Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Revisão



Hoje é revisão, amanhã teremos duas ou três questões de provas passadas, para termos ideia de como pensa o professor.

Quando vamos falar em ação civil pública, de direito coletivos, é imprescindível que analisemos a proteção de modo mais eficaz. A eficácia, em termos jurídicos, está relacionada ao que deveria ser considerado como aquilo que melhor se obtém por menor esforço. Mas não existe proveito sem esforço. Não existe otimização sem um mínimo de esforço. Temos que tentar melhorar as situações, ser eficazes.

Deve-se realizar o menor esforço possível para que se tenha a eficácia.

Nesse sentido que tentamos imaginar as ferramentas de tutela dos direitos. Qual a melhor forma de tutelar direitos metaindividuais com o menor gasto. Claro que pensamos na perspectiva econômica das escolhas. Toda escolha gera uma repercussão em nossa vida e na dos que nos circundam, inclusive na sociedade. O famoso efeito borboleta: o bater da asa de uma borboleta num hemisfério é capaz de provocar um tufão no outro. Um simples gesto é capaz de provocar reações em cadeia.

Aqui a mesma coisa. As escolhas que se fazem podem provocar reações em cadeia. E aqui temos, em nosso ordenamento jurídico, o fenômeno de uma crise. Vivemos uma crise, uma crise processual. Não é de hoje, e não se remedia em pouco tempo; é uma crise caracterizada por um volume monstruoso de processos sendo ajuizados. Não encontram saída na mesma proporção em que entram. As ações ajuizadas não estão em mesmo número sendo julgadas. Para saber isso, é só consultar a “justiça em números” do CNJ.

Temos um problema grave em tratar dos direitos metaindividuais dentro dessa ótica. Se pudéssemos, talvez a solução fosse criar ferramentas mais amplas. Não sabemos se irá resolver. Ações coletivas são o resultado e podem melhorar isso. É verdade? Não sabemos ainda. Não estamos maduros no que tange às ações coletivas. Pode ser que resolvam ou não. Se não tivermos a realização eficaz, pode ser que criemos outro monstro.

Enfim, vamos passar a entender um pouco os direitos metaindividuais, que são os que as ações coletivas visam a tutelar. Temos o campo da metaindividualidade, o que transcende o direito do indivíduo. Não é um direito em que possamos dizer “você tem direito a isso”. A espécie dos direitos transindividuais não representa, em si, nenhum direito, mas o campo de abrangência dos direitos. Tenho um direito X, que posso enxergar nele uma característica de metaindividualidade. Por quê? Numa determinada situação, aquele dano atinge a um número indeterminado de pessoas. Não podemos dizer que “o cidadão tem o direito metaindividual”. A metaindividualidade se refere meramente à abrangência.

Então dividimos dos direitos metaindividuais (ou transindividuais) em difusos, coletivos e individuais homogêneos. No difuso, temos a abrangência como sendo a pessoas indeterminadas, a situação jurídica atinge a um número indeterminado de indivíduos, daí chamado difuso; nos direitos coletivos, não se determina o indivíduo, mas a categoria de indivíduos atingidos pelo ato prejudicial; nos individuais homogêneos, o direito seria em tese individual, mas podemos fazer a transposição para a metaindividualidade, dizendo que, em tese, não se consegue determinar os ofendidos num primeiro instante, mas determinamos no segundo instante. Nos difusos, não determinamos nunca quem são os indivíduos.

Na tutela dos direitos coletivos, há um grupo específico. Na dos individuais homogêneos, é um tão específico que pode chegar à individualidade.

Exemplos: lesa direitos difuso quem pratica dano ao meio-ambiente, poluição lançada no ar. Qualquer pessoa, em tese, sofre o dano. Coletivo, por outro lado, será o direito ameaçado ou lesado pela a polução produzida e confinada dentro da área de uma metalúrgica. Temos uma indústria empregando trabalhadores sem EPI, e ali há calor, ruídos, poeira e fumo, e os atingidos são os empregados. Só eles? Não. Os ex-empregados e os futuros também. Não determinamos as pessoas, mas a categoria: “empregados da metalúrgica Y”. Na observação do direito individual homogêneo, por sua vez, poderíamos ter um único indivíduo como ofendido, mas optamos por abranger toda a categoria da qual o sujeito faz parte. Exemplo: indivíduos que celebram contrato de compra e venda de um carro com uma concessionária, em que se prevê a cláusula abusiva de vinculação do valor da prestação ao IPI, quando esse fato do príncipe que elevou o tributo ocorreu posteriormente à contratação.

