Limites da coisa julgada estão na Lei
de Ação Civil Pública,
no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 9494/97.
Na Lei de Ação Civil Pública, a coisa
julgada está
relacionada, em tese, ao âmbito do órgão que prolatou a decisão. O que
é “órgão
prolator”, entretanto, gerou uma série de questionamentos. É o juízo? A
Lei de
Ação Civil Pública diz que os limites territoriais da coisa julgada
seriam os
limites do juízo. Isso poderia restringir demais o campo de abrangência
da
tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Antes prevalecia a tese de que o
limite territorial era o do
juízo que decidia. Então o STJ acabou resolvendo a confusão que se
colocava.
Por quê? Determinar o limite territorial é algo extremamente complexo.
A Lei de
Ação Civil Pública confunde coisa julgada com competência. Limite da
coisa
julgada é o limite da competência do Tribunal
respectivo. O correto, portanto, seria considerar o órgão
prolator não o
juízo em si que prolatou a decisão, mas sim o tribunal competente para
julgar a respectiva apelação ou recurso ordinário. Dependerá, portanto, de cada caso. É o
que ficou
assente no REsp 253589/SP, que tem a seguinte ementa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Caderneta de poupança.
Relação de consumo. Código de Defesa do Consumidor. Legitimidade do
IDEC. Cabimento da ação. Correção monetária. Janeiro/89. Eficácia erga
omnes. Limite. - A relação que se estabelece entre o depositante das cadernetas de poupança e o banco é de consumo, e a ela se aplica o CDC. - Cabe ação civil pública para a defesa do direito individual homogêneo. - O IDEC tem legitimidade para promover a ação. - A eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário. - A correção monetária do saldo de poupança em janeiro/89 deve ser calculada pelo índice de 42,72%. - Recurso conhecido em parte e parcialmente provido. |
Se a decisão for proferida pela
Justiça Federal do Distrito
Federal, não necessariamente olharemos para o TRF. Vamos imaginar que
tenhamos
uma ação civil pública ajuizada na Justiça do Trabalho contra a União
federal, por
associações contra organizações internacionais discutindo a
terceirização de
mão-de-obra. A ação foi proposta aqui no TRT da 10ª Região. Qual é o
limite
territorial da coisa julgada que vier a ser feita nessa ação? Temos uma
ação de
natureza trabalhista, que envolve a União federal e organismos
internacionais. O
limite não será a 10ª Região, porque a competência para julgar,
constitucionalmente, lides envolvendo organismos internacionais é da
Justiça
Federal.
A Lei de Ação Civil Pública confunde
competência absoluta
com competência territorial:
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. |
Temos que saber a competência e coisa
julgada para então
entender a coisa julgada nas ações civis públicas. Não é das coisas
mais
simples. Mesmo a competência em matéria de ação civil pública tem
várias
variáveis.
No caso dos transgênicos, a ação foi
apresentada no Piauí
contra a União e uma empresa de alimentos. O objetivo era obrigar a
União a
fiscalizar os alimentos que são comercializados no país e obrigar a
fabricante
de soja transgênica a colocar alerta no rótulo
dos
produtos informando se há ou não componentes transgênicos. Qual é o
limite da
coisa julgada neste caso? Se consideramos que estamos tratando de soja
e alerta
ao consumidor, então o limite territorial da coisa julgada que vier a
ser
proferida é o tribunal que seja responsável por analisar o recurso
ordinário. Não
necessariamente todos os estados produtores de soja transgênica. Na
verdade,
aqui, trabalhamos essa noção e tentamos fazer com que essa decisão
produza
efeitos nacionais sem produzi-los. Como assim? União no polo passivo na
lide.
Quero obrigá-la a fiscalizar as empresas que produzem esses produtos. A
decisão
tem efeito apenas na 1ª Região, na área da empresa. Mas se as empresas
comercializam ou distribuem seus produtos nessa região, a União terá
que
fiscalizar. Mesmo que esteja fora da 1ª Região. Acaba-se dando
força
nacional a uma decisão que não tem essa amplitude toda.
