Contratação
padronizada
Quando trabalhamos com contratação
padronizada estamos
trabalhando com contratos de adesão. Mas essa é uma visão brasileira
importada
da visão francesa. Vamos começar pelo começo e saber como as coisas
ficaram
assim.
Quando trabalhamos com contratação
padronizada temos
cláusulas pré-estabelecidas, pré-formuladas pelo fornecedor e que não
há
liberdade de negociação. Não há um acordo prévio, uma combinação entre
as
partes para a formulação daquele contrato. Então, o que se faz, na
verdade, é o
estabelecimento de um contrato cujas cláusulas são padronizadas e
oferecidas a
todos aqueles que quiserem a ele aderir.
Por conta disso, o fornecedor não dá
liberdade para o
consumidor opinar sobre o contrato.
Estamos diante, então, de um contrato
que não é paritário.
Temos um contrato padronizado em que de um lado há um sujeito chamado estipulante, que é aquele que formulará
as cláusulas como bem entender, sem viabilizar para o outro sujeito, o
aderente, neste caso o consumidor, qualquer tipo de liberdade, de
opinião sobre
o contrato.
Agora vamos pegar pesado. Posição
germânica: no que diz
respeito aos contratos padronizados, a visão germânica é a seguinte: o
que se
enfoca não é o momento de celebração do contrato. Pelo Direito
Germânico, os contratos
padronizados não são assim chamados; temos contratos em que as
cláusulas são
pré-estabelecidas pelo fornecedor. Para os germânicos, nesse contrato,
em que o
consumidor aderente não tem liberdade para opinar, o que importa não é
o
momento de celebração, mas sim a fase anterior
à celebração. É a fase que tem que ser destacada. O que isso
significa
dizer? Que, na Alemanha, o juiz irá analisar não o momento em que o
consumidor
está assinando, mas a intenção do fornecedor ao criar as cláusulas
contratuais.
Quando um juiz alemão vai analisar um contrato que rege uma relação de
consumo
com cláusulas pré-estabelecidas, importará a intenção do fornecedor.
Note que
não estamos usando a expressão “contrato de adesão”. Isso porque não
existe
essa expressão no Direito Germânico. O que existe na Alemanha, na
verdade, é um
contrato com cláusulas gerais. O que
nós chamamos de contrato de adesão aqui no Brasil na Alemanha é
conhecido como
contrato com cláusulas gerais.
Esse é o contrato com cláusulas
gerais de acordo com o
Direito Alemão: o contrato com cláusulas pré-estabelecidas em que o
consumidor
não tem condições de opinar, apenas aceita ou rejeita, e onde se enfoca
o
momento pré-contratual, e não o momento da celebração que é destacado.
Todavia, temos outra doutrina, a
francesa. O que diz a
doutrina francesa? Ela, por sua vez, entende que o que importa não é o
momento
pré-contratual. Não importará tanto o que o fornecedor pensou ao
elaborar
aquele contrato. O que importará, de acordo com o Direito Francês, é o
próprio momento
da celebração do contrato, ou seja, se o consumidor, no momento em que
assinou,
tinha ciência daquilo que estava contratando. Aquilo que o consumidor
efetivamente conhecia no momento que estabelecia a relação. Lá sim se
chama contrato
de adesão.
O Direito Brasileiro importou a
expressão de qual
ordenamento jurídico? Do francês, para o qual importa o momento da
celebração
do contrato. Não importa a intenção do fornecedor. Se o consumidor não
tinha
ciência das cláusulas contratuais, elas sequer terão validade.
A doutrina germânica não foi integralmente adotada pelo Brasil. Vamos
ver adiante por que temos
influência da Alemanha também.
Continuando. Se perguntarmo-nos qual
seria a diferença básica
entre um contrato paritário e um contrato de adesão, saberíamos dizer a
diferença. O paritário é regulado pelo Código Civil, existe negociação,
acordo,
paridade, predisposição bilateral. No de adesão, a predisposição é
unilateral
do fornecedor, cabendo ao consumidor apenas aceitar ou não aquilo que
está
sendo oferecido.
Note que o consumidor tem liberdade
de escolher dentre aquilo que o fornecedor o
oferece.
Daí a possibilidade de montagem de planos “customizados” em operadoras
de
celular, em que você aparentemente tem liberdade para determinar
quantos
torpedos quer enviar, quantos minutos, quantos kilobytes de dados
trafegados.
