Vamos falar hoje um pouco
sobre Direito e Economia. Não precisamos entender Economia em si, mas que
existem princípios econômicos que acabam interagindo com o Direito. Interação
entre normas jurídicas e princípios econômicos, e suas influências sobre nós. ¹
Nessas primeiras aulas, antes de adentrar no conteúdo de Tutela dos Direitos Transindividuais
propriamente ditos, vamos começar lançando alguns questionamentos.
O mundo que vivemos é um
mundo de transformações constantes. Viemos para a aula hoje de carro,
provavelmente. Ou dirigimos o carro ou viemos de carona, mas certo é que não pensamos
na roda do carro assim que entramos nele, pelo menos não todas vez que entramos
num carro. O que é a roda? Um simples objeto inventado pelo homem há alguns
milhares de anos? Quase isso. O mundo de hoje é igual ao mundo de 10 anos
atrás? É igual ao do século XVI? A história da humanidade se apresentou como evoluída,
pelo menos com evolução ao seu tempo. Reenquadramos o mundo da forma em que
vivemos, em razão de novas técnicas, de novos patamares, de novos parâmetros
tecnológicos, e vivemos o hoje.
Qual é era a matriz
econômica do mundo no século XVI, quando o Brasil foi descoberto? Especiarias. Como
são produzidas? Não esperando caírem do céu, afinal nunca se viveu de poeira cósmica.
Precisa-se de comida, então essa comida tem que ser buscada em algum lugar. Significa
então que a matriz econômica era o trabalho braçal. Nada se produzia sem
esforço físico. Era o trabalho braçal que movia o mundo naquela época.
Hoje tivemos uma mudança
de matriz para o trabalho intelectual, mas passando, antes, pela era industrial,
com a máquina. Estamos aqui para adquirir conhecimento, pois acreditamos que o
conhecimento não só é bonito, mas que nos levará a algum lugar. Qual é não
sabemos ainda. Mas esse conhecimento que vamos adquirir irá satisfazer nossas
necessidades. Ninguém aqui acha que vai piorar de vida depois de fazer este
curso de Direito. O Direito será usado para alguma coisa. O que aprendermos
aqui levaremos para o resto da vida. É o legado que nossos pais nos deixam. O
conhecimento é a única coisa que não nos pode ser tomada. Não pode, por
exemplo, ser penhorado, e não podemos contratar alguém para estudar e
frequentar as aulas em nosso lugar para então pagarmos uma quantia em dinheiro
em troca do conhecimento. Temos a necessidade mínima de conhecimento que
podemos adquirir para produzir mais conhecimento, e auferir alguma renda com ele.
Com essa cultura da
informação gerada pelo conhecimento adquirido por cada um de nós a sociedade
vai se desenvolvendo.
Esse conhecimento muda um
pouco nossas relações. Em sociedade temos nossas relações um pouco alteradas,
em razão dos tempos. Como eram os casamentos no século XV ou XVI? O mundo não
se transforma só economicamente ou tecnologicamente, mas também cultural e
socialmente. Não somos a mesma humanidade de 20 anos atrás. Nesse mundo em
transformação que vivemos, um elemento essencial é nosso comportamento. Alguém sabe
por que a bolha imobiliária americana estourou? Aplicamos a lei da oferta e da
procura. Elevando-se as ofertas de imóveis, o preço caiu. A reação natural foi
que tudo foi posto de volta no mercado e o sistema quebrou. Mas não é um
problema só deles. E por que afeta o mundo inteiro? Por que os Estados Unidos
têm capital espalhado pelo mundo inteiro. Na sociedade da informação e
conhecimento atual não há fronteiras, e o dinheiro está em todos os lugares. Dinheiro
de risco, de avaliação do que fazer. Quantas empresas valem bilhões de dólares
e nada têm materialmente? Quanto vale o Google? Aliás, o que é o Google? Não é
por causa de seu prédio ou da soma de seus computadores. O que o Google tem que
nós (ainda) não temos é o ativo
intelectual. E os ativos americanos, agora falando em ativos financeiros,
afetam os grandes países a que estão ligados.
O maior risco à economia
americana é a China. Se Estados Unidos quebrarem, a China sofrerá. Isso porque
a China é um dos maiores credores dos americanos. Se a China sofre, o Brasil,
com quem a China tem estreita e vultosa relação comercial, também sofrerá. Em
cascata, também Argentina e Paraguai, com quem Brasil também pratica comércio. E
tudo isso é porque um dia alguém resolveu adotar uma postura X, e esse
comportamento tomou tais dimensões como era de se esperar.
Família: devemos saber o
que é uma. Como chegamos à família? Papai, mamãe, titia? Como era a família do
século XVI? Casamentos arranjados. E há 20 anos? Tinha-se que ir para a rua, e
primeiro conhecer as pessoas, depois sair com alguém com quem se tivesse
afinidade. Depois namoro, depois casamento. O contato físico e social e, aí,
gerar uma criança. É assim hoje? Hoje há até sites de amantes virtuais. O relacionamento
interpessoal está tão banalizado que nem se precisa sair de casa para ter-se
uma amante. Trair a esposa física com uma amante virtual: veja aonde chegamos! Há
quem se case depois de ter tido poucos encontros físicos... Até há pouco
brincava-se de polícia e ladrão. Hoje joga-se Counter-Strike com alguém dentro
da mesma casa, em rede.
