Quando
falamos em class actions, ou ações
de classe, numa
tradução ao pé da letra, nos referimos a uma ação específica do Direito
americano, que lá se origina, ganha correspondentes em outros países do
mundo
ocidental, e no Brasil serve como fonte de inspiração das ações civis
públicas
e ações coletivas.
Na
definição do termo
jurídico norte-americano, a ação de classe é uma ação movida por
indivíduos que
representam uma determinada classe, contra determinada pessoa ou grupo
por
danos inerentes a todos esses indivíduos.
É
a forma de processo
judicial pela qual, havendo um grande grupo de indivíduos interessados
em uma
questão jurídica, um ou mais indivíduos decidem acionar ou serem
acionados como
representantes da classe como um todo, sem que seja necessário se
chamar ao
processo todos os membros da classe.
Essa
ação é movida ou nas
cortes estaduais ou nas cortes federais norte-americanas. Tem servido
de
instrumento de pressão, tendo vantagens e desvantagens que vamos ver.
Ao invés
de litigar isoladamente contra dois autores, o indivíduo demandado se
vê na
mesma situação jurídica cuja discussão já começou, e avoca para si a
chamada
ação de classe.
Para
entender, temos que
entender o sistema judiciário americano. É um tanto quanto distinto do
nosso.
Aqui, como os juízes são apontados? Os magistrados assumem seus cargos
por
concurso, ou quinto constitucional, ou promoção. São magistrados de
carreira,
promovidos ou por antiguidade ou merecimento, ou pela parcela do quinto
constitucional. Um juiz de primeira instância é necessariamente
concursado. A
semelhança está no Supremo Tribunal Federal daqui, que é igual à
Suprema Corte
de lá, com os membros apontados pelo Presidente. Não existe nada
parecido com o
Superior Tribunal de Justiça lá. Nos Estados Unidos, alguns magistrados
são
investidos por nomeação, outros por eleição. Ele é eleito por mandato,
de quatro,
cinco ou seis anos como juiz de determinada região. Às vezes sequer
precisa ser
bacharel em Direito, pode ser até médico.
Se
tivermos a
oportunidade de ir aos Estados Unidos, podemos encontrar em algumas
televisões
programas do tipo “a Corte em sua casa”. Não é a TV Justiça
propriamente dita, pois
lá não há julgamentos televisionados. Mas são juízes eleitos que fazem,
de um
estúdio de TV, um tribunal. Produzem os casos e apresentam num
programa.
Requisitos: para que tenhamos uma class
action formada nos Estados Unidos, temos que demonstrar uma
quantidade inúmera
de pessoas atingidas por aqueles atos, de modo que trazer todas à lide
na
qualidade se litisconsortes seja inviável. A ação deve ser transformada
numa
ação de classe porque representa-se a situação de milhares de pessoas.
Esse é o
primeiro requisito. O segundo requisito é que a pessoa nominada como
representante da classe deve demonstrar ter capacidade para representar
a
classe como um todo. Não basta querer representar. Terceiro é que todas
as
pessoas ali representadas têm que estar unidas por uma relação comum.
Isso
parece óbvio, mas nem sempre: o que se necessita é que tenham bases
fáticas e
fundamentos jurídicos parecidos. Por fim, requer-se que a ação seja
declarada
como de classe por um magistrado. A ação é individual, e pede-se
posteriormente
que seja declarada como sendo uma ação de classe. O juiz avalia se ela
tem
condições de ser elevada à condição de ação de classe. Quer para o lado
dos
réus quanto dos autores. A decisão deve beneficiar os litigantes.
Os
réus mesmo também
podem não querer litigar individualmente. Imaginem a seguinte situação:
compramos uma passagem Brasília-Ribeirão e o voo é cancelado. Vamos de
ônibus
então, mas este é assaltado. Chegamos vivos a Ribeirão. Isso gera danos
morais.
De quanto? Um policial civil que estava nessa viagem faturou R$ 5 mil
em danos
morais. Compensou enviar o sujeito de ônibus? Sim, pois esse valor não
é
suficientemente pedagógico para a companhia aérea. Pela ótica do lucro,
compensa
operar até o limite.
Nos
Estados Unidos não
funciona assim. Eles têm dois tipos de danos: compensatórios
e punitivos.
Naquele país, os juízes normalmente não são piedosos com as
indenizações. Os
danos punitivos servem para punir o infrator para que nunca mais repita
o ato
ilícito. Há exemplos que vemos, alguns mundialmente conhecidos, como o
caso da Senhora
Stella Lieback (1992), que inclusive deu origem ao Stella Awards.
Stella, então
com 79 anos, compareceu ao drive-thru de uma lanchonete do McDonalds,
sentada
no banco do passageiro, enquanto seu neto dirigia o carro. Ela pediu um
cafezinho de US$ 0,49, e, em seguida, pediu para o neto estacionar
enquanto ela
punha o chantilly. Aparentemente não lhe foi dado aquele suporte de
papelão das
bebidas, então ela teve que levar na mão, depois pondo entre os joelhos
enquanto se preparava para misturar o creme. Mas, quando foi remover a tampa, derramou
tudo
sobre a perna. Ela usava uma calça de algodão que, primeiramente
absorvendo o
café, fez com o líquido quente ficasse pressionado à sua pele durante
vários
segundos, causando queimaduras de terceiro grau. Ela ficou oito dias no
hospital fazendo enxerto de pele, quando emagreceu até os 38 kg. O júri
desconsiderou o aviso no recipiente, porque entendeu que era
insuficiente. Tudo
isso foi levado em consideração para a indenização de US$ 160 mil em
danos
compensatórios e mais uma quantia de US$ 2,7 milhões em danos
punitivos, que
depois veio a ser minorada para US$ 480 mil pelo juiz. Ambas as partes
apelaram
e chegaram a um acordo próximo de US$ 600 mil.
