitos que chamamos de metaindividuais, ou transindividuais. Como assim? Temos a categoria dos trabalhadores. Temos a categoria dos funcionários de uma siderúrgica. E também a categoria dos servidores públicos, e hoje temos a categoria dos consumidores. E esta categoria assim reconhecida possui um direito metaindividual. O que significa dizer isso? Que, quando há a violação a um direito metaindividual por uma determinada empresa, como um carro sair de fábrica com um defeito, prejudicando cem mil consumidores, como se trata de um direito de uma categoria, existe um órgão que pode fiscalizar, controlar, e que pode, em nome desta categoria, ajuizar uma ação em defesa dessa categoria. Diga-se, antes de qualquer coisa, que não existe sindicato dos consumidores. Quem faria sua função é o próprio Ministério Público. Quem defende em juízo direitos metaindividuais essencialmente é o Ministério Público. E não somente o MP. Sou procurador, e quero ajuizar uma ação contra determinada fábrica que lançou no mercado veículos com um vício. O que posso fazer? Aproveitar-me do art. 2º, parágrafo único e dizer que consumidor é a coletividade de pessoas. Como defendo interesses coletivos, eu posso, em nome próprio, como membro do MP, ajuizar uma ação fundamentando minha legitimidade no art. 2º, parágrafo único, do CDC.

Note que consumidor não é mais somente o indivíduo. Se fosse, cada um teria que defender sua própria causa. Já que é categoria, o Ministério Público pode defendê-la. E se aproveita do parágrafo único do art. 2º para ajuizar uma ação, e demonstra em juízo que tem legitimidade. O parágrafo único do art. 2º serve aos órgãos de proteção de direitos coletivos, metaindividuais. Se você está com um problema, e está com o liquidificador quebrado em casa e vai ajuizar uma ação contra a Walita, você fundamentará no caput do art. 2º, e não do parágrafo único daquele artigo. Você quer mostrar sua legitimidade individual, em defesa de seu direito individual enquanto consumidor. Ou, se você for representante de um órgão de defesa do consumidor, IDEC por exemplo, você fundamentará no parágrafo único. Não é somente o MP que fundamenta a legitimidade no parágrafo único do art. 2º.

Outra observação: ser a empresa demandada de abrangência nacional não faz deslocar a competência para a Justiça Federal. O que faz deslocar a Justiça Federal é o interesse da União. Não interessa a localização da sede para a fixação da competência.

 Próximo conceito de consumidor: art. 17 do Código:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Vejam: Dona Clotilde, que está próxima de seus 120 anos, com seu andador, atravessando na faixa de pedestres, a uma velocidade de 0,25km/h, é atropelada por um ônibus. Dona Clotilde não estava dentro do ônibus e não havia pagado a passagem. Pode até ter terminado dentro dele ao final desse processo. Mas não estabeleceu um contrato com a empresa de transportes. A pergunta é: neste caso, dona Clotilde poderia se aproveitar do Código de Defesa do Consumidor para defender, em juízo, seus direitos? Ou ela terá que recorrer ao Código Civil e pedir o reconhecimento da responsabilidade civil da empresa?

Existe uma relação de consumo “envolvida nesse evento”? Como assim uma relação de consumo envolvida? Alguém está prestando serviço para alguém, e ganhando dinheiro com isso? Sim. Uma empresa de ônibus está prestando o serviço e ganhando com a tarifa que se cobra. Há a relação de consumo, mas a priori seria entre o passageiro e a empresa prestadora do serviço. Mas, em virtude da prestação do serviço, houve um acidente, um atropelamento. A vítima equipara-se, para efeitos jurídicos, a consumidor, mesmo que não tenha contratado os serviços de transporte.

Mais um caso: churrascão na casa da Tawanna, com cerveja, no jogo do Flamengo sábado que vem. Vitor foi convidado. Ele, como um bom apreciador de bebidas alcoólicas, resolve beber cerveja. Mas Tawanna ofereceu uma cerveja completamente excêntrica, e Vitor não sabia abrir a lata. Quando conseguiu, cortou a mão. Vitor pode ajuizar uma ação com base no Código de Defesa do Consumidor contra a empresa que fabricou essa cerveja? Pode! Há relação jurídica, mesmo que quem a tenha adquirido seja a Tawanna. Vitor é vítima do evento, de um acidente de consumo. Ele se equipara a consumidor.

E, se demandar contra a empresa fornecedora da cerveja, Vitor provavelmente pedirá inversão do ônus da prova, imediatamente.

