Assim
como nos outros
ramos do Direito, os princípios de Direito Processual do Trabalho
servem para
mais coisas. Temos que pensar com calma, mas a doutrina reconhece três
funções
dos princípios do Direito Processual do Trabalho. Servem, num primeiro
momento,
para inspirar o legislador a criar as
normas trabalhistas. O sentimento da coletividade para que as
coisas
aconteçam e funcionem daquele jeito. O social tem que ser atingido.
Os
princípios do Direito
Processual do Trabalho têm o intuito de inspirar o legislador.
Segundo
ponto é que,
mesmo que tenhamos leis muito bem elaboradas, temos omissões e lacunas.
A
partir do momento em que as temos, os princípios ajudam
o
legislador e o operador a supri-las.
A
terceira função
reconhecida pela doutrina é de auxiliar o intérprete a analisar os
dispositivos
a serem aplicados no campo processual.
Quais
os princípios?
Primeiro
deles é o princípio da proteção.
Estudamos no
direito material, na parte final do art. 444 da CLT. Mas ele tem também
um viés
processual.
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. |
E
as decisões das
autoridades competentes. Como o princípio da proteção é aplicado no
campo processual?
A justiça e a lei demonstram a existência da plena desigualdade entre
trabalhador e empregador. Gratuidade da justiça, por exemplo, raramente
é
concedida ao empregador. É extremamente raro porque, graças ao viés
processual
do princípio protetor, isso acaba beneficiando o trabalhador. Art. 790:
Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de
Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de
pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão
expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. § 1o Tratando-se de empregado que não tenha obtido o benefício da justiça gratuita, ou isenção de custas, o sindicato que houver intervindo no processo responderá solidariamente pelo pagamento das custas devidas. § 2o No caso de não-pagamento das custas, far-se-á execução da respectiva importância, segundo o procedimento estabelecido no Capítulo V deste Título. § 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. |
O trabalhador, portanto,
sempre conseguirá, na prática, a concessão da justiça gratuita.
Inclusive o
professor presenciou uma trabalhadora que por acaso tinha à mão várias
escrituras de imóveis, e que, portanto, devia auferir renda mensal mais
do que
suficiente para custear o processo. Mas é trabalhadora, então mesmo com
as
provas ela conseguiu o benefício. Graças ao princípio da boa-fé.
Praticamente
todos conseguem.
É
proteção que a lei dá
ao trabalhador. Daí a gratuidade da justiça.
Por
sua vez, o empregador,
teoricamente, não tem impedimento
para conseguir a gratuidade.
A
inversão do ônus da
prova, por presunção, é outro mecanismo. Vamos falar da inversão
especificamente
depois. Mas, para termos uma ideia, estudamos em Direito do Trabalho II
que as
empresas com mais de 10 empregados têm que controlar a jornada de
trabalho de
seus funcionários. É ônus do empregador que conta com mais de 10
empregados o
registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º da CLT. Isso
está
também na Súmula 338 do TST.
Súmula 338 do TST JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. |
Atenção
para o inciso III
do enunciado: o empregador que se vire para provar sobre o horário de
entrada e
saída dos empregados.
Por
último, a ausência
das partes na audiência. De vez em quando o empregador pode acionar o
empregado
na Justiça do Trabalho. Raramente acontece, mas pode. O legislador
pensou no
art. 844 da CLT:¹
Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à
audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento
do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de
fato. Parágrafo único - Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência. |
Isso
foi feito pensando
justamente de quem mais se vale da Justiça do Trabalho.
A
lei confere essa
tentativa de compensação entre as partes.
Há
também o...
Princípio da finalidade social
Segundo
o autor Carlos
Henrique Bezerra Leite, quebra-se o princípio da isonomia entre as
partes. O
princípio da proteção está nos dispositivos legais, enquanto este está
dentro
de um critério mais subjetivo. Permite que o juiz não seja aquele juiz
tão
neutro. O juiz deve, de acordo com este princípio, assumir uma postura
mais
ativa.
As
normas trabalhistas
têm esse caráter imperativo. O interesse social aqui prevalece. Numa
audiência,
o empregado pede R$ 20 mil do empregador. Momentos depois o advogado do
trabalhador relata que um acordo foi alcançado, e que o empregador
pagaria R$
1.000,00, ao invés de R$ 20.000,00 que pretendia pedir. Significa que algo está muito
errado.