Para cada possibilidade, na verdade, o fornecedor tem um contrato
pré-montado. E
ainda assim você não tem liberdade de escolher o
que você quer. O fornecedor estipula que lhe entregará o telefone
“daqui
a três dias”, e não “daqui a um”, muito embora você queira.
“Simbora!”
Contrato de
dupla
adesão
Existem alguns contratos de adesão
que são regulamentados
por órgãos do Estado. Este
assunto cairá na
prova. O Estado fiscalizará e preestabelecerá
as próprias cláusulas de certos tipos de contrato, tendo em vista a
importância
social deles. Aquela potestade suprema do fornecedor ficará mitigada,
relativizada. Existem contratos que se destacam no ordenamento jurídico
pelo
fato de que eles abarcam um interesse social que deve ser tratado quase
como
questão de ordem pública. Por exemplo: existem alguns contratos
essenciais em
nossa vida. Contrato de telefonia: todo ser humano hoje precisa se
comunicar um
com o outro. Não tem jeito. Você terá uma ou outra pessoa que resolve
viver
como ermitão, em silêncio, mas não representam nem 0,0001% da
sociedade. Toda a
humanidade tem que se comunicar de alguma forma. Hoje, a telefonia é
vista como
uma espécie de bem indispensável, fundamental. Como temos um bem que
seria
essencial, indispensável, fundamental, o Estado, verificando o
interesse
público sobre o regular funcionamento do sistema de telefonia, intervém
diretamente nos contratos de telefonia!
E existem outros tipos de serviços
que são considerados
essenciais. São tão importantes e essenciais que o Estado brasileiro
resolveu
criar autarquias em regime especial cujos dirigentes ou presidentes
possuem
mandatos com prazo fixo e não coincidente com o do chefe do Poder
Executivo,
sendo proibida a demissão ad nutum
deles,
e recebem o nome de autarquias reguladoras. Trabalham regulando,
fiscalizando
um tipo de produto que é considerado essencial. A Anatel regula,
fiscaliza,
estabelece portarias, circulares e diretrizes para um produto
considerado
essencial, que é a telefonia e outros. A Aneel também regulamenta e
edita
portarias e circulares, mas sobre energia elétrica, outro serviço
reputado
essencial.
Quando temos esses bens considerados
essenciais à disposição
da população, teremos uma autarquia regulamentando. Essas autarquias
regulamentarão de uma forma tão forte, tão preponderante que irão tirar
a
liberdade do fornecedor de estipular contratos.
Como é isso?
A SUSEP, a Superintendência de
Seguros Privados, estabelece
circulares e portarias sobre um produto considerado essencial: os
seguros. O Banco
Central, que também é uma autarquia, também trabalha com um produto
essencial:
o Sistema Financeiro. Vejam, portanto, a importância de determinados
bens e
produtos. Significa dizer que o fornecedor terá uma liberdade de ação
muito
restrita. O fornecedor então não terá liberdade, quando atua no mercado
fornecendo
esses tipos de produtos? É! Ele não terá a liberdade. Estamos fugindo
do padrão
do contrato de adesão.
E como se chamam esses contratos
estabelecidos pelas
agências reguladoras, pelo Bacen, pela SUSEP etc., que pode inclusive
cassar o
registro de uma seguradora?
Quem estabelece as condições do
contrato, no Direito Germânico,
são esses órgãos governamentais. A liberdade em pré-estabelecer
cláusulas
contratuais é muito limitada para o fornecedor. O que significa então
que
estamos diante de um contrato de adesão sim, mas é um contrato que tem
um nome
próprio: contrato duplamente de adesão,
ou contrato de dupla adesão.
O que seria um contrato de dupla
adesão? É aquele em que o
próprio fornecedor está sujeito às cláusulas contratuais
pré-estabelecidas pelo
órgão fiscalizador, pelo Estado, em virtude da relevância do produto
que está
sendo comercializado. É padronizado, mas por quem? Pelo Estado. Por
isso, a liberdade
do fornecedor para estabelecer cláusulas contratuais é limitada.