Nós
aqui no Brasil temos outra
cultura, infelizmente.
Imaginem
a indústria do
tabaco. É um caso real. Durante várias décadas, fumava-se que era
considerado
lindo. Até fizeram aqui no Brasil a propaganda que deu origem ao termo
“Lei de Gerson”,
que passou a significar “levar vantagem em tudo”. A indústria dizia que
fumar
era legal, de alta classe, de status
social. Estouraram ações individuais nos EUA contra a Philip Morris,
alegando
que a indústria sabia que fazia mal. Incentivava a fumar sem alertar
dos males.
O que fazer? A própria indústria tabagista pediu que essas ações fossem
transformadas
em uma única ação de classe, para limitar os danos. Serão condenadas a
pagar
uma quantia difusa, a ser rateada depois entre os que provarem ter
sofrido
danos. Daí passa a estudar a ação coletiva como forma de aperfeiçoar o
processo
e amenizar os danos. Prefere responder a uma ação de classe, que pode
terminar
em acordo, do que várias ações individuais.
Então,
quando imaginamos
a ação de classe, olhando para seus requisitos, temos que ter representatividade, fato conjunto, número indeterminado de pessoas que
sejam atingidas, e temos que ter a declaração
pelo juiz que tal ação é de classe. Juiz esse que depende de
uma eleição ou
pretende uma reeleição. Depende de votos. Esse sujeito, por vezes,
interpreta
os três primeiros requisitos à luz de seus interesses próprios. Daqui
vislumbramos a primeira desvantagem do instituto.
As
ações de classe são
usadas, também, para vedar as ações individuais. Todas têm objetivo
financeiro,
e envolvem muito dinheiro. Outro objeto de uma class
action foram as receitas de judeus em bancos suíços, quando
algum fenômeno econômico pós-segunda guerra causou muitas perdas.
Exemplos de class actions:
Alperin v. Vatican Bank – Causa petendi:
"conversão, enriquecimento sem justa causa, restituição, direito a
abrir uma conta e à contabilidade, violação de direitos humanos e
violações de direito internacional" Conant v. McCaffrey - Direito de prescrever maconha como medicamento Daniels v. City of New York - Seleção racial Doe v. Chiquita Brands International - Financiamento e armamento de organizações terroristas conhecidas Dukes v. Wal-Mart Stores - Práticas discriminatórias contra as mulheres em relação a promoções, pagamentos e tarefas no local de trabalho EEOC (Janice Smith) v. Wal-Mart Stores - Contratações baseadas em gênero GM Instrument Cluster Settlement - Proprietários de veículos com instrumentos no painel inoperantes/defeituosos buscam "garantia especial" Heptig v. AT&T - Monitoramento em telecomunicações James v. Meow Media - Responsabilidade de videogames por assassinatos Jenson v. Eveleth Taconite Co. - Assédio sexual, linguagem inadequada, ameaças e intimidação Luévano v. Campbell - Critérios raciais em testes para emprego Mauldin v. Wal-Mart Sotres - Planos de saúde não cobrem contraceptivos prescritos National Federation of the Blind v. Target Corporation - Acessibilidade a comércio eletrônico em site Pigford v. Glickman - Discriminação racial e sua aplicação em empréstimos e assistência Shell Canada Lawsuit - Aditivos na gasolina que podem danificar o sistema de combustível de carros Smiley v. Citibank - Limitação às taaxs de mora em cartões de crédito e outras penalidades Vroegh v. Eastman Kodak Company - Propaganda enganosa, práticas comerciais abusivas e injustas World Jewish Congress law agains Swiss banks - Reativação de depósitos existentes em contas correntes adormecidas |
As
ações coletivas também
produzem, como efeito, a mudança de comportamento do infrator. Se a
empresa
aérea cancelar um voo e pagar R$ 1.000,00 para o passageiro que ajuizar
a ação,
ela continuará cancelando voos. O efeito da class
action, então, é que o réu que causa danos individuais que
resultam em
indenizações pouco vultosas passará a efetivamente reparar os danos
causados.
Todas as vítimas podem receber indenização com os recursos alocados
Desvantagens: pode frustrar a expectativa
dos membros. Além disso, o instituto
pode ser abusado. Terceiro, os valores de honorários advocatícios são
arbitrados lá no alto. E, como várias vezes terminam em acordo, o
instrumento
lavrado termos incompreensíveis que muitas vezes deixam os membros de
uma
classe sem saber precisamente como se portar, o que foi decidido, o que
foi
liberado, o que ficou restrito. Exemplo: Google
Books case. E, nas ações de classe, honorários advocatícios
podem ser
encontrados na casa das centenas de milhões de dólares. Já houve fraude
em que
um escritório captava pessoas para integrar uma ação ficta, pedindo-as
que se
portassem como supostos membros de um grupo que foi lesado pelo réu.
Imagine no Brasil!