Subsidiariedade
Estávamos
falando na aula
passada que, como método de integração da norma jurídica podemos contar
com a
analogia, a equidade e a subsidiariedade. A norma processual
trabalhista não
prevê expressamente nada a ser aplicado ao caso concreto. Então
partimos de
algo que já é previsto em lei nas situações semelhantes, tiramos a
solução, e nos
valemos subsidiariamente de outras normas da CLT, ou do Código de
Processo
Civil, ou da Lei de Execuções Fiscais. E, finalmente, da equidade.
Lemos
na aula passada,
conforme o art. 127 do CPC que, para que o juiz se valha da equidade,
ele só
poderá usar nos casos permitidos por lei. Vimos a brecha deixada pelo
art. 8º
da CLT.
Dadas
as características
próprias do Direito Processual do Trabalho, a equidade é muito mais
vista do
que no Direito Processual Civil. A atividade do magistrado aqui se
diferencia
do magistrado no processo comum, pois aqui ele é proativo, vai além,
tenta
desequilibrar as forças. Daí aplica frequentemente a equidade.
Interpretação das normas jurídicas, as fontes
formais do Direito Processual do Trabalho
Primeira
maneira de se
interpretar uma norma jurídica, principalmente num sistema como o
nosso, que
obviamente adota a norma escrita, o direito positivo, já que não se
passa
oralmente entre gerações, é a interpretação
gramatical.
Temos
que nos lembrar de
que temos várias formas de interpretação da norma jurídica, sob pena de
não
conseguir segurança no resultado dessa análise interpretativa. Temos
que tirar
a interpretação mais segura do ponto de vista científico. A primeira
delas é a gramatical.
Analisamos a linguagem, o texto criado pelo legislador. A limitação
dessa forma
de interpretação é que nem sempre o legislador consegue chegar a um
resultado
satisfatório para que se chegue a uma interpretação segura. Os
parlamentares,
que são os que editam e aditam projetos de lei, podem não ser tão
escolados
como nós, estudantes. Então temos uma segunda forma de interpretação da
norma
jurídica, que é a forma lógica.
Na
forma lógica,
comparamos um dispositivo com outros dispositivos de lei. Quando
fazemos essa
comparação para efeito de interpretação de hermenêutica, estamos
interpretando
de maneira nova.
Terceira
maneira que
temos para interpretar as fontes formais é a forma teleológica.
É a mais interessante. Por quê? Porque procuramos
entender, na maneira teleológica, ou seja, finalística, o objetivo, a
finalidade do legislador. Quando conseguimos entender o objetivo,
conseguimos
alcançar resultados práticos mais palpáveis. Qual era a intenção do
legislador?
O que ele pretendia alcançar?
Uma
maneira parecida com
a forma lógica, mas que era aplicada num contexto macro, num contexto
maior, é
a forma sistemática. Nela,
avaliamos
um dispositivo de lei em face de todo o sistema jurídico de um país.
Analisamos
em face de outras normas, de decretos, princípios, para então se chegar
à
melhor interpretação.
Como
as normas jurídicas
não são capazes de prever todas e quaisquer situações que se
apresentem, o
aplicador do Direito deve elastecer o campo de aplicação da norma para
atender
à realidade social. Primeiramente, veja o art. 7º da CLT:
Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: [...] |
E
agora veja que temos uma
multa de caráter processual no art. 467:
Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de
trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias,
o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do
comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas
verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e as suas autarquias e fundações públicas. |
Teleologicamente
falando,
a finalidade desse dispositivo é forçar o empregador a pagar, à ocasião
da
primeira audiência, as verbas incontroversas. Significa que não existe
desculpa
para não pagar o último salário trabalhado, ou o período de férias
antes da
alegada falta grave. Se não pagar, poderá acabar pagando o valor
acrescido de
50%. Há juízes que aplicam isso à empregada doméstica. Sim, por
interpretação.
O Direito Material do Trabalho, em muitos pontos, colide com as
peculiaridades
dos direitos do trabalhador doméstico. Mas o processo para o domestico é o mesmo para o
celetista.
De
vez em quando o
magistrado interpretará a norma de forma a restringir ou limitar as
palavras do
legislador. O que aconteceu que não acontece mais hoje foi a criação do
art. 625-D,
que criou a Comissão de Conciliação Prévia.
Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza
trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na
localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão
no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. [...] |
Como
se interpretava esse
dispositivo quando de sua inclusão na CLT? Interpretava-se de maneira
lógica.
