Quando
vamos falar em
ação civil pública, de direito coletivos, é imprescindível que
analisemos a
proteção de modo mais eficaz. A eficácia, em termos jurídicos, está
relacionada
ao que deveria ser considerado como aquilo que melhor se obtém por
menor esforço.
Mas não existe proveito sem esforço. Não existe otimização sem um
mínimo de
esforço. Temos que tentar melhorar as situações, ser eficazes.
Deve-se
realizar o menor
esforço possível para que se tenha a eficácia.
Nesse
sentido que
tentamos imaginar as ferramentas de tutela dos direitos. Qual a melhor
forma de
tutelar direitos metaindividuais com o menor gasto. Claro que pensamos
na
perspectiva econômica das escolhas. Toda escolha gera uma repercussão
em nossa
vida e na dos que nos circundam, inclusive na sociedade. O famoso
efeito
borboleta: o bater da asa de uma borboleta num hemisfério é capaz de
provocar
um tufão no outro. Um simples gesto é capaz de provocar reações em
cadeia.
Aqui
a mesma coisa. As
escolhas que se fazem podem provocar reações em cadeia. E aqui temos,
em nosso
ordenamento jurídico, o fenômeno de uma crise. Vivemos uma crise, uma
crise
processual. Não é de hoje, e não se remedia em pouco tempo; é uma crise
caracterizada
por um volume monstruoso de processos sendo ajuizados. Não encontram
saída na
mesma proporção em que entram. As ações ajuizadas não estão em mesmo
número
sendo julgadas. Para saber isso, é só consultar a “justiça em números”
do CNJ.
Temos
um problema grave
em tratar dos direitos metaindividuais dentro dessa ótica. Se
pudéssemos,
talvez a solução fosse criar ferramentas mais amplas. Não sabemos se
irá
resolver. Ações coletivas são o resultado e podem melhorar isso. É
verdade? Não
sabemos ainda. Não estamos maduros no que tange às ações coletivas.
Pode ser
que resolvam ou não. Se não tivermos a realização eficaz, pode ser que
criemos
outro monstro.
Enfim,
vamos passar a
entender um pouco os direitos metaindividuais, que são os que as ações
coletivas visam a tutelar. Temos o campo da metaindividualidade, o que
transcende
o direito do indivíduo. Não é um direito em que possamos dizer “você
tem
direito a isso”. A espécie dos direitos transindividuais não
representa, em si,
nenhum direito, mas o campo de abrangência dos direitos. Tenho um
direito X,
que posso enxergar nele uma característica de metaindividualidade. Por
quê?
Numa determinada situação, aquele dano atinge a um número indeterminado
de
pessoas. Não podemos dizer que “o cidadão tem o direito
metaindividual”. A
metaindividualidade se refere meramente à abrangência.
Então
dividimos dos
direitos metaindividuais (ou transindividuais) em difusos, coletivos e
individuais homogêneos. No difuso, temos a abrangência como sendo a
pessoas
indeterminadas, a situação jurídica atinge a um número indeterminado de
indivíduos, daí chamado difuso; nos direitos coletivos, não se
determina o
indivíduo, mas a categoria de indivíduos atingidos pelo ato
prejudicial; nos
individuais homogêneos, o direito seria em tese individual, mas podemos
fazer a
transposição para a metaindividualidade, dizendo que, em tese, não se
consegue
determinar os ofendidos num primeiro instante, mas determinamos no
segundo
instante. Nos difusos, não determinamos nunca quem são os indivíduos.
Na
tutela dos direitos
coletivos, há um grupo específico. Na dos individuais homogêneos, é um
tão
específico que pode chegar à individualidade.
Exemplos:
lesa direitos difuso
quem pratica dano ao meio-ambiente, poluição lançada no ar. Qualquer
pessoa, em
tese, sofre o dano. Coletivo, por outro lado, será o direito ameaçado
ou lesado
pela a polução produzida e confinada dentro da área de uma metalúrgica.
Temos
uma indústria empregando trabalhadores sem EPI, e ali há calor, ruídos,
poeira
e fumo, e os atingidos são os empregados. Só eles? Não. Os
ex-empregados e os
futuros também. Não determinamos as pessoas, mas a categoria:
“empregados da
metalúrgica Y”. Na observação do direito individual homogêneo, por sua
vez,
poderíamos ter um único indivíduo como ofendido, mas optamos por
abranger toda
a categoria da qual o sujeito faz parte. Exemplo: indivíduos que
celebram contrato
de compra e venda de um carro com uma concessionária, em que se prevê a
cláusula abusiva de vinculação do valor da prestação ao IPI, quando
esse fato
do príncipe que elevou o tributo ocorreu posteriormente à contratação.
