Conceito de Direito Processual do Trabalho
O
melhor conceito na
opinião do professor é do respeitado autor Carlos Henrique Bezerra
Leite: “Ramo da ciência jurídica, constituído
por
um sistema de normas, princípios, regras e instituições próprias, que
tem por
objeto promover a pacificação justa dos conflitos individuais,
coletivos e
difusos decorrentes direta ou indiretamente das relações de emprego e
de
trabalho, bem como regular o funcionamento dos órgãos que compõem a
Justiça do
Trabalho.”
A
edição de qualquer
livro que pegarmos deve ser posterior a 2005, por conta da Emenda
Constitucional nº 45, que trouxe significativas mudanças. Pouca coisa
mudou
desde então.
É
a CLT que traz as
normas de Processo do Trabalho? Sim. Temos 922 artigos, e a partir do
art. 643
Temos normas de Direito Processual do Trabalho. Menos de 300 artigos
para
regulamentar todo o Processo do Trabalho, que são toda a parte
instrumental do Direito do Trabalho. Será que é suficiente? Pode ter certeza absoluta
que não.
O
Direito Processual do
Trabalho é autônomo? Há correntes para responder a essa pergunta. Uma
delas, já
sem voz, diz que o Processo do Trabalho é um mero desdobramento do
Processo
Civil. Aplicaremos normas constitucionais, e a Constituição diz que não
podemos
alterar normas de Processo Civil por medida provisória. Veja o art. 62 da Constituição:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o
Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de
lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: [...] b) direito penal, processual penal e processual civil; [...] |
Pode
haver medida
provisória alterando normas de Processo do Trabalho? Uma corrente quase
morta
diz que o Direito Processual do Trabalho é desdobramento do Processo
Civil. Entretanto,
a corrente que tem muito mais aceitação hoje em dia é que a CLT é cheia
de
lacunas, sim, mas ela mesma prevê a possibilidade de aplicação
subsidiária do Processo
Civil, e isso, por si só, não afasta a autonomia do Processo do
Trabalho. A
corrente que prevalece é a corrente dualista, contra a monista, da qual
falamos
antes, quase morta. Para defender a autonomia do Processo do Trabalho,
apontam-se a existência de leis específicas sobre Processo do Trabalho,
e
também há autonomia didática. Há dois semestres de Processo do Trabalho
neste curso, um deles para quem escolhe a área de concentração em
Direito
do
Trabalho.
Há
também autonomia
jurisdicional, a justiça especializada, que é federal. Escrever em suas
petições “Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito do Trabalho” é muito
feio.
Justiça do trabalho é uma justiça de âmbito federal especializada. Há o
ramo
próprio.
Além
da legislação
específica, temos princípios próprios de Direito Processual do
Trabalho. O da
proteção, por exemplo. Estudamos o princípio da proteção dentro do
Direito
Material do Trabalho, mas aqui temos outro viés. Outro é o princípio da
finalidade
social do processo. O Processo do Trabalho busca a efetividade das
normas
trabalhistas, então o Processo do Trabalho é todo desenhado para
garantir o
acesso rápido e efetivo ao judiciário trabalhista. Busca-se a mais
célere
prestação possível. O que está quase sempre por trás da relação de
emprego são créditos de natureza alimentícia.
Na justiça
comum há preparo. Aqui no Processo do Trabalho, para recorrer ao TRT ou
TST, o empregador
deverá depositar um valor no FGTS do empregado.
Outro
princípio próprio
do Direito do Trabalho é o princípio da disponibilidade. O estado-juiz,
diante
de um empregado (CLT, art. 3º), deverá observar o que lhe é de direito,
e os
direitos não são disponíveis: não se pode dispor do reconhecimento da
relação
de emprego, por exemplo.
Outra
coisa é a normatização coletiva.
Temos dissídios
individuais e dissídios coletivos, o que não acontece nas outras áreas
do
Direito. Em dificuldade de entendimento sobre a interpretação da norma
coletiva
pactuada entre sindicatos profissionais e patronais, ou entre
sindicatos
profissionais e empresas, o juízo trabalhista profere as chamadas
sentenças
normativas, que criam dispositivos a serem observados pelas partes.
Hoje
não se discute mais.
O Processo do Trabalho é autônomo, apesar de a CLT ser lacunosa.
Apesar
de autônomo, ele
se relaciona com outros ramos do direito. Direitos humanos, por
exemplo. Nada
adianta haver um grande diploma legal de garantias se não houver
efetividade.