E quem responde perante o Judiciário
caso uma dessas
cláusulas venha a ser questionada? O fornecedor ou o Estado? Vamos ver
um
exemplo: contrato de seguro. Existem várias empresas seguradoras que
trabalham
com contratos de pecúlio. Asseguram
ao participante uma verba ao final do contrato. Quando o subscritor do
contrato
falecer, os beneficiários indicados pelo contratante têm direito de
receber um “pecúlio”,
que nada mais é do que um valor em dinheiro. Isso tem outro nome,
certo? Não. Não é um seguro de
vida. É que o
contrato de pecúlio tem natureza previdenciária, e não somente
securitária. O
contratante pode optar por não deixar para os beneficiários, mas
receber em
vida. Mas a contribuição para o pecúlio é meio pequena, diferente da
contribuição
para a Previdência. Algo em torno de 300 reais, enquanto para a
previdência
contribui-se com R$ 1.000,00. Há quem acabe recebendo só 10 reais, ou
15. Não
está errado, porque o que o contratante montou de capital é muito
pequeno. É
proporcional à contribuição. Se receber o pecúlio em vida, terá mais 30
anos
usufruindo em vida. O que os segurados fazem? Ajuízam.
O problema é que as cláusulas gerais
de um contrato de
pecúlio são estabelecidas pelo Estado. E o que acontece com as
seguradoras?
Perdem um bocado na justiça. A SUSEP, que é o órgão fiscalizador, nunca
foi
considerada obrigada solidária. O entendimento é que isso é risco do
empreendimento, o que é um absurdo. O fato de você, como empreendedor, ser
demandado em
juízo não deveria ser considerado risco do empreendimento. ¹
Vamos ao Código de Defesa do Consumidor.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. § 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato. § 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior. § 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. |
Então olhem só: prestem atenção nesse
artigo. Autoridade
competente: contrato de dupla adesão ou duplamente de adesão. E a
segunda parte
destacada no caput? Contrato de
adesão simples, inspirado na doutrina francesa.
Vamos continuar trabalhando com os
contratos de adesão.
Vamos, agora, para o art. 46 do CDC.
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. |
Existem, obviamente, mecanismos
expressos no Código de
Defesa do Consumidor que têm como intuito aumentar a proteção ao
consumidor. O
art. 46 é bem claro, bem expresso, e tem como função aumentar a
proteção ao
consumidor. O que traz o art. 46? Algo próximo ao que vemos no art. 4º
do CDC.
O princípio da transparência. O fornecedor tem que ser transparente, e
deve
colocar à disposição do consumidor todas as informações pertinentes aos
produtos e serviços que serão fornecidos. Isso sabemos. Mas o que temos
que ter
em mente é que existe uma mudança diante do CDC para o momento atual. É
que,
antes da Lei 8078/90, o que existia era uma obrigação do consumidor de
buscar a
informação, enquanto o fornecedor tinha apenas o dever de colocá-la à
disposição do consumidor. A partir do momento em que o Código de Defesa
do
Consumidor entrou em vigor, o fornecedor passou a ter não só a
obrigação de
colocar à disposição do consumidor a informação, mas também de
informar. Antes o
consumidor tinha que pegar a informação; hoje, o fornecedor tem que,
obrigatoriamente, informar, colocar na cabeça do consumidor o que está
escrito
no contrato. Isso porque se não houver o cumprimento do dever de
informar, as cláusulas do contrato de adesão
não terão
validade. Isso é importantíssimo. E aqui estamos bem em cima
do momento de
celebração do contrato. Se o fornecedor não cumprir com o dever de
informar, e
dever de informar não é simplesmente colocar à disposição a informação,
mas sim
falar, diretamente, explicar para o consumidor do que se trata o
contrato, as
cláusulas não terão validade.
Como fornecedores, como vocês fariam
isso? Obter declaração
expressa do consumidor de que ele teve ciência e de que foi advertido e
cientificado de todas as cláusulas contratuais. Hoje, ainda há
fornecedores colocando
assim, impresso: “declaro que tive ciência de todas as cláusulas do
contrato.”
E colocam uma linha para o consumidor assinar embaixo. Isso
não dá. É melhor, como fornecedor, fazer assim:
– Consumidor, você leu o contrato?
– Li.
– Está sabendo de tudo?
– Estou.
– Então declare isso.
Aí o consumidor escreve, de próprio
punho, a seguinte frase,
dizendo: “eu, consumidor, tenho consciência do teor de todas as
cláusulas
contratuais.” Aí sim teremos a liberação do fornecedor do dever de
informar. A
cláusula “fácil” de antes não tem força vinculativa.
Continuemos.
As cláusulas restritivas de
obrigações devem ser destacadas.