Há uma série de fatores
que influenciam esse comportamento. Toda vez que nos comportamos de um jeito,
decidimos por algo. Sempre que decidimos por algo, isso gera um efeito
relevante. Ao tomar essas decisões, nós consideramos inconscientemente uma
série de fatores, pessoais, sentimentais, orgânicos, estruturais, legais, e
vários outros. Esses fatores ou princípios normativos, jurídicos ou econômicos
têm relevância naquilo que fazemos, ou em nossas decisões. Há muitos anos,
houve uma época em que o professor se fartava e resolveu aprontar. De todas as
histórias dele, uma delas chega a ser engraçada. Conseguiu enrolar cinco mulheres
ao mesmo tempo. Só na segunda-feira que ele se dava um descanso. E uma desculpa
atrás da outra. Não havia celular, iPhone com câmera para ser descoberto, os
artifícios para enrolar em vários. O que aconteceu? Um dia cansou da farra. Um dia
a brincadeira foi tal que ele precisou se ajeitar, tomar rumo na vida. O que o
levou a decidir tal coisa? A maturidade? Quais foram os fatores? Fatores de
natureza econômica? Ou sentimentais? Ou culturais? Porém, em determinado
momento, decidiu escolher uma. Quais os fatores? Ele não sabe. Mas poderia ser
uma decisão baseada em vários fatores.
Agora pensem em pisar fundo
no acelerador no Eixão, antes da era dos pardais e sem outros carros, dirigindo
um Porsche 911. O que pode determinar que alguém faça isso ou deixe de fazê-lo?
Falta de habilidade? Fatores jurídicos? Eventual acidente é efeito de uma
decisão, tomada em algum momento ou não tomada. Quem o faz pode pensar em
sanção. Mas o motorista tem que ser pego para ser sancionado; e se a polícia
estiver de férias? Então podemos falar em assumir o risco: tomar uma decisão
podendo prever o efeito dela. Pode-se andar no Eixão a 40 km/h, ou a 200 km/h.
Tour de France de
bicicleta: o que leva alguém a se submeter a sentar nesse desconfortável banco de
bicicleta durante 24 dias, 6 horas por dia, que dói tanto? Um prêmio? Roupas de
ciclista não são a coisa mais bonita que existem. E a categoria amadora? Por que
estão lá? Provavelmente por superação dos próprios limites. A equipe
profissional, naturalmente, trabalha em conjunto: pedalam em bloco, com os
ciclistas da parte da frente fazendo o maior esforço contra o ar, poupando os
da parte traseira, aproveitando-se do fator aerodinâmico. Ao chegar ao trecho
final, o grupo dispersa-se um pouco, abrindo o caminho para os da retaguarda,
que explodem seus músculos na aceleração final. Foram poupados a prova inteira
apenas para esse momento.
E num cruzamento, com
quatro carros, um em cada rua, prontos para atravessarem, mas sem sinal nenhum?
Quem tem a preferência? Deve haver um senso comum. Como há na Índia. O
ocidental que assiste vídeos do YouTube com imagens das câmeras de trânsito do pais fica abismado com a tão baixa ocorrência de
acidentes. Não há sinalização, nem “mão certa”. As vias são completamente caóticas
para os olhos de um estrangeiro. Mas os indianos se entendem. Na maior parte
das vezes não fazemos o que fazemos conscientemente. ²
A questão das decisões é
mais importante do que o que estamos acostumados a imaginar. Isso porque
estamos muito acostumados a tomá-las inconscientemente, ou porque são tão
automáticas, inclusive porque nossa cultura é tal que nem fazemos alguns juízos
de valor. Por exemplo: em outubro de 2007, a banda Radiohead resolveu
disponibilizar, em seu site oficial, um álbum que acabara de lançar: In
Rainbows, deixando para o ouvinte a decisão de determinar o quanto pagar pela
compilação. E, claro, registraram os endereços IP de cada visitante, assim
permitindo saber de qual país se originou cada acesso, e então fazer um
levantamento estatístico do valor médio pago pelos habitantes de cada país pelo
disco. Os brasileiros estiveram dentre os que menos pagaram.
Qual seria a
consequência? A princípio, os brasileiros tenderiam a responder “dá nada!” Afinal,
era de graça, e não havia sanção prevista pelo download em regime de
pão-durismo. Pois bem. Imaginem, depois, se Thom Yorke & Cia resolverem
bloquear os acessos de brasileiros, por imaginá-los indignos de curtir sua
música? Seria uma possibilidade.
A decisão dos brasileiros
em geral de não pagar, ou pagar uma quantia irrisória pelo CD, pode satisfazer
a descrição do que se chama de “trágica escolha”.
Trágicas
escolhas compreendem outro conceito econômico que pode ser aplicado ao Direito.
No momento em que se toma uma decisão, renuncia-se às outras hipóteses. É como
a flecha disparada, que não volta. Isso é irreversível. Toda escolha que feita
é trágica no sentido de que as outras são abandonadas. Mesmo que se volte ao status quo ante, jamais se poderá dizer
que os efeitos dessa postura são diferentes dos que teriam advindo no caso de
outra escolha. Não se sabe qual seria o outro possível resultado. Exemplo: o
professor imaginava, no passado, que talvez quisesse ser médico. Mas descobriu,
não muito depois, que não suportava ver sangue. Por isso seguiu outra carreira.
Mas e se ele tivesse ido em frente com o propósito de tornar-se médico? Será
que seria um profissional de sucesso? Ninguém
jamais saberá. A decisão de abandonar o caminho da Medicina foi uma trágica
escolha na medida em que a partir de então nunca mais se saberia se ele teria
se tornado um bom médico ou não. E, tampouco, se seguir a carreira jurídica foi
a melhor coisa a fazer.