Praticamente terminamos a matéria.
Vamos à aplicação dela.
Vamos ver o caso de Brasília. O
Distrito Federal não existia
até há alguns anos. Na verdade o Distrito Federal existia, mas não
nesta área.
Era no Rio de Janeiro. Quando se pensou em trazer a capital para o
interior do
território brasileiro, isso aqui não existia como Distrito Federal.
Desapropriaram-se
terras dos estados de Goiás e Minas Gerais para implantar a área do DF.
Com essa
desapropriação, parte das terras foi para a União e outra para o
Distrito
Federal. A ideia era ser um núcleo administrativo com algumas cidades
satélites. Núcleo Bandeirante, Taguatinga, Brazlândia, Cruzeiro, e não
muito
mais que isso. Eram bem poucas cidades.
Durante muito tempo essa estrutura
deu certo. Se você
tivesse a oportunidade de sobrevoar Brasília na década de 80 durante a
noite,
você perceberia facilmente a estrutura da cidade pelas luzes. Um nicho
luminoso, um intervalo completamente escuro e outra cidade.
O problema se deu a partir do final
da década de 80. Tivemos
um governador biônico, apontado pelo Presidente da República, e esse
governador, então, naquela época, numa estratégia populista, começou a
oferecer
terrenos para migrantes. Quem quisesse vir de fora poderia fixar
residência
aqui.
Ele foi eleito outras vezes com o
mesmo discurso. O que
aconteceu? Ele distribuía terras? Como? O número de migrantes era muito
maior
do que o número de rosas que ele prometia. E havia o sonho de que o
governador
daria a terra. E não recebiam. Resultado prático desse fenômeno:
invasões.
Ao mesmo tempo o DF foi crescendo. A
cidade planejada para abrigar
uma geração cresceu desordenadamente, e talvez não se tenham computado
mais gerações
na concepção da área, e a cidade acabou tendo vida própria. Estamos com
mais
gerações: começaram a nascer os filhos de brasilienses.
Surgiu uma demanda por imóveis. Agora
as coisas estão
difíceis. E o que acontece, que é o um fenômeno natural? Aumento de
demanda por
imóveis. Isso gera aumento de preço. Aqui
aplicamos a lei
da oferta e da procura e entendemos o que está acontecendo. A
própria
máquina estatal teve que aumentar. Serviço público, agências de toda
sorte,
instituições, repartições. Isso apresentou outra migração, não a de
antes
promovida por Joaquim Roriz, mas sim uma migração qualificada de
servidores
públicos. Há quem diga que o serviço público afasta as pessoas da
pobreza e da
riqueza. O risco é menor, mas não há chances de ganho acentuado
(licitamente).
Brasília passou a ter uma elevada
renda per capita. As primeiras
necessidades do
homem são moradia e alimentação. Se você vem de fora, você precisa se
instalar.
A maior parte dos servidores públicos está aqui em Brasília. O aumento
de
demanda faz com que os preços dos imóveis fossem para a estratosfera.
Isso faz com que a classe média
brasiliense não se ache mais
no próprio Plano Piloto. O Plano não tem mais condições de ser
habitado, porque
o custo de vida passa a ser extremamente alto. Essa classe média começa
a ser
empurrada para fora, onde estão as cidades satélites. Algumas delas já tem alto
grau de
desenvolvimento, como Taguatinga, e outras ainda são bem menos desenvolvidas, como
o Recanto
das Emas.
Mas mesmo nas cidades desenvolvidas
começamos a ver
invasões. Samambaia, Riacho Fundo, mais no passado no Paranoá, tudo
originário
de invasão.
Mas o movimento migratório de classe
mais elevada deu origem
a uma demanda muito forte por imóveis na região central, a ponto de
vermos 10
mil reais sendo cobrados pelo metro quadrado. Sim, é o setor Noroeste,
ainda em
fase de desembaraço judicial com uma comunidade indígena. Outros buscam apartamentos de quatro
quartos
com 100 metros quadrados, o que é um apertamento.
E custa R$ 1 milhão, hein. E há pessoas pagando, não se sabe de onde
sai esse
dinheiro.
