Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ação civil Pública



Não sabemos claramente, ainda, a diferença conceitual entre ação coletiva, ação de classe e ação civil pública. Na verdade, só conhecíamos, até muito tempo atrás, o termo “ação civil pública”. Era tudo o que existia em nossa legislação. Era o instrumento invocado quando houvesse necessidade de defesa dos direitos metaindividuais: a Lei 7347/85.

Com o Código de Defesa do Consumidor houve uma nova figura, a ação coletiva, e agora precisamos fazer uma distinção. A ação coletiva, em sentido lato, é aquela ação que busca tutelar direitos metaindividuais. A ação coletiva é um termo usado como gênero, e desse gênero temos duas espécies de ação: ação civil pública e ação coletiva em sentido estrito. A ação civil pública é a ação utilizada, via de regra, pelo Ministério Público, mas não somente por ele, para buscar a tutela de direitos metaindividuais que não necessariamente são relacionados aos direitos do consumidor. Qualquer coisa que seja de interesse metaindividual e que não esteja associada a direitos do consumidor é tutelável pela ação civil pública. Se o direito violado for de matéria consumerista, o Ministério Público poderá lançar mão ou da ação coletiva ou da própria ação civil pública. Na prática, ele faz a escolha, porque é legitimado para as duas.

A ação coletiva, por sua vez, é aquela em que se busca tutelar direitos metaindividuais relacionados aos direitos do consumidor. Essa é a diferença entre elas. Ação coletiva em sentido estrito.

Hugo Nigro Mazzilli diz que a ação civil pública é a ação de natureza não penal ajuizada pelo Ministério Público. Essa é a definição dele. Professor não acha que a definição esteja completamente correta, pois existem colegitimados outros que podem ajuizar ação civil pública, em matéria não atinente a Direito do Consumidor, mas Direito Ambiental, Direito do Trabalho, Urbanístico e assim por diante. Não poderíamos fazer essa associação, que é um pouco indevida. Professor é humilde em relação ao tradicional autor Hugo Nigro Mazzilli, contudo.

Costuma haver confusão entre as espécies de ações. A Lei de Ação Civil Pública foi alterada algumas vezes. O processo, por exemplo, é o instrumento usado para assegurar a efetividade do direito posto na lei. Toda ação deveria ser a mais completa possível. A Lei de Ação Civil Pública é boa, mas não completa. Precisamos complementar a ação civil pública com alguns atos do Código de Processo Civil. A partir de 1985 a Lei de Ação Civil Pública andou sofrendo ajustes, inclusive do Código de Defesa do Consumidor.

Quando veio o CDC, disse-se que, para a defesa de direitos difusos e coletivos, não se estabelece um processo. Criou-se uma ação sem pensar, sem passar pelos atos processuais. Criou uma figura, que guarda correspondência com a ação civil pública, mas que com ela não se confunde. Então as regras da ação civil pública se complementam com regras da ação coletiva, para assuntos relacionados ao Direito do Consumidor.

A ação civil pública é a ação para a defesa de interesses transindividuais proposta por diversos colegitimados ativos, entre os quais estão associações privadas e o Ministério Público. Não somente o Ministério Público, portanto, e a melhor caracterização da ACP é “ação visando à defesa de direitos transindividuais proposta ou por terceiros, ou pelo próprio Ministério Público.”

A definição da Lei 7347 está defasada, porque é de 85, e não se pensava em ações coletivas como há no Código de Defesa do Consumidor.

Ação coletiva é bem parecida com a ação civil pública: também visa à satisfação de direitos transindividuais, mas em matéria consumerista.

Hoje, o próprio Ministério Público, quando propõe ações visando à defesa do consumidor chama suas ações de ações coletivas. A coisa está tão misturada, em matéria consumerista, que as associações chamam de ações coletivas as ações que apresentam, o Ministério Público ora usa uma nomenclatura, ora usa outra. Enfim, não há uma definição muito precisa. Precisamos fazer a inter-relação entre as duas.

Ao comparar, sob a ótica do polo ativo, na ação civil pública temos o Ministério Público como autor. Independentemente de ter relação com o Direito do Consumidor ou não. Nas ações coletivas, dizemos que é a ação ajuizada em matéria do consumidor por terceiros que não necessariamente o Ministério Público. Uma associação civil, por exemplo, ou um colegitimado qualquer. A Defensoria Pública, por exemplo. Em matéria de Direito do Consumidor, a Defensoria ajuíza ação coletiva. Se o Ministério Público ajuíza uma ação coletiva em matéria de Direito do Consumidor, ele poderá chamar ou de ação civil pública ou de ação coletiva, porque é legitimado para ambas.

