Direito Processual do Trabalho

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Princípios do Direito Processual do Trabalho


Assim como nos outros ramos do Direito, os princípios de Direito Processual do Trabalho servem para mais coisas. Temos que pensar com calma, mas a doutrina reconhece três funções dos princípios do Direito Processual do Trabalho. Servem, num primeiro momento, para inspirar o legislador a criar as normas trabalhistas. O sentimento da coletividade para que as coisas aconteçam e funcionem daquele jeito. O social tem que ser atingido.

Os princípios do Direito Processual do Trabalho têm o intuito de inspirar o legislador.

Segundo ponto é que, mesmo que tenhamos leis muito bem elaboradas, temos omissões e lacunas. A partir do momento em que as temos, os princípios ajudam o legislador e o operador a supri-las.

A terceira função reconhecida pela doutrina é de auxiliar o intérprete a analisar os dispositivos a serem aplicados no campo processual.

Quais os princípios?

Primeiro deles é o princípio da proteção. Estudamos no direito material, na parte final do art. 444 da CLT. Mas ele tem também um viés processual.

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

E as decisões das autoridades competentes. Como o princípio da proteção é aplicado no campo processual? A justiça e a lei demonstram a existência da plena desigualdade entre trabalhador e empregador. Gratuidade da justiça, por exemplo, raramente é concedida ao empregador. É extremamente raro porque, graças ao viés processual do princípio protetor, isso acaba beneficiando o trabalhador. Art. 790:

Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.

§ 1o Tratando-se de empregado que não tenha obtido o benefício da justiça gratuita, ou isenção de custas, o sindicato que houver intervindo no processo responderá solidariamente pelo pagamento das custas devidas.

§ 2o No caso de não-pagamento das custas, far-se-á execução da respectiva importância, segundo o procedimento estabelecido no Capítulo V deste Título.

§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.

O trabalhador, portanto, sempre conseguirá, na prática, a concessão da justiça gratuita. Inclusive o professor presenciou uma trabalhadora que por acaso tinha à mão várias escrituras de imóveis, e que, portanto, devia auferir renda mensal mais do que suficiente para custear o processo. Mas é trabalhadora, então mesmo com as provas ela conseguiu o benefício. Graças ao princípio da boa-fé. Praticamente todos conseguem.

É proteção que a lei dá ao trabalhador. Daí a gratuidade da justiça.

Por sua vez, o empregador, teoricamente, não tem impedimento para conseguir a gratuidade.

A inversão do ônus da prova, por presunção, é outro mecanismo. Vamos falar da inversão especificamente depois. Mas, para termos uma ideia, estudamos em Direito do Trabalho II que as empresas com mais de 10 empregados têm que controlar a jornada de trabalho de seus funcionários. É ônus do empregador que conta com mais de 10 empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º da CLT. Isso está também na Súmula 338 do TST.

Súmula 338 do TST

JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA

I - É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

II - A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário.

III - Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.

Atenção para o inciso III do enunciado: o empregador que se vire para provar sobre o horário de entrada e saída dos empregados.

Por último, a ausência das partes na audiência. De vez em quando o empregador pode acionar o empregado na Justiça do Trabalho. Raramente acontece, mas pode. O legislador pensou no art. 844 da CLT:¹

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

Parágrafo único - Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência.

Isso foi feito pensando justamente de quem mais se vale da Justiça do Trabalho.

A lei confere essa tentativa de compensação entre as partes.

Há também o...

 

Princípio da finalidade social

Segundo o autor Carlos Henrique Bezerra Leite, quebra-se o princípio da isonomia entre as partes. O princípio da proteção está nos dispositivos legais, enquanto este está dentro de um critério mais subjetivo. Permite que o juiz não seja aquele juiz tão neutro. O juiz deve, de acordo com este princípio, assumir uma postura mais ativa.

As normas trabalhistas têm esse caráter imperativo. O interesse social aqui prevalece. Numa audiência, o empregado pede R$ 20 mil do empregador. Momentos depois o advogado do trabalhador relata que um acordo foi alcançado, e que o empregador pagaria R$ 1.000,00, ao invés de R$ 20.000,00 que pretendia pedir. Significa que algo está muito errado. Provavelmente o trabalhador ficou com medo da expertise jurídica do empregador, e imaginou que fosse perder tudo, muito embora já tenha exposto seus argumentos e pedido o valor que entende correto. Neste caso, o próprio juiz, já sabendo dos fatos, deverá interferir no acordo. Se o advogado está presente, alguns juízes não interferem, mas outros sim.
 