Provavelmente o trabalhador ficou com medo da expertise jurídica do
empregador,
e imaginou que fosse perder tudo, muito embora já tenha exposto seus
argumentos
e pedido o valor que entende correto. Neste caso, o próprio juiz, já
sabendo
dos fatos, deverá interferir no acordo. Se o advogado está presente,
alguns
juízes não interferem, mas outros sim.
Princípio da indisponibilidade
É
outro princípio que
está atrelado à proteção e à finalidade social. Está ligado ao
princípio da
irrenunciabilidade dos direitos, inserido no art. 9º da CLT. Diz que
serão
nulos...
Art. 9º - ...de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. |
Naquele
dia-a-dia o
empregado não tem nem o direito, nem se quiser, de abrir mão de seus
direitos. Os
direitos trabalhistas estão compreendidos em normas de cunho
imperativos e são
irrenunciáveis. Quando o empregado abre mão de seus direitos, se
resolve ir à
justiça depois, aquela postura é anulada com base no art. 9º da CLT.
Já
sabemos que o acordo é
lícito, inclusive a tentativa de acordo, e é obrigatória em alguns
momentos
processuais.
Art.
764 da CLT:
Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos
submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à
conciliação. [...] |
Sempre
sujeitos. § 3º do
mesmo artigo:
§ 3º - É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório. |
Juízo
conciliatório, na
interpretação do professor, é o primeiro momento em que o magistrado,
antes de
receber a defesa, é obrigado a realizar. Art. 846:
Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. § 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento. § 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. |
Se não for proposta
a conciliação, o processo é passível de anulação. Se não houver acordo,
o
reclamado ouvirá a versão do reclamante. O juiz pode
então
analisar as coisas e decretar a existência do vínculo. Art. 850:
Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as
partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos
para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de
conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão. Parágrafo único - O Presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social. |
Agora
temos uma
diferença: se o empregador achou que estava em vantagem, e o advogado
notou a
opção de acordo, mas num momento posterior ao que o Estado-juiz
tornou-se ciente
da história, então as coisas poderão ser diferentes. Isso entra no
princípio da
indisponibilidade. O Estado, com conhecimento de todos os fatos, não
deixará
que o vínculo empregatício deixe de ser reconhecido. Sabendo dos fatos,
o juiz
pode impedir que um acordo seja celebrado naqueles termos pois, do
contrário,
estaria deixando que o empregado abrisse mão de direitos indisponíveis
que ele
tem.
Princípio da normatização coletiva
Outro
princípio próprio
do Direito Processual do Trabalho. Em Direito do Trabalho I estudamos
as
convenções e acordos coletivos de trabalho. O que os dispositivos
diziam? Os
sindicatos de trabalhadores podem negociar normas aplicáveis e essas
normas têm
força de lei para todos os efeitos, para o Poder Judiciário e para a
legislação
brasileira como um todo. Os acordos coletivos se referem a normas
criadas entre
sindicatos profissionais e empresas ou grupos de empresas. Quando
chegarem a um
impasse a ponto de terem que acionar a Justiça do Trabalho, se não
houver
acordo, a Justiça do Trabalho passa a decidir o conflito criando normas
que
serão aplicáveis durante determinado tempo. § 2º do art. 114 da
Constituição:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. [...] |
Princípio da subsidiariedade
A
CLT é tão silente em
alguns pontos que ela já prevê, expressamente, que o Código de Processo
Civil é
fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho. Art. 769:
Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. |
Vamos
ver um exemplo de
incompatibilidade em breve.
Princípio da concentração
Sabemos
desde muito tempo
atrás que o crédito trabalhista é de natureza alimentícia. Se o é, o
processo é
todo projetado de maneira a atender, a garantir a eficácia no
atendimento aos
direitos da maneira mais célere possível, com a maior efetividade.