E o recall? Não é direito difuso. É coletivo? Também não. Então é individual homogêneo. Isso porque o fabricante do carro defeituoso sabe qual o intervalo de números de chassi que foi afetado, então faz a convocação. Num primeiro momento, ninguém sabe quem foi atingido; num segundo, basta apresentar-se como consumidor daquele intervalo de chassis.

Uma ação baseada num direito individual homogêneo pode ser resolvida com alguma rapidez, mas tem um problema: tem uma fase de liquidação extremamente complexa. Imagine ter que arrecadar inúmeras pessoas vítimas para que tenham seus direitos reconhecidos, e então obterem as indenizações. A fase de liquidação e execução dessa ação é muito mais complicada do que podemos imaginar. Ao passo que uma ação mandamental é executada e acaba, se resolve lá; a liquidação pode não ter fim.

Pensando nos direitos de terceira, quarta e quinta geração, buscou-se um instrumento que pudesse permitir não só seu reconhecimento, mas sua tutela, sua garantia. No Direito Brasileiro, olhamos para o Direito dos Estados Unidos, e nele vimos as ações de classe. São de vez em quando questionadas, nem sempre se apresentam como deveriam ser, são objeto de fraude, mas têm tido efeito, inclusive para minimizar ou impedir danos futuros. São ações basicamente coletivas, em que uma pessoa pode representar a coletividade, desde que 1) comprove sua condição de representante e 2) que o número de pessoas atingidas é grande. As ações têm resultado quando julgadas a favor da parte em condenações depois das quais o suposto violador pensará duas vezes antes de praticar aquele ato novamente.

Inspirados nas ações de classe, criamos as ações civis públicas. Instrumento de tutela dos direitos metaindividuais. Isso na década de 80.

Naquela época o uso das ações civis públicas ficava muito limitada ao meio-ambiente e outras poucas coisas. Com a Constituição de 1988, aumentamos o leque e acrescentamos outras coisas. Potpourri de novas concepções, direitos de minorias. Daí Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, e N outras normas que se enquadram nos direitos de terceira e quarta geração. São mais metaindividuais do que individuais propriamente ditas. Hoje um cidadão de Salvador resolveu escrever para o jornalista e comentarista Ricardo Boechat, da Band. O homem foi para o Juizado Especial de Trânsito, onde havia uma fila desanimadora, junto com sua esposa, que tinha um problema, e perguntou onde pegava a senha. A serventuária disse que não havia senha, e que ele deveria observar quem é o último da fila. Mas a esposa dele tinha preferência em razão da deficiência física, daí o direito de preferência. E alegou que era garantido por lei federal. “Se é lei federal, vá falar com a juíza.” Foi a resposta da serventuária. A juíza disse que tinham um servidor, e que então aquele casal não poderia ser atendido prioritariamente. Estamos, de certa forma, estabelecendo direitos para minorias. Seja pessoa idosa, gestante, portadora de deficiência. E outras. E também quanto à questão do sistema de cotas nas universidades, cotas de todos os tipos. Tem-se que resolver os problemas de origem social no Brasil? É uma longa discussão.

E veio a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85), para defender os direitos. A partir de 88 as novas dimensões foram mais discutidas. Em 90 tivemos o Código de Defesa do Consumidor e logo depois o Estatuto da Criança e do Adolescente. E, com isso, focamos o arcabouço das ações coletivas.

As ações civis públicas têm como foco a defesa dos interesses metaindividuais. O Código de Defesa do Consumidor disse que seriam ações coletivas, e definiu quais eram os direitos metaindividuais. Como poderiam ser trabalhados? Chegou o momento em que acabamos de combinar o Código de Defesa do Consumidor com a Lei de Ação Civil Pública para dar a legitimação nas ações. Legitimação, ou seja, quem tem o interesse extraordinário ou ordinário. Legitimação ordinária tem a pessoa que sofre o próprio dano. É quem tem o direito ameaçado. Extraordinária é a legitimação ficta, que decorre da lei. E a legitimidade é consequência das duas legitimações. Quem é legítimo para propor ação civil pública, e quem é ilegítimo para propor ação coletiva. Defensoria Pública, empresas públicas, Ministério Público, e entes privados. Qualquer ente privado? Não. A pessoa física não tem legitimidade. A pessoa jurídica pode ter. Associação, sindicato, entes de representação de grupos, não empresas. Empresas não têm legitimidade para propor ação civil pública. E nem todas as pessoas jurídicas têm legitimidade. As que têm, como as associações, os sindicatos, e também o partido político, desde que 1) esteja constituído há mais de um ano, 2) tenha representação adequada e 3) tenha pertinência temática. O primeiro requisito é o mais fácil. Na segunda, temos que saber quem são os associados. Na pertinência temática, temos que olhar para o objeto social e ver se se coaduna com o objeto da própria ação coletiva que se está ajuizando.

