Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Legitimação e legitimidade nos direitos metaindividuais



Quando falamos em ação coletiva, temos que entender um pouco de legitimação para saber quem irá ficar no polo passivo, no polo ativo, ou, na verdade, quem poderá figurar no processo, ser parte legítima da ação.

Quando pensamos em legitimidade pensamos em legitimação. Temos a legitimação extraordinária e a legitimação ordinária. Nas ações coletivas temos as legitimações extraordinárias, pois o legitimado não ajuíza a ação em nome próprio. E o que é legitimação ordinária? É exatamente a regra. A regra é que a parte, para ajuizar uma ação, tenha legitimação ordinária, seja titular ela mesma do direito em questão.

A legitimação ordinária é a forma clássica de defesa dos interesses em juízo. Se dá basicamente pela pessoa atingida de alguma forma. Ou seja, por aquele cujo direito material é violado. Analisamos a titularidade do direito material num colóquio: se alguém pegou câncer bucal por conta do vício em cigarro e desejar propor uma ação em face da Souza Cruz, a pessoa é a legitimada ordinária, pois ela é a própria titular do direito violado, no caso, a saúde.

Legitimação extraordinária é a forma anômala de defesa de interesses em juízo. Defesa se dá por parte de quem não é titular de direito material. O normal é que o titular do direito material defenda seus interesses em juízo. O que distorce essa realidade é o ingresso de alguém em juízo defendendo direito material alheio. Daí temos a legitimação anômala ou extraordinária. Por que extraordinária? Porque dependerá de lei para existir, de expressa disposição legal.

Posso ajuizar uma ação em seu nome? Não. E se a lei disser que eu posso? Então posso! Regra simples da legitimação extraordinária. Se você é titular de um direito, e vejo que seu direito está sendo violado, então não posso fazer nada, por mais que eu me solidarize. Mas se a lei permitir, poderei interpelar o Judiciário, por exemplo se você for inerte.

Se a lei permitir, poderei ajuizar uma ação reivindicando direito de outrem. Não sou titular, mas me apresento em juízo para defender direitos de terceiros. Um sindicato só existe porque a lei assim define. Na verdade, as associações e os sindicatos existem porque a lei assim define. O sindicato só litiga porque a lei permite que ele litigue em nome de terceiros. Se não permitisse, não litigaria, pelo menos não em nome de outrem.

Essa legitimação é excepcional, e constitui uma exceção à regra, em que pese as ações coletivas se transformarem na própria regra, porque o indivíduo não pode ajuizar uma ação coletiva; ação coletiva em sentido lato, de modo que só quem ajuizará a ação coletiva serão terceiros, buscando defender interesses desses indivíduos. Que terceiros? Os legitimados: Ministério Público, os entes políticos, entidades e órgãos da Administração Direta e Indireta, e associações que tenham pertinência temática, observados os demais requisitos. Então a regra é a anomalia. Teremos também a necessidade de disposição legal. E ocorre não somente para buscar a reparação do dano, mas para garantir a efetividade da satisfatividade por conta do direito violado. A parte defende em nome próprio interesse alheio nas ações civis públicas e ações coletivas, e legitimação se dá em nome da efetividade da defesa do interesse violado.

Estacionamento de shoppings: não é medida populista? Recentemente começou-se a cobrar por estacionamento em shopping de Brasília. De repente os parlamentares locais aprovam lei proibindo a cobrança, sob o fundamento de que o consumidor já paga pelo valor da segurança gastando dentro do estabelecimento. Isso porque o shopping tem responsabilidade sobre os carros deixados no estacionamento independente de cobrar diretamente ou não, pois aquilo é um depósito. O Shopping Iguatemi impetrou mandado de segurança com pedido de liminar, que foi concedida. A juíza entendeu eivada de inconstitucionalidade formal a lei distrital por ser uma norma que trata do direito de propriedade, cuja edição é de competência da União. Isso denota a iniciativa populista dos parlamentares distritais.

Quer-se a efetividade do direito. Onde está essa efetividade? No descumprimento da norma? Não. Se o shopping cobra, quero sair e a lei permite, então não vou pagar.

Em matéria de legitimação, por outro lado, quem poderia ajuizar, com base nessa lei distrital, contra os violadores? Ou quem poderia acionar os órgãos de defesa? O legitimado extraordinário. Este pode um dia ser legitimado ordinário? Sim: desde que haja direito material dele em jogo, a legitimação dele deixará de ser extraordinária e passará a ser ordinária.

Organização fictícia: “ABCDE – Associação Brasiliense de Cidadãos Despojados pelos Estacionamentos.” Ela poderá ser legitimada para ajuizar ação civil pública contra o shopping XYZ, desde que cumpra o requisito da constituição há mais de um ano. Os requisitos vamos ver mais detalhadamente à frente, mas a pertinência temática é facilmente comprovada, e a representatividade deverá ser provada. A legitimação é ordinária ou extraordinária? Extraordinária, porque a associação pedirá, em juízo, direito de outrem. Porém, se a própria associação possuir, dentre seus bens, um veículo e, em algum momento este veículo ficar retido na cancela na saída do estacionamento do shopping, ela passará a ter legitimação ordinária, e o direito atingido passa a ser o dela mesma.