Vejam que interessante: teremos contratos em que, em determinadas
situações,
o consumidor terá seus direitos restritos. “Consumidor, você não tem
direito
àquilo”, ou: “você não poderá fazer isto e mais isto.” Mas essas
cláusulas
limitativas dos direitos dos consumidores deverão ser destacadas.
Encontramos
isso no CDC. Art. 54, § 4º. Vamos reler o
art. 46
antes, para combiná-los.
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. |
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas
cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços,
sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo. [...] § 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão. |
Leiamos também o § 3º:
§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor. |
O CDC estabelece até qual é o tamanho
da fonte! Se não tiver
impresso em fonte tamanho 12, o instrumento do contrato violará o
Código de
Defesa do Consumidor! Não existe mais esse subterfúgio de asterisco e
letras
miúdas no rodapé. Isso não pode existir mais. Ou estar-se-á violando o
CDC.
Observação: a publicidade tem regras
próprias; mesmo que o
conteúdo dela tenha que fazer parte do contrato, a publicidade terá
suas
próprias normas de acessibilidade e clareza da informação. O conteúdo
da
proposta é que integrará o contrato, que por sua vez deverá ser
redigido em
fonte de tamanho pelo menos 12.
Interpretação
das
cláusulas contratuais
Até agora falamos da literalidade do
Código de Defesa do
Consumidor. Estamos trabalhando com aquilo que deve estar escrito. O
que está
escrito literalmente no CDC? Que as cláusulas devem estar expressas de
forma
ostensiva, clara... nada disso tem muito problema. Estamos trabalhando
até
agora com a proteção conferida pelo CDC mas com a literalidade da lei.
Mas não
é só a literalidade da lei que irá proteger o consumidor; não só a lei
propriamente dita. A própria interpretação aos contratos é outra forma
de se
proteger o consumidor. Como funciona isso? Existe uma regulamentação
geral
aplicada a todos os consumidores, e ela deriva da literalidade da lei.
O que
significa dizer que o juiz irá ler a lei e aplicar em sua literalidade.
Isso em
qualquer situação, quando o consumidor sofre fato do produto, fato do
serviço,
quando ele se expõe a publicidade abusiva ou enganosa, em qualquer
situação o
juiz aplicará as condições gerais do CDC.
Todavia, quando o juiz estiver diante
de um contrato de
adesão, ele não aplicará somente as condições gerais. O que mais ele
irá fazer?
Irá interpretar o contrato e essa interpretação contratual é uma outra
forma de
se proteger o consumidor. Mesmo que não exista contrato. Mas, diante de
um
contrato de adesão, o juiz irá proteger o consumidor por meio da
interpretação
contratual. Como se deve interpretar um contrato de adesão? Como que
nós,
futuros magistrados, deveremos interpretar um contrato de adesão?
A primeira coisa é a seguinte: a
interpretação de um
contrato de adesão combinará o Código Civil com o Código de Defesa do
Consumidor. O que significa dizer que o juiz aplicará regras tanto do
Código
Civil quanto do Código de Defesa do Consumidor ao interpretar um
contrato de
adesão. Quais regras do Código Civil serão observadas pelo juiz ao
interpretar
um contrato de adesão?
Primeira
regra: art.
112 do Código Civil Brasileiro:
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. |
Atende-se mais à intenção do que à
literalidade do contrato.
Já ouvimos isso em algum lugar. Atende-se mais à intenção do que à
literalidade?
Vimos que quem se importa com a intenção
(do fornecedor) é o Direito Alemão. Aplica-se no Brasil a doutrina
francesa
integralmente? Não. Uma vez que se comprove que o fornecedor deu
ciência ao
consumidor de todas as cláusulas contratuais, uma vez que se comprove
que o
consumidor tinha efetivamente noção daquilo que assinava, agora
passamos para
uma segunda fase, que é a interpretação do próprio contrato. O
magistrado,
então, verifica se o consumidor tinha ou não ciência daquilo que
assinou. Se
tinha ciência, vamos para a interpretação. E agora sim, atende-se mais
à
intenção do que o próprio Código de Defesa do Consumidor.
A disposição do art. 112 do Código
Civil tem que ser
utilizada nos contratos de adesão.
Segunda regra
é a
do art. 113 do Código Civil de 2002: são
relevantes os usos e costumes na interpretação dos contratos.