Íamos ao art. 5º da Constituição e víamos o seguinte: “a lei não
excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A lei não
pode
afastar a jurisdição sob nenhum argumento. A CLT disse que o dissídio
seria
submetido à Comissão de Conciliação Prévia. Entendia-se que, se tivesse
CCP e
não se passasse por ela, arquivava-se a reclamação. Às vezes não havia
nem a
comissão. O sujeito não sabia o que fazer, então tinha que ir ao
sindicato
buscar uma “declaração de inexistência de Comissão de Conciliação
Prévia”. É
uma interpretação restritiva. Certamente não eram esses os efeitos
pretendidos
pelo legislador.
A
forma histórica de interpretar as
normas do
Direito Processual do Trabalho, por sua vez, se complementa à
teleológica.
Nesta, observa-se a finalidade. Na histórica, avaliamos as fontes reais
que
impulsionaram o legislador na ocasião da edição da norma. Quando
entendemos o
panorama da época da promulgação da norma, conseguimos entender a
finalidade
usada por ele.
E
a chamada “interpretação conforme”?
Vimos em
Direito do Trabalho I. É a interpretação do a 625-D em face do inciso
XXXV do
art. 5º da Constituição. É a interpretação de um dispositivo em face de
um dispositivo
constitucional, em que interpretamos conforme a Constituição. Ou
interpretamos
em face de princípios, o que também é interpretação conforme. A
inconstitucionalidade só será declarada se realmente não tiver como
aquela
norma ser considerada constitucional. Tenta-se usar a boa vontade, que
é
necessária para garantir a segurança jurídica da coletividade.
Antinomias aparentes
Leia
a obra Teoria do Ordenamento
Jurídico de Norberto Bobbio. Precisamos ter um raciocínio jurídico
lógico.
Leiam! Já passou da hora de começarmos a ler textos mais abrangentes e
profundos. Estamos nos formando, temos que ler.
O
que são antinomias
aparentes? Conflito aparente de normas jurídicas dentro de um sistema
jurídico.
Por que admite só choque de norma aparente? Porque salienta que o
sistema
jurídico pode apresentar falhas. Não existe um sistema que não
apresente suas
falhas. Que falhas seriam essas? Os conflitos das normas. Mas temos
critérios para
afastar esses conflitos aparente de normas. O próprio sistema apresenta
a
solução do problema. Admite, portanto, que os choques são só aparentes.
O
primeiro critério para a solução desses conflitos, então, sempre, é o
critério da hierarquia. A norma
hierarquicamente
superior afasta a aplicabilidade das normas hierarquicamente
inferiores. Quando
a Constituição diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário
lesão ou ameaça a direito, ao passo que a CLT diz que haverá Comissão
de Conciliação
Prévia, a Constituição prevalece. Não é dado à lei afastar a jurisdição
sob
nenhum fundamento. O critério da hierarquia é exatamente esse.
Quando
deparamos com um
conflito aparente de normas e essas normas estão no mesmo grau
hierárquico, Bobbio
diz que resolveremos, desde que estejam dentro do mesmo ramo do
Direito, pelo
critério da cronologia. A norma
mais
recente prevalece em face da mais antiga. Na antiga Lei de Introdução
ao Código
Civil, hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, temos o
§ 1º do
art. 2º:
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. |
Critério
da especialidade: temos a
subsidiariedade
de aplicação do Código de Processo Civil ao Processo Trabalhista. Se a
CLT
dispuser especificamente
sobre
determinado assunto, esqueça o CPC, a não ser que, pelo motivo que já
vimos, a norma processual comum atender melhor do que a própria CLT às
finalidades do Processo Trabalhista.
Critério da competência: art. 22 da
Constituição, inciso I:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...] |
E
temos a lei complementar
103/2000:
LEI COMPLEMENTAR Nº 103, DE 14 DE JULHO DE 2000. Autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial a que se refere o inciso V do art. 7o da Constituição Federal, por aplicação do disposto no parágrafo único do seu art. 22. Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7o da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. § 1o A autorização de que trata este artigo não poderá ser exercida: I – no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governador dos Estados e do Distrito Federal e de Deputados Estaduais e Distritais; II – em relação à remuneração de servidores públicos municipais. § 2o O piso salarial a que se refere o caput poderá ser estendido aos empregados domésticos. Art. 2o Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. |
Temos
que avaliar, também,
as normas colidentes sob o ponto de vista da competência.
Ao perceber que determinada norma foi criada por
alguém que não tinha competência para criá-la, já acabamos com o
problema aqui.