Isso é questão de direitos humanos. Veja o Artigo VIII da declaração
universal
dos direitos humanos:
Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. |
Toda
organização do Poder
Judiciário, do Processo do Trabalho visa a garantir a gratuidade da
justiça, a Defensoria Pública, a assistência jurídica gratuita, como através dos NPJs aqui da instituição.
Relação do Direito Processual do Trabalho com o
Direito
Processual Civil
A
CLT prevê, no art. 769,
Que nos casos de lacuna ou omissão legislativa, a fonte subsidiária é o
Processo
Civil.
Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. |
O
que o legislador quer
dizer aqui? Esta é redação original da CLT, de 1943! O foco do Processo
Civil é
outro, completamente diferente do Processo do Trabalho. O Processo
Civil
melhorou de alguns anos para cá, mas o pano de fundo ainda é outro. Não
podem ser
aplicadas todas as normas de Direito Processual Civil. Nas execuções no
Processo Civil, há o princípio da menor onerosidade, por exemplo, que
protege o
caloteiro. Alia-se ao entendimento sobre o direito de propriedade, e
com a preocupação
do legislador em que haja investimento no país. O Processo Civil é
direcionado
à proteção da propriedade. No Processo do Trabalho, visa-se à proteção
do
trabalhador. Empregador x empregado, o que tem dinheiro contra o que
está com
fome, ao menos em tese. Ou seja, sem efetividade e com criação de obstáculos
desnecessários, que
vierem a dificultar a vida de quem quer a tutela jurisdicional, de que
valeria
o Processo do Trabalho? Mas o que tiver no Direito Processual Civil e
que não
venha a atrapalhar a efetividade do Processo do Trabalho pode sim ser
aplicado.
Antigamente
tínhamos uma
discussão. A visão, mais antiga, da aplicação do art. 769, era tal que só se
admitia a
aplicação do Processo Civil à chamada lacuna normativa. Se a CLT
regulamenta,
então esqueça o Código de Processo Civil. Só no caso de ausência de
norma na
legislação processual trabalhista que aplicaríamos a legislação
processual
civil. Isso antigamente. Há dois
outros tipos de lacuna que garantem uma maior aplicabilidade do
Processo Civil
de maneira subsidiária: As ontológicas
e as axiológicas.
Lacunas
ontológicas: temos
uma norma jurídica de 1943, que já não atende aos fatos sociais que
vivenciamos
hoje. Isso hoje é considerado lacuna. Fato, valor e norma, a Teoria
Tridimensional
do Direito de Miguel Reale: o fato que gerou a lei já não tem mais nada
a ver
com que acontece hoje. Mas a CLT está aí, firme aos 68 anos de idade,
caminhando com
seu andador.
As
lacunas axiológicas
são mais graves ainda: temos a norma antiga, que não passou a ser
obsoleta, mas
sim injusta. Um exemplo em atual discussão é a recente Lei Processual
Penal nº
12403/2011, que gerou insatisfação e insegurança, conferindo proteção
excessiva
aos acusados. Pode ser considerada uma lacuna axiológica.
A
visão que os
doutrinadores emprestam ao art. 769 Hoje é a heterointegração.
O Processo Civil modernizou-se bastante, e
inclusive com normas constitucionais novas. Inciso LXXVIII do art. 5º
da Constituição,
introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. |
Hoje
temos Juizados
Especiais desde a edição da Lei 9099/1995, o processo de execução cível
repaginou-se, reformou-se a execução no Processo Civil, a exemplo do
art.
475-J, que instituiu 10% de multa para o devedor de obrigação líquida que deixa de
pagar no
prazo de 15 dias.
Heterointegração
é: ainda
que existam normas próprias previstas na CLT ou na legislação esparsa
que trate
de Processo do Trabalho, se tivermos normas mais modernas, que atendam
de
maneira mais eficaz os anseios do jurisdicionado, então sim, aplique o
Processo
Civil. Mesmo que exista norma específica nas normas do Processo do
Trabalho.
Enunciado
nº 66 da Primeira
Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, editado em 23.11.2007:
66. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO
COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA.
ADMISSIBILIDADE. Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social. |
Diante
do atual estágio
de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir
aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do
processo, os
artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a
Constituição
Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à
efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade,
efetividade e não-retrocesso social.
O
art. 889 Trata da
execução, dizendo que a Lei de Execuções Fiscais (Lei 6830/1980) é
fonte subsidiária
do Processo do Trabalho.
Art. 889. Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal. |
Pode cair em prova.
Relação do Direito Processual do Trabalho com o
Direito
Constitucional
Quais
as condições para
validade de um contrato no Direito Civil? Agente capaz, objeto lícito,
possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa
em lei.
