Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Interesses público-privados e metaindividuais – continuação



A Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos é tal que, para compreendermos, quando falamos em direitos transindividuais, temos uma separação entre alguns períodos da história recente do Brasil.

Quando olhamos para essa crise do processo, que comentamos na aula passada, podemos pensar no interesse transindividual.

Acabamos, na década de 80, aprovando a Lei de Ação Civil Pública, e antes não tínhamos muitas ferramentas. A ação civil pública era uma ferramenta isolada. Até que em 88 tivemos a Constituição da República, dando assento constitucional à ACP e, com a Carta Cidadã, vem o reconhecimento de alguns direitos transindividuais. Começamos a discutir novas gerações de direitos. Nessas gerações mais novas que se inserem os direitos metaindividuais, representados por interesses transindividuais. “Metaindividuais” e “transindividuais” podemos ter como sinônimos.

Temos essa ideia de transindividualidade, primeiro, na Constituição de 1988. É calcada na não discriminação, e no elemento chamado função social. É um termo bem interessante porque, ao longo de 23 anos de Constituição, vimos esse termo mudar de feição.

O que é não discriminação? Todos são iguais perante a lei. Não é isso o que o art. 5º que diz?

Ruy Barbosa dizia que a igualdade era tratar de modo desigual os desiguais. Não discriminar ninguém, por sexo, religião, posição política, cor, origem, o que for. Devemos assegurar todas as melhores condições possíveis. Acesso à educação, bens culturais, saúde, e tudo mais. Está no texto constitucional. Junto a isso temos a tal da função social, ou seja, o indivíduo tem interesses que devem ser postos sempre em prol da coletividade. E devem ser ponderados em razão dela. Isso é a indicação da transindividualidade. Se tenho um interesse meu, devo ponderar qual a finalidade do Estado, e, de certa forma, ajudar a sociedade a se desenvolver. Não é uma Constituição comunista, mas tem essa visão metaindividual.

Quando saímos do indivíduo e tentamos proteger o coletivo, vemos que o indivíduo se insere dentro do coletivo. Se o professor dissesse: “vocês são alunos do CEUB, cada um de vocês tem um interesse individual próprio, porém nossa atuação deve ser sempre em prol da coletividade, da atuação do todo, para suprir o que se chama hoje de necessidades coletivas.” Isso é a função social.

Em nome dessa função social vemos o Supremo fazendo a interpretação conforme a Constituição e dando a última palavra. O Supremo Tribunal Federal é o senhor da interpretação constitucional. E o Supremo tem, ao longo dos anos, mudado de opinião. É normal isso. Muda não só o ministro, mas a posição.

O princípio da Suprema Corte dos EUA é parecido com o nosso STF aqui. É composta por X pessoas, indicadas pelo Presidente da República. E, com o passar do tempo, essa corte vai se formando e se transformando. E se pegarmos os dois últimos presidentes, excluindo Dilma, e Collor e Itamar, que não ficaram todo o tempo de um mandato, Fernando Henrique e Lula ficaram oito anos no poder cada. Durante esse tempo, eles nomearam alguns ministros do Supremo. Ellen Gracie se aposentou ontem. Quem vai para o lugar dela? Cogitava-se Luís Roberto Barroso, mas desta vez ele não está cotado como candidato. Pensa-se em Assis Moura, Maria Elisabeth Bittar, Fatima Nancy Andrighi, etc.

Esse Supremo de hoje é diferente do supremo de uma década atrás, que era composto por Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Celso de Mello, Francisco Rezek, Marco Aurélio, Paulo Brossard, Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Neri da Silveira, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence? É um Supremo mais liberal ou mais conservador? Hoje parece mais de centro-esquerda. Mudou a composição da Suprema Corte e, então, a forma como ela vê alguns temas relevantes. À exceção do Ministro Menezes Direito, mais conservador, que substituiu Sepúlveda Pertence, que era tido como mais liberal que aquele.

Exemplo de tema que provocou mudança de opinião da Corte foi a investigação de paternidade versus coisa julgada. Proteção à família ou à manutenção da coisa julgada? Com a difusão do exame de DNA, e agora possibilitando saber com 99,99% de certeza se alguém é pai de alguém, deve prevalecer o direito de se ter paternidade, e de definir a própria personalidade? Ou a segurança do julgado? A coisa julgada terminou relativizada.

O que levou os onze a inverterem aquilo que deles se esperava? A interpretação que a Suprema Corte tinha era de que a coisa julgada era imutável, um dogma. O que abalou esse posicionamento de décadas foi a função social.

Como os interesses transindividuais devem ser protegidos ou resguardados? Imaginem o seguinte: qual o tamanho da comunidade do CEUB? Quantos somos nós? Talvez 5000 alunos só de Direito... Mas o CEUB não é só Direito.

Imagine que só se pudesse estudar aqui se se estacionasse o carro ali no estacionamento pago. Poderia? Não, isso configuraria venda casada. Seria a adoção de uma prática ilícita. Quais interesses estão em jogo? Os interesses de cada um, ou interesses transindividuais? Quem são os atingidos? É um grupo indeterminado. Por mais que tenhamos um banco de dados com informações de cada aluno, pois não se sabe quais usariam o estacionamento; nem todos vêm de carro! Também pode-se pensar nas externalidades positivas, como prevenir sequestros, mas fere-se o interesse de todos os alunos. O interesse coletivo irá preponderar. Mas como se defender dessa ilegalidade? Temos o Judiciário. É o caminho a ser seguido. São potencialmente 20 mil ações contra o CEUB. É razoável? Quando seriam julgadas? Daqui notamos que é necessário um instrumento para a defesa de direitos de pessoas não determinadas. Não é melhor criar um instrumento para que o interesse coletivo seja resguardado?

E se o professor tivesse o hábito de fumar enquanto dá aula? Uma resposta rápida seria que 90% seriam incomodados. Quem assim responde já está partindo da premissa do interesse comum. É o direito a viver e conviver num meio-ambiente saudável.

Pense num balaio com três recém-nascidos. De quem é o interesse de protegê-los? De todos! É transindividual. Imagine uma norma que cause prejuízo a uma criança. Temos interesse na saúde infantil, não direto, mas remoto. Se algum dia eu vier a ter filho, quererei que ele seja protegido. É um direito que transcende a personalidade do indivíduo diretamente atingido.

O mesmo para o meio-ambiente. Lago poluído não faz mal somente a quem está nadando nele, mas a todos que um dia possam pensar em nele nadar, ou velejar, disputar uma regata, uma travessia, passear de lancha, pescar ou mesmo passar perto. E, claro, a biodiversidade, que não pode ser destruída.

Recall: eu posso ser vítima do acidente de um carro que não é meu. Como o Stilo que soltava a roda quando a mais de 100 km/h, eu posso ser vítima da roda, ou posso, um dia, ter interesse em adquirir um Stilo. O direito não é somente do presente dono de um Stilo.