É a ferramenta de investigação
administrativa promovida pelo
Ministério Público. Nele, o MP busca apurar os fatos relacionados a um
determinado evento, bem como suas responsabilidades. O inquérito civil
não é
nada além de uma peça de investigação. Assim como o inquérito penal. Só
que o
inquérito civil é muito mais lento do que o inquérito penal. Não há,
por
exemplo, a figura do réu preso. É mais uma peça de convencimento do
próprio Ministério
Público, em que busca averiguar uma denúncia ou algo que tenha
ocorrido. Recentemente,
no caso do Toddynho, que ganhou fama por causa de um pequeno erro, mas
que fez
com que consumidores passassem mal e queimassem a boca depois de tomar.
O professor não está certo se se deve abrir um inquérito civil ou se
propor um termo de ajustamento de conduta. Descobriu-se, entretanto, que havia
muita
coisa errada. A Pepsico, empresa fabricante do Toddynho, admitiu que o
produto foi
feito não com leite achocolatado, mas com água com detergente. Em vez
de haver
uma contaminação clara, o que houve foi envase automático de água com
detergente. A empresa não possui uma fábrica para cada produto, mas uma
para
vários. Então, na mesma linha de produção, para trocar do processo de
produção do
produto A para o produto B, lava-se a máquina. Pode ter sido aí o erro,
ou então
foi que lavaram até demais. O envase das primeiras unidades não foi
feito com
leite achocolatado. O leite, que veio depois, acabou servindo para
limpar o
maquinário. Mas ninguém percebeu. Não percebendo, o produto chegou às
mãos do
consumidor. E, nas mãos dele, ele não irá espremer para ver se há
espuminha.
Claro que não sabemos exatamente o
que aconteceu, o que
temos aqui são suposições.
A Pepsico disse que só foram
envasadas 80 unidades com problema.
De qualquer jeito, “eu não estou mais tomando Toddynho” – desabafa o
professor.
E complementa: “vai que uma das 80 está na caixa que eu comprei!”
Sabemos que a Pepsico não fabrica só
esse produto. Será que
aconteceu com a Pepsi Cola, H20H, Gatorade, Aveia Quaker ou qualquer
outro?
Imaginem, portanto, que a coisa pode fugir de controle.
E como o Ministério Público pode
apurar a responsabilidade?
É o caso mais simples. Temos um fabricante, e o problema está
localizado lá.
Parece, portanto, que não precisamos de um inquérito civil público para
chegar
a alguma conclusão. É um caso fácil. Vamos para o TAC ou vamos à ação
civil
pública diretamente.
Agora existem casos mais complexos
que demandam mais
investigação. É o caso do Shopping Center Norte, em São Paulo, onde se
detectou
a presença de gás metano em concentração maior do que o normal na
atmosfera interior
do prédio, e levantou-se a possibilidade de explosão. Indagou-se se o
Shopping
fora mesmo construído sobre a área de um aterro sanitário, e se o CH4
era
originário do lixo ali depositado. Não é fácil haver uma explosão, e
determinar
se existe responsabilidade e de quem é não é fácil. Temos, portanto,
que passar
por essa peça, que é o inquérito civil público, que visa à busca de elementos para a propositura de ação civil
pública ou ação
coletiva. No TAC, o Ministério Público pode partir de uma
presunção,
enquanto na ação civil pública ele já deve dispor de elementos
suficientes para
o convencimento do juiz, produzindo a prova antes ou durante a
instrução. O
Ministério Público tem que dispor de elementos concretos para elaborar
a ação
civil pública. Mas é o MP, então dá-se a ele a peça investigatória. Em
outras
palavras, o objetivo do inquérito civil público é o instrumento de
colheita de
elementos para embasar uma ação civil pública ou ação coletiva.
O inquérito civil busca a
materialidade e autoria do fato. O
inquérito civil público serve para a determinação da autoria e
materialidade. O termo de ajustamento de conduta, por sua vez, é uma das alternativas ao
final
de um inquérito civil. Observa-se o fato e a responsabilidade por ele.