Princípio da indisponibilidade

É outro princípio que está atrelado à proteção e à finalidade social. Está ligado ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos, inserido no art. 9º da CLT. Diz que serão nulos...

Art. 9º - ...de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

Naquele dia-a-dia o empregado não tem nem o direito, nem se quiser, de abrir mão de seus direitos. Os direitos trabalhistas estão compreendidos em normas de cunho imperativos e são irrenunciáveis. Quando o empregado abre mão de seus direitos, se resolve ir à justiça depois, aquela postura é anulada com base no art. 9º da CLT.

Já sabemos que o acordo é lícito, inclusive a tentativa de acordo, e é obrigatória em alguns momentos processuais.

Art. 764 da CLT:

Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

[...]

Sempre sujeitos. § 3º do mesmo artigo:

§ 3º - É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório.

Juízo conciliatório, na interpretação do professor, é o primeiro momento em que o magistrado, antes de receber a defesa, é obrigado a realizar. Art. 846:

Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.

§ 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento.

§ 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo.

Se não for proposta a conciliação, o processo é passível de anulação. Se não houver acordo, o reclamado ouvirá a versão do reclamante. O juiz pode então analisar as coisas e decretar a existência do vínculo. Art. 850:

Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Parágrafo único - O Presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social.

Agora temos uma diferença: se o empregador achou que estava em vantagem, e o advogado notou a opção de acordo, mas num momento posterior ao que o Estado-juiz tornou-se ciente da história, então as coisas poderão ser diferentes. Isso entra no princípio da indisponibilidade. O Estado, com conhecimento de todos os fatos, não deixará que o vínculo empregatício deixe de ser reconhecido. Sabendo dos fatos, o juiz pode impedir que um acordo seja celebrado naqueles termos pois, do contrário, estaria deixando que o empregado abrisse mão de direitos indisponíveis que ele tem.
 

Princípio da normatização coletiva

Outro princípio próprio do Direito Processual do Trabalho. Em Direito do Trabalho I estudamos as convenções e acordos coletivos de trabalho. O que os dispositivos diziam? Os sindicatos de trabalhadores podem negociar normas aplicáveis e essas normas têm força de lei para todos os efeitos, para o Poder Judiciário e para a legislação brasileira como um todo. Os acordos coletivos se referem a normas criadas entre sindicatos profissionais e empresas ou grupos de empresas. Quando chegarem a um impasse a ponto de terem que acionar a Justiça do Trabalho, se não houver acordo, a Justiça do Trabalho passa a decidir o conflito criando normas que serão aplicáveis durante determinado tempo. § 2º do art. 114 da Constituição:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

[...]

§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

[...]

Decidir o conflito! Sem composição por conta própria, será prolatada uma sentença normativa, que se diferencia de uma sentença comum na medida em que aquela cria, no lugar das partes, as cláusulas com força de lei. Quando o faz, a doutrina e a jurisprudência reconhecem o poder normativo da Justiça do Trabalho. Portanto aqui não é somente o Poder Legislativo que pode criar normas. É uma exceção. As partes respeitam o que foi pactuado anteriormente, e, no que houver impasse, a Justiça do Trabalho normatizará.
 

Princípio da subsidiariedade

A CLT é tão silente em alguns pontos que ela já prevê, expressamente, que o Código de Processo Civil é fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho. Art. 769:

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Vamos ver um exemplo de incompatibilidade em breve.
 

Princípio da concentração

Sabemos desde muito tempo atrás que o crédito trabalhista é de natureza alimentícia. Se o é, o processo é todo projetado de maneira a atender, a garantir a eficácia no atendimento aos direitos da maneira mais célere possível, com a maior efetividade. Partimos da ideia e que a audiência trabalhista é una, mas na prática não é. Os arts. 845 a 849:

Art. 845 - O reclamante e o reclamado comparecerão à audiência acompanhados das suas testemunhas, apresentando, nessa ocasião, as demais provas.

Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.

§ 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento.