Observação: órgão prolator é o
tribunal responsável por
analisar o recurso ordinário (recurso ordinário propriamente dito ou
apelação;
já que aqui estamos falando em “recurso ordinário em sentido amplo”). O
juízo
faz parte desse tribunal.
A coisa julgada tem limites muito
claros pela Lei de Ação
Civil Pública. Nada de art. 4º do Código de Defesa do Consumidor. Temos
limite
nacional a partir de quem se coloque no polo passivo. E não pela
competência do
juízo em si. Temos que trabalhar com outra estratégia para fazer essa
caracterização.
Efeitos da
coisa
julgada nas ações coletivas e ações civis públicas
A coisa julgada transforma o certo em
errado, o preto em
branco, e dá a imutabilidade da sentença, e a sentença passa a ser
verdade,
independentemente de qualquer coisa? Essa coisa julgada em matérias de
direitos
transindividuais será disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. § 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe. § 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual. § 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99. § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. |
Os efeitos são relativamente simples,
parecem ser os mesmos,
mas não são os efeitos que vemos no Código de Processo Civil. Entre as
partes,
a coisa julgada produz efeito sempre. Mas, aqui, falamos de direitos
metaindividuais, então a coisa julgada pode produzir efeitos perante
terceiros,
ultrapassando a fronteira das partes litigantes. E, aqui, temos que
fazer essa
análise olhando para o interesse litígio e também para a natureza da
decisão.
Temos que saber qual é o interesse metaindividual, saber identificá-lo
e saber
trabalhar com a natureza da decisão.
Por exemplo: interesses difusos.
Quais os efeitos da coisa
julgada as ações que versam sobre interesses difusos? Teremos que olhar
o tipo
de decisão que foi proferida. Não basta a mera existência do interesse
difuso.
Se a sentença for de procedência, a eficácia é erga
omnes. Se de improcedência, a eficácia dependerá de que tipo
de improcedência estiver-se falando. Não será erga omnes sempre. Na
verdade,
não será erga omnes se a ação for julgada improcedente com base em falta de provas. Porém, por qualquer
outro motivo, ela poderá gerar efeitos erga
omnes. Exemplo: o pedido formulado na ação é julgado
improcedente por
inexistência do fato. Neste caso, a coisa julgada terá efeitos
erga omnes.
Por que isso? Porque o titular, que
ajuíza a ação civil
pública, é legitimado processualmente, e não é titular do direito
material, não
é a vítima do dano. A princípio. A legitimação é extraordinária. Então,
não
podemos impedir que, numa ação que tenha sido julgada improcedente, um
outro colegitimado
repita a ação e produza as provas necessárias, desde que a primeira
sentença
tenha apontado a improcedência por falta de provas. Erga
omnes contra tudo e contra todos? Não. É um efeito erga omnes limitado ao território. No
caso da procedência, se for qualquer motivo menos falta de provas, o
efeito
será erga omnes.
Nos interesses coletivos, temos uma mudança em relação aos efeitos. Mas a ideia é mais ou menos a mesma. De que forma? Primeiro, temos que os efeitos não são erga omnes; não se produzem para todos. Aqui, a coisa julgada produz efeitos apenas ultra partes, que significa “além das partes.” Grupo, categoria, profissionais. Se improcedente a ação por falta de provas, a sentença não terá eficácia ultra partes. Se por outro motivo, terá eficácia ultra partes. Como podemos ver, são os mesmos parâmetros da sentença de improcedência dos interesses difusos.
A
diferença entre erga omnes e ultra partes é que, enquanto a primeira
expressão significa "contra todos", a segunda significa "além das
partes", o que pode passar a impressão de que é, em termos práticos,
sinônima da primeira. Mas os efeitos ultra partes,
que são os efeitos produzidos por uma sentença que julga uma ação
que versa sobre direitos coletivos, são aqueles projetados sobre a
categoria a que pertencem os titulares do direito material. Exemplo:
uma associação de funcionários de determinada indústria, que trouxer
para si a tarefa de representar os trabalhadores de determinado setor
cujo meio-ambiente de trabalho é insalubre, se prosperar no ajuizamento
de ação coletiva (ACP, no caso) contra aquele responsável, os efeitos
da sentença transcenderão as partes litigantes – a associação e o
empresário – e atingirá todos os trabalhadores que trabalhem ou tenham
trabalhado naquele setor daquela empresa, sejam associados ou
não.