Por isso que, em regra, a pessoa física não será legitimada para o ajuizamento da ação civil pública ou ação coletiva. Mas esta é uma afirmação pontual, que tem uma exceção. Quando a ação civil pública ou ação coletiva tiver o mesmo objeto de uma ação popular, então o cidadão que pode ajuizar a ação popular poderá ser litisconsorte na ação civil pública. Ele não poderá ajuizar a ação civil pública sozinho; ele tem a ação popular. Mas em litisconsórcio com qualquer outro dos colegitimados para a ACP ele poderá ajuizá-la. É a única exceção. Podemos ter litisconsorte entre os colegitimados, de modo a otimizar a própria ação civil pública.

O Ministério Público, figura obrigatória nessas ações, está sempre presente, ou como parte ou como fiscal da lei. Ou ele age como autor, e, para isso, ele estará obrigado a entender que há violação ao direito que se caracteriza como metaindividual, caso em que o MP é o único legitimado de modo geral; só não será legitimado para ação civil pública ou ação coletiva quando o réu conseguir demonstrar que não há o direito metaindividual em jogo; nisso há carência de ação. De outra forma ele será legítimo.

E, se o MP enxerga ali uma violação a direito, então, por dever legal, ele está obrigado a ajuizar a ação. O campo em que não atuará é aquele em que ele não enxergar a violação. Se acreditar que não há violação a direito, ele não será obrigado a ajuizar a ação civil pública. Porém, uma vez ajuizada, o Ministério Público dela não poderá sair. Pode até reconhecer a procedência ou improcedência do pedido, mas desistir dela jamais. Ele está vinculado.

Da mesma forma quando atua como fiscal da lei. Mas, neste caso, ele é menos atuante. Pode até nem se manifestar. Mas, se se manifestar favoravelmente à procedência, isso quer dizer que, se o autor desistir, o Ministério Público assumirá a titularidade da ação civil pública, porque já se manifestou no sentido de que há a violação ao direito. Assume o papel de autor, portanto. E passa a estar vinculado. Daí temos que observar os princípios 1) da obrigatoriedade, 2) da indisponibilidade e 3) da discricionariedade vinculada. O Ministério Público está preso às amarras.

Os outros colegitimados não.

E quem pode ser réu da ação civil pública ou ação coletiva? Qualquer um! Qualquer pessoa pode ser ré na ação civil pública, inclusive o Estado. Mas devemos colocar numa posição correta: ou é réu por ação ou por omissão. Deve-se demonstrar o motivo. O Estado não poderá ser réu sem motivo.

Qual a dificuldade? Primeiro, identificar o direito na espécie. Segundo é demonstrar que o direito ultrapassa o campo da individualidade, passando a ser metaindividual. E, aqui, encontramos argumentos consistentes para que a ação seja julgada procedente. Se o direito não é metaindividual, não há legitimidade. A ação deverá ser extinta sem resolução do mérito. Mesmo que só lá na frente. O juízo saneador não julga as preliminares, e empurra para a sentença, provavelmente porque não fica demonstrada, desde já, a falta de objeto ou a ilegitimidade. Às vezes as preliminares se confundem com o mérito. Logo, dependerá da dilação probatória. O Código de Processo Civil nem sempre é seguido à risca pelo julgador. Preliminar de carência de ação, legitimidade ou interesse de agir, o juiz deixa para o mérito porque não tem a certeza ainda. É praxe de nosso Judiciário.

Nas ações coletivas e nas ações civis públicas, temos a figura do litisconsorte no polo ativo, do litisconsorte no polo passivo, e também o réu.

Esses réus, quando temos litisconsórcio no polo passivo, são solidários entre si. A responsabilidade dos réus, quando acionados numa ação coletiva ou civil pública é de solidariedade absoluta. Tanto é que eles estão pé de igualdade. Posso executar a sentença contra qualquer deles. Se tenho produto defeituoso, me volto contra o fabricante e contra as concessionárias, e a execução pode se dar tanto quanto ao fabricante quanto contra as concessionárias. Escolherei, claro, quem tem o bolso apto a satisfazem meu interesse enquanto credor. Com quem posso ser mais eficaz e remediar o problema?

Essa foi uma rápida revisão. Essa foi a sequência lógica da prova.