A
alternativa ao TAC é a ação civil pública. Não há para onde correr se
ficar
comprovado o fato e sua responsabilidade. Uma saída exclui a outra?
Sim. O TAC
exclui a ação civil pública e vice-versa. Porém, pode-se propor o termo e, se ele não for aceito, parte-se para
propositura da
ação civil pública.
Se uma associação colegitimada para a
ação civil pública ajuizar
a ACP contra um responsável que já tenha firmado um TAC com o
Ministério
Público, se estamos tratando de direitos metaindividuais, os
colegitimados não
são titulares do direito material, mas sim do direito processual. Uma
vez
firmado o TAC, isso irá resolver as ações civis. A questão já estará
resolvida.
Se estamos no campo de incidência da atuação do Ministério Público, é
provável
que outro colegitimado ajuíze ação civil pública ou ação coletiva. Se a
matéria
está com o Ministério Público, é mais fácil deixar com ele, que tem
mais
recursos, do que outro colegitimado se aventurar com uma ação civil
pública ou
ação coletiva. Na prática, o que vemos é uma união dos colegitimados,
numa
ordem de preferência. O Ministério Público sempre precede aos demais.
Se o MP
não toma providências, os outros colegitimados tomarão. Eles ajuízam
ações
cautelares e ficam aguardando a ação principal pelo Ministério Público.
Os
colegitimados até ajuízam a ação principal, mas num quantitativo bem
baixo,
menos de 5% do total.
Enquanto o inquérito civil tramita no
Ministério Público, é
provável que tenhamos outro colegitimado interessado em ajuizar a ação.
É pouco
provável que queira, uma vez que o Ministério Público já está à frente
do
problema e com seus recursos mais fortes, mas nada impede.
Se um TAC já tiver sido celebrado quando uma ação
civil pública é ajuizada contra você, o que você deve fazer
é pedir a extinção do processo com
resolução de mérito pela
existência de transação entre as partes. Art. 269, inciso III do Código
de
Processo Civil:
Art. 269. Haverá resolução de mérito: [...] III - quando as partes transigirem; [...] |
Um consumidor que não pode com glúten
ingere um leitinho
gelado com o pó adulterado e tem problemas. Irritado, comunica à
Promotoria de
Defesa do Consumidor do Ministério Público. O que o órgão faz?
Primeiro,
averigua a situação com um inquérito civil público. Descobrindo o
ocorrido, o
representante do MP se reúne com o representante da Nestlé e propõe o
TAC, para
obrigar a gigante de alimentos a alertar sobre a presença, ainda que incidental, de glúten naquele
lote. Mas o que fazer? “Contém
traços de glúten”? “Contém pequena concentração de glúten que
acidentalmente
caiu nos ingredientes deste produto”? É inviável para a empresa fazer
isso. De qualquer
jeito, um acordo é atingido, e a ação civil pública fica dispensada.
Só que, enquanto o MP negociava com a
Nestlé, um consumidor
celíaco, sem ideia do que estava sendo ajustado, também ingere Nescau
daquele
lote. Por acaso, o consumidor é membro influente de uma associação de
defesa do
consumidor, ou consegue, com sucesso, se fazer ouvir por uma. A
associação, que
é colegitimada para a propositura de ação civil pública, toma a
dianteira e,
ignorando o fato de um TAC estar sendo delineado naquele momento,
ajuíza ação.
E agora? Sabemos que o TAC afasta a ação civil pública, mas só se do
próprio
Ministério Público, já que o TAC é a alternativa à ação civil pública e
vice-versa. Se o Ministério Público resolver propor um TAC que for
aceito, ele próprio
não poderá desistir da avença que ele mesmo propôs para ajuizar uma
ação civil
pública. Porém, outro colegitimado poderá. E como ficará essa situação?
