Na
aula passada tratamos
da relação jurídica de consumo sob o ponto de vista do fornecedor.
Basicamente,
para que se considere como fornecedor, deve trabalhar com
profissionalidade,
habitualidade, e perceber remuneração. Mas não necessariamente precisam
estar
cumulados esses itens. Precisará verificar o caso concreto.
Vamos
continuar
trabalhando com a relação jurídica de consumo, mas agora com o objeto.
Vimos
dois elementos: os sujeitos, que são consumidor e fornecedor, e já
trabalhamos
com o elemento teleológico da relação jurídica de consumo, que é
justamente o
que define o conceito de consumidor. Vimos as três doutrinas sobre isso.
Agora
vamos entrar no
outro elemento da relação jurídica de consumo, que é o objeto. O
primeiro são
os serviços.
Art.
3º, § 2º:
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. |
Todos
os serviços que têm
natureza trabalhista não serão regidos pelo Código de Defesa do
Consumidor. É
interessante observar o seguinte: quando trabalhamos com serviços, onde
incidirão as normas do CDC temos os prestados com profissionalismo,
habitualidade e remuneração. Mas há o item que diferencia grandemente
os
serviços que são prestados sob vínculo trabalhista dos afeitos ao CDC.
É a subordinação. Não existe
subordinação
quando há uma prestação de serviços sob o enfoque do Código de Defesa
do
Consumidor. Quando há relação consumerista, não há subordinação.
Significa que
o contratante não é chefe, não tem poder de mando sobre o contratado.
Existe
habitualidade, o fornecedor presta o serviço rotineiramente, existe
profissionalismo, ou seja, é expert,
conhece aquela matéria, conhece o serviço que ele está prestando.
Existe
remuneração. Mas não existe subordinação.
Então
se estivemos diante
de um caso em que há subordinação, não há relação consumerista, mas sim
trabalhista. E é inverso: a partir do momento em que se verifica
subordinação
na prestação de um serviço, o enfoque é completamente diferente. A
legislação
consumerista tutela o consumidor, o contratante, enquanto o Direito do
Trabalho
é protetivo do prestador do serviço, que é o trabalhador. A tutela é
completamente diferenciada. Exclui-se da relação de consumo aquelas que
são de
natureza trabalhista.
Também
são excluídas da
relação de consumo quaisquer atividades em que haja uma relação
administrativo-tributária. Como assim? Sempre que a remuneração pelos
serviços
se der na forma de tributos, não haverá relação consumerista, mas
administrativo-tributária. O que queremos dizer é que o Estado não
presta
serviços regulamentados pelo Código de Defesa do Consumidor. O Estado,
enquanto
recebedor de tributos, não estará submetido às regras do CDC. Esse é um
ponto
bastante controverso que teremos que discutir aqui.
Podemos
ver que há outro
item que é muito importante e temos que ter em mente: remuneração.
Quando percebermos que há um tipo de remuneração em
qualquer relação jurídica, suspeitem da incidência do Código de Defesa
do
Consumidor. Vocês terão que indagar se essa remuneração deriva de um
contrato
trabalhista. Se sim, então não incidem as regras do Código de Defesa do
Consumidor. E, se a remuneração é paga a título de tributo, então não
incidem
as regras da legislação consumerista também.
A
remuneração não é obrigatória
para que haja uma relação de consumo. Pode ser que uma pessoa preste um
serviço
pro bono. Advogado, por exemplo.
Isso
significa dizer que não incidirão as regras do Código de Defesa do
Consumidor? De
jeito nenhum. O advogado, mesmo que não cobre honorários de seu
cliente, estará
submetido às regras do Código de Defesa do Consumidor. Responderá
civilmente se
perder prazos e desrespeitar ordens judiciais, além de ainda estar
sujeito a
eventual processo disciplinar na OAB. A incidência do Código de Defesa
do
Consumidor no que diz respeito à função do advogado é tratada num
artigo
específico do Código de Defesa do Consumidor, que vamos ver em breve. A
responsabilidade civil do advogado, pelo CDC, assemelha-se à
responsabilidade
civil no Código Civil. Há de se provar a existência de culpa e a
responsabilidade
do advogado não é objetiva, mas subjetiva. Significa que há uma posição
privilegiada do advogado em relação às demais prestações de serviço.
Vamos
chegar lá!
Só
que as exceções não
são assim tão simples. Quando entramos na questão dos serviços
públicos, a
relação jurídica começa a se complicar. Por quê? Porque existem
determinados
serviços públicos que não são prestados diretamente pelo Estado. Então
vejam:
vamos entrar num novo tópico dentro dos serviços para aplicar à relação
de
consumo. Serviços em geral segue o que vimos até aqui: basta que não
sejam
serviços de natureza trabalhista nem prestados sob regime
administrativo-tributário.