A definição do tipo de ação é importante para determinar o rito. É um tecnicismo necessário.

Visão mais complexa, para resolver: ação civil pública é a ação que visa garantir direitos transindividuais propostas pelo Ministério Público, e que é baseada na Lei de Ação Civil Pública. Porém podemos admitir que, em matéria de Direito do Consumidor, podemos falar em ação civil pública movida pelo Ministério Público. É a única exceção. Todos os outros entes colegitimados, se moverem uma ação civil pública, será somente com base na Lei 7347/85.

Nas ações coletivas, temos a mesma ideia inicial, mas as ações são movidas por outros colegitimados que não o Ministério Público, com base não somente na Lei de Ação Civil Pública, mas essencialmente no Código de Defesa do Consumidor. O fundamento é diferente. É sutil a diferença, às vezes há confusão, mas podemos diferenciar. Sempre que temos uma ação coletiva, por outro lado, indicamos claramente que o fundamento é o Código de Defesa do Consumidor. Quando temos uma ação civil pública, o fundamento será o CDC ou não.

Significa que o Ministério Público pode ajuizar ação civil pública em matéria consumerista, ou ação civil pública em qualquer matéria. Ação coletiva pode ser ajuizada por qualquer legitimado do Código de Defesa do Consumidor somente.

Começou a história dos transgênicos no Brasil há cerca de 10 anos. Imaginaram que faria mal, e começaram as discussões sobre a transgênese. Mas ninguém sabe até hoje. Ação civil pública com base no quê? Risco ou não regulamentação? Risco à saúde. A base, portanto, era o Direito do Consumidor, mas o Ministério Público resolveu chamar de ação civil pública. Se se tratasse de uma substância qualquer que fosse suspeita de ser venenosa, usada não somente por consumidores mas por empreendedores do ramo agropecuário, caberia somente ação civil pública.

Houve, portanto, uma ação civil pública fundada na não regulamentação dos transgênicos. No curso da ação saiu a regulamentação, e a ação perdeu o objeto.

Aí vem a discussão: o homem vive mais ou menos do que há 30 anos? É maior a expectativa de vida hoje. Mas surgiram outras doenças, outros males, como a lesão por esforço repetitivo, a LER. Curiosamente as pessoas não sofriam de LER na época da datilografia em máquinas de teclas muito mais pesadas.

Transgênicos poderiam causar problemas?

Colegitimados para ações coletivas em sentido amplo: quando falamos sobre isso, temos que ler o dispositivo e depois olhar alguns casos. Art. 5º da Lei 7347, já alterada pela Lei 8078/1990 (o Código de Defesa do Consumidor) e pela Lei 11488/2007:

Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:.

I - o Ministério Público;.

II - a Defensoria Pública;.

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

§ 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes.

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

§ 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.   (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Vide REsp 222582 /MG - STJ)

E o art. 82 do CDC, tratando da legitimidade para a propositura da ação coletiva:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - o Ministério Público,

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

§ 2° (Vetado).

§ 3° (Vetado).

Puxadinhos

Já foram propostas 120 ações civis públicas contra comerciantes e o governador do Distrito Federal tendo por causa de pedir os puxadinhos aqui em Brasília. Ações versando sobre puxadinhos na Asa Sul já tiveram pedidos julgados procedentes, e notificações para derrubar áreas excedentes a 6m de área pública já foram enviadas aos donos de lojas. A questão está sendo apreciada em grau de apelação agora. Nossa cidade é bem interessante. Lucio Costa concebeu a cidade de um jeito, e futuros administradores e empresários resolveram bagunçar.

A Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, foi demandada em ação coletiva pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul por causa de aumento abusivo de tarifas. Foi também questionada a terceirização da atividade-fim da empresa pelo Ministério Público do Trabalho mediante ação civil pública.

No REsp 982923/PR ¹ foi discutida a legitimidade de uma associação de moradores para a interposição de ação civil pública. A causa petendi era a defesa de direitos individuais homogêneos por conta da contaminação da água.

A questão da denominação oscila muito.


  1. Fonte: http://www.stj.gov.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200702163318&pv=010000000000&tp=51