Mais um conceito de consumidor. Art. 29 do Código:

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Temos que ler para saber do que se trata este capítulo referido pelo art. 29. O capítulo é “Das Práticas Comerciais”. Vamos entrar um pouco mais nas práticas comerciais. Quando o CDC se refere às práticas comerciais, ele trabalha basicamente com duas coisas: cláusulas abusivas em um contrato, e publicidade. Vamos ver a publicidade: todos aqueles que estiverem sujeitos a uma publicidade enganosa ou abusiva têm legitimidade para ajuizar uma ação e são considerados consumidores. Então, o fato de estarmos sujeitos, por exemplo, a uma publicidade, já nos classifica como consumidores. "Mas não vi o anúncio, e não liguei a TV quando passava a propaganda!" Isso não importará. Basta que estejamos sujeitos à publicidade. Não vi a publicidade, e poderíamos ter visto. A publicidade é potencialmente prejudicial.

Quando se trata de publicidade, acabará que, em vista do desinteresse daqueles em ajuizarem uma ação por publicidade enganosa ou abusiva, e pela abstração, quem irá acionar, na maioria das vezes, será o Ministério Público. Mas já saibam: todos os que estiverem expostos a práticas comerciais são considerados consumidores para efeito do art. 29 do Código do Consumidor. Ou seja, temos, agora, quatro definições de consumidor.

Mais interessante é o seguinte: se todos que estão expostos são consumidores, então por que vimos toda aquela teoria do art. 2º, caput? É que nem todos são consumidores. Quando virmos o art. 29 e seguintes, veremos as práticas comerciais que classificarão as pessoas como consumidores. Vítima de acidente é consumidor pelo art. 17, e não pelo art. 29. Significa que estamos trabalhando com o conceito de consumidor de forma superficial porque não vimos ainda direitos difusos e coletivos aplicados ao Código de Defesa do Consumidor. Também não vimos ainda fato do produto e do serviço. Por isso não temos ainda como ver com precisão o que quer dizer o art. 17, e também não vimos práticas comerciais. Mas, de antemão, já sabemos que existem quatro conceitos. Art. 2º, caput, art. 2º, parágrafo único, art. 17 e art. 29.

Não se busca acionar a empresa por dano hipotético, mas por dano potencial. A sanção pode se dar em três esferas: civil, quando temos um dano efetivo, administrativa, pela mera potencialidade, ou na penal, quando há a satisfação da conduta tipificada.
 

Diálogo das fontes

Expressão adorada por doutrinadores de Direito do Consumidor, introduzida no Direito Brasileiro por Claudia Marques. Explica de que maneira que o CDC dialoga com, primeiramente, o Código Civil; quando o CDC irá prevalecer, quando o Código Civil irá prevalecer, e como o CDC se comporta em relação a outras leis. Para o Código de Defesa do Consumidor, todos os fornecedores são solidários. Art. 6º. Ou seja, desde aquele que produz, que cria, aquele que distribui, até o comerciante seriam solidários, em tese. Viaje um pouco e vamos trabalhar com um tipo de produto intelectual. Exemplo: música ou filme, bem imaterial, que não se esgota. É interessante a questão de não se esgotar porque nós, no mundo, temos bens esgotáveis e bens não esgotáveis. O livro é esgotável porque não pode ser possuído simultaneamente. Nem todos têm acesso a bens materiais. Mas músicas não são retiráveis, não são esgotáveis. O controle sobre isso se torna muito difícil, principalmente com a Internet. Daí o diálogo das fontes. Temos uma determinada música, e todos os fornecedores são responsáveis. Compro um CD do Roberto Carlos, maneiríssimo. Ele vem com um arranhado. É um produto viciado, e não consigo ouvir. Enquanto pessoa leiga, acionamos quem? Todos na cadeia de consumo, e são solidários. Quem certamente tem dinheiro? Roberto Carlos!

E se a música for horrível para um entusiasta de Roberto Carlos? Digamos, RC inventou de abandonar seu estilo tradicional para tocar thrash metal? A música não atende suas legítimas expectativas enquanto fã e consumidor das canções do Rei. Você irá mover uma ação contra ele? Nisso entra em jogo novamente a autora Claudia Lima Marques dizendo: há que se fazer o diálogo do Código de Defesa do Consumidor com a Lei 9610/96, a Lei de Direitos Autorais, que prevê a liberdade na criação, e uma terá que limitar a outra. Daí esse problema: limites. Posso me classificar como consumidor? Sim. Mas até que limite? Pode-se classificar como consumidor sempre, mas há limites legais por causa do diálogo das fontes. Mas, se há relação de consumo, há necessariamente incidência do Código de Defesa do Consumidor. Por exemplo, RC e sua venda do álbum “revolucionário”.
 

