Quando falamos de competência em
matéria de ação coletiva e
ação civil pública, mais ainda em ação civil pública, fugimos das
regras de
competência do Código de Processo Civil. Teremos uma análise mais
direcionada
para o regramento especial da Lei de Ação Civil Pública e do Código de
Defesa
do Consumidor. Essa regra está voltada para a facilitação da defesa dos
interesses transindividuais em juízo. Se pensarmos no CPC, vamos ter
sempre o
local do domicílio ou sede do réu. Nas ações coletivas e ações civis
públicas
não; a ideia aqui é que tenhamos uma competência mais relacionada ao
dano e que,
por isso, nos permita ter uma facilidade maior para produzir a prova em
relação
à ocorrência desse dano. A competência será direcionada para o local do
dano.
Parece ser uma regra simples. O foro competente é o foro do local do
dano ou da
ameaça de lesão.
Essa regra, entretanto, que parece
ser fácil, na verdade irá
se revelar um pouco mais complexa. Por quê? Nem sempre o dano é um dano
contido. Pode ser um dano não adstrito a um local ou região, mas um
dano em que
possamos apontar uma macrorregião. Aqui a regra é de absoluta eficácia
em
relação à competência. Os danos podem ultrapassar os limites de uma
região
física. Pode ultrapassar uma comarca, um estado, ou mesmo um
território. Então a
ideia de “foro do local do dano” pode ser extremamente elastecida. Dano
ambiental, por exemplo, pode atingir diversas diferentes regiões.
Produtos
químicos jogados num rio, perto da nascente, poderão afetar a
biodiversidade ao
longo de toda a extensão. Rios têm dimensões intermunicipais e
interestaduais
com certeza. Nossos rios atravessam o país. Amazonas, por exemplo, ou o
São
Francisco. Imagine então qual seria o local do dano. E, a partir daí,
imagine
como se fixar a competência.
Usina Hidrelétrica de Belo Monte: as
obras de construção da
usina estão paralisadas por conta de uma decisão judicial. Como montar
uma
usina hidrelétrica? Primeiramente, deve-se fazer uma análise de onde
represar a
água. A usina parte do princípio de que se irá criar uma represa. Daí
deve-se desviar
o curso do rio para que naquela região haja a represa, para que então o
rio
volte ao curso original, que já não será tão igual o original porque
agora há
uma barragem e uma região alagada. Nisso o rio que se forma
pós-comportas, causando
um dano antes e depois da barragem. Qual a região atingida?
Praticamente toda a
região do rio! Anterior e posterior à barragem. Pode ter momentos em
que
receberá menor vazão de água. Não haverá o fluxo natural, mas será
controlado
artificialmente. Qual a região atingida? Toda. No caso de Belo Monte,
conseguiu-se suspender as obras da usina porque uma determinada
associação de
pescadores do Rio XYZ conseguiu demonstrar que aquela usina, naquele
ponto, irá
atrapalhar o fluxo de peixes, e assim a atividade econômica deles
estaria prejudicada.
Em regra, portanto, a competência é
do local do dano.
Contudo temos que entender se o dano
tem caráter regional,
nacional e qual a natureza do interesse tutelado, do direito violado ou
ameaçado. Difuso, coletivo ou individual homogêneo? Por analogia com o Código de
Defesa do Consumidor, vamos transferir a competência para a capital do
estado
ou do Distrito Federal:
CAPÍTULO II Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos [...] Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. |
O interesse tem que ser difuso ou
coletivo, e ser de caráter
regional ou local. Se a ação é para a defesa de interesses
transindividuais
divisíveis de caráter local, ou de interesses individuais homogêneos, a
competência é a do local do dano.
Digamos que a causa de um dano seja a
usina da cidade X. Qual
é a competência? Local do dano. Duas comarcas diferentes sendo
atingidas já
torna regional o problema. Dentro daquele estado, jogamos para a
capital
daquele estado a competência. Se não transpassar uma comarca, será
daquela a
competência para processar e julgar a ação coletiva em sentido amplo
que busque
a tutela do interesse ameaçado. Se, por outro lado, duas comarcas
circunvizinhas
de diferentes estados, nas respectivas fronteiras destes, forem
atingidas,
pode-se deslocar para o Distrito Federal a competência, ou ajuizar
concomitantemente nas capitais de ambos os estados. Não se pode falar em
litispendência neste caso especificamente, porque os danos são
regionalizados,
daí mudaria a causa de pedir, mesmo que o fato tenha uma origem comum.
O interesse
tutelado será distinto.
Resumindo:
Observação quanto ao item 3 acima: já
se entendeu que não
necessariamente deve-se deslocar a competência para o Distrito Federal
se este
estiver muito longe, geograficamente, da ocorrência do dano. É ainda
uma
questão nebulosa.