Direito Processual do Trabalho

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Conceito de Direito Processual do Trabalho e relação com outras áreas do Direito


Conceito de Direito Processual do Trabalho

O melhor conceito na opinião do professor é do respeitado autor Carlos Henrique Bezerra Leite: “Ramo da ciência jurídica, constituído por um sistema de normas, princípios, regras e instituições próprias, que tem por objeto promover a pacificação justa dos conflitos individuais, coletivos e difusos decorrentes direta ou indiretamente das relações de emprego e de trabalho, bem como regular o funcionamento dos órgãos que compõem a Justiça do Trabalho.”

A edição de qualquer livro que pegarmos deve ser posterior a 2005, por conta da Emenda Constitucional nº 45, que trouxe significativas mudanças. Pouca coisa mudou desde então.

É a CLT que traz as normas de Processo do Trabalho? Sim. Temos 922 artigos, e a partir do art. 643 Temos normas de Direito Processual do Trabalho. Menos de 300 artigos para regulamentar todo o Processo do Trabalho, que são toda a parte instrumental do Direito do Trabalho. Será que é suficiente? Pode ter certeza absoluta que não.

O Direito Processual do Trabalho é autônomo? Há correntes para responder a essa pergunta. Uma delas, já sem voz, diz que o Processo do Trabalho é um mero desdobramento do Processo Civil. Aplicaremos normas constitucionais, e a Constituição diz que não podemos alterar normas de Processo Civil por medida provisória. Veja o art. 62 da Constituição:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

[...]

b) direito penal, processual penal e processual civil; [...]

Pode haver medida provisória alterando normas de Processo do Trabalho? Uma corrente quase morta diz que o Direito Processual do Trabalho é desdobramento do Processo Civil. Entretanto, a corrente que tem muito mais aceitação hoje em dia é que a CLT é cheia de lacunas, sim, mas ela mesma prevê a possibilidade de aplicação subsidiária do Processo Civil, e isso, por si só, não afasta a autonomia do Processo do Trabalho. A corrente que prevalece é a corrente dualista, contra a monista, da qual falamos antes, quase morta. Para defender a autonomia do Processo do Trabalho, apontam-se a existência de leis específicas sobre Processo do Trabalho, e também há autonomia didática. Há dois semestres de Processo do Trabalho neste curso, um deles para quem escolhe a área de concentração em Direito do Trabalho.

Há também autonomia jurisdicional, a justiça especializada, que é federal. Escrever em suas petições “Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Trabalho” é muito feio. Justiça do trabalho é uma justiça de âmbito federal especializada. Há o ramo próprio.

Além da legislação específica, temos princípios próprios de Direito Processual do Trabalho. O da proteção, por exemplo. Estudamos o princípio da proteção dentro do Direito Material do Trabalho, mas aqui temos outro viés. Outro é o princípio da finalidade social do processo. O Processo do Trabalho busca a efetividade das normas trabalhistas, então o Processo do Trabalho é todo desenhado para garantir o acesso rápido e efetivo ao judiciário trabalhista. Busca-se a mais célere prestação possível. O que está quase sempre por trás da relação de emprego são créditos de natureza alimentícia. Na justiça comum há preparo. Aqui no Processo do Trabalho, para recorrer ao TRT ou TST, o empregador deverá depositar um valor no FGTS do empregado.

Outro princípio próprio do Direito do Trabalho é o princípio da disponibilidade. O estado-juiz, diante de um empregado (CLT, art. 3º), deverá observar o que lhe é de direito, e os direitos não são disponíveis: não se pode dispor do reconhecimento da relação de emprego, por exemplo.

Outra coisa é a normatização coletiva. Temos dissídios individuais e dissídios coletivos, o que não acontece nas outras áreas do Direito. Em dificuldade de entendimento sobre a interpretação da norma coletiva pactuada entre sindicatos profissionais e patronais, ou entre sindicatos profissionais e empresas, o juízo trabalhista profere as chamadas sentenças normativas, que criam dispositivos a serem observados pelas partes.

Hoje não se discute mais. O Processo do Trabalho é autônomo, apesar de a CLT ser lacunosa.

