Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

terça-feira, 16 de agosto de 2011

As ações de classe do Direito Americano


Vamos tratar hoje das chamadas ações de classe, que são uma espécie de defesa dos direitos metaindividuais. Constituem um tipo de procedimento adotado no sistema americano, que servirá de fonte de inspiração para as ações coletivas e ações civis públicas no Brasil.

Quando falamos em class actions, ou ações de classe, numa tradução ao pé da letra, nos referimos a uma ação específica do Direito americano, que lá se origina, ganha correspondentes em outros países do mundo ocidental, e no Brasil serve como fonte de inspiração das ações civis públicas e ações coletivas.

Na definição do termo jurídico norte-americano, a ação de classe é uma ação movida por indivíduos que representam uma determinada classe, contra determinada pessoa ou grupo por danos inerentes a todos esses indivíduos.

É a forma de processo judicial pela qual, havendo um grande grupo de indivíduos interessados em uma questão jurídica, um ou mais indivíduos decidem acionar ou serem acionados como representantes da classe como um todo, sem que seja necessário se chamar ao processo todos os membros da classe.

Essa ação é movida ou nas cortes estaduais ou nas cortes federais norte-americanas. Tem servido de instrumento de pressão, tendo vantagens e desvantagens que vamos ver. Ao invés de litigar isoladamente contra dois autores, o indivíduo demandado se vê na mesma situação jurídica cuja discussão já começou, e avoca para si a chamada ação de classe.

Para entender, temos que entender o sistema judiciário americano. É um tanto quanto distinto do nosso. Aqui, como os juízes são apontados? Os magistrados assumem seus cargos por concurso, ou quinto constitucional, ou promoção. São magistrados de carreira, promovidos ou por antiguidade ou merecimento, ou pela parcela do quinto constitucional. Um juiz de primeira instância é necessariamente concursado. A semelhança está no Supremo Tribunal Federal daqui, que é igual à Suprema Corte de lá, com os membros apontados pelo Presidente. Não existe nada parecido com o Superior Tribunal de Justiça lá. Nos Estados Unidos, alguns magistrados são investidos por nomeação, outros por eleição. Ele é eleito por mandato, de quatro, cinco ou seis anos como juiz de determinada região. Às vezes sequer precisa ser bacharel em Direito, pode ser até médico.

Se tivermos a oportunidade de ir aos Estados Unidos, podemos encontrar em algumas televisões programas do tipo “a Corte em sua casa”. Não é a TV Justiça propriamente dita, pois lá não há julgamentos televisionados. Mas são juízes eleitos que fazem, de um estúdio de TV, um tribunal. Produzem os casos e apresentam num programa.

Requisitos: para que tenhamos uma class action formada nos Estados Unidos, temos que demonstrar uma quantidade inúmera de pessoas atingidas por aqueles atos, de modo que trazer todas à lide na qualidade se litisconsortes seja inviável. A ação deve ser transformada numa ação de classe porque representa-se a situação de milhares de pessoas. Esse é o primeiro requisito. O segundo requisito é que a pessoa nominada como representante da classe deve demonstrar ter capacidade para representar a classe como um todo. Não basta querer representar. Terceiro é que todas as pessoas ali representadas têm que estar unidas por uma relação comum. Isso parece óbvio, mas nem sempre: o que se necessita é que tenham bases fáticas e fundamentos jurídicos parecidos. Por fim, requer-se que a ação seja declarada como de classe por um magistrado. A ação é individual, e pede-se posteriormente que seja declarada como sendo uma ação de classe. O juiz avalia se ela tem condições de ser elevada à condição de ação de classe. Quer para o lado dos réus quanto dos autores. A decisão deve beneficiar os litigantes.

Os réus mesmo também podem não querer litigar individualmente. Imaginem a seguinte situação: compramos uma passagem Brasília-Ribeirão e o voo é cancelado. Vamos de ônibus então, mas este é assaltado. Chegamos vivos a Ribeirão. Isso gera danos morais. De quanto? Um policial civil que estava nessa viagem faturou R$ 5 mil em danos morais. Compensou enviar o sujeito de ônibus? Sim, pois esse valor não é suficientemente pedagógico para a companhia aérea. Pela ótica do lucro, compensa operar até o limite.

Nos Estados Unidos não funciona assim. Eles têm dois tipos de danos: compensatórios e punitivos. Naquele país, os juízes normalmente não são piedosos com as indenizações. Os danos punitivos servem para punir o infrator para que nunca mais repita o ato ilícito. Há exemplos que vemos, alguns mundialmente conhecidos, como o caso da Senhora Stella Lieback (1992), que inclusive deu origem ao Stella Awards. Stella, então com 79 anos, compareceu ao drive-thru de uma lanchonete do McDonalds, sentada no banco do passageiro, enquanto seu neto dirigia o carro. Ela pediu um cafezinho de US$ 0,49, e, em seguida, pediu para o neto estacionar enquanto ela punha o chantilly. Aparentemente não lhe foi dado aquele suporte de papelão das bebidas, então ela teve que levar na mão, depois pondo entre os joelhos enquanto se preparava para misturar o creme. Mas, quando foi remover a tampa, derramou tudo sobre a perna. Ela usava uma calça de algodão que, primeiramente absorvendo o café, fez com o líquido quente ficasse pressionado à sua pele durante vários segundos, causando queimaduras de terceiro grau. Ela ficou oito dias no hospital fazendo enxerto de pele, quando emagreceu até os 38 kg. O júri desconsiderou o aviso no recipiente, porque entendeu que era insuficiente. Tudo isso foi levado em consideração para a indenização de US$ 160 mil em danos compensatórios e mais uma quantia de US$ 2,7 milhões em danos punitivos, que depois veio a ser minorada para US$ 480 mil pelo juiz. Ambas as partes apelaram e chegaram a um acordo próximo de US$ 600 mil.