Ou seja, como
é que a população brasileira tem o costume de fazer negociações? Por
exemplo,
existe, aqui no Brasil, o instituto do cheque pré-datado? Não. Cheque,
como bem
sabemos, é ordem de pagamento à vista. O que significa dizer que, em
qualquer
situação que envolva o Direito do Consumidor, por mais que ele pague
cheque
pré-datado, o cheque deve ser usado à vista? Não, porque temos o
costume do
povo brasileiro de usar cheques pós-datados.
Não é o cheque boi, claro. É relevante o uso e o costume.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. |
Terceira
regrinha:
a do art. 114, também do CC. Contratos
benéficos e cláusulas de renúncia de direitos são interpretadas
restritivamente. Exemplozinho: o consumidor será sobretaxado
se enviar
mensagens de texto para telefones do Rio de Janeiro. Está escrito no
contrato
de adesão essa cláusula. Até que, ontem, mandei uma mensagem para uma
amiga
minha de Resende-RJ, dando-lhe os parabéns por seu aniversário. E, para
minha
surpresa, veio a sobretaxa em minha conta de telefone. Mas espere aí, o
contrato prevê que “mensagens para o Rio de Janeiro serão sobretaxas”.
O que
pensei, na condição de consumidor, foi que a sobretaxa era para a cidade do Rio de Janeiro, a capital do
estado.
E não para todo o Estado. Qual deverá ser a solução dada pelo juiz? A
interpretação é restritiva, e sempre benéfica para o consumidor.
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. |
Estritamente, ou restritamente.
Há uma quarta
regra,
menos clara no Código Civil. Cláusulas
contratuais não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto
com as
demais cláusulas do contrato. Significa que você não pode
interpretar
somente uma cláusula e abandonar todo o resto para prejudicar o
consumidor. Aqui
teremos uma consonância com aquilo que dissemos na regra anterior.
Quinta regra:
cláusulas com duplo sentido devem ser
interpretadas em atenção ao que pode ser exigido. O que
significa isso? Que
se temos uma cláusula ambígua, o fornecedor não pode se aproveitar para
exigir
no consumidor uma prestação exagerada. Ou seja, a interpretação deve
ser feita de
forma mais favorável ao consumidor.
E por que a cláusula tem que ser
interpretada de maneira
mais favorável ao consumidor? Onde está escrito isso? Isso vem do
conjunto do
Código de Defesa do Consumidor? Sim, mas, além dos direitos básicos
previstos
no art. 6º, temos, no art. 47, uma disposição expressa:
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. |
Viram? Interpretamos em conjunto.
Mas há outra linha de raciocínio
também. Prestem atenção:
existem contratos de adesão em que, em algum momento posterior à
impressão do
documento, algo foi colocado por escrito à mão. O consumidor, em
momento raro
de privilégio, está negociando diretamente com o dono da empresa, ou
com o
gerente da agência, e ficam estabelecidas algumas cláusulas que foram
manuscritas. A pergunta é: o que deve prevalecer? A cláusula escrita à
mão, ou
a impressa? A mais favorável ao consumidor, certo? Errado. Prevalece a escrita à mão. Por quê?
Porque, ao fazer isso,
retirou-se a adesão do contrato, e já se entrou no campo do contrato paritário. As cláusulas escritas à mão
com anuência do consumidor prevalecerão sobre aquelas que são
impressas, mesmo
que lhe sejam menos favoráveis. Existe um acordo de vontades, e não
existe mais
unilateralidade, mas sim bilateralidade.
Fantástico isso. Mesmo que seja menos
favorável ao
consumidor.
Fechamos contratos de adesão.
Direito de
arrependimento
Onde está previsto no Código de
Defesa do Consumidor que ele
tem o direito de arrepender-se das compras que foram realizadas? Art.
49.
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato,
no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de
recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento
comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. |
A contar de quando que o consumidor
pode desistir do
contrato? Duas possibilidades: da assinatura do contrato, ou do
recebimento do
produto ou do serviço.
Você vai até a loja ruim e compra um
computador. Essa
porcaria desse computador vem com defeito. Você leva para casa e
percebe o
problema. Você volta lá e fala: “arrependi-me da compra. Devolva-me meu
dinheiro.” Você não tem esse direito. O direito de arrependimento só
serve para
compras realizadas fora do estabelecimento. Em especial, compras por
telefone,
telemarketing, Internet, telegrama, sinal de fumaça. Se foi no
estabelecimento,
a regra não vale.
Ao comprar produto de uma loja de
importação, que demora 30
dias para chegar, você pode se arrepender antes mesmo de o produto
chegar até
sua casa.