Apesar de autônomo, ele se relaciona com outros ramos do direito. Direitos humanos, por exemplo. Nada adianta haver um grande diploma legal de garantias se não houver efetividade. Isso é questão de direitos humanos. Veja o Artigo VIII da declaração universal dos direitos humanos:

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem  os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Toda organização do Poder Judiciário, do Processo do Trabalho visa a garantir a gratuidade da justiça, a Defensoria Pública, a assistência jurídica gratuita, como através dos NPJs aqui da instituição.
 

Relação do Direito Processual do Trabalho com o Direito Processual Civil

A CLT prevê, no art. 769, Que nos casos de lacuna ou omissão legislativa, a fonte subsidiária é o Processo Civil.

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

O que o legislador quer dizer aqui? Esta é redação original da CLT, de 1943! O foco do Processo Civil é outro, completamente diferente do Processo do Trabalho. O Processo Civil melhorou de alguns anos para cá, mas o pano de fundo ainda é outro. Não podem ser aplicadas todas as normas de Direito Processual Civil. Nas execuções no Processo Civil, há o princípio da menor onerosidade, por exemplo, que protege o caloteiro. Alia-se ao entendimento sobre o direito de propriedade, e com a preocupação do legislador em que haja investimento no país. O Processo Civil é direcionado à proteção da propriedade. No Processo do Trabalho, visa-se à proteção do trabalhador. Empregador x empregado, o que tem dinheiro contra o que está com fome, ao menos em tese. Ou seja, sem efetividade e com criação de obstáculos desnecessários, que vierem a dificultar a vida de quem quer a tutela jurisdicional, de que valeria o Processo do Trabalho? Mas o que tiver no Direito Processual Civil e que não venha a atrapalhar a efetividade do Processo do Trabalho pode sim ser aplicado.

Antigamente tínhamos uma discussão. A visão, mais antiga, da aplicação do art. 769, era tal que só se admitia a aplicação do Processo Civil à chamada lacuna normativa. Se a CLT regulamenta, então esqueça o Código de Processo Civil. Só no caso de ausência de norma na legislação processual trabalhista que aplicaríamos a legislação processual civil. Isso antigamente. Há dois outros tipos de lacuna que garantem uma maior aplicabilidade do Processo Civil de maneira subsidiária: As ontológicas e as axiológicas.

Lacunas ontológicas: temos uma norma jurídica de 1943, que já não atende aos fatos sociais que vivenciamos hoje. Isso hoje é considerado lacuna. Fato, valor e norma, a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale: o fato que gerou a lei já não tem mais nada a ver com que acontece hoje. Mas a CLT está aí, firme aos 68 anos de idade, caminhando com seu andador.

As lacunas axiológicas são mais graves ainda: temos a norma antiga, que não passou a ser obsoleta, mas sim injusta. Um exemplo em atual discussão é a recente Lei Processual Penal nº 12403/2011, que gerou insatisfação e insegurança, conferindo proteção excessiva aos acusados. Pode ser considerada uma lacuna axiológica.

A visão que os doutrinadores emprestam ao art. 769 Hoje é a heterointegração. O Processo Civil modernizou-se bastante, e inclusive com normas constitucionais novas. Inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Hoje temos Juizados Especiais desde a edição da Lei 9099/1995, o processo de execução cível repaginou-se, reformou-se a execução no Processo Civil, a exemplo do art. 475-J, que instituiu 10% de multa para o devedor de obrigação líquida que deixa de pagar no prazo de 15 dias.

Heterointegração é: ainda que existam normas próprias previstas na CLT ou na legislação esparsa que trate de Processo do Trabalho, se tivermos normas mais modernas, que atendam de maneira mais eficaz os anseios do jurisdicionado, então sim, aplique o Processo Civil. Mesmo que exista norma específica nas normas do Processo do Trabalho.

Enunciado nº 66 da Primeira Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, editado em 23.11.2007:

66. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE.

Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.

Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.

O art. 889 Trata da execução, dizendo que a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6830/1980) é fonte subsidiária do Processo do Trabalho.

Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

Pode cair em prova.
 

