Quando falamos em ação
coletiva, temos que entender um pouco de legitimação para saber quem irá ficar
no polo passivo, no polo ativo, ou, na verdade, quem poderá figurar no
processo, ser parte legítima da ação.
Quando pensamos em
legitimidade pensamos em legitimação. Temos a legitimação extraordinária e a
legitimação ordinária. Nas ações coletivas temos as legitimações
extraordinárias, pois o legitimado não ajuíza a ação em nome próprio. E o que é
legitimação ordinária? É exatamente a regra. A regra é que a parte, para
ajuizar uma ação, tenha legitimação ordinária, seja titular ela mesma do
direito em questão.
A legitimação ordinária é
a forma clássica de defesa dos interesses em juízo. Se dá basicamente pela
pessoa atingida de alguma forma. Ou seja, por aquele cujo direito material é
violado. Analisamos a titularidade do direito material num colóquio: se alguém
pegou câncer bucal por conta do vício em cigarro e desejar propor uma ação em
face da Souza Cruz, a pessoa é a legitimada ordinária, pois ela é a própria
titular do direito violado, no caso, a saúde.
Legitimação
extraordinária é a forma anômala de defesa de interesses em juízo. Defesa se dá
por parte de quem não é titular de
direito material. O normal é que o titular do direito material defenda seus
interesses em juízo. O que distorce essa realidade é o ingresso de alguém em
juízo defendendo direito material alheio. Daí temos a legitimação anômala ou
extraordinária. Por que extraordinária? Porque dependerá de lei para existir,
de expressa disposição legal.
Posso ajuizar uma ação em
seu nome? Não. E se a lei disser que eu posso? Então posso! Regra simples da
legitimação extraordinária. Se você é titular de um direito, e vejo que seu
direito está sendo violado, então não posso fazer nada, por mais que eu me
solidarize. Mas se a lei permitir, poderei interpelar o Judiciário, por exemplo
se você for inerte.
Se a lei permitir,
poderei ajuizar uma ação reivindicando direito de outrem. Não sou titular, mas
me apresento em juízo para defender direitos de terceiros. Um sindicato só
existe porque a lei assim define. Na verdade, as associações e os sindicatos
existem porque a lei assim define. O sindicato só litiga porque a lei permite
que ele litigue em nome de terceiros. Se não permitisse, não litigaria, pelo
menos não em nome de outrem.
Essa legitimação é
excepcional, e constitui uma exceção à regra, em que pese as ações coletivas se
transformarem na própria regra, porque o indivíduo não pode ajuizar uma ação
coletiva; ação coletiva em sentido lato, de modo que só quem ajuizará a ação
coletiva serão terceiros, buscando defender interesses desses indivíduos. Que
terceiros? Os legitimados: Ministério Público, os entes políticos, entidades e
órgãos da Administração Direta e Indireta, e associações que tenham pertinência
temática, observados os demais requisitos. Então a regra é a anomalia. Teremos
também a necessidade de disposição legal. E ocorre não somente para buscar a
reparação do dano, mas para garantir a efetividade da