Têm legitimidade ativa nas ações civis públicas, portanto: 

  1. O Ministério Público;
  2. A Defensoria Pública;
  3. Os entes federativos;
  4. As autarquias;
  5. As empresas públicas;
  6. As fundações públicas;
  7. As sociedades de economia mista;
  8. e também as associações constituídas há pelo menos um ano e que tenham fins específicos.

O Ministério Público tem uma postura muito mais ativa do que a Defensoria. Ao menos aqui em Brasília, a Defensoria sempre se põe numa posição passiva, pelo menos na maior parte das vezes. Espera ser instigada para agir. Já o Ministério Público não; ele investiga, vai atrás, por conta de seu papel de custus legis. Se algo estiver errado, propõe ação civil pública. A Defensoria Pública, na prática, não ajuíza ações civis públicas como outros colegitimados poderiam fazer.

Entes federativos: vemos muito pouco. Ações movidas por entes da Administração Pública Direta ou Indireta também são raros. O que veremos mais são as associações. São como se fosse o braço privado do Ministério Público. Elas têm ajuizado bastantes ações civis públicas. O Ministério Público atua como custus legis em nome do poder público, as associações atuam em nome dos particulares. Parte da legitimidade fica caracterizada como sendo extraordinária. Nem o Ministério Público nem as associações estão a buscar garantias de direitos seus, mas sim a efetividade de direitos metaindividuais, dos quais não são titulares originários.

Com o Código de Defesa do Consumidor tivemos uma pequena mudança na Lei de Ação Civil Pública em relação à legitimidade. Isso quer dizer que o CDC passou a autorizar que entes ligados ao sistema nacional de defesa do consumidor pudesse, também, ter legitimidade para o ajuizamento das ações coletivas. Há o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC e a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon. Aquele é do Ministério da Justiça, esta é fundação pública, que conhecemos, na maior parte das vezes, como Procons estaduais. Aqui temos o Instituto de Defesa do Consumidor – o Procon-DF, que é uma autarquia. O que temos no Distrito Federal não se repete fora daqui: temos uma natureza distinta dos estados. Alguns estados criaram Procons municipais. Vitória, por exemplo, tem o seu. Pouco importa a natureza desses órgãos. O que importa é que esses entes têm legitimidade para propor ações coletivas, inclusive os Procons municipais.

Nas associações civis ou nas entidades privadas, temos um problema maior. É a questão da tentativa do legislador de afastar a utilização política dos entes privados com relação a ações civis públicas e ações coletivas. O legislador estabeleceu que: se temos uma associação pretendendo ajuizar uma ação civil pública, ela, diferentemente do Ministério Público, ela terá que preencher determinados requisitos. Primeiro, estar constituída a um determinado número de meses. Requisito temporal, que é um requisito objetivo. Em nossa lei, temos a exigência de estar a associação constituída há pelo menos 12 meses. Com 11 meses ainda não há legitimidade para a propositura de ACP. É o requisito mais fácil de ser observado. Constitui-se a associação, olha-se a data do ajuizamento da ação, determina-se se o intervalo é de pelo menos 12 meses e pronto. Há até divergência jurisprudencial no sentido de que admite-se que a associação ajuíze a ação sem os 12 meses de constituição, porém, no momento em que o processo é despachado, ela terá que ter completado o primeiro ano. É uma divergência relativa.

O segundo requisito é da pertinência temática. Todo e qualquer ente privado tem que ser constituído indicando suas finalidades e objetivos sociais. Enfim, essa associação ou ente privado só tem legitimidade para as ações que estão de acordo com seus objetivos. Exemplo didático: Associação dos Direitos das Donas de Casa com Unhas Encravadas. Se há determinada rede de salões de beleza que não observa determinado procedimento de segurança ou higiene, elas poderão ajuizar contra essa rede. É, na verdade, um requisito parcialmente objetivo.

Por fim, tem-se o requisito da representatividade adequada ao grupo que pretendam defender em juízo. Deve-se comprovar que representa um grupo de pessoas que efetivamente é atingido por aquela situação. Como nas class actions americanas. E não só fazer a alegação disso. Associação composta de três pessoas não tem legitimidade porque não tem representatividade. São três requisitos que os entes privados têm que preencher.

Sindicato de trabalhadores têm legitimidade adequada? Não. E um eventual “Sindicato dos Trabalhadores em Lâminas do Distrito Federal”? Aí sim, Teria. Uma “Associação dos Consumidores de Veículos Automotores do Distrito Federal?” Com alguma discussão, teria legitimidade para a ACP.

E os partidos políticos? Têm legitimidade? A ideia é afastar o populismo. Não se quer a utilização de entes privados usando ações civis públicas como medidas populistas ou eleitoreiras. O partido tem representatividade adequada, desde que tenha membros eleitos no Congresso Nacional. Ou nos Legislativos locais. Se partidos fossem legitimados para ação civil pública, seria um caos. Mas são entes privados. Então onde esbarram? Na pertinência temática. A finalidade de um partido político não é exatamente a defesa do meio-ambiente, ou do consumidor. Talvez o PV, mas não se enquadram com o objetivo das ações civis públicas. O objetivo social dos partidos políticos é a representação política ligada aos seus ideais. Essa é a ferramenta que impede ações civis públicas movidas por partidos políticos. Felizmente.

Então, em matéria de associações, é bom que haja representatividade adequada, e, em termos de partidos, pertinência temática. Do contrário seria um instrumento de se angariar votos, ou seja, populismo barato.