Direito Processual do Trabalho

quinta-feira, 1º de setembro de 2011

Interpretação e integração das normas jurídicas e eficácia da lei processual trabalhista


Subsidiariedade

Estávamos falando na aula passada que, como método de integração da norma jurídica podemos contar com a analogia, a equidade e a subsidiariedade. A norma processual trabalhista não prevê expressamente nada a ser aplicado ao caso concreto. Então partimos de algo que já é previsto em lei nas situações semelhantes, tiramos a solução, e nos valemos subsidiariamente de outras normas da CLT, ou do Código de Processo Civil, ou da Lei de Execuções Fiscais. E, finalmente, da equidade.

Lemos na aula passada, conforme o art. 127 do CPC que, para que o juiz se valha da equidade, ele só poderá usar nos casos permitidos por lei. Vimos a brecha deixada pelo art. 8º da CLT.

Dadas as características próprias do Direito Processual do Trabalho, a equidade é muito mais vista do que no Direito Processual Civil. A atividade do magistrado aqui se diferencia do magistrado no processo comum, pois aqui ele é proativo, vai além, tenta desequilibrar as forças. Daí aplica frequentemente a equidade.
 

Interpretação das normas jurídicas, as fontes formais do Direito Processual do Trabalho

Primeira maneira de se interpretar uma norma jurídica, principalmente num sistema como o nosso, que obviamente adota a norma escrita, o direito positivo, já que não se passa oralmente entre gerações, é a interpretação gramatical.

Temos que nos lembrar de que temos várias formas de interpretação da norma jurídica, sob pena de não conseguir segurança no resultado dessa análise interpretativa. Temos que tirar a interpretação mais segura do ponto de vista científico. A primeira delas é a gramatical. Analisamos a linguagem, o texto criado pelo legislador. A limitação dessa forma de interpretação é que nem sempre o legislador consegue chegar a um resultado satisfatório para que se chegue a uma interpretação segura. Os parlamentares, que são os que editam e aditam projetos de lei, podem não ser tão escolados como nós, estudantes. Então temos uma segunda forma de interpretação da norma jurídica, que é a forma lógica.

Na forma lógica, comparamos um dispositivo com outros dispositivos de lei. Quando fazemos essa comparação para efeito de interpretação de hermenêutica, estamos interpretando de maneira nova.

Terceira maneira que temos para interpretar as fontes formais é a forma teleológica. É a mais interessante. Por quê? Porque procuramos entender, na maneira teleológica, ou seja, finalística, o objetivo, a finalidade do legislador. Quando conseguimos entender o objetivo, conseguimos alcançar resultados práticos mais palpáveis. Qual era a intenção do legislador? O que ele pretendia alcançar?

Uma maneira parecida com a forma lógica, mas que era aplicada num contexto macro, num contexto maior, é a forma sistemática. Nela, avaliamos um dispositivo de lei em face de todo o sistema jurídico de um país. Analisamos em face de outras normas, de decretos, princípios, para então se chegar à melhor interpretação.

Como as normas jurídicas não são capazes de prever todas e quaisquer situações que se apresentem, o aplicador do Direito deve elastecer o campo de aplicação da norma para atender à realidade social. Primeiramente, veja o art. 7º da CLT:

Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam: [...]

E agora veja que temos uma multa de caráter processual no art. 467:

Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinqüenta por cento.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e as suas autarquias e fundações públicas.

Teleologicamente falando, a finalidade desse dispositivo é forçar o empregador a pagar, à ocasião da primeira audiência, as verbas incontroversas. Significa que não existe desculpa para não pagar o último salário trabalhado, ou o período de férias antes da alegada falta grave. Se não pagar, poderá acabar pagando o valor acrescido de 50%. Há juízes que aplicam isso à empregada doméstica. Sim, por interpretação. O Direito Material do Trabalho, em muitos pontos, colide com as peculiaridades dos direitos do trabalhador doméstico. Mas o processo para o domestico é o mesmo para o celetista.

De vez em quando o magistrado interpretará a norma de forma a restringir ou limitar as palavras do legislador. O que aconteceu que não acontece mais hoje foi a criação do art. 625-D, que criou a Comissão de Conciliação Prévia.

Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.

[...]