E
o recall? Não é direito
difuso. É coletivo? Também não. Então é individual homogêneo. Isso
porque o
fabricante do carro defeituoso sabe qual o intervalo de números de
chassi que
foi afetado, então faz a convocação. Num primeiro momento, ninguém sabe
quem
foi atingido; num segundo, basta apresentar-se como consumidor daquele
intervalo de chassis.
Uma
ação baseada num direito
individual homogêneo pode ser resolvida com alguma rapidez, mas tem um
problema: tem uma fase de liquidação extremamente complexa. Imagine ter
que
arrecadar inúmeras pessoas vítimas para que tenham seus direitos
reconhecidos,
e então obterem as indenizações. A fase de liquidação e execução dessa
ação é
muito mais complicada do que podemos imaginar. Ao passo que uma ação
mandamental é executada e acaba, se resolve lá; a liquidação pode não
ter fim.
Pensando
nos direitos de
terceira, quarta e quinta geração, buscou-se um instrumento que pudesse
permitir não só seu reconhecimento, mas sua tutela, sua garantia. No
Direito
Brasileiro, olhamos para o Direito dos Estados Unidos, e nele vimos as ações de classe. São de vez em quando
questionadas,
nem sempre se apresentam como deveriam ser, são objeto de fraude, mas
têm tido
efeito, inclusive para minimizar ou impedir danos futuros. São ações
basicamente coletivas, em que uma pessoa pode representar a
coletividade, desde
que 1) comprove sua condição de representante e 2) que o número de
pessoas
atingidas é grande. As ações têm resultado quando julgadas a favor da
parte em
condenações depois das quais o suposto violador pensará duas vezes
antes de
praticar aquele ato novamente.
Inspirados
nas ações de
classe, criamos as ações civis públicas. Instrumento de tutela dos
direitos
metaindividuais. Isso na década de 80.
Naquela
época o uso das
ações civis públicas ficava muito limitada ao meio-ambiente e outras
poucas
coisas. Com a Constituição de 1988, aumentamos o leque e acrescentamos
outras
coisas. Potpourri de novas concepções, direitos de minorias. Daí
Estatuto da
Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, e N outras normas que se
enquadram
nos direitos de terceira e quarta geração. São mais metaindividuais do
que
individuais propriamente ditas. Hoje um cidadão de Salvador resolveu
escrever para
o jornalista e comentarista Ricardo Boechat, da Band. O homem foi para
o
Juizado Especial de Trânsito, onde havia uma fila desanimadora, junto
com sua esposa,
que tinha um problema, e perguntou onde pegava a senha. A serventuária
disse
que não havia senha, e que ele deveria observar quem é o último da
fila. Mas a
esposa dele tinha preferência em razão da deficiência física, daí o
direito de
preferência. E alegou que era garantido por lei federal. “Se é lei
federal, vá falar
com a juíza.” Foi a resposta da serventuária. A juíza disse que tinham
um
servidor, e que então aquele casal não poderia ser atendido
prioritariamente. Estamos,
de certa forma, estabelecendo direitos para minorias. Seja pessoa
idosa,
gestante, portadora de deficiência. E outras. E também quanto à questão
do
sistema de cotas nas universidades, cotas de todos os tipos. Tem-se que
resolver os problemas de origem social no Brasil? É uma longa
discussão.
E
veio a Lei de Ação
Civil Pública (Lei 7347/85), para defender os direitos. A partir de 88
as novas
dimensões foram mais discutidas. Em 90 tivemos o Código de Defesa do
Consumidor
e logo depois o Estatuto da Criança e do Adolescente. E, com isso,
focamos o
arcabouço das ações coletivas.
As
ações civis públicas têm
como foco a defesa dos interesses metaindividuais. O Código de Defesa
do
Consumidor disse que seriam ações coletivas, e definiu quais eram os
direitos
metaindividuais. Como poderiam ser trabalhados? Chegou o momento em que
acabamos de combinar o Código de Defesa do Consumidor com a Lei de Ação
Civil
Pública para dar a legitimação nas
ações. Legitimação, ou seja, quem tem o interesse extraordinário ou
ordinário.
Legitimação ordinária tem a pessoa que sofre o próprio dano. É quem tem
o
direito ameaçado. Extraordinária é a legitimação ficta, que decorre da
lei. E a
legitimidade é consequência das duas
legitimações. Quem é legítimo para propor ação civil pública, e quem é
ilegítimo para propor ação coletiva. Defensoria Pública, empresas
públicas,
Ministério Público, e entes privados. Qualquer ente privado? Não. A
pessoa
física não tem legitimidade. A pessoa jurídica pode ter. Associação,
sindicato,
entes de representação de grupos, não empresas. Empresas não têm
legitimidade
para propor ação civil pública. E nem todas as pessoas jurídicas têm
legitimidade. As que têm, como as associações, os sindicatos, e também
o
partido político, desde que 1) esteja constituído há mais de um ano, 2)
tenha
representação adequada e 3) tenha pertinência temática. O primeiro
requisito é
o mais fácil. Na segunda, temos que saber quem são os associados. Na
pertinência temática, temos que olhar para o objeto social e ver se se
coaduna
com o objeto da própria ação coletiva que se está ajuizando.