Relação do Direito Processual do Trabalho com o Direito Constitucional

Quais as condições para validade de um contrato no Direito Civil? Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Isso é Direito Material. Vamos trazer para o Direito Processual. No quinto semestre, quem teve aula com o professor Mazoni ficou sabendo do caso do lava-jato das meninas das camisetas brancas sem sutiã em sobradinho. Assim o empreendedor atraía a clientela: colocando maravilhosas jovens de camisa que se tornava transparente com a própria atividade empresarial: lavagem de carros. O sindicato e o Ministério Público do Trabalho voltaram os olhos para a prática, condenando-a. A tentativa de defesa era que o objeto era lícito, as mulheres eram maiores, estavam coletando FGTS e tudo certo. A mola mestra do fechamento do lava jato era a dignidade.

Valor social do trabalho: temos hoje um cenário de alta competitividade, salários achatados, competição com outros países, a médio e longo prazo, se não se reconhecer o valor social do trabalho, quem irá injetar dinheiro numa fábrica se não houver direitos trabalhistas? O que  está por trás disso é o valor social do trabalho. Há princípios constitucionais visando a garantir o desafogamento do Judiciário e maior celeridade processual.

Observe a Lei 9958/2000, que criou as Comissões Intersindicais de Conciliação Prévia. A interpretação dada à lei era que (art. 625-D da CLT):

Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. (Incluído pela Lei nº 9.958, de 12.1.2000)

[...]

O Supremo julgou essas questão e notou a colisão com o inciso XXXV do art. 5º da Constituição:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Ninguém pode impedir o acesso à justiça sob nenhum fundamento. Órgãos da Justiça do Trabalho estão bem definidos no art. 111 da Lei Maior:

Art. 111. São órgãos da Justiça do Trabalho:

I - o Tribunal Superior do Trabalho;

II - os Tribunais Regionais do Trabalho;

III - Juízes do Trabalho.

O art. 117, que tratava dos juízes classistas, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 24 de 1999:

Art. 117. O mandato dos representantes classistas, em todas as instâncias, é de três anos.

Parágrafo único. Os representantes classistas terão suplentes.
 

Relação do Direito Material do Trabalho com o Direito Processual do Trabalho

Uma única coisa a dizer: o segundo é garantia do primeiro.
 

Relação do Direito Processual do Trabalho com o Direito Civil

No Processo Civil buscam-se todas as informações da empresa. A desconsideração da personalidade jurídica é automática e de ofício. A teoria adotada é a mesma do Código de Defesa do Consumidor: basta o inadimplemento para desconsiderar.

CLT também fala em ações movidas por menores no art. 793:

Art. 793. A reclamação trabalhista do menor de 18 anos será feita por seus representantes legais e, na falta destes, pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público estadual ou curador nomeado em juízo.

Podemos ver que o MPT especialmente fala em pais. Se houver Procurador do Trabalho atuando na primeira instância, é porque há interesses coletivos em discussão, ou há trabalhador escravo na jogada, ou há menores.

A Constituição, no art. 114, inciso VI, prevê a competência:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

[...]

VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

[...]

Tome danos morais e direitos da personalidade. Honra do trabalhador, intimidade, acusação de furto pelo empregador, caso que foi parar na delegacia, mas não havia provas; daí o empregador antigo ligar para o novo para contar casos suspeitos, entre outros.

Prescrição. A inércia pode gerar prejuízo. Art. 932, inciso III do Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

[...]

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...]

São também responsáveis pela reparação civil. Empregador, prepostos comitentes, etc.

Para ilustrar, houve um caso de um banco privado onde os empregados tinham, cada um, uma conta de e-mail profissional, que acompanhava o nome do banco. Um empregado gaiato resolveu escrever e enviar a um colega uma mensagem pornográfica, que achou muita graça e repassou, provavelmente sem nunca remover o endereço de e-mail do remetente original. Acabou parando na caixa profissional de uma funcionária idosa, de outra cidade, que acessava sua caixa pelo Outlook de casa. Ela, como se deveria esperar, ficou horrorizada e se sentiu ofendida. A questão foi levada ao Judiciário para apreciar o dano moral.

A Vara do Trabalho, a primeira instância, entendeu que o dano foi causado por um particular (o empregado), que tomou a iniciativa de criar a mensagem infeliz. Entendeu que o banco não tinha responsabilidade. A senhora recorreu e no TRT o processo caiu na relatoria da Desembargadora Márcia Mazoni, bem conhecida do professor, que rapidamente afastou a irresponsabilidade do banco por não diligenciar corretamente em relação ao e-mail institucional e por não manter vigilância digital nas mensagens trocadas.