O TAC alheio não é resolutivo, então
o professor entende que
o impedimento de ajuizar ACP não se aplica à ação ajuizada pelo
colegitimado,
mesmo se houver a mesma causa de pedir e pedido semelhante. Isto é, se
o
Ministério Público celebrou um TAC com a empresa responsável, a
associação de
consumidores nada terá a ver com isso, e poderá propor sua própria ação
civil
pública. E o que deve a empresa fazer caso seja demandada por um outro
colegitimado logo após ter celebrado TAC com o MP? Justamente invocar o
inciso
III do art. 269 do CPC, e pedir a extinção do processo com julgamento
do
mérito, pois a parte, a empresa, transigiu em relação àquela pretensão
de
reconhecer a culpa e passar a advertir os consumidores sobre os traços
de
glúten.
Outra coisa que o Ministério Público
pode fazer é pedir a
realização em juízo de audiência pública, como ocorre nas ações diretas
de constitucionalidade
no Supremo. Na verdade, o professor entende a audiência pública como
inserida no
rol dos atos do inquérito civil, e não já no procedimento judicial.
Audiência
pública virou algo bonito, que hoje está na moda. Quem deve realizá-las
mesmo é
o Legislativo, que deve debater o máximo possível sobre a matéria a ser
legislada,
ou o Executivo, sobre as políticas públicas a adotar, ou então os
órgãos
reguladores. Entretanto, hoje até o TST, que seria o órgão obrigado a
julgar,
está fazendo audiência pública. O professor acha estranho que um
tribunal realize
audiência pública para resolver uma questão complexa submetida ao
Judiciário. O
julgador deveria se manifestar nos autos e não fora dele. Se a
discussão é
sobre terceirização, deve se pronunciar declarando-a lícita ou ilícita.
É essa
a atribuição do tribunal, e só dele, e não das pessoas participantes da
audiência pública. É o tribunal que deverá analisar a lei e a
Constituição.
O Ministério Público faz audiências
públicas, mas elas estão
no intuito fiscalizador. São motivadas por denúncias recebidas pelo
órgão.
Uma das denúncias recebidas é a
questão das propagandas de
veículos. Um exemplo é uma propaganda em meio estático mesmo, uma
página dupla
numa revista. Era do Hyundai Azera, e continha várias informações
técnicas na
parte de baixo, mas em letras não tão fáceis para todos os consumidores
lerem.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor? A informação tem que ser
clara,
objetiva, precisa e ostensiva. Letras pequenas ensejam, ao menos, uma
representação
no Conar ou mesmo uma ação coletiva.
Outra coisa é a publicidade sazonal
dos ovos de páscoa. De
quem seria a culpa se crianças que pediram aos pais para comprarem
determinado
ovo, só porque vem um brinquedo de brinde, daí haver a associação da
marca de
brinquedos à marca de chocolate, começarem a ter problemas com o
consumo excessivo
de chocolate? Por isso necessita-se da audiência pública para apurar a
responsabilidade, se dos pais, dos pais, dos fornecedores, dos
comerciantes... Se
o Ministério Público chegar à conclusão de que a associação das duas
marcas faz
mal às crianças, então ele poderá propor o TAC ou ajuizar a ação civil
pública.
Essa é a finalidade do inquérito
civil público. Procurar
provas, esclarecer, buscar soluções.
É um procedimento em que não há o
contraditório. Pelo menos
não há previsão do contraditório na lei. Estabelece-se o contraditório
quase
sempre, contudo. Na prática, o que vemos é o Ministério Público pedindo
informações e as empresas prestando e dando seus motivos. Isso é, de
certa
forma, o contraditório. Portanto não se tem uma defesa formal, uma
contestação.
Mas o investigado se manifesta. Nem sempre se manifesta em todas as
fases, em
todas as etapas do procedimento. O que temos é, instaurado
o
inquérito civil, os investigados tomam ciência e terão a oportunidade
de
acompanhar a produção de provas. Os membros do MP têm a tendência de
serem mais
liberais nesse sentido do que os responsáveis pelo inquérito penal.
