Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Discussão sobre a aplicabilidade dos instrumentos de defesa dos direitos metaindividuais no Distrito Federal


Praticamente terminamos a matéria. Vamos à aplicação dela.

Vamos ver o caso de Brasília. O Distrito Federal não existia até há alguns anos. Na verdade o Distrito Federal existia, mas não nesta área. Era no Rio de Janeiro. Quando se pensou em trazer a capital para o interior do território brasileiro, isso aqui não existia como Distrito Federal. Desapropriaram-se terras dos estados de Goiás e Minas Gerais para implantar a área do DF. Com essa desapropriação, parte das terras foi para a União e outra para o Distrito Federal. A ideia era ser um núcleo administrativo com algumas cidades satélites. Núcleo Bandeirante, Taguatinga, Brazlândia, Cruzeiro, e não muito mais que isso. Eram bem poucas cidades.

Durante muito tempo essa estrutura deu certo. Se você tivesse a oportunidade de sobrevoar Brasília na década de 80 durante a noite, você perceberia facilmente a estrutura da cidade pelas luzes. Um nicho luminoso, um intervalo completamente escuro e outra cidade.

O problema se deu a partir do final da década de 80. Tivemos um governador biônico, apontado pelo Presidente da República, e esse governador, então, naquela época, numa estratégia populista, começou a oferecer terrenos para migrantes. Quem quisesse vir de fora poderia fixar residência aqui.

Ele foi eleito outras vezes com o mesmo discurso. O que aconteceu? Ele distribuía terras? Como? O número de migrantes era muito maior do que o número de rosas que ele prometia. E havia o sonho de que o governador daria a terra. E não recebiam. Resultado prático desse fenômeno: invasões.

Ao mesmo tempo o DF foi crescendo. A cidade planejada para abrigar uma geração cresceu desordenadamente, e talvez não se tenham computado mais gerações na concepção da área, e a cidade acabou tendo vida própria. Estamos com mais gerações: começaram a nascer os filhos de brasilienses.

Surgiu uma demanda por imóveis. Agora as coisas estão difíceis. E o que acontece, que é o um fenômeno natural? Aumento de demanda por imóveis. Isso gera aumento de preço. Aqui aplicamos a lei da oferta e da procura e entendemos o que está acontecendo. A própria máquina estatal teve que aumentar. Serviço público, agências de toda sorte, instituições, repartições. Isso apresentou outra migração, não a de antes promovida por Joaquim Roriz, mas sim uma migração qualificada de servidores públicos. Há quem diga que o serviço público afasta as pessoas da pobreza e da riqueza. O risco é menor, mas não há chances de ganho acentuado (licitamente).

Brasília passou a ter uma elevada renda per capita. As primeiras necessidades do homem são moradia e alimentação. Se você vem de fora, você precisa se instalar. A maior parte dos servidores públicos está aqui em Brasília. O aumento de demanda faz com que os preços dos imóveis fossem para a estratosfera.

Isso faz com que a classe média brasiliense não se ache mais no próprio Plano Piloto. O Plano não tem mais condições de ser habitado, porque o custo de vida passa a ser extremamente alto. Essa classe média começa a ser empurrada para fora, onde estão as cidades satélites. Algumas delas já tem alto grau de desenvolvimento, como Taguatinga, e outras ainda são bem menos desenvolvidas, como o Recanto das Emas.

Mas mesmo nas cidades desenvolvidas começamos a ver invasões. Samambaia, Riacho Fundo, mais no passado no Paranoá, tudo originário de invasão.

Mas o movimento migratório de classe mais elevada deu origem a uma demanda muito forte por imóveis na região central, a ponto de vermos 10 mil reais sendo cobrados pelo metro quadrado. Sim, é o setor Noroeste, ainda em fase de desembaraço judicial com uma comunidade indígena. Outros buscam apartamentos de quatro quartos com 100 metros quadrados, o que é um apertamento. E custa R$ 1 milhão, hein. E há pessoas pagando, não se sabe de onde sai esse dinheiro.

