Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Coisa julgada e limites subjetivos das decisões


Limites da coisa julgada estão na Lei de Ação Civil Pública, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 9494/97.

Na Lei de Ação Civil Pública, a coisa julgada está relacionada, em tese, ao âmbito do órgão que prolatou a decisão. O que é “órgão prolator”, entretanto, gerou uma série de questionamentos. É o juízo? A Lei de Ação Civil Pública diz que os limites territoriais da coisa julgada seriam os limites do juízo. Isso poderia restringir demais o campo de abrangência da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Antes prevalecia a tese de que o limite territorial era o do juízo que decidia. Então o STJ acabou resolvendo a confusão que se colocava. Por quê? Determinar o limite territorial é algo extremamente complexo. A Lei de Ação Civil Pública confunde coisa julgada com competência. Limite da coisa julgada é o limite da competência do Tribunal respectivo. O correto, portanto, seria considerar o órgão prolator não o juízo em si que prolatou a decisão, mas sim o tribunal competente para julgar a respectiva apelação ou recurso ordinário. Dependerá, portanto, de cada caso. É o que ficou assente no REsp 253589/SP, que tem a seguinte ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Caderneta de poupança. Relação de consumo. Código de Defesa do Consumidor. Legitimidade do IDEC. Cabimento da ação. Correção monetária. Janeiro/89. Eficácia erga omnes. Limite.

- A relação que se estabelece entre o depositante das cadernetas de poupança e o banco é de consumo, e a ela se aplica o CDC.

- Cabe ação civil pública para a defesa do direito individual homogêneo.

- O IDEC tem legitimidade para promover a ação.

- A eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário.

- A correção monetária do saldo de poupança em janeiro/89 deve ser calculada pelo índice de 42,72%.

- Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.

Se a decisão for proferida pela Justiça Federal do Distrito Federal, não necessariamente olharemos para o TRF. Vamos imaginar que tenhamos uma ação civil pública ajuizada na Justiça do Trabalho contra a União federal, por associações contra organizações internacionais discutindo a terceirização de mão-de-obra. A ação foi proposta aqui no TRT da 10ª Região. Qual é o limite territorial da coisa julgada que vier a ser feita nessa ação? Temos uma ação de natureza trabalhista, que envolve a União federal e organismos internacionais. O limite não será a 10ª Região, porque a competência para julgar, constitucionalmente, lides envolvendo organismos internacionais é da Justiça Federal.

A Lei de Ação Civil Pública confunde competência absoluta com competência territorial:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Temos que saber a competência e coisa julgada para então entender a coisa julgada nas ações civis públicas. Não é das coisas mais simples. Mesmo a competência em matéria de ação civil pública tem várias variáveis.

No caso dos transgênicos, a ação foi apresentada no Piauí contra a União e uma empresa de alimentos. O objetivo era obrigar a União a fiscalizar os alimentos que são comercializados no país e obrigar a fabricante de soja transgênica a colocar alerta no rótulo dos produtos informando se há ou não componentes transgênicos. Qual é o limite da coisa julgada neste caso? Se consideramos que estamos tratando de soja e alerta ao consumidor, então o limite territorial da coisa julgada que vier a ser proferida é o tribunal que seja responsável por analisar o recurso ordinário. Não necessariamente todos os estados produtores de soja transgênica. Na verdade, aqui, trabalhamos essa noção e tentamos fazer com que essa decisão produza efeitos nacionais sem produzi-los. Como assim? União no polo passivo na lide. Quero obrigá-la a fiscalizar as empresas que produzem esses produtos. A decisão tem efeito apenas na 1ª Região, na área da empresa. Mas se as empresas comercializam ou distribuem seus produtos nessa região, a União terá que fiscalizar. Mesmo que esteja fora da 1ª Região. Acaba-se dando força nacional a uma decisão que não tem essa amplitude toda.

Observação: órgão prolator é o tribunal responsável por analisar o recurso ordinário (recurso ordinário propriamente dito ou apelação; já que aqui estamos falando em “recurso ordinário em sentido amplo”). O juízo faz parte desse tribunal.