No caso, a lei complementar acima dá permissão aos estados e ao
Distrito
Federal a competência para instituir piso salarial.
E
também quando temos
norma criada por medida provisória quando tal espécie normativa não
podia
versar sobre aquela matéria. Art. 62, § 1º da Constituição. Já houve
alteração
de prazo da CLT por medida provisória.
Eficácia da lei processual trabalhista
Temos
a eficácia no tempo
e no espaço. A antiga Lei de Introdução ao Código Civil, o Decreto-lei
4657/42
deixa algumas dúvidas, pelo menos no tocante ao efeito da aplicação
imediata.
Quais as normas processuais aplicadas? Temos o princípio da
irretroatividade. A
lei, quando é promulgada, não tem a capacidade de atingir atos
jurídicos já
praticados sob a égide da lei antiga. O art. 5º, inciso XXXVI da
Constituição
diz:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; |
Nem
para beneficiar, nem
para prejudicar. Combina com o art. 6º da LINDB, que tem praticamente a
mesma
redação.
Princípio
da aplicação
imediata: a LICC é de 1942. Naquele tempo, demorava-se muito mais tempo
que
hoje em dia para que se soubesse que determinada lei fora promulgada.
Arts. 1º e 6º
da LICC/LINDB:
Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei
começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de
oficialmente publicada. [...] Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. |
Art.
912 da CLT, já em
1943, além dos próprios arts. 1 e 6 da Lei de Introdução ao Código
Civil:
Art. 912 - Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação. |
Dito
isso, o que
aconteceu nos últimos anos? Emenda Constitucional nº 45. Foi promulgada em dezembro de
2004, e
passou a viger a partir de 2 de janeiro de 2005. Mudou mais coisas, mas
o que
mais chama atenção é o elastecimento muito grande da esfera da
competência da Justiça
do Trabalho. A demanda aumentou consideravelmente. E temos alguns
exemplos. O
inciso I do art. 114 da Constituição diz:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...] |
Relação
de trabalho
necessariamente é relação de emprego? Não. Muita gente que não tem
relação de
emprego, até dezembro de 2004, mesmo que continue sem relação de
emprego passou
a submeter eventuais demandas à justiça do trabalho. Temos outros
exemplos: ações
sobre representação sindical, em que não há relação de emprego com o
trabalhador:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; [...] |
Vejam
todo o art. 114.
Danos
morais ou materiais
na esfera trabalhista deu origem a um questionamento. E os acidentes de
trabalho? Passam a ser da competência da Justiça do Trabalho? Depende.
No art.
643 da CLT, lê-se que...
Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações
entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e
seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação
social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o
presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do
trabalho. § 1º - As questões concernentes à Previdência Social serão decididas pelos órgãos e autoridades previstos no Capítulo V deste Título e na legislação sobre seguro social. § 2º - As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas a justiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente. |
O
que mudou no tocante a
acidentes de trabalho com a Emenda 45? Existem trabalhadores que
ajuízam contra
a Previdência. A briga do trabalhador contra a Previdência Social
continua como
de competência da justiça comum, sob a Vara de Acidentes de Trabalho. O
trabalhador, em geral, quer demandar a empresa, buscando reparação do
dano
material. Isso, até a Emenda 45, era submetido à Vara de Acidentes de
Trabalho da
justiça comum. Com o inciso VI do art. 114, passou a ser competência da
Justiça
do Trabalho. Dano material e moral. Para as que já tramitavam perante a
justiça
comum, já que a norma processual trabalhista tem efeito imediato, a
solução
adotada foi o Superior Tribunal de Justiça se posicionar assim: as
ações que já
têm sentença de primeiro grau proferidas na justiça comum continuarão a
correr
na justiça comum até o trânsito em julgado. As já distribuídas à
justiça comum
sem sentença ainda devem ser submetidas à Justiça do Trabalho.
Geralmente
o efeito
imediato já garantiria a aplicação nos processos em curso.
Eficácia da lei processual trabalhista no espaço
A
Súmula 207 do TST fala
no local da prestação do serviço. É o princípio da territorialidade,
mas não é
só isso. Daqui a alguns dias vamos voltar a isto e ler o art. 651 da
CLT:
Art. 651 - A competência das Juntas de
Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o
empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador,
ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. § 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. § 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário. § 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços. |
Não
onde mora, e não onde
o contrato foi assinado. Na aula de competência vamos voltar aqui. A
regra
geral é essa.
O princípio da
territorialidade, quanto à aplicação da norma processual trabalhista é
o juízo
da localidade.