Fornecedor

Primeiramente, ao conceito: fornecedor é aquele que atua profissionalmente no mercado recebendo remuneração direta ou indireta pela produção e distribuição de bens e serviços.

Vamos fazer agora um trabalho inverso: excluímos determinadas pessoas do rol de fornecedores. Vimos o conceito, e vamos agora observar aquilo para classificar alguém como não fornecedor.

Quando a atividade desenvolvida é não profissional, ou é casual, ou eventual, este sujeito não pode ser considerado fornecedor. Quando temos alguém que fornece produtos ou serviços no mercado, este alguém poderá fornecer este produto ou serviço de duas maneiras. Primeira: faz isso todos os dias, ganha dinheiro com isso, vive disso, e transforma essa atividade numa atividade efetivamente remunerada, que irá gerar dividendos ou benefícios diretos ou indiretos. É um corretor de imóveis, uma empresa que vende determinado produto ou presta determinado serviço. Mas aquele que adquire um produto e, no momento em que não lhe serve mais, resolve vender, colocando no Mercado Livre, o vendedor, que não tem uma atividade profissional e que eventualmente resolve disponibilizar o bem, não poderá ser, de forma alguma, ser considerado fornecedor.

Um pouco além: teremos que voltar, só para compreendermos, àqueles conceitos que vimos quando trabalhávamos com a doutrina finalista. Se um sujeito compra determinado produto já com a intenção de revendê-lo, ele deverá ser considerado fornecedor. Então temos que juntar as duas coisas agora: você vai para os Estados Unidos, compra 10 computadores, consegue passar na alfandega, e surge a pergunta: você pode ser classificado como fornecedor? Você só foi uma vez. Você venderá nove no Brasil. E começa a vendê-los. Você pode ser classificado como fornecedor? Não existe habitualidade, e não é uma atividade profissional. O conceito de fornecedor é facilmente trabalhável juridicamente.

Você pode alegar que não é fornecedor, mas por outro lado você comprou nove e venderá para nove pessoas diferentes. Isso caracterizaria sua profissionalização, o que te colocaria como fornecedor. É uma questão nebulosa. Então, na verdade, irá depender muito do caso concreto para que possamos interpretar alguém como fornecedor ou não. O professor afirma, com plena certeza, que nós não seriamos considerados fornecedores se comprássemos um único computador para revender aqui no Brasil. A partir do momento em que temos nove computadores, um vendido atrás do outro, isso caracteriza certa profissionalização. Partindo, claro, do ponto de vista subjetivíssimo.

E o porteiro que faz bicos? Trabalha principalmente como Coordenador de Movimentação Interna do condomínio, mas, quando interfonamos para ele, ele vem resolver nosso problema de vazamento ou fazer papel de eletricista. Podemos colocar com plena certeza: e eventualidade desconfigura a característica de fornecedor de serviços. A relação não chega a apresentar o desequilíbrio a ponto de se aplicar o Código de Defesa do Consumidor. Qual é o desequilíbrio? Técnico, jurídico, fático?  

Outro problema temos quando vemos um investidor imobiliário interessado em vender seus dois imóveis vagos. O investidor é proprietário de três, mas mora em um, e está interessado em vender os outros dois. Para conseguir rapidamente, ele dá uma leve baixada no preço e anuncia em outdoors. Não só um ou dois, mas em vários espalhados pela cidade. Nessas condições, é possível argumentar que a colocação do anúncio em outdoors caracteriza a profissionalização.

Quando o sujeito compra a coisa com a intenção de vendê-la, em outras palavras, com fins econômicos, ele terá que ser classificado como fornecedor, e não como consumidor. Será o que chamamos de fornecedor intermediário. Mas há que se adequar a postura ou o conceito de fornecedor com o conceito de consumidor. Se ele vai para os Estados Unidos, compra um computador, quer vender aqui, ele pode ser considerado fornecedor? Não, porque não existe profissionalização nem habitualidade. Então temos que juntar o conceito de consumidor com o conceito de fornecedor. Se ele, agora, resolve comprar dez computadores para vender aqui no Brasil? Aí sim. Tanto pelo conceito de consumidor, aquele que compra com o intuito de lucro, como pelo conceito de fornecedor, uma atividade que se torna profissional. O que estamos fazendo? Juntando dois conceitos. Se trabalharmos só com um, poderemos achar que o sujeito é consumidor. Pode não ser! Devemos, ao mesmo tempo, trabalhar com o conceito de fornecedor.

Para ser consumidor, o sujeito tem que ser destinatário final, independente de qual a teoria adotada!

Sempre, em uma relação de consumo, deve-se analisar do ponto de vista do consumidor e do fornecedor. Dos dois.