Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A crise do processo



Vamos voltar ao tema que já exploramos em algumas aulas passadas. A questão da problemática do novo processo. A crise processual, especialmente do Processo Civil. Vemos hoje uma total bagunça social. O Estado parece não funcionar. Lixo, segurança pública, motivo de riso para não se chorar, sujeitos do Park Way que apareceram quarta-feira para assaltar uma casa, e voltam na sexta-feira da mesma semana na mesma casa.

E o Processo Civil em si? Foi concebido para resolver interesses entre particulares. Bati no carro do vizinho, então tenho que indenizá-lo. Se eu não fizer, ele poderá vir atrás de mim, usando-se do processo como arma. Na origem o Processo Civil foi concebido para atender às partes litigantes. Isso já se extrapolou. Não tínhamos a ideia do interesse coletivo. Era um sistema desenvolvido para resolver os interesses individuais, única e exclusivamente.

A ideia até aqui era o fim do direito de um indivíduo no início do de outro. Não tínhamos muito a consciência da coletividade no processo. Decoramos a frase “seu direito termina onde começa o meu”. É uma visão muito individualista. Abríamos um processo individual, resolvíamos as demandas, até que houve uma crise. Vamos ver do que se trata essa crise.

Processos individuais crescem absurdamente ano após ano. São dados da justiça em números, levantamento do Conselho Nacional de Justiça. Havia em trâmite 87 milhões de processos em 2010. Média de nove milhões a mais por ano em comparação com o ano anterior. Em 2007 havia 50 milhões. O problema é que, se houvesse 27 milhões de novos entrando e 27 milhões saindo, seria ótimo. Mas o congestionamento gira em torno de 70%. Dos 27 milhões novos, algo em torno de 19 ou 18 permanecerão aguardando resolução na passagem do ano. E isso vai acumulando. Imaginem que um juiz receba 100 processos, e só julgue 30. No ano seguinte, ele recebe outros 100, mas só julgará 30. Sobram 140 para o terceiro ano. No final do segundo ele já tem um congestionamento equivalente à capacidade de cinco anos de trabalho. Óbvio que há uma crise. Na Justiça do Trabalho o congestionamento é um pouco menor, de 50% e não de 70%. A justiça consegue ser um pouco mais eficaz na jurisdição trabalhista, até pelo objetivo da persecução do crédito de natureza alimentar.

Temos quase um processo por habitante. Sim, remova os incapazes deste raciocínio. 160 milhões de pessoas, um processo por cidadão, já que há 80, e cada processo tem duas partes. Sem contar com a participação do Estado, que às vezes toma decisões administrativas estapafúrdias e enseja ações judiciais, ou litiga diretamente. O Estado também vai até a última instância independente do custo. Os governantes, quando podem, jogam para a gestão seguinte. Enrolam a dívida processual.

Cada brasileiro paga cerca de 197 reais por processo em trâmite. Custa R$ 37 bilhões por ano a atividade do Judiciário. Corresponde a 1,2% do PIB brasileiro.

Como desafogar? Desestimulando o litígio? Passar a respeitar o direito dos outros? Criar o processo coletivo? E se olharmos para o número de juízes? Temos menos da metade, proporcionalmente, do número de juízes que temos em Portugal. Oito para cada cem mil pessoas aqui, e 17 para cada cem mil em Portugal. Na melhor das hipóteses seriam 20 processos por dia. Dá para julgar? Só se houvesse conciliação em todos, em menos de 20 minutos, deixando um ou dois para uma análise mais aprofundada, que seria o ideal.

Óbvio que teremos uma retenção, portanto, e grande. E a coisa só irá se avolumar. Resultado prático. Aumentar o número de servidores não seria a melhor coisa, ou haveria mais custo. A alternativa é criar um processo mais eficiente.

Temos uma evolução das coisas do individual para o coletivo. Meu direito termina onde começam os do próximo e os da coletividade. E se eu avançar em meu direito para dentro do da coletividade?

Quem tem saco de lixo dentro do carro? Hoje em dia há mais pessoas carregando um saco do que em 1990. Por que não arremessar as coisas pela janela, afinal, a rua é de todos! Foi uma mudança de paradigma do coletivo. Maior compreensão sobre o lixo e aumento da consciência ambiental em geral. Assim conseguimos adaptar os instrumentos que tínhamos aos interesses coletivos.

Quando partimos dos direitos de primeira geração e vamos até os de quarta, conseguimos fazer com que a sociedade se desenvolva de modo harmônico.

Para conseguir reduzir o atraso do julgamento, teríamos que reduzir o número de ações ajuizadas anualmente. Se várias deixam de ser ajuizadas em prol de uma ação coletiva, seria ótimo.
 

Ação coletiva

Ação definida não pelo número de pessoas, mas pelos interesses envolvidos. Quando a dimensão ou os efeitos dessa ação extrapolarem a fronteira dos interesses individuais, temos o que chamamos de ação coletiva. Pode haver uma única pessoa num polo, mas a ação ser coletiva, pois está direcionada. “Uma ação recebe a qualificação de ‘coletiva’ quando através dela se pretende alcançar uma dimensão coletiva e não pela circunstância de haver um acúmulo subjetivo em seu polo ativo e passivo” – Rodolfo de Camargo Mancuso. O autor continua: “uma ação é coletiva quando algum nível do universo coletivo será atingido no momento em que transitar em julgado a decisão que a acolhe, espraiando assim seus efeitos, seja na notável dimensão dos interesses difusos, ou ao interior de certos corpos intercalares onde se aglutinam interesses coletivos, ou ainda o âmbito de certos grupos ocasionalmente constituídos em função de uma origem comum, como se dá com os chamados ‘individuais homogêneos”

São ações em que se defendem os interesses coletivos, independentemente dos interesses de partes.

Isso não necessariamente tem a ver com a repercussão geral do STF.

Cada processo pode gerar, teoricamente, uma apelação cível, que, por sua vez, pode gerar dois outros recursos, recurso especial para o STJ e recurso extraordinário para o STF. Em matéria recursal, podemos chegar a 150 milhões de processos. O que fazer? Ação coletiva é uma tentativa. Mas não resolveu, pelo menos não ainda, e as pessoas continuam litigando individualmente.

Ações coletivas são notoriamente diferentes de ações plúrimas, que são aqueles em que no polo passivo ou ativo se põem uma multiplicidade de pessoas, mas os interesses podem ser individuais. Não obrigatoriamente teremos uma ação coletiva. É olhar para as partes. É a figura do litisconsórcio.

Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Essa definição não existia na lei da ação civil pública. Até que surgiu o Código de Defesa do Consumidor.