Na
semana passada falávamos sobre Direito e Economia.
Como
falávamos, de cada conduta humana, ou cada decisão que o homem tomar,
um efeito
será produzido. É o que chamamos de trágicas escolhas, como descrevemos
na aula
passada. Essas trágicas escolhas irão gerar um resultado, que pode ter
maiores
ou menores conseqüências. Precisamos aprender a colocar isso na
balança.
Eventualmente, quando essa conseqüência não é aquela desejada, ou o
resultado
tem um fator externo, muitas vezes vamos acabar numa ação judicial. Um
exemplo
é o casamento, mas poderia ser qualquer outra atividade. O casamento é
um
exemplo, mas não a relação matrimonial em si.
Quando
temos um casamento, primeiro pensamos numa companheira, que parece ser
a pessoa
ideal de nossa vida. O raciocínio imediato, se quero casar, é propô-la
em
casamento, e compro um par de alianças, o que significa
comprometimento, não a
garantia do casamento, mas a simbologia.
Depois
das alianças, o próximo passo é organizar a festa! E na festa tem
música, que
tem pagamento para o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição). Quando
entramos na faculdade, pensamos que queremos nos formar. Imagine se na
festa de
formatura não forem tocadas as músicas que queremos que toque. Quem
será
responsável? O DJ? Não, mas sim quem contratou o DJ. Para quem apontar
os
dedos? E se não tinha banda para aparecer? Isso eventualmente pode
gerar
problema. Quantas são as noivas abandonadas na porta do altar? Noivos
rápidos e
velozes que saem correndo? Enfim. Certas coisas vão acabar,
inevitavelmente, na
justiça. É o efeito!
Escolhemos
uma coisa, praticamos um ato, ato esse que gera consequências em nosso
universo e
no de outras pessoas também. Essas pessoas podem ser atingidas de tal
forma que
pretendam recompor-se dos danos.
Ao
olhar para um pingüim de geladeira, sob a forma de animação, isso gera
algum
problema? Qual o potencial dessa animação? Quem está fadado a se
apaixonar por
um simpático pingüim de geladeira? Pode causar dano a alguém? Há um
prejuízo
metaindividual, a um todo, a uma coletividade? Evidentemente que não.
Agora
uma propaganda eleitoral em que o candidato se apresenta em um motel
com uma
mulher. Há algo além de mau gosto nessa propaganda? Ou na propaganda da
Mulher
Pera ou Tiririca? Imaginem se há violação a direitos. Há? Reflita,
porque vamos
deixar para discutir depois. É o propósito destas primeiras aulas:
levantar
situações que eventualmente se desdobraram em violação de direitos.
Excluindo
o riso coletivo provocado pela confusa cantora Vanusa, temos hoje a
propaganda
dos Pôneis Malditos. Na verdade, a
propaganda é da Nissan, mas muitos se esqueceram. A propaganda pode
causar
prejuízo a terceiros? Individualmente ou coletivamente? Parece uma
inocente
propaganda boba com uma pequena animação. Pois bem, a propaganda está
sendo
questionada no CONAR. É um órgão não público, mas uma entidade composta
pelas
empresas de propaganda, publicidade e telecomunicações que
autorregulamenta o
setor, daí o nome: Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária. O
órgão recebeu cerca de 30 denúncias. Isso porque nós nos tornamos
politicamente
chatos. Ela faz uma associação indevida de personagens do universo
infantil à
palavra "maldito". A associação dos dois é inadequada para crianças. Por
isso a
propaganda deveria ser retirada, não poderia ser veiculada. Significa
que não
se pode veicular propagandas que “fiquem”. A criança será influenciada
pela
música? O que poderia acontecer? Passar a dizer a palavra “maldito”?
Tem uma
conotação tão ruim a ponto de prejudicar direitos coletivos ou
metaindividuais,
ou transindividuais, em que a pessoa, de certa forma, olha para a
propaganda e
diz que será influenciado. Mas passa no horário nobre a propaganda do
Jefferson
Camilo e ninguém reclama. Significa que, com o tempo, aprendemos o que
é o
excesso, enquanto estamos ganhando mais consciência jurídica e política.
Digamos
que o CONAR deixe veicular. O Ministério Público ajuizará alguma ação?
Digamos
que sim. A partir daí, teríamos que imaginar também o Ministério
Público
intervindo em várias produções artísticas, até mesmo em shows da Ivete
Sangalo:
“vou te comer, vou te comer!” Há algo do mal nessa música? Nunca se viu
mal
algum na ideia centenária do Lobo-Mau-comer-a-Chapeuzinho. Cá entre
nós, o Lobo
Mau é um personagem do universo infantil. Há erotização, não
necessariamente na
letra, mas no complexo artístico. Imaginem seus filhos dançando isso!
Temos,
agora, uma suposta sociedade do terceiro milênio querendo proibir esse
tipo de
coisa. A música da Ivete, então, viola direitos? Pode ser que sim.
Outro
quadro para se refletir sobre a violação ou não a direitos
metaindividuais são
aqueles de pegadinhas em que, quando alguém vai se trocar no vestiário,
ou
tomar banho num banheiro público, alguém passa uma cobra por cima da
parede do
box.
