A Tutela dos Direitos Difusos e
Coletivos é tal que, para
compreendermos, quando falamos em direitos transindividuais, temos uma
separação entre alguns períodos da história recente do Brasil.
Quando olhamos para essa crise do
processo, que comentamos
na aula passada, podemos pensar no interesse transindividual.
Acabamos, na década de 80,
aprovando a Lei de Ação Civil
Pública, e antes não tínhamos muitas ferramentas. A ação civil pública
era uma
ferramenta isolada. Até que em 88 tivemos a Constituição da República,
dando
assento constitucional à ACP e, com a Carta Cidadã, vem o reconhecimento
de
alguns direitos transindividuais. Começamos a discutir novas gerações
de
direitos. Nessas gerações mais novas que se inserem os direitos
metaindividuais, representados por interesses transindividuais.
“Metaindividuais”
e “transindividuais” podemos ter como sinônimos.
Temos essa ideia de
transindividualidade, primeiro, na
Constituição de 1988. É calcada na não discriminação, e no elemento
chamado
função social. É um termo bem interessante porque, ao longo de 23 anos
de
Constituição, vimos esse termo mudar de feição.
O que é não discriminação? Todos são
iguais perante a lei. Não
é isso o que o art. 5º que diz?
Ruy Barbosa dizia que a igualdade era
tratar de modo desigual
os desiguais. Não discriminar ninguém, por sexo, religião, posição
política,
cor, origem, o que for. Devemos assegurar todas as melhores condições
possíveis. Acesso à educação, bens culturais, saúde, e tudo mais. Está
no texto
constitucional. Junto a isso temos a tal da função social, ou seja, o
indivíduo
tem interesses que devem ser postos sempre em prol da coletividade. E
devem ser
ponderados em razão dela. Isso é a indicação da transindividualidade.
Se tenho
um interesse meu, devo ponderar qual a finalidade do Estado, e, de
certa forma,
ajudar a sociedade a se desenvolver. Não é uma Constituição comunista,
mas tem
essa visão metaindividual.
Quando saímos do indivíduo e tentamos
proteger o coletivo,
vemos que o indivíduo se insere dentro do coletivo. Se o professor
dissesse: “vocês
são alunos do CEUB, cada um de vocês tem um interesse individual
próprio, porém
nossa atuação deve ser sempre em prol da coletividade, da atuação do
todo, para
suprir o que se chama hoje de necessidades coletivas.” Isso é a função
social.
Em nome dessa função social vemos o
Supremo fazendo a interpretação
conforme a Constituição e dando a última palavra. O Supremo Tribunal
Federal é
o senhor da interpretação constitucional. E o Supremo tem, ao longo dos
anos,
mudado de opinião. É normal isso. Muda não só o ministro, mas a
posição.
O princípio da Suprema Corte dos EUA
é parecido com o nosso STF aqui. É composta por X pessoas, indicadas pelo Presidente da República.
E, com
o passar do tempo, essa corte vai se formando e se transformando. E se
pegarmos
os dois últimos presidentes, excluindo Dilma, e Collor e Itamar, que
não
ficaram todo o tempo de um mandato, Fernando Henrique e Lula ficaram
oito anos
no poder cada. Durante esse tempo, eles nomearam alguns ministros do
Supremo. Ellen
Gracie se aposentou ontem. Quem vai para o lugar dela? Cogitava-se Luís
Roberto
Barroso, mas desta vez ele não está cotado como candidato. Pensa-se em
Assis
Moura, Maria Elisabeth Bittar, Fatima Nancy Andrighi, etc.
Esse Supremo de hoje é diferente do
supremo de uma década
atrás, que era composto por Octávio Gallotti, Sydney Sanches, Celso de
Mello,
Francisco Rezek, Marco Aurélio, Paulo Brossard, Nelson Jobim, Ilmar
Galvão, Neri
da Silveira, Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence? É um Supremo mais
liberal ou
mais conservador? Hoje parece mais de centro-esquerda. Mudou a
composição da
Suprema Corte e, então, a forma como ela vê alguns temas relevantes. À
exceção
do Ministro Menezes Direito, mais conservador, que substituiu Sepúlveda
Pertence, que era tido como mais liberal que aquele.
Exemplo de tema que provocou mudança
de opinião da Corte foi
a investigação de paternidade versus
coisa julgada. Proteção à família ou à manutenção da coisa julgada? Com
a
difusão do exame de DNA, e agora possibilitando saber com 99,99% de
certeza se
alguém é pai de alguém, deve prevalecer o direito de se ter
paternidade, e de
definir a própria personalidade? Ou a segurança do julgado? A coisa
julgada terminou
relativizada.
O que levou os onze a inverterem
aquilo que deles se
esperava? A interpretação que a Suprema Corte tinha era de que a coisa
julgada
era imutável, um dogma. O que abalou esse posicionamento de décadas foi
a
função social.
Como os interesses transindividuais
devem ser protegidos ou
resguardados? Imaginem o seguinte: qual o tamanho da comunidade do
CEUB? Quantos
somos nós? Talvez 5000 alunos só de Direito... Mas o CEUB não é só
Direito.
Imagine que só se pudesse estudar
aqui se se estacionasse o
carro ali no estacionamento pago. Poderia? Não, isso configuraria venda
casada.
Seria a adoção de uma prática ilícita. Quais interesses estão em jogo?
Os interesses
de cada um, ou interesses transindividuais? Quem são os atingidos? É um
grupo indeterminado. Por mais que
tenhamos um
banco de dados com informações de cada aluno, pois não se sabe quais
usariam o
estacionamento; nem todos vêm de carro! Também pode-se pensar nas
externalidades positivas, como prevenir sequestros, mas fere-se o
interesse de
todos os alunos. O interesse coletivo irá preponderar. Mas como se
defender dessa
ilegalidade? Temos o Judiciário. É o caminho a ser seguido. São
potencialmente
20 mil ações contra o CEUB. É razoável? Quando seriam julgadas? Daqui
notamos
que é necessário um instrumento para a defesa de direitos de pessoas
não
determinadas. Não é melhor criar um instrumento para que o interesse
coletivo
seja resguardado?
E se o professor tivesse o hábito de
fumar enquanto dá aula?
Uma resposta rápida seria que 90% seriam incomodados. Quem assim
responde já
está partindo da premissa do interesse comum. É o direito a viver e
conviver
num meio-ambiente saudável.
Pense num balaio com três
recém-nascidos. De quem é o
interesse de protegê-los? De todos! É transindividual. Imagine uma
norma que
cause prejuízo a uma criança. Temos interesse na saúde infantil, não
direto,
mas remoto. Se algum dia eu vier a ter filho, quererei que ele seja
protegido. É
um direito que transcende a personalidade do indivíduo diretamente
atingido.
O mesmo para o meio-ambiente. Lago
poluído não faz mal
somente a quem está nadando nele, mas a todos que um dia possam pensar
em nele
nadar, ou velejar, disputar uma regata, uma travessia, passear de
lancha,
pescar ou mesmo passar perto. E, claro, a biodiversidade, que não pode
ser
destruída.
Recall: eu posso ser vítima do
acidente de um carro que não
é meu. Como o Stilo que soltava a roda quando a mais de 100 km/h, eu
posso ser
vítima da roda, ou posso, um dia, ter interesse em adquirir um Stilo. O
direito
não é somente do presente dono de um
Stilo.