Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Legitimidade passiva para a ação civil pública


Finalmente vamos ao polo passivo. Quem pode figurar no polo passivo das ações civis públicas? A resposta parece ser: qualquer pessoa. Não há nenhuma restrição quanto àquele que pode constar no polo passivo das ações coletivas em sentido amplo, ou seja, das ações civis públicas e ações coletivas em sentido estrito. Basta que se prove que a pessoa é causadora do dano, mostrar que o dano tem correspondência com um direito material que é violado, e mostrar que esse direito vai além da individualidade e passa à transindividualidade (ou metaindividualidade). Se eu conseguir identificar X, Y ou Z como causador do dano, este poderá ser demandado via ACP.

Na estrutura das ações civis públicas, basta que tenhamos a pessoa causadora do dano violador a direito individual ou transindividual para que figure no polo passivo. A atuação do sujeito pode ser tanto comissiva quanto omissiva. Pode causar o dano por omissão ou pela própria ação. Pode praticar o dano, ou deixar de praticar a conduta que deveria e, por conta disso, acaba praticando-o.

Se colocamos qualquer pessoa, então admitimos a figura do Estado no polo passivo. Mas nem sempre será réu nas ações civis públicas. Na verdade, quando ele for responsável pelo dano, teremos que mostrar sua omissão.

Assistindo ao Bom Dia DF, o professor parou para ver os aviões Hercules jogando água nos focos de queimada. Antes disso, entrou um diretor de fiscalização da Agefis. Comentava-se sobre uma nova lei de combate à pirataria. “Deve ser pirataria nos transportes”, pensou o professor, mas não! Era pirataria de CDs e DVDs. O agente falava em “multa de R$ 1.000,00, dobrada para R$ 10.000,00”, ou, se pessoa jurídica, “dobrada para R$ 50.000,00”. Por isso que as coisas não funcionam. É um caso típico de sujeito metaindividual no polo passivo, em que o Estado se coloca na posição de corresponsável. O Estado não é indiscriminadamente responsável. Mas, neste caso específico, há que se observar que uma coisa é pirataria praticada dentro do meu imóvel: embalo medicamento pirata, tênis piratas, e saio vendendo. Mas não; o Estado monta uma feira popular, com qualquer nome, e dá uma concessão para os ambulantes explorarem dentro dessas feiras, e o comerciante lá dentro pratica pirataria sem nenhum problema. Daí a omissão. O dever do Estado é mais latente. Ele tem o dever de fiscalizar a concessão se a está dando. Se há atividade regular dentro da concessão, ele é corresponsável por omissão.

E, ao flagrar, fazer o quê? Deixar terminar de vender aquele lote de CDs ou DVDs, para aí só então bloquear a remessa de novos pacotes para dentro da feira? Não mesmo. Mas é difícil visualizar o dano transindividual nisso. A pirataria dos CDs é um caos, e não conseguimos identificar um dano metaindividual. É uma conduta ilícita, penalmente falando. E é também um ilícito civil. Mas o dano civil extrapolaria o campo da individualidade? Dificilmente seria possível provar. Por isso a dificuldade em ajuizar ação civil pública com essa causa de pedir. A mesma dificuldade se tem na pirataria de bolsas. Mas tênis e calçados: determinado fabricante vai lançar um calçado novo, e um pirata nota a novidade e copia o sapato, lançando com sua marca produto semelhante. Há algum tempo saiu a notícia: uma sandália da Grendene foi vítima da pirataria. Uma empresa do gama acabou copiando sua invenção.

Tem omissão do Estado? Difícil provar. O que se poderia é fazer uma análise bem mais ampla, até quase filosófica, e fundamentar a omissão do Estado, daí incluí-lo no polo passivo de uma ação civil pública, com base no dano causado ao indivíduo por sua omissão vista no geral. O Estado que não trabalha não possui instituições funcionando, e nós, indivíduos, não queremos viver num Estado que, apesar de cobrar impostos, tem instituições que não trabalham.

A Administração Pública concede autorização para alguém implantar stands em feiras e não fiscaliza. Numa ação civil pública para coibir a pirataria, pode-se nominar como réus os piratas e o Estado. Este porque não exerce o dever que é dele, ou seja, deixa de agir, e pratica o ato por omissão, com responsabilidade solidária e regressiva.

Há também a responsabilidade subsidiária. Na subsidiária, há uma verticalização. Ajuízo contra todos, mas ao exigir o cumprimento da obrigação, exijo de um, se não cumprir vou para o segundo, e assim sucessivamente.

No caso das ações civis públicas, essa responsabilização é solidária. No Direito do Consumidor ajuizamos contra o distribuidor, o produtor e o vendedor. É uma responsabilidade regressiva no sentido de que, ainda que eu escolha um para responder, ele poderá se voltar contra o efetivo causador do dano.

Exemplo: empresa de energia, como a CEB. Ela terceiriza mão-de-obra para a atividade de fiscalização para uma outra empresa que ela contrata, que, por sua vez, manda nas residências fiscais para fazerem a leitura dos relógios. Numa rua, um desses fiscais terceirizados nota um gato. Ele faz seu trabalho, desligando a energia da casa que estava furtando energia. Alguém termina morto por ter sido a energia desligada. A família da vítima ajuíza ação trabalhista contra a empregadora terceirizada, e subsidiariamente contra a tomadora do serviço, a CEB. Causa de pedir: acidente de trabalho. É meio absurdo, mas, em tese, o professor pode demandar contra a instituição por ser insultado por um aluno fora do expediente.

Em ação civil pública, a grande dificuldade está na delimitação dos legitimados passivos. Por quê? Preciso demonstrar que uma determinada pessoa causa o dano para colocá-la dentro da ação no polo passivo. Na maior parte dos casos isso é extremamente complexo. Na Feira do Paraguai, por exemplo, como apontar os causadores?

Se houver poluição no Lago Paranoá, nas áreas impróprias para banho, não por causa de jacarés, mas por haver coisas, impronunciáveis por ali. Se você for nadar, você vai esbarrar numa fralda, numa bota, num pneu de carro, numa lata de molho de tomate. Quem são os poluidores? Se não sabe dizer quem são, imagine então o caso do Rio Tietê. Temos critérios: danos ambientais, e danos aos consumidores. Fabricante, poluidor, distribuidor, e deixe que se virem entre si para definir de quem é a responsabilidade e, eventualmente, estabeleçam as responsabilidades de modo equitativo. Mas posso, como autor, processar a todos.

Houve um caso real em que um terreno no Lago Norte fora posto à venda por conta de uma execução em ação trabalhista. O arrematante, depois de adquirir a propriedade do terreno, montou ali seu empreendimento. Pouco depois recebe uma notificação da Agefis para cortar o matagal alto do terreno, o que incluiria algumas árvores e plantas da região. Mas você faz o que o fiscal mandou, imediatamente, e recebe uma visitinha do representante do IBAMA por ter feito isso. O IBAMA contata o Ministério Público, que ajuíza, contra o agora proprietário, uma ação civil pública fundada na destruição do meio-ambiente. Situação complicada, porque o dono do terreno é solidário em relação à obrigação de preservar o patrimônio.

Depois da prova vamos ver o inquérito civil público.