Certo, você recebeu o computador em
sua casa, comprado pela
Internet, e ele foi furtado. Você pode se arrepender da compra? Melhor
ainda:
você deixa o computador recém-comprado na lojeca cair no chão. Você
pode se
arrepender da compra? Atenção. Responder isso é difícil.
Se você é consumidor e está se
relacionando com um
fornecedor, por via de regra você está pagando pelo serviço. Então você
estará
contratando um serviço ou comprando um produto. Qual seria, então a natureza jurídica do direito de
arrependimento? Serviria para serviços? É possível, mas muito raro de
acontecer
na prática. Trabalhemos com o que é regra, que é produto, 99% dos
casos. Nem
adianta trabalhar com o que seria perda de tempo. Quando você exerce o
direito
de arrependimento, significa que você comprou. Então a natureza
jurídica do
direito de arrependimento derivaria de um contrato de compra e venda. O
direito
de arrependimento começa já a partir de um contrato de compra e venda.
Dentro do Código Civil existe um tipo
de compra e venda no
art. 509, que devemos ler:
Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado. |
Leram isso direitinho? Olhem que
coisa interessantíssima que
temos no Código Civil. Entende-se feita a compra e venda sob condição
suspensiva, ainda que a coisa não tenha sido entregue. Vejam: o
fornecedor
entregou a coisa para o consumidor, e o contrato não se reputará
perfeito enquanto
o adquirente não manifestar seu agrado. Daqui tiramos a conclusão: o
direito de
arrependimento na verdade terá natureza jurídica de compra e venda a
contento. Essa
questão caiu na prova da
Ordem passada, num
concurso recente de procurador, em tudo quanto é prova de magistrado. É
uma
questão muito complexa. Antes que seja tarde: não
é venda a contento! Não tem essa natureza jurídica. E no
Direito do Consumidor, a natureza jurídica especificamente do direito
de
arrependimento não estará tipificada no Código Civil. O direito de
arrependimento terá natureza jurídica própria.
Prestem atenção numa coisa: o que
acontece quando, no Código
Civil, o alienante entrega, por venda a contento, um produto para o
adquirente?
Acontece o seguinte: tenho um produto que vou entregar para Victor.
Enquanto ele
não disser “eu aceito”, a compra e venda não estará perfeita. Há uma
cláusula
suspensiva. Qual a relação jurídica de direito real entre Victor e o
produto? É
proprietário? Victor, enquanto não manifestada a confirmação de que se
agradou
com a coisa, é comodatário. É tido
como mero empréstimo enquanto ele não aceitar. Significa que todos os
riscos de
propriedade recaem sobre o alienante, eu, enquanto Victor não disser “eu
aceito”.
Pensem, aqui, num apartamento anunciado por uma imobiliária. Veremos os
riscos
do proprietário do apartamento, e a imobiliária é a proprietária. O
pretendente
entra no imóvel. Só será proprietário a partir do momento em que
disser: “eu
aceito esse produto.” Quem pagará enquanto isso é a proprietária, e não
o
adquirente.
Nada disso acontece no Direito do
Consumidor. Nele, quando estamos trabalhando com direito de arrependimento,
temos que
interpretar assim: aquele que recebeu o produto já é considerado
proprietário e
todos os riscos são do consumidor. Se ele deixar cair no chão ou for
furtado,
ele não poderá se arrepender depois. Se quebrou, ele não pode devolver
porque já
é considerado proprietário. Por isso não é uma compra e venda a
contento, mas
uma compra e venda aperfeiçoada.
Isso
porque na compra e venda a contento não se aperfeiçoa enquanto não
manifestado
o agrado.
Então, afinal de contas, o que será o
arrependimento? É bem
simples: é um direito potestativo e
unilateral constitutivo ou formativo. Como assim? Direito
potestativo é um
direito assegurado independentemente da vontade da outra parte. No
Brasil, quem
tem o maior direito potestativo de todos? O Estado. Aqui estamos diante
de um
direito potestativo que é assegurado ao consumidor, independente da
anuência do
fornecedor.
Natureza jurídica do direito de
arrependimento, portanto, é
uma compra e venda resguardada por um direito potestativo unilateral
constitutivo ou formativo. Por quê? Constitui, para o consumidor, um
direito
que não pode ser derrogado pelo fornecedor. Isso não existe dentro do
Código
Civil, só dentro do Código de Defesa do Consumidor.