Essa demanda reprimida começou a
forçar as pessoas a sair. Criou-se
quase que a mesma divisão entre rural e urbano. A ideia é que o DF
deveria ser
rural e urbano, autossustentável. Alguém viu que era mais fácil dividir
a terra
e vender os lotes, e ganhar mais dinheiro. Daí começaram os condomínios
irregulares, por estarem em área rural mas o loteamento ser urbano.
Mais de um
quarto da população do Distrito Federal vive neles.
Criou-se um grande elefante branco.
Qual o reflexo disso?
Deixar que 500 mil pessoas se instalem em áreas rurais gera degradação
ambiental visível. Vicente Pires, Jardim Botânico, Chácaras. O que se
precisa
fazer? Resolver esse problema. O Estado resolve? Não desce o trator
possivelmente
porque é a classe média que está ali. Talvez, se fosse uma invasão
incipiente,
com ocupantes de renda inferior, o trator passasse por cima. Talvez.
E não há escapatória. Como resolver?
Tutela dos direitos
difusos e coletivos? Ajuizar uma ação contra cada um dos moradores?
Quinhentas mil
ações em potencial aí. Então é claro que, se fosse uma solução jurídica
a ser
adotada, claro que seria a tutela dos direitos difusos, coletivos e
individuais
homogêneos, mas esbarramos na tutela do Estado, que não quer comprar
essa
briga. O que fazer? Chamar o Ministério Público. Mas aí surge outro
dilema:
pode-se ajuizar ação civil pública para obrigar o DF a regularizar os
condomínios? Não, justamente porque são irregulares. É antijurídico. A
ação civil
pública deveria ser, na verdade, para remover os condomínios. As
pessoas
simplesmente se transfeririam para outro local. No Noroeste, por
exemplo, devastou-se
uma área. Dano ambiental e social com os índios que ali vivem.
Em qualquer lugar haveria dano
ambiental. Então passaríamos por
todo esse desgaste para criar um dano ambiental do mesmo jeito? A
recuperação
levaria ao menos uma década. Derrubaram o Noroeste e encontraram uma
tribo de cerca
de 22 índios, que supostamente nunca haviam tido contato com o homem
branco.
O professor pregou desde o começo
desta disciplina que as
ações coletivas seriam eficazes. Mas não neste caso. O que fez o
Ministério
Público? Firmou com o GDF um termo de compromisso, equivalente ao TAC,
por meio
do qual o DF iria regularizar esses condomínios. Reduziu de 14 para 7 o
número
de requisitos para um condomínio se regularizar. Ainda assim temos 95%
de
condomínios irregulares.
O problema é que o DF está levantando
uma bandeira com esse
termo de compromisso celebrado com o Ministério Público. É como se se
enviasse
a mensagem: “criem seus condomínios irregulares que regularizaremos!”
Acaba
estimulando a proliferação. Peguem, por exemplo, a pista na direção do
Jardim ABC.
Há condomínios plantados em área urbana e na área rural. Cresce porque,
se há
sinalização do governo que o loteamento é irregular, logo surge o
sentimento de
que haverá regularização. Isso é causado, entre outras coisas, pelo
preço
exorbitante do imóvel no DF, por sua vez, causado pela demanda da classe média. É
uma classe
média que precisa se reestruturar, precisa morar em algum lugar. A
saída
encontrada pelo Ministério Público não foi eficaz. E não seria o
ajuizamento de
uma ação civil pública, porque o órgão não tem toda essa estrutura. A
ação
civil pública neste caso é totalmente ineficaz, mesmo que o MP tenha
todas suas
prerrogativas e instrumentos. Não adianta abrir inquérito civil público
ou termo
de ajustamento de conduta.
Parece que os instrumentos jurídicos são absolutamente ineficazes. Restam os políticos. Em política, tudo se faz. Quando se quer, se faz. Com interesse político muda-se a norma e age-se. Foi uma conjugação de vontades que fez com que o Setor de Oficinas Sul virasse setor de shoppings, residências, e agora quase está pronto o Park Sul. Basta a vontade política. A questão é política, muito mais do que jurídica. Mas tenta-se usar o instrumento jurídico de qualquer jeito.