A coisa julgada tem limites muito claros pela Lei de Ação Civil Pública. Nada de art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Temos limite nacional a partir de quem se coloque no polo passivo. E não pela competência do juízo em si. Temos que trabalhar com outra estratégia para fazer essa caracterização.
 

Efeitos da coisa julgada nas ações coletivas e ações civis públicas

A coisa julgada transforma o certo em errado, o preto em branco, e dá a imutabilidade da sentença, e a sentença passa a ser verdade, independentemente de qualquer coisa? Essa coisa julgada em matérias de direitos transindividuais será disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Os efeitos são relativamente simples, parecem ser os mesmos, mas não são os efeitos que vemos no Código de Processo Civil. Entre as partes, a coisa julgada produz efeito sempre. Mas, aqui, falamos de direitos metaindividuais, então a coisa julgada pode produzir efeitos perante terceiros, ultrapassando a fronteira das partes litigantes. E, aqui, temos que fazer essa análise olhando para o interesse litígio e também para a natureza da decisão. Temos que saber qual é o interesse metaindividual, saber identificá-lo e saber trabalhar com a natureza da decisão.

Por exemplo: interesses difusos. Quais os efeitos da coisa julgada as ações que versam sobre interesses difusos? Teremos que olhar o tipo de decisão que foi proferida. Não basta a mera existência do interesse difuso. Se a sentença for de procedência, a eficácia é erga omnes. Se de improcedência, a eficácia dependerá de que tipo de improcedência estiver-se falando. Não será erga omnes sempre. Na verdade, não será erga omnes se a ação for julgada improcedente com base em falta de provas. Porém, por qualquer outro motivo, ela poderá gerar efeitos erga omnes. Exemplo: o pedido formulado na ação é julgado improcedente por inexistência do fato. Neste caso, a coisa julgada terá efeitos erga omnes.

Por que isso? Porque o titular, que ajuíza a ação civil pública, é legitimado processualmente, e não é titular do direito material, não é a vítima do dano. A princípio. A legitimação é extraordinária. Então, não podemos impedir que, numa ação que tenha sido julgada improcedente, um outro colegitimado repita a ação e produza as provas necessárias, desde que a primeira sentença tenha apontado a improcedência por falta de provas. Erga omnes contra tudo e contra todos? Não. É um efeito erga omnes limitado ao território. No caso da procedência, se for qualquer motivo menos falta de provas, o efeito será erga omnes.

Nos interesses coletivos, temos uma mudança em relação aos efeitos. Mas a ideia é mais ou menos a mesma. De que forma? Primeiro, temos que os efeitos não são erga omnes; não se produzem para todos. Aqui, a coisa julgada produz efeitos apenas ultra partes, que significa “além das partes.” Grupo, categoria, profissionais. Se improcedente a ação por falta de provas, a sentença não terá eficácia ultra partes. Se por outro motivo, terá eficácia ultra partes. Como podemos ver, são os mesmos parâmetros da sentença de improcedência dos interesses difusos.

A diferença entre erga omnes e ultra partes é que, enquanto a primeira expressão significa "contra todos", a segunda significa "além das partes", o que pode passar a impressão de que é, em termos práticos, sinônima da primeira. Mas os efeitos ultra partes, que são os efeitos produzidos por uma sentença que julga uma ação que versa sobre direitos coletivos, são aqueles projetados sobre a categoria a que pertencem os titulares do direito material. Exemplo: uma associação de funcionários de determinada indústria, que trouxer para si a tarefa de representar os trabalhadores de determinado setor cujo meio-ambiente de trabalho é insalubre, se prosperar no ajuizamento de ação coletiva (ACP, no caso) contra aquele responsável, os efeitos da sentença transcenderão as partes litigantes – a associação e o empresário – e atingirá todos os trabalhadores que trabalhem ou tenham trabalhado naquele setor daquela empresa,  sejam associados ou não.
 