§ 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo.

Art. 847 - Não havendo acordo, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa, após a leitura da reclamação, quando esta não for dispensada por ambas as partes.

Art. 848 - Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes.

§ 1º - Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante.

§ 2º - Serão, a seguir, ouvidas as testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver.

Art. 849 - A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação.

As audiências podem ser fracionadas para garantir celeridade, se for necessário. A audiência trabalhista é desenhada diferentemente. Os atos são todos sequenciais. O reclamante e o reclamado aparecerão acompanhados de suas testemunhas. Já trazem as provas. A chance é esta.

Já se sai da audiência sabendo o dia da próxima instrução. Não precisa de nova intimação.

A audiência una compreenderia recebimento das propostas, produção de provas, oitivas e sentença. Na prática, audiência trabalhista parece uma feira. É difícil. Audiência una compreenderia a tentativa de acordo, recebimento da defesa, instrução e sentença.
 

Princípio do inquisitivo ou do impulso oficial

Há quem os trate como sinônimos, outros não. Tiramos do art. 262 do CPC.

Art. 262.  O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial.

Onde entra o aspecto do inquisitivo? Lembram-se da busca da verdade real? O juiz do trabalho tem isso muito presente em seu dia-a-dia. O art. 765 da CLT dá uma liberdade grande ao juiz:

Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Essa curiosidade atiçada faz com que se deixe intimar o banco para apresentar documentos. Ou um terceiro referido repetidamente pelas testemunhas. Pode ser chamado para dentro, caso esteja presente do lado de fora da sala, como testemunha do juízo.

Temos outros exemplos ainda. Antes da reforma da execução no Processo Civil, tínhamos uma coisa própria do Processo do Trabalho: a execução ex officio. Quando o professor começou a atuar, havia um despacho: “diga ao autor se tem interesse na execução do julgado.” Incrível. Sim, é claro que algumas pessoas promoviam ações trabalhistas unicamente na curiosidade de ver o Estado trabalhar e proferir uma sentença de mérito numa ação cognitivo-condenatória, somente para que o reclamante risse da cara do reclamado: “foi condenado!!” E ficar por isso mesmo... essa aberração não era culpa do magistrado, mas da lei.

Art. 878:

Art. 878 - A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.

Parágrafo único - Quando se tratar de decisão dos Tribunais Regionais, a execução poderá ser promovida pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.

Se e o condenado está devendo e o processo está parado, calcule o quantum debeatur e envie o oficial para realizar a penhora.

Outros exemplos: os arts. 130 e 440 do Código de Processo Civil:

Art. 130.  Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

O art. 130 parece, de longe, com o art. 765 da CLT, transcrito acima.

Começou, agora o juiz sabe o que fazer. E o art. 440 também do CPC:

Art. 440.  O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

Ocorreu de um ex-empregado acionar uma empresa que lhe devia mais do que oferecera. Ele arrolou uma testemunha que era, na verdade, um colega, que trabalhava com ele na mesma jornada e tinha conhecimento das mesmas coisas. Em relação a essa testemunha, o empregador rapidamente entregou um atestado médico que afirmava que o empregado arrolado como testemunha do reclamante estava doente e não poderia comparecer àquela audiência. Farejando a fraude, a então juíza Márcia Mazoni mandou que todos os presentes pusessem seus celulares sobre a mesa, e que impediu que qualquer pessoa se retirasse da sala. Imaginando que o sujeito arrolado como testemunha não estava em hospital coisa nenhuma, ligou para a empresa, e, sem perguntar se “fulano estava presente”, foi direta e necessariamente grossa: “chame-me rapidamente o fulano de tal.” Ele pegou o telefone. A magistrada então lhe disse: “é o sr. Fulano? Pois aguarde aí que estou mandando uma viatura da PM buscá-lo para vir depor aqui numa audiência trabalhista de um colega seu.”

O sujeito chegou acompanhado da polícia, realmente não estava nada mal, e testemunhou favoravelmente ao reclamante. Ficou evidenciado que o empregador não o havia “preparado” corretamente, e que o atestado era falso.


  1. Neste momento o professor mencionou as Bolachas Mabel, mas não captei o contexto. A frase parecia ser: “pensando nas bolachas Mabel, o legislador editou o art. 844 da CLT...”