Partimos da
ideia e que a audiência trabalhista é una, mas na prática não é. Os
arts. 845 a
849:
Art. 845 - O reclamante e o reclamado
comparecerão à audiência acompanhados das suas testemunhas,
apresentando, nessa ocasião, as demais provas. Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. § 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento. § 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. Art. 847 - Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes. Art. 848 - Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes. § 1º - Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante. § 2º - Serão, a seguir, ouvidas as testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver. Art. 849 - A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação. |
As
audiências podem ser
fracionadas para garantir celeridade, se for necessário. A audiência
trabalhista é desenhada diferentemente. Os atos são todos sequenciais.
O
reclamante e o reclamado aparecerão acompanhados de suas testemunhas.
Já trazem
as provas. A chance é esta.
Já
se sai da audiência
sabendo o dia da próxima instrução. Não precisa de nova intimação.
A
audiência una
compreenderia recebimento das propostas, produção de provas, oitivas e
sentença. Na prática, audiência trabalhista parece uma feira. É difícil. Audiência una
compreenderia
a tentativa de acordo, recebimento da defesa, instrução e sentença.
Princípio do inquisitivo ou do impulso oficial
Há
quem os trate como
sinônimos, outros não. Tiramos do art. 262 do CPC.
Art. 262. O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial. |
Onde
entra o aspecto do
inquisitivo? Lembram-se da busca da verdade real? O juiz do trabalho tem isso
muito
presente em seu dia-a-dia. O art. 765 da CLT dá uma liberdade grande ao
juiz:
Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. |
Essa
curiosidade atiçada
faz com que se deixe intimar o banco para apresentar documentos. Ou um
terceiro
referido repetidamente pelas testemunhas. Pode ser chamado para dentro,
caso
esteja presente do lado de fora da sala, como testemunha do juízo.
Temos
outros exemplos
ainda. Antes da reforma da execução no Processo Civil, tínhamos uma
coisa
própria do Processo do Trabalho: a execução ex
officio. Quando o professor começou a atuar, havia um
despacho: “diga ao
autor se tem interesse na execução do julgado.” Incrível. Sim, é claro
que
algumas pessoas promoviam ações trabalhistas unicamente na curiosidade
de ver o
Estado trabalhar e proferir uma sentença de mérito numa ação
cognitivo-condenatória, somente para que o reclamante risse da cara do
reclamado: “foi condenado!!” E ficar por isso mesmo... essa aberração
não era
culpa do magistrado, mas da lei.
Art.
878:
Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior. |
Parágrafo
único - Quando
se tratar de decisão dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser
promovida
pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.
Se
e o condenado está devendo
e o processo está parado, calcule o quantum
debeatur e envie o oficial para realizar a penhora.
Outros
exemplos: os arts.
130 e 440 do Código de Processo Civil:
Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. |
O
art. 130 parece, de
longe, com o art. 765 da CLT, transcrito acima.
Começou,
agora o juiz
sabe o que fazer. E o art. 440 também do CPC:
Art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa. |
Ocorreu
de um
ex-empregado acionar uma empresa que lhe devia mais do que oferecera.
Ele
arrolou uma testemunha que era, na verdade, um colega, que trabalhava
com ele
na mesma jornada e tinha conhecimento das mesmas coisas. Em relação a
essa
testemunha, o empregador rapidamente entregou um atestado médico que
afirmava
que o empregado arrolado como testemunha do reclamante estava doente e não poderia
comparecer
àquela audiência. Farejando a fraude, a então juíza Márcia Mazoni
mandou que
todos os presentes pusessem seus celulares sobre a mesa, e que impediu
que
qualquer pessoa se retirasse da sala. Imaginando que o sujeito arrolado
como
testemunha não estava em hospital coisa nenhuma, ligou para a empresa,
e, sem
perguntar se “fulano estava presente”, foi direta e necessariamente
grossa:
“chame-me rapidamente o fulano de tal.” Ele pegou o telefone. A
magistrada
então lhe disse: “é o sr. Fulano? Pois aguarde aí que estou mandando
uma
viatura da PM buscá-lo para vir depor aqui numa audiência trabalhista
de um
colega seu.”
O
sujeito chegou
acompanhado da polícia, realmente não estava nada mal, e testemunhou
favoravelmente ao reclamante. Ficou evidenciado que o empregador não o
havia
“preparado” corretamente, e que o atestado era falso.