Interesses
individuais homogêneos
É mais simples a coisa. A sentença de
procedência produz
efeitos erga omnes, e a sentença de improcedência não tem nenhuma
eficácia, a
não ser entre as partes. É bem mais simples. Não temos a distinção se
foi ou
não por falta de provas. E aqui resolvemos a questão. Beneficia vítimas
e
sucessores. Se procedente, tem eficácia erga
omnes. Se improcedente, não tem efeito erga
omnes.
A coisa julgada nas ações civis
públicas possui dois
limites: subjetivo e quanto aos efeitos produzidos.
Exemplo: o caso anuário de marcas. Ao
fazer o pedido de
registro de uma marca, eu posso, na condição de empresário, registrar a
marca contratando
um advogado, um agente da propriedade industrial, ou fazendo o pedido
por conta
própria. Agente da propriedade industrial é um profissional que custa
caro.
Advogado também, e há somente cerca de 400 ou 500 no país que conhecem
a
matéria. Então ou os empresários fazem o registro sozinho, ou contratam um
advogado que
acha que sabe, mas não sabe de nada sobre o INPI. Nem empresário nem
advogados em
geral que não tenham especialização têm noção dos problemas que estão
envolvendo o metiê. E, se valendo disso, a Ministra Eliana Calmon, na
semana
passada, deu rebuliço no Judiciário. Há bandidos de toga sim. Nem todos
os
juízes são bandidos, mas existem. Existem bandidos de paletó, de
jaleco, de
beca, de farda, de avental e também bandidos que por acaso têm registro
na OAB.
Alguém vendo que o processo de
registro de marcas é um
processo administrativo longo, que envolve publicação de marcas na
Internet, e
sai o nome do cliente associado ao da marca pretendida, é fácil obter o
endereço desse cliente, inclusive seu procurador, caso tenha, e a
publicação
indica a OAB. Alguns malandros começaram a desenvolver um sistema bem
interessante: viam as publicações, anotavam as que o depositante não
tinha
advogado ou procurador, e começaram a mandar para as residências deles
“boletos
do tipo anuário de marcas e patentes”. Vinham acompanhadas de uma carta
dizendo: sua marca foi publicada. Para dar prosseguimento ao seu
processo,
pague o boleto. Com medo de o processo administrativo ser extinto e o
nome da
marca ficar conhecida, podendo depois ser registrada por outro
interessado, começaram
a pagar. A ABAP, a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade
Industrial,
com cerca de 350 pessoas, resolveu, em nome dos lesados, ajuizar ação
civil
pública com base no Direito do Consumidor, chamando de ação coletiva.
Que
interesses estão em jogo? Interesses individuais homogêneos.
O rol de pedidos era multifacetado:
mandamental, com a
cessação da emissão de boletos, e condenatório, pois buscava-se a
condenação dos
lesadores a indenizar os lesados. O interesse é individual homogêneo,
portanto,
porque estamos delimitando quem foi atingido.
Veja: http://www.anuariodemarcas.com
No momento em que a sentença for
proferida, quais serão os
limites da coisa julgada? Se julgados procedentes os pedidos, erga omnes.
Para quem? Consumidores da base territorial em que a ação foi ajuizada.
Encargos da
sucumbência
Regra geral: não temos, na ação civil
pública, emolumentos,
custas, honorários. Nada para ajuizar a ação. O autor não incorre em
nenhum
custo. O réu, por sua vez, terá que pagar sempre que quiser propiciar
atos que
sejam de seu interesse. Não é pagar para protocolar uma petição, mas,
como parte
das ações civis públicas têm com base cada vez mais a defesa do
consumidor, ocorre
a inversão do ônus da prova. Daí o réu custeia as despesas para
produzir provas
a seu favor. Despesas processuais de atos que o réu tenha pedido ele
arca. O
autor não. O autor não paga perícia, atos, custas. Se o réu for
condenado, ele
paga. Se não, o processo termina ali, a não ser que seja comprovada a
má-fé do
autor. Honorários advocatícios, décuplo das custas mais perdas e danos.