Atirei
o pau no gato:
C Atirei
o pau no gato-to
Dm
G7 Mas
o gato-to
C
C7 Não
morreu-reu-reu
F
F#º Dona
Chica-ca
C Admirou-se-se
G7 Do
berro
C Do
berro que o gato deu: Miau! A
música é ofensiva? Deve-se haver discernimento entre o exagero e a
intenção de
apropriar-se do universo da criança. Quando
as relações falham em algum momento, a consequência que podemos ter é a
do
processo judicial. Mas temos visto cada vez mais as relações falharem,
daí a
judicialização. Ao efeito dessa escolha é a reação em cadeia. O que
acontece? Processos
na prateleira. Numa vara judicial é fácil encontrar sete mil. Nossa
quantidade
de processos é muito diferente de outros países? Só há crise quando
estamos
sendo ineficientes. Se tenho capacidade de gerenciar 10 milhões de
processos/ano,
e gerencio adequadamente, não teremos retenção processual. Mas e sem a
capacidade? Qual a origem dos direitos metaindividuais e das ações
coletivas; o
que ambos buscam resolver? A origem é a crise do processo. Retroage à
Constituição de 1988, em que nem o Estado nem os particulares litigavam
tanto.
Era bem menos voraz a sanha litigiosa. Com a Carta Cidadã, tivemos uma
mudança
de paradigma. Agora, buscam-se os próprios direitos. O Presidente
Sarney foi
reflexo da abertura política. Assume a presidência por conta da morte
de
Tancredo, adquirimos maior liberdade, mas é uma liberdade sem
consciência. O
que acontece é que Sarney baixa um plano econômico, com congelamento de
preços,
retirada da carne do mercado, para depois retornarem mais caras. Daí
surgiram
as donas-de-casa do Sarney. Iam ao supermercado, gritavam para a SUNAB,
que
multava o estabelecimento para voltar ao preço anterior. Com
a Constituição de 1988, esse arcabouço jurídico começa a aparecer.
Principalmente em direitos especiais. Vamos assim chamar o Direito
Ambiental, o
Direito do Consumidor, o instituto dos danos morais, novos institutos
bons. Menos
de dois anos depois vamos ter a implementação do Código de Defesa do
Consumidor. Isso tudo gera um aumento na conscientização da população,
que é
instigada cada vez mais a litigar. Tanto que vem a Lei dos Juizados
Especiais,
a Lei 9099/1995. O que é um Juizado Especial? Local de resolução de
problemas
pequenos, sem necessidade de advogados. Mas tem um problema: ninguém
pensou
nisso antes. As pessoas querem ganhar os maiores benefícios, e começam
a
litigar, vêem que a coisa é gratuita, vêem que terão poucas custas, e
banalizam
o Judiciário. O Judiciário não possui ferramentas para punir as
pessoas; na
verdade tem, mas não as usa. O resultado é a chamada ineficácia total.
Temos
uma série de processos entrando e poucos sendo julgados. Com o passar
dos anos,
esses processos que são ajuizados vão se transformando em verdadeiras
pilhas.
Até por causa de nosso sistema recursal. Num Processo Civil podemos
interpor,
tecnicamente, infinitos recursos. Enquanto a ação de conhecimento
estiver em
trâmite, para cada decisão um agravo de instrumento. Da sentença caberá
apelação cível. Do acórdão, embargos infringentes e recurso especial e
recurso
extraordinário. Isso num único processo. Vejam o volume de recursos.
Para cada
ação, quantos recursos? A sociedade não acompanhou isso. A sociedade
banalizou
muitas práticas. Danos
morais por não pagamento de verbas rescisórias. Isso é motivo? Na outra
ponta
há as empresas, e fornecedores de serviços, que muitas vezes não estão
nem aí
para o consumidor, para o usuário. “Quem não estiver satisfeito que
procure a
justiça” – essa é a mentalidade. O cidadão procura. Todo domingo vemos
queixas
em programas jornalísticos. Vemos que as maiores responsáveis são
empresas
telefônicas, de cartão de crédito, aéreas e bancos. Há jurisprudência
consolidada de que não se pode enviar cartão para a residência das
pessoas. O
valor da pena é simbólico em relação ao que se pode angariar enviando
indevidamente os cartões. Para quem litiga o processo é barato. O que
deveria
ser feito, por exemplo, é encarecer o processo para o sucumbente. A
Conab está na mídia, que tem uma dívida com o fundo de pensão de seus
empregados de 320 milhões de reais. Era uma dívida questionável? Não,
era
inclusive representada por uma confissão de dívida. Quando foi cobrada,
ela
disse que não pagaria. O que faz o fundo de pensão? Tem um débito.
Restou
recorrer ao Judiciário. Seis anos depois foi resolvida a ação, com o
resultado
de... pagar os R$ 320 milhões! E o juiz fixou em R$ 3 mil os honorários
advocatícios, o que corresponde a R$ 46,00 por mês. A pergunta é: na
próxima
vez, a Conab deixará de pagar suas dívidas? Sim! Pegando os 320 milhões
no
mercado financeiro, ela atropela em pouquíssimo tempo os R$ 3 mil pagos
de
honorários advocatícios. A decisão judicial não tem o papel pedagógico.
Lá na
frente outro processo será ajuizado. O resultado prático é engordar
essa crise. Outro
problema: o Conselho Nacional de Justiça resolve entrar em cena. “O
Judiciário
está aqui para servir!” Então nota que o volume é um pouco mais elevado
do que
parecia e resolve fazer o quê? Nova campanha: “Não litiguem!
Conciliem!”
Estabeleceram as metas, que deram mais problemas: gerar obsessão para
julgamentos mais “eficazes”. Na ânsia por mais celeridade, mais lesões
a
direitos por não haver cuidado na análise de cada pretensão. Exemplo
a ser seguido é o norte-americano, em que não vale a pena ir até o
final da
ação.