Nós aqui no Brasil temos outra cultura, infelizmente.

Imaginem a indústria do tabaco. É um caso real. Durante várias décadas, fumava-se que era considerado lindo. Até fizeram aqui no Brasil a propaganda que deu origem ao termo “Lei de Gerson”, que passou a significar “levar vantagem em tudo”. A indústria dizia que fumar era legal, de alta classe, de status social. Estouraram ações individuais nos EUA contra a Philip Morris, alegando que a indústria sabia que fazia mal. Incentivava a fumar sem alertar dos males. O que fazer? A própria indústria tabagista pediu que essas ações fossem transformadas em uma única ação de classe, para limitar os danos. Serão condenadas a pagar uma quantia difusa, a ser rateada depois entre os que provarem ter sofrido danos. Daí passa a estudar a ação coletiva como forma de aperfeiçoar o processo e amenizar os danos. Prefere responder a uma ação de classe, que pode terminar em acordo, do que várias ações individuais.

Então, quando imaginamos a ação de classe, olhando para seus requisitos, temos que ter representatividade, fato conjunto, número indeterminado de pessoas que sejam atingidas, e temos que ter a declaração pelo juiz que tal ação é de classe. Juiz esse que depende de uma eleição ou pretende uma reeleição. Depende de votos. Esse sujeito, por vezes, interpreta os três primeiros requisitos à luz de seus interesses próprios. Daqui vislumbramos a primeira desvantagem do instituto.

As ações de classe são usadas, também, para vedar as ações individuais. Todas têm objetivo financeiro, e envolvem muito dinheiro. Outro objeto de uma class action foram as receitas de judeus em bancos suíços, quando algum fenômeno econômico pós-segunda guerra causou muitas perdas.

Exemplos de class actions:

Alperin v. Vatican Bank – Causa petendi: "conversão, enriquecimento sem justa causa, restituição, direito a abrir uma conta e à contabilidade, violação de direitos humanos e violações de direito internacional"
Conant v. McCaffrey - Direito de prescrever maconha como medicamento
Daniels v. City of New York - Seleção racial
Doe v. Chiquita Brands International - Financiamento e armamento de organizações terroristas conhecidas
Dukes v. Wal-Mart Stores - Práticas discriminatórias contra as mulheres em relação a promoções, pagamentos e tarefas no local de trabalho
EEOC (Janice Smith) v. Wal-Mart Stores - Contratações baseadas em gênero
GM Instrument Cluster Settlement - Proprietários de veículos com instrumentos no painel inoperantes/defeituosos buscam "garantia especial"
Heptig v. AT&T - Monitoramento em telecomunicações
James v. Meow Media - Responsabilidade de videogames por assassinatos
Jenson v. Eveleth Taconite Co. - Assédio sexual, linguagem inadequada, ameaças e intimidação
Luévano v. Campbell - Critérios raciais em testes para emprego
Mauldin v. Wal-Mart Sotres - Planos de saúde não cobrem contraceptivos prescritos
National Federation of the Blind v. Target Corporation - Acessibilidade a comércio eletrônico em site
Pigford v. Glickman - Discriminação racial e sua aplicação em empréstimos e assistência
Shell Canada Lawsuit - Aditivos na gasolina que podem danificar o sistema de combustível de carros
Smiley v. Citibank - Limitação às taaxs de mora em cartões de crédito e outras penalidades
Vroegh v. Eastman Kodak Company - Propaganda enganosa, práticas comerciais abusivas e injustas
World Jewish Congress law agains Swiss banks - Reativação de depósitos existentes em contas correntes adormecidas

Vantagens: primeiro, a eficiência do processo. Litigar lá é caro, então reduzem-se os custos. Honorários advocatícios básicos para um advogado recém-formado chegam a 400 dólares por hora. Além da padronização de decisões.

As ações coletivas também produzem, como efeito, a mudança de comportamento do infrator. Se a empresa aérea cancelar um voo e pagar R$ 1.000,00 para o passageiro que ajuizar a ação, ela continuará cancelando voos. O efeito da class action, então, é que o réu que causa danos individuais que resultam em indenizações pouco vultosas passará a efetivamente reparar os danos causados. Todas as vítimas podem receber indenização com os recursos alocados

Desvantagens: pode frustrar a expectativa dos membros. Além disso, o instituto pode ser abusado. Terceiro, os valores de honorários advocatícios são arbitrados lá no alto. E, como várias vezes terminam em acordo, o instrumento lavrado termos incompreensíveis que muitas vezes deixam os membros de uma classe sem saber precisamente como se portar, o que foi decidido, o que foi liberado, o que ficou restrito. Exemplo: Google Books case. E, nas ações de classe, honorários advocatícios podem ser encontrados na casa das centenas de milhões de dólares. Já houve fraude em que um escritório captava pessoas para integrar uma ação ficta, pedindo-as que se portassem como supostos membros de um grupo que foi lesado pelo réu.

Imagine no Brasil!