A
remuneração não precisa
existir para que haja relação de consumo. Vamos imaginar a cancela de
entrada e
saída do estacionamento do Carrefour ou de qualquer outro hipermercado.
“Estacionamento
gratuito. Não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do
veículo.”
O que vocês acham do “gratuito” e da observação? Primeiro, não é
gratuito o
estacionamento. A manutenção tem custo, que está exatamente embutido
nas
compras. Você paga sim pelo estacionamento de qualquer jeito. E quanto
à
excludente de responsabilidade? É a chamada cláusula branca. É nula de
pleno
direito. Há uma remuneração indireta por aquele serviço que está sendo
prestado. Por mais que não haja pagamento em dinheiro, há uma
remuneração
indireta, e há uma obrigação ou um dever de guarda do fornecedor com
relação ao
veículo.
Vamos,
então, aos
serviços públicos, mas façamos duas observações antes. Primeiro, os
serviços
públicos podem ser prestados de duas maneiras: diretamente pelo Estado,
ou
indiretamente. Nada a ver com Administração Direta ou Administração
Indireta.
Os prestados diretamente pelo Estado são aqueles em que ele, por meio
de seus
entes, pertencentes à Administração Direta ou Indireta, prestam.
Todavia, o
Estado pode também prestar serviços indiretamente, por meio de
delegação. O
Estado prestará serviços públicos por meio de delegação na forma do
art. 175 da
Constituição, e quem prestará os serviços delegados são as
concessionárias e
permissionárias de serviços públicos. Empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos prestarão serviços delegados. Esta
modalidade de prestação é indireta. Essa é a primeira observação.
Agora,
vamos aprender
mais uma coisa: serviços públicos são prestados nas modalidades uti universi e uti
singuli. O primeiro é prestado para pessoas indeterminadas, e
não temos como medir o tanto que cada pessoa está utilizando
individualmente.
Também chamados de serviços públicos
próprios. Prestados para pessoas indeterminadas ou
indetermináveis, e não
se pode quantificar o quanto que cada pessoa usa do serviço. Saúde,
educação
são exemplos. No serviço público existe uma regra que diz: existe
benefício
direto enquanto se paga algum tipo de remuneração tributária. ¹
Polícia, que é
segurança, que é, digamos, a mão do Estado conduzindo a atividade dos
particulares, não é serviço público. Cuidado em concursos.
Cai direto. Infraestrutura sanitária. Quanto de saúde
pública você gasta?
Sem chances de responder. Quanto você usa de luz, de iluminação
pública? Não
tem como. É imensurável. E, se não se tem como mensurar, você estará
diante de
um serviço público uti universi ou
serviço público próprio.
Todavia
temos outra
modalidade de serviço público, que é o serviço público destinado a
pessoas
específicas, o serviço público quantificável. O serviço público
quantificável é
aquele em que se tem a correta noção de quanto cada cidadão gasta com o
serviço, e temos a correta noção de a quem é destinado aquele
serviço. É o
serviço público uti singuli. Para
pessoas determináveis e quantificáveis. Ou seja, existem determinados
serviços
que têm natureza pública, mas que são destinados para determinadas
pessoas
quantificáveis. Exemplo: o serviço de energia residencial. É possível
saber
exatamente quem está se beneficiando. E é perfeitamente quantificável.
O
serviço de fornecimento de luz é incumbência de quem? Do Estado.
Primariamente,
claro. Mas o Estado pode firmar parcerias ou contratar empresas, que
serão
concessionárias ou permissionárias, que irão prestar esses serviços
públicos na
modalidade uti singuli. Essas
empresas prestam serviços públicos na modalidade uti
singuli. Outros exemplos que são incumbência do Estado
prestar,
mas que ele delega a execução a outra pessoa: água, telefonia,
transporte,
educação. E o transporte público, não é para todos? Mas é
quantificável. Mas
esses serviços não são prestáveis para todos, infelizmente. São
quantificáveis
e prestados para quem os usa. São também chamados de serviços públicos
impróprios.
É
aqui que surge uma
questão importantíssima. Os serviços públicos próprios ou uti universi são remunerados de que
maneira? Por meio de tributos. Impostos,
taxas, empréstimos compulsórios, contribuições de melhorias... Essas
são
modalidades tributárias. Isso é muito importante de ser entendido.