Interesses individuais homogêneos

É mais simples a coisa. A sentença de procedência produz efeitos erga omnes, e a sentença de improcedência não tem nenhuma eficácia, a não ser entre as partes. É bem mais simples. Não temos a distinção se foi ou não por falta de provas. E aqui resolvemos a questão. Beneficia vítimas e sucessores. Se procedente, tem eficácia erga omnes. Se improcedente, não tem efeito erga omnes.

A coisa julgada nas ações civis públicas possui dois limites: subjetivo e quanto aos efeitos produzidos.

Exemplo: o caso anuário de marcas. Ao fazer o pedido de registro de uma marca, eu posso, na condição de empresário, registrar a marca contratando um advogado, um agente da propriedade industrial, ou fazendo o pedido por conta própria. Agente da propriedade industrial é um profissional que custa caro. Advogado também, e há somente cerca de 400 ou 500 no país que conhecem a matéria. Então ou os empresários fazem o registro sozinho, ou contratam um advogado que acha que sabe, mas não sabe de nada sobre o INPI. Nem empresário nem advogados em geral que não tenham especialização têm noção dos problemas que estão envolvendo o metiê. E, se valendo disso, a Ministra Eliana Calmon, na semana passada, deu rebuliço no Judiciário. Há bandidos de toga sim. Nem todos os juízes são bandidos, mas existem. Existem bandidos de paletó, de jaleco, de beca, de farda, de avental e também bandidos que por acaso têm registro na OAB.

Alguém vendo que o processo de registro de marcas é um processo administrativo longo, que envolve publicação de marcas na Internet, e sai o nome do cliente associado ao da marca pretendida, é fácil obter o endereço desse cliente, inclusive seu procurador, caso tenha, e a publicação indica a OAB. Alguns malandros começaram a desenvolver um sistema bem interessante: viam as publicações, anotavam as que o depositante não tinha advogado ou procurador, e começaram a mandar para as residências deles “boletos do tipo anuário de marcas e patentes”. Vinham acompanhadas de uma carta dizendo: sua marca foi publicada. Para dar prosseguimento ao seu processo, pague o boleto. Com medo de o processo administrativo ser extinto e o nome da marca ficar conhecida, podendo depois ser registrada por outro interessado, começaram a pagar. A ABAP, a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial, com cerca de 350 pessoas, resolveu, em nome dos lesados, ajuizar ação civil pública com base no Direito do Consumidor, chamando de ação coletiva. Que interesses estão em jogo? Interesses individuais homogêneos.

O rol de pedidos era multifacetado: mandamental, com a cessação da emissão de boletos, e condenatório, pois buscava-se a condenação dos lesadores a indenizar os lesados. O interesse é individual homogêneo, portanto, porque estamos delimitando quem foi atingido.

Veja: http://www.anuariodemarcas.com

No momento em que a sentença for proferida, quais serão os limites da coisa julgada? Se julgados procedentes os pedidos, erga omnes. Para quem? Consumidores da base territorial em que a ação foi ajuizada.
 

Encargos da sucumbência

Regra geral: não temos, na ação civil pública, emolumentos, custas, honorários. Nada para ajuizar a ação. O autor não incorre em nenhum custo. O réu, por sua vez, terá que pagar sempre que quiser propiciar atos que sejam de seu interesse. Não é pagar para protocolar uma petição, mas, como parte das ações civis públicas têm com base cada vez mais a defesa do consumidor, ocorre a inversão do ônus da prova. Daí o réu custeia as despesas para produzir provas a seu favor. Despesas processuais de atos que o réu tenha pedido ele arca. O autor não. O autor não paga perícia, atos, custas. Se o réu for condenado, ele paga. Se não, o processo termina ali, a não ser que seja comprovada a má-fé do autor. Honorários advocatícios, décuplo das custas mais perdas e danos.

Toddynho com produto químico: se sou membro do MP, o que eu faço? Ação civil pública. Qual o interesse? Individual homogêneo. Daí tenho que ver o lote do produto infectado. A competência é a daquela(s) comarca(s) que foi(ram) atingida(s) pelo lote. Posso ajuizar em Porto Alegre? Posso. Mas, para dar amplitude nacional à questão, não se poderá propor na região do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.