Como se interpretava esse dispositivo quando de sua inclusão na CLT? Interpretava-se de maneira lógica. Íamos ao art. 5º da Constituição e víamos o seguinte: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A lei não pode afastar a jurisdição sob nenhum argumento. A CLT disse que o dissídio seria submetido à Comissão de Conciliação Prévia. Entendia-se que, se tivesse CCP e não se passasse por ela, arquivava-se a reclamação. Às vezes não havia nem a comissão. O sujeito não sabia o que fazer, então tinha que ir ao sindicato buscar uma “declaração de inexistência de Comissão de Conciliação Prévia”. É uma interpretação restritiva. Certamente não eram esses os efeitos pretendidos pelo legislador.

A forma histórica de interpretar as normas do Direito Processual do Trabalho, por sua vez, se complementa à teleológica. Nesta, observa-se a finalidade. Na histórica, avaliamos as fontes reais que impulsionaram o legislador na ocasião da edição da norma. Quando entendemos o panorama da época da promulgação da norma, conseguimos entender a finalidade usada por ele.

E a chamada “interpretação conforme”? Vimos em Direito do Trabalho I. É a interpretação do a 625-D em face do inciso XXXV do art. 5º da Constituição. É a interpretação de um dispositivo em face de um dispositivo constitucional, em que interpretamos conforme a Constituição. Ou interpretamos em face de princípios, o que também é interpretação conforme. A inconstitucionalidade só será declarada se realmente não tiver como aquela norma ser considerada constitucional. Tenta-se usar a boa vontade, que é necessária para garantir a segurança jurídica da coletividade.
 

Antinomias aparentes

Leia a obra Teoria do Ordenamento Jurídico de Norberto Bobbio. Precisamos ter um raciocínio jurídico lógico. Leiam! Já passou da hora de começarmos a ler textos mais abrangentes e profundos. Estamos nos formando, temos que ler.

O que são antinomias aparentes? Conflito aparente de normas jurídicas dentro de um sistema jurídico. Por que admite só choque de norma aparente? Porque salienta que o sistema jurídico pode apresentar falhas. Não existe um sistema que não apresente suas falhas. Que falhas seriam essas? Os conflitos das normas. Mas temos critérios para afastar esses conflitos aparente de normas. O próprio sistema apresenta a solução do problema. Admite, portanto, que os choques são só aparentes. O primeiro critério para a solução desses conflitos, então, sempre, é o critério da hierarquia. A norma hierarquicamente superior afasta a aplicabilidade das normas hierarquicamente inferiores. Quando a Constituição diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, ao passo que a CLT diz que haverá Comissão de Conciliação Prévia, a Constituição prevalece. Não é dado à lei afastar a jurisdição sob nenhum fundamento. O critério da hierarquia é exatamente esse.

Quando deparamos com um conflito aparente de normas e essas normas estão no mesmo grau hierárquico, Bobbio diz que resolveremos, desde que estejam dentro do mesmo ramo do Direito, pelo critério da cronologia. A norma mais recente prevalece em face da mais antiga. Na antiga Lei de Introdução ao Código Civil, hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, temos o § 1º do art. 2º:

Art. 2º  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

É cronologia pura.

Critério da especialidade: temos a subsidiariedade de aplicação do Código de Processo Civil ao Processo Trabalhista. Se a CLT dispuser especificamente sobre determinado assunto, esqueça o CPC, a não ser que, pelo motivo que já vimos, a norma processual comum atender melhor do que a própria CLT às finalidades do Processo Trabalhista.

Critério da competência: art. 22 da Constituição, inciso I:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

[...]

E temos a lei complementar 103/2000:

LEI COMPLEMENTAR Nº 103, DE 14 DE JULHO DE 2000.

Autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituir o piso salarial a que se refere o inciso V do art. 7o da Constituição Federal, por aplicação do disposto no parágrafo único do seu art. 22.

Art. 1o Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7o da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho.

§ 1o A autorização de que trata este artigo não poderá ser exercida:

I – no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governador dos Estados e do Distrito Federal e de Deputados Estaduais e Distritais;

II – em relação à remuneração de servidores públicos municipais.

§ 2o O piso salarial a que se refere o caput poderá ser estendido aos empregados domésticos.

Art. 2o Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.