Isso é Direito Material. Vamos trazer para o Direito Processual. No
quinto
semestre, quem teve aula com o professor Mazoni ficou sabendo do caso
do lava-jato
das meninas das camisetas brancas sem sutiã em sobradinho. Assim o
empreendedor
atraía a clientela: colocando maravilhosas jovens de camisa que se
tornava
transparente com a própria atividade empresarial: lavagem de carros. O
sindicato e o Ministério Público do Trabalho voltaram os olhos para a
prática,
condenando-a. A tentativa de defesa era que o objeto era lícito, as
mulheres eram
maiores, estavam coletando FGTS e tudo certo. A mola mestra do
fechamento do
lava jato era a dignidade.
Valor
social do trabalho:
temos hoje um cenário de alta competitividade, salários achatados,
competição
com outros países, a médio e longo prazo, se não se reconhecer o valor
social
do trabalho, quem irá injetar dinheiro numa fábrica se não houver
direitos
trabalhistas? O que está por trás disso é o valor social do trabalho. Há
princípios
constitucionais visando a garantir o desafogamento do Judiciário e
maior
celeridade processual.
Observe
a Lei 9958/2000, que
criou as Comissões Intersindicais de Conciliação Prévia. A
interpretação dada à
lei era que (art. 625-D da CLT):
Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza
trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na
localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão
no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. (Incluído pela Lei
nº 9.958, de 12.1.2000) [...] |
O
Supremo julgou essas
questão e notou a colisão com o inciso XXXV do art. 5º da Constituição:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; |
Ninguém
pode impedir o
acesso à justiça sob nenhum fundamento. Órgãos da Justiça do Trabalho
estão bem
definidos no art. 111 da Lei Maior:
Art. 111. São órgãos da Justiça do Trabalho: I - o Tribunal Superior do Trabalho; II - os Tribunais Regionais do Trabalho; III - Juízes do Trabalho. |
Art. 117. O mandato dos representantes classistas, em todas as instâncias, é de três anos. Parágrafo único. Os representantes classistas terão suplentes. |
Relação do Direito Material do Trabalho com o
Direito Processual do Trabalho
Uma
única coisa a dizer:
o segundo é garantia do primeiro.
Relação do Direito Processual do Trabalho com o
Direito Civil
No
Processo Civil
buscam-se todas as informações da empresa. A desconsideração da
personalidade
jurídica é automática e de ofício. A teoria adotada é a mesma do Código
de
Defesa do Consumidor: basta o inadimplemento para desconsiderar.
CLT
também fala em ações
movidas por menores no art. 793:
Art. 793. A reclamação trabalhista do menor de 18 anos será feita por seus representantes legais e, na falta destes, pela Procuradoria da Justiça do Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público estadual ou curador nomeado em juízo. |
Podemos
ver que o MPT
especialmente fala em pais. Se houver Procurador do Trabalho atuando na
primeira instância, é porque há interesses coletivos em discussão, ou
há trabalhador
escravo na jogada, ou há menores.
A
Constituição, no art.
114, inciso VI, prevê a competência:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; [...] |
Tome
danos morais e
direitos da personalidade. Honra do trabalhador, intimidade, acusação
de furto pelo empregador,
caso que foi parar na delegacia, mas não havia provas; daí o empregador
antigo ligar para
o novo para contar casos suspeitos, entre outros.
Prescrição.
A inércia
pode gerar prejuízo. Art. 932, inciso III do Código Civil:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...] |
São
também responsáveis
pela reparação civil. Empregador, prepostos comitentes, etc.
Para
ilustrar, houve um
caso de um banco privado onde os empregados tinham, cada um, uma conta
de
e-mail profissional, que acompanhava o nome do banco. Um empregado
gaiato
resolveu escrever e enviar a um colega uma mensagem pornográfica, que
achou
muita graça e repassou, provavelmente sem nunca remover o endereço de
e-mail do
remetente original. Acabou parando na caixa profissional de uma
funcionária
idosa, de outra cidade, que acessava sua caixa pelo Outlook de casa.
Ela, como
se deveria esperar, ficou horrorizada e se sentiu ofendida. A questão
foi
levada ao Judiciário para apreciar o dano moral.
A Vara do Trabalho, a
primeira instância, entendeu que o dano foi causado por um particular
(o
empregado), que tomou a iniciativa de criar a mensagem infeliz.
Entendeu que o
banco não tinha responsabilidade. A senhora recorreu e no TRT o
processo caiu
na relatoria da Desembargadora Márcia Mazoni, bem conhecida do
professor, que rapidamente
afastou a irresponsabilidade do banco por não diligenciar corretamente
em
relação ao e-mail institucional e por não manter vigilância digital nas
mensagens trocadas.