Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Competência para as ações civis públicas e ações coletivas


Quando falamos de competência em matéria de ação coletiva e ação civil pública, mais ainda em ação civil pública, fugimos das regras de competência do Código de Processo Civil. Teremos uma análise mais direcionada para o regramento especial da Lei de Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor. Essa regra está voltada para a facilitação da defesa dos interesses transindividuais em juízo. Se pensarmos no CPC, vamos ter sempre o local do domicílio ou sede do réu. Nas ações coletivas e ações civis públicas não; a ideia aqui é que tenhamos uma competência mais relacionada ao dano e que, por isso, nos permita ter uma facilidade maior para produzir a prova em relação à ocorrência desse dano. A competência será direcionada para o local do dano. Parece ser uma regra simples. O foro competente é o foro do local do dano ou da ameaça de lesão.

Essa regra, entretanto, que parece ser fácil, na verdade irá se revelar um pouco mais complexa. Por quê? Nem sempre o dano é um dano contido. Pode ser um dano não adstrito a um local ou região, mas um dano em que possamos apontar uma macrorregião. Aqui a regra é de absoluta eficácia em relação à competência. Os danos podem ultrapassar os limites de uma região física. Pode ultrapassar uma comarca, um estado, ou mesmo um território. Então a ideia de “foro do local do dano” pode ser extremamente elastecida. Dano ambiental, por exemplo, pode atingir diversas diferentes regiões. Produtos químicos jogados num rio, perto da nascente, poderão afetar a biodiversidade ao longo de toda a extensão. Rios têm dimensões intermunicipais e interestaduais com certeza. Nossos rios atravessam o país. Amazonas, por exemplo, ou o São Francisco. Imagine então qual seria o local do dano. E, a partir daí, imagine como se fixar a competência.

Usina Hidrelétrica de Belo Monte: as obras de construção da usina estão paralisadas por conta de uma decisão judicial. Como montar uma usina hidrelétrica? Primeiramente, deve-se fazer uma análise de onde represar a água. A usina parte do princípio de que se irá criar uma represa. Daí deve-se desviar o curso do rio para que naquela região haja a represa, para que então o rio volte ao curso original, que já não será tão igual o original porque agora há uma barragem e uma região alagada. Nisso o rio que se forma pós-comportas, causando um dano antes e depois da barragem. Qual a região atingida? Praticamente toda a região do rio! Anterior e posterior à barragem. Pode ter momentos em que receberá menor vazão de água. Não haverá o fluxo natural, mas será controlado artificialmente. Qual a região atingida? Toda. No caso de Belo Monte, conseguiu-se suspender as obras da usina porque uma determinada associação de pescadores do Rio XYZ conseguiu demonstrar que aquela usina, naquele ponto, irá atrapalhar o fluxo de peixes, e assim a atividade econômica deles estaria prejudicada.

Em regra, portanto, a competência é do local do dano.

Contudo temos que entender se o dano tem caráter regional, nacional e qual a natureza do interesse tutelado, do direito violado ou ameaçado. Difuso, coletivo ou individual homogêneo? Por analogia com o Código de Defesa do Consumidor, vamos transferir a competência para a capital do estado ou do Distrito Federal:

CAPÍTULO II

Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos

[...]

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

O interesse tem que ser difuso ou coletivo, e ser de caráter regional ou local. Se a ação é para a defesa de interesses transindividuais divisíveis de caráter local, ou de interesses individuais homogêneos, a competência é a do local do dano.

Digamos que a causa de um dano seja a usina da cidade X. Qual é a competência? Local do dano. Duas comarcas diferentes sendo atingidas já torna regional o problema. Dentro daquele estado, jogamos para a capital daquele estado a competência. Se não transpassar uma comarca, será daquela a competência para processar e julgar a ação coletiva em sentido amplo que busque a tutela do interesse ameaçado. Se, por outro lado, duas comarcas circunvizinhas de diferentes estados, nas respectivas fronteiras destes, forem atingidas, pode-se deslocar para o Distrito Federal a competência, ou ajuizar concomitantemente nas capitais de ambos os estados. Não se pode falar em litispendência neste caso especificamente, porque os danos são regionalizados, daí mudaria a causa de pedir, mesmo que o fato tenha uma origem comum. O interesse tutelado será distinto.

Resumindo:

  1. Se o dano é local, ou seja, atinge somente uma comarca, aquela será a competente para processar e julgar as ações coletivas em sentido lato (ações coletivas em sentido estrito e ações civis públicas);
  2. Se o dano é regional, atingindo mais de uma comarca do mesmo estado, será competente a comarca da capital daquele estado;
  3. Se foram atingidas duas ou mais comarcas de diferentes estados que façam fronteira entre si, pode-se propor a ação nas capitais de ambos, inclusive concomitantemente, ou deslocar para o Distrito Federal.
  4. Se o dano for federal, desloca-se a competência para o Distrito Federal.

Observação quanto ao item 3 acima: já se entendeu que não necessariamente deve-se deslocar a competência para o Distrito Federal se este estiver muito longe, geograficamente, da ocorrência do dano. É ainda uma questão nebulosa.

Saber a competência é importante para a determinação dos efeitos da sentença e da coisa julgada. O dano é federal, regional, ou local? Isso refletirá também na coisa julgada nas ações coletivas.