Essa demanda reprimida começou a forçar as pessoas a sair. Criou-se quase que a mesma divisão entre rural e urbano. A ideia é que o DF deveria ser rural e urbano, autossustentável. Alguém viu que era mais fácil dividir a terra e vender os lotes, e ganhar mais dinheiro. Daí começaram os condomínios irregulares, por estarem em área rural mas o loteamento ser urbano. Mais de um quarto da população do Distrito Federal vive neles.

Criou-se um grande elefante branco. Qual o reflexo disso? Deixar que 500 mil pessoas se instalem em áreas rurais gera degradação ambiental visível. Vicente Pires, Jardim Botânico, Chácaras. O que se precisa fazer? Resolver esse problema. O Estado resolve? Não desce o trator possivelmente porque é a classe média que está ali. Talvez, se fosse uma invasão incipiente, com ocupantes de renda inferior, o trator passasse por cima. Talvez.

E não há escapatória. Como resolver? Tutela dos direitos difusos e coletivos? Ajuizar uma ação contra cada um dos moradores? Quinhentas mil ações em potencial aí. Então é claro que, se fosse uma solução jurídica a ser adotada, claro que seria a tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, mas esbarramos na tutela do Estado, que não quer comprar essa briga. O que fazer? Chamar o Ministério Público. Mas aí surge outro dilema: pode-se ajuizar ação civil pública para obrigar o DF a regularizar os condomínios? Não, justamente porque são irregulares. É antijurídico. A ação civil pública deveria ser, na verdade, para remover os condomínios. As pessoas simplesmente se transfeririam para outro local. No Noroeste, por exemplo, devastou-se uma área. Dano ambiental e social com os índios que ali vivem.

Em qualquer lugar haveria dano ambiental. Então passaríamos por todo esse desgaste para criar um dano ambiental do mesmo jeito? A recuperação levaria ao menos uma década. Derrubaram o Noroeste e encontraram uma tribo de cerca de 22 índios, que supostamente nunca haviam tido contato com o homem branco.

O professor pregou desde o começo desta disciplina que as ações coletivas seriam eficazes. Mas não neste caso. O que fez o Ministério Público? Firmou com o GDF um termo de compromisso, equivalente ao TAC, por meio do qual o DF iria regularizar esses condomínios. Reduziu de 14 para 7 o número de requisitos para um condomínio se regularizar. Ainda assim temos 95% de condomínios irregulares.

O problema é que o DF está levantando uma bandeira com esse termo de compromisso celebrado com o Ministério Público. É como se se enviasse a mensagem: “criem seus condomínios irregulares que regularizaremos!” Acaba estimulando a proliferação. Peguem, por exemplo, a pista na direção do Jardim ABC. Há condomínios plantados em área urbana e na área rural. Cresce porque, se há sinalização do governo que o loteamento é irregular, logo surge o sentimento de que haverá regularização. Isso é causado, entre outras coisas, pelo preço exorbitante do imóvel no DF, por sua vez, causado pela demanda da classe média. É uma classe média que precisa se reestruturar, precisa morar em algum lugar. A saída encontrada pelo Ministério Público não foi eficaz. E não seria o ajuizamento de uma ação civil pública, porque o órgão não tem toda essa estrutura. A ação civil pública neste caso é totalmente ineficaz, mesmo que o MP tenha todas suas prerrogativas e instrumentos. Não adianta abrir inquérito civil público ou termo de ajustamento de conduta.

Parece que os instrumentos jurídicos são absolutamente ineficazes. Restam os políticos. Em política, tudo se faz. Quando se quer, se faz. Com interesse político muda-se a norma e age-se. Foi uma conjugação de vontades que fez com que o Setor de Oficinas Sul virasse setor de shoppings, residências, e agora quase está pronto o Park Sul. Basta a vontade política. A questão é política, muito mais do que jurídica. Mas tenta-se usar o instrumento jurídico de qualquer jeito.