Por
isso que, em regra, a
pessoa física não será legitimada para o ajuizamento da ação civil
pública ou
ação coletiva. Mas esta é uma afirmação pontual, que tem uma exceção.
Quando a
ação civil pública ou ação coletiva tiver o mesmo
objeto de uma ação popular, então o cidadão que pode ajuizar
a ação popular
poderá ser litisconsorte na ação civil pública. Ele não poderá ajuizar
a ação
civil pública sozinho; ele tem a ação popular. Mas em litisconsórcio
com
qualquer outro dos colegitimados para a ACP ele poderá ajuizá-la. É a
única
exceção. Podemos ter litisconsorte entre os colegitimados, de modo a
otimizar a
própria ação civil pública.
O
Ministério Público, figura
obrigatória nessas ações, está sempre presente, ou como parte ou como
fiscal da
lei. Ou ele age como autor, e, para isso, ele estará obrigado a
entender que há
violação ao direito que se caracteriza como metaindividual, caso em que
o MP é
o único legitimado de modo geral; só não será legitimado para ação
civil
pública ou ação coletiva quando o réu conseguir demonstrar que não há o
direito
metaindividual em jogo; nisso há carência de ação. De outra forma ele
será
legítimo.
E,
se o MP enxerga ali
uma violação a direito, então, por dever legal, ele está obrigado a
ajuizar a
ação. O campo em que não atuará é aquele em que ele não enxergar a
violação. Se
acreditar que não há violação a direito, ele não será obrigado a
ajuizar a ação
civil pública. Porém, uma vez ajuizada, o Ministério Público dela não
poderá
sair. Pode até reconhecer a procedência ou improcedência do pedido, mas
desistir
dela jamais. Ele está vinculado.
Da
mesma forma quando
atua como fiscal da lei. Mas, neste caso, ele é menos atuante. Pode até
nem se
manifestar. Mas, se se manifestar favoravelmente à procedência, isso
quer dizer
que, se o autor desistir, o Ministério Público assumirá a titularidade
da ação
civil pública, porque já se manifestou no sentido de que há a violação
ao
direito. Assume o papel de autor, portanto. E passa a estar vinculado.
Daí
temos que observar os princípios 1) da obrigatoriedade, 2) da
indisponibilidade
e 3) da discricionariedade vinculada. O Ministério Público está preso
às
amarras.
Os
outros colegitimados não.
E
quem pode ser réu da
ação civil pública ou ação coletiva? Qualquer um! Qualquer pessoa pode
ser ré
na ação civil pública, inclusive o Estado. Mas devemos colocar numa
posição
correta: ou é réu por ação ou por omissão. Deve-se demonstrar o motivo.
O
Estado não poderá ser réu sem motivo.
Qual
a dificuldade?
Primeiro, identificar o direito na espécie. Segundo é demonstrar que o
direito
ultrapassa o campo da individualidade, passando a ser metaindividual.
E, aqui, encontramos
argumentos consistentes para que a ação seja julgada procedente. Se o
direito
não é metaindividual, não há legitimidade. A ação deverá ser extinta
sem
resolução do mérito. Mesmo que só lá na frente. O juízo saneador não
julga as
preliminares, e empurra para a sentença, provavelmente porque não fica
demonstrada, desde já, a falta de objeto ou a ilegitimidade. Às vezes
as
preliminares se confundem com o mérito. Logo, dependerá da dilação
probatória.
O Código de Processo Civil nem sempre é seguido à risca pelo julgador.
Preliminar
de carência de ação, legitimidade ou interesse de agir, o juiz deixa
para o
mérito porque não tem a certeza ainda. É praxe de nosso Judiciário.
Nas
ações coletivas e nas
ações civis públicas, temos a figura do litisconsorte no polo ativo, do
litisconsorte no polo passivo, e também o réu.
Esses
réus, quando temos
litisconsórcio no polo passivo, são solidários entre si. A
responsabilidade dos
réus, quando acionados numa ação coletiva ou civil pública é de
solidariedade
absoluta. Tanto é que eles estão pé de igualdade. Posso executar a
sentença
contra qualquer deles. Se tenho produto defeituoso, me volto contra o
fabricante
e contra as concessionárias, e a execução pode se dar tanto quanto ao
fabricante quanto contra as concessionárias. Escolherei, claro, quem
tem o bolso
apto a satisfazem meu interesse enquanto credor. Com quem posso ser
mais eficaz
e remediar o problema?
Essa foi uma rápida
revisão. Essa foi a sequência lógica da prova.