As provas obtidas no inquérito civil
podem ser questionadas
judicialmente, outras podem ser produzidas, portanto não têm caráter
probatório
absoluto. Só servem para nortear a conduta do Ministério Público. Não
têm a
característica de resolver o conflito. Daí é um procedimento informal,
utilizado pelo MP para atender suas necessidades, de modo que a prova
não é
produzida sob a égide do contraditório, ainda que seja permitido. Ela
não tem o
valor probante como a prova judicial. Não deixa de ser uma prova, como
outra
qualquer.
Não há atos citatórios, intimações ou
outras comunicações
formais, daí o caráter da informalidade. Como representante legal da
empresa,
alguém pode aparecer ocasionalmente na sede do MP. Pode-se marcar hora
até de
boca.
Efeitos do
inquérito
civil público: como peça inquisitória, não produz grandes
efeitos, a não
ser para o próprio Ministério Público, para aquele que conduz o
inquérito. Ele
irá se vincular às conclusões a que chegar. E essas conclusões podem
ser as
mais variadas possíveis. E aqui vem uma posição engraçada. O Ministério
Público
poderá apresentar “promoções”. São manifestações oficiais do Ministério
Público
acerca de determinada matéria que lhe chega ao conhecimento. Pode
apresentar a
promoção pelo arquivamento da representação, ou pela continuidade das
averiguações, ou ainda, o ajuizamento da competente ação. É o ato
mediante o
que qual o órgão promove o
arquivamento, a continuidade da investigação ou o ajuizamento da
referida ação.
Art. 9º da Lei de Ação Civil Pública (7347/85):
Art. 9º Se o órgão do Ministério Público,
esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de
fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento
dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o
fundamentadamente. § 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público. § 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação. § 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento. § 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação. |
Numa promoção de arquivamento, por
exemplo, o MP poderá apontar
a existência de um laudo atestando a inexistência de agentes poluentes
em
determinado ambiente, ao contrário do que fora relatado na
representação
recebida pelo órgão. Adentra no mérito, baseia-se nas provas e manda
arquivar.
Mas essa decisão que manda arquivar não se exaure em si própria; ela
está sujeita
à aprovação do Conselho Superior do Ministério Público. Eventualmente
se admite
o recurso dessas decisões. Não é comum a interposição de recursos das
decisões
proferidas nos inquéritos civis até porque não existe a figura do
contraditório
formalmente, porém nada impede que o CSMP na base territorial onde
aquele
inquérito tramitou venha a rever a decisão. Quer de ofício, quer por
provocação
de um dos interessados. Não vamos
chamar de “partes” para evitar confusão: nenhuma ação foi ajuizada e
nenhuma
relação jurídica processual foi instaurada ainda.
Isso tudo, portanto, é uma coisa que
na lei está de uma
forma, enquanto na prática tem-se adotado mais flexibilidade no
inquérito
civil, permitindo uma participação maior das partes ou dos interessados
envolvidos. A finalidade é apurar fatos efetivamente, e não sair
fazendo isso
sob critério de uma só pessoa. Proposto o arquivamento mediante a
promoção de
arquivamento pelo MP, nada acontece. O processo extingue-se. E o
colegitimado? Pode
ajuizar a ação? Se o interesse tutelado é consumerista, aquela
associação de
que falamos antes irá querer ajuizar a ação civil pública. Pode
fazê-lo, claro.
O arquivamento do inquérito civil público não vincula as partes ou os
outros
colegitimados, mas somente o próprio Ministério Público. Mas ajuizará
já sabendo
que há dados para a defesa do interessado. O resultado do inquérito
civil
público vincula o Ministério Público se for conclusivo pelo ajuizamento
da ação
ou pela oferta do TAC.
Temos o aparecimento dos termos de
ajustamento de conduta em
qualquer momento durante o inquérito civil.