Tributo não
é a mesma coisa que imposto. Imposto é uma espécie de tributo. Tributo
é
gênero, que tem espécies: taxas, contribuições especiais, empréstimos
compulsórios, e outros. E os serviços uti
singuli? São remunerados de que forma? Os serviços uti singuli podem ser remunerados de duas
formas diferentes: se o
Estado prestar diretamente os serviços públicos uti
singuli, por exemplo, se criasse um departamento do ministério encarregado de cobrar de todos pelo serviço de água,
o Estado vai
cobrar o que dos particulares? Água é serviço uti
singuli, quantificável para pessoas determináveis. O Estado
não
quer mais delegar. Como irá cobrar? Por meio de taxas. Então, serviços uti singuli prestados diretamente pelo
Estado são remunerados por meio de taxas.
Ou
então o Estado resolve
que não tem a especialização necessária, então delega o serviço
público.
Contrata uma concessionária ou permissionária para prestar esses
serviços
públicos. Como se dará a remuneração dos serviços uti
singuli prestados por concessionárias e permissionárias?
Taxa?
Não. Taxa é tributo, e só quem pode cobrar tributo é o Estado.
Concessionária e
permissionária não são o Estado, e não podem cobrar taxas. Será, ao
invés
disso, mediante tarifa ou preço público. A remuneração das
concessionárias e permissionárias de serviços públicos se dá por meio
de tarifa
ou por meio de preço público.
Estamos
diante da
remuneração para serviços públicos.
Preço
público e tarifa
são a mesma coisa, na prática. Até na formação são iguais. Quando se
trata de
tarifa e preço público há uma ingerência muito forte do Estado na
determinação
desses valores. O Estado pode impor limites, regulamentar. Podemos ver
que,
quando as empresas de transporte querem aumentar o valor da tarifa, há uma
mobilização
gigantesca dos empresários. Dependem da validação e anuência do novo
preço pelo
Estado. Cuidado com as nomenclaturas: taxa de iluminação pública não é
taxa, é
imposto.
Isso
tudo é fundamental.
A questão é: Código de Defesa do Consumidor incide aqui? Não. Porque a
relação
se dá por meio de tributos. Isso nos serviços uti
universi. E nos uti
singuli? Quando for por meio de taxa, não incidirá o Código
de Defesa do
Consumidor, porque é uma modalidade tributária. E quando a remuneração
se der
por tarifa ou preço público? Aí sim aplicamos o Código de Defesa do
Consumidor!
Se a CAESB deixar de existir, o Estado passará a cobrar taxa pelo
serviço de
água e esgoto. Se isso acontecer, desaparecerá a incidência do CDC.
Observação: ser
o serviço prestado
sob regime jurídico de direito privado ou público não é um bom critério
para
definir a aplicabilidade do CDC.
Art.
22 do Código:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas
empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma
de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. |
Só
que há uma
determinação do art. 22 muito clara e direta. Os serviços públicos
essenciais
têm que ser contínuos. Significa que, se eu não pagar a conta de luz, a
CEB não
pode cortar minha luz. Se você não paga sua conta de água, de acordo
com o
Código de Defesa do Consumidor, a CAESB não poderá cortar sua água.
Mas,
contudo, existe a lei das concessionárias e permissionárias, a Lei
8789/95.
Nela existe uma regulamentação específica para serviços públicos
remunerados
por meio de tarifas e preços públicos. Nesta lei específica existe algo
sobre
serviços públicos: os serviços públicos essenciais prestados por
concessionárias e permissionárias podem sim ser interrompidos, desde
que haja
notificação prévia no prazo mínimo de 30 dias. Então existe aqui um
diálogo das
fontes. Existe aqui uma interpretação que tem que ser dada às duas leis
concomitantemente. Uma fala da continuidade, e outra regulamenta como
se dá a
continuidade. A continuidade deve ser limitada. Se houver notificação,
poderá
haver interrupção do serviço público, mesmo que essencial. Quando não
será
possível interromper os serviços públicos essenciais? Com base no
entendimento
do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de pessoa hipossuficiente
ou que
se apresenta como miserável, os serviços públicos essenciais não
poderão ser
interrompidos, mesmo que não haja o pagamento da tarifa. A Defensoria Pública
já atuou nessa matéria. O pressuposto para se valer dos serviços da
Defensoria
Pública é a hipossuficiência. Se os consumidores são hipossuficientes, há uma
probabilidade
maior de eventualmente deixarem de pagar a tarifa. E não
necessariamente são
hipossuficientes, mas por condições físicas, com falta de condições de
efetuar
o pagamento. Pessoa de cama, em coma, que não conseguirá fazer o
pagamento por
uma obviedade. Precisamos, portanto, ter um curador, que leva um tempo
para
efetivamente levar a pessoa a ser interditada... e, evidentemente, se a
pessoa
estiver ligada a aparelhos para sobrevivência.
Para Claudia Lima Marques, em qualquer tipo de serviço incide o Código de Defesa do Consumidor. É principal defensora do Código, então a doutrinadora sustentará que incide. Mas não é a doutrina majoritária neste particular.