Vamos
voltar ao tema que
já exploramos em algumas aulas passadas. A questão da problemática do
novo
processo. A crise processual, especialmente do Processo Civil. Vemos
hoje uma
total bagunça social. O Estado parece não funcionar. Lixo, segurança
pública,
motivo de riso para não se chorar, sujeitos do Park Way que apareceram
quarta-feira
para assaltar uma casa, e voltam na sexta-feira da mesma semana na
mesma casa.
E
o Processo Civil em si?
Foi concebido para resolver interesses entre particulares. Bati no
carro do
vizinho, então tenho que indenizá-lo. Se eu não fizer, ele poderá vir
atrás de
mim, usando-se do processo como arma. Na origem o Processo Civil foi
concebido
para atender às partes litigantes. Isso já se extrapolou. Não tínhamos
a ideia
do interesse coletivo. Era um sistema desenvolvido para resolver os
interesses
individuais, única e exclusivamente.
A
ideia até aqui era o
fim do direito de um indivíduo no início do de outro. Não tínhamos
muito a
consciência da coletividade no processo. Decoramos a frase “seu direito
termina
onde começa o meu”. É uma visão muito individualista. Abríamos um
processo
individual, resolvíamos as demandas, até que houve uma crise. Vamos ver
do que se
trata essa crise.
Processos
individuais
crescem absurdamente ano após ano. São dados da justiça
em números, levantamento do Conselho Nacional de Justiça.
Havia
em trâmite 87 milhões de processos em 2010. Média de nove milhões a
mais por
ano em comparação com o ano anterior. Em 2007 havia 50 milhões. O
problema é que,
se houvesse 27 milhões de novos entrando e 27 milhões saindo, seria
ótimo. Mas
o congestionamento gira em torno de 70%. Dos 27 milhões novos, algo em
torno de
19 ou 18 permanecerão aguardando resolução na passagem do ano. E isso
vai acumulando.
Imaginem que um juiz receba 100 processos, e só julgue 30. No ano
seguinte, ele
recebe outros 100, mas só julgará 30. Sobram 140 para o terceiro ano.
No final
do segundo ele já tem um congestionamento equivalente à capacidade de
cinco
anos de trabalho. Óbvio que há uma crise. Na Justiça do Trabalho o
congestionamento é um pouco menor, de 50% e não de 70%. A justiça
consegue ser
um pouco mais eficaz na jurisdição trabalhista, até pelo objetivo da
persecução
do crédito de natureza alimentar.
Temos
quase um processo
por habitante. Sim, remova os incapazes deste raciocínio. 160 milhões
de
pessoas, um processo por cidadão, já que há 80, e cada processo tem
duas
partes. Sem contar com a participação do Estado, que às vezes toma
decisões
administrativas estapafúrdias e enseja ações judiciais, ou litiga
diretamente.
O Estado também vai até a última instância independente do custo. Os
governantes, quando podem, jogam para a gestão seguinte. Enrolam a
dívida
processual.
Cada
brasileiro paga
cerca de 197 reais por processo em trâmite. Custa R$ 37 bilhões por ano
a
atividade do Judiciário. Corresponde a 1,2% do PIB brasileiro.
Como
desafogar?
Desestimulando o litígio? Passar a respeitar o direito dos outros?
Criar o
processo coletivo? E se olharmos para o número de juízes? Temos menos
da
metade, proporcionalmente, do número de juízes que temos em Portugal.
Oito para
cada cem mil pessoas aqui, e 17 para cada cem mil em Portugal. Na
melhor das
hipóteses seriam 20 processos por dia. Dá para julgar? Só se houvesse
conciliação em todos, em menos de 20 minutos, deixando um ou dois para
uma
análise mais aprofundada, que seria o ideal.
Óbvio
que teremos uma
retenção, portanto, e grande. E a coisa só irá se avolumar. Resultado
prático. Aumentar
o número de servidores não seria a melhor coisa, ou haveria mais custo.
A
alternativa é criar um processo mais eficiente.
Temos
uma evolução das coisas
do individual para o coletivo. Meu direito termina onde começam os do
próximo e os da coletividade. E se
eu avançar em
meu direito para dentro do da coletividade?
Quem
tem saco de lixo
dentro do carro? Hoje em dia há mais pessoas carregando um saco do que
em 1990.
Por que não arremessar as coisas pela janela, afinal, a rua é de todos!
Foi uma
mudança de paradigma do coletivo. Maior compreensão sobre o lixo e
aumento da
consciência ambiental em geral. Assim conseguimos adaptar os
instrumentos que
tínhamos aos interesses coletivos.
Quando
partimos dos
direitos de primeira geração e vamos até os de quarta, conseguimos
fazer com
que a sociedade se desenvolva de modo harmônico.
Para
conseguir reduzir o
atraso do julgamento, teríamos que reduzir o número de ações ajuizadas
anualmente. Se várias deixam de ser ajuizadas em prol de uma ação
coletiva, seria
ótimo.
Ação coletiva
Ação
definida não pelo
número de pessoas, mas pelos interesses envolvidos. Quando a dimensão
ou os
efeitos dessa ação extrapolarem a fronteira dos interesses individuais,
temos o
que chamamos de ação coletiva. Pode haver uma única pessoa num polo,
mas a ação
ser coletiva, pois está direcionada. “Uma ação recebe a qualificação de
‘coletiva’
quando através dela se pretende alcançar uma dimensão coletiva e não
pela
circunstância de haver um acúmulo subjetivo em seu polo ativo e
passivo” – Rodolfo
de Camargo Mancuso. O autor continua: “uma ação é coletiva quando algum
nível
do universo coletivo será atingido no momento em que transitar em
julgado a
decisão que a acolhe, espraiando assim seus efeitos, seja na notável
dimensão
dos interesses difusos, ou ao interior de certos corpos intercalares
onde se
aglutinam interesses coletivos, ou ainda o âmbito de certos grupos
ocasionalmente constituídos em função de uma origem comum, como se dá
com os
chamados ‘individuais homogêneos”
São
ações em que se
defendem os interesses coletivos, independentemente dos interesses de
partes.
Isso
não necessariamente
tem a ver com a repercussão geral do STF.
Cada
processo pode gerar,
teoricamente, uma apelação cível, que, por sua vez, pode gerar dois
outros
recursos, recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o
STF. Em
matéria recursal, podemos chegar a 150 milhões de processos. O que
fazer? Ação
coletiva é uma tentativa. Mas não resolveu, pelo menos não ainda, e as
pessoas
continuam litigando individualmente.
Ações
coletivas são
notoriamente diferentes de ações plúrimas,
que são aqueles em que no polo passivo ou ativo se põem uma
multiplicidade de
pessoas, mas os interesses podem ser individuais. Não obrigatoriamente
teremos
uma ação coletiva. É olhar para as partes. É a figura do
litisconsórcio.
Art.
81 do Código de
Defesa do Consumidor:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. |
Essa definição não
existia na lei da ação civil pública. Até que surgiu o Código de Defesa
do
Consumidor.