Temos que avaliar, também, as normas colidentes sob o ponto de vista da competência. Ao perceber que determinada norma foi criada por alguém que não tinha competência para criá-la, já acabamos com o problema aqui. No caso, a lei complementar acima dá permissão aos estados e ao Distrito Federal a competência para instituir piso salarial.

E também quando temos norma criada por medida provisória quando tal espécie normativa não podia versar sobre aquela matéria. Art. 62, § 1º da Constituição. Já houve alteração de prazo da CLT por medida provisória.
 

Eficácia da lei processual trabalhista

Temos a eficácia no tempo e no espaço. A antiga Lei de Introdução ao Código Civil, o Decreto-lei 4657/42 deixa algumas dúvidas, pelo menos no tocante ao efeito da aplicação imediata. Quais as normas processuais aplicadas? Temos o princípio da irretroatividade. A lei, quando é promulgada, não tem a capacidade de atingir atos jurídicos já praticados sob a égide da lei antiga. O art. 5º, inciso XXXVI da Constituição diz:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Nem para beneficiar, nem para prejudicar. Combina com o art. 6º da LINDB, que tem praticamente a mesma redação.

Princípio da aplicação imediata: a LICC é de 1942. Naquele tempo, demorava-se muito mais tempo que hoje em dia para que se soubesse que determinada lei fora promulgada. Arts. 1º e 6º da LICC/LINDB:

Art. 1º  Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

[...]

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Art. 912 da CLT, já em 1943, além dos próprios arts. 1 e 6 da Lei de Introdução ao Código Civil:

Art. 912 - Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação.

Dito isso, o que aconteceu nos últimos anos? Emenda Constitucional nº 45. Foi promulgada em dezembro de 2004, e passou a viger a partir de 2 de janeiro de 2005. Mudou mais coisas, mas o que mais chama atenção é o elastecimento muito grande da esfera da competência da Justiça do Trabalho. A demanda aumentou consideravelmente. E temos alguns exemplos. O inciso I do art. 114 da Constituição diz:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

[...]

Relação de trabalho necessariamente é relação de emprego? Não. Muita gente que não tem relação de emprego, até dezembro de 2004, mesmo que continue sem relação de emprego passou a submeter eventuais demandas à justiça do trabalho. Temos outros exemplos: ações sobre representação sindical, em que não há relação de emprego com o trabalhador:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

[...]

III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

[...]

Vejam todo o art. 114.

Danos morais ou materiais na esfera trabalhista deu origem a um questionamento. E os acidentes de trabalho? Passam a ser da competência da Justiça do Trabalho? Depende. No art. 643 da CLT, lê-se que...

Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.

§ 1º - As questões concernentes à Previdência Social serão decididas pelos órgãos e autoridades previstos no Capítulo V deste Título e na legislação sobre seguro social.

§ 2º - As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas a justiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente.

O que mudou no tocante a acidentes de trabalho com a Emenda 45? Existem trabalhadores que ajuízam contra a Previdência. A briga do trabalhador contra a Previdência Social continua como de competência da justiça comum, sob a Vara de Acidentes de Trabalho. O trabalhador, em geral, quer demandar a empresa, buscando reparação do dano material. Isso, até a Emenda 45, era submetido à Vara de Acidentes de Trabalho da justiça comum. Com o inciso VI do art. 114, passou a ser competência da Justiça do Trabalho. Dano material e moral. Para as que já tramitavam perante a justiça comum, já que a norma processual trabalhista tem efeito imediato, a solução adotada foi o Superior Tribunal de Justiça se posicionar assim: as ações que já têm sentença de primeiro grau proferidas na justiça comum continuarão a correr na justiça comum até o trânsito em julgado. As já distribuídas à justiça comum sem sentença ainda devem ser submetidas à Justiça do Trabalho.

Geralmente o efeito imediato já garantiria a aplicação nos processos em curso.
 

Eficácia da lei processual trabalhista no espaço

A Súmula 207 do TST fala no local da prestação do serviço. É o princípio da territorialidade, mas não é só isso. Daqui a alguns dias vamos voltar a isto e ler o art. 651 da CLT:

Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

§ 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.

§ 2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Não onde mora, e não onde o contrato foi assinado. Na aula de competência vamos voltar aqui. A regra geral é essa.

O princípio da territorialidade, quanto à aplicação da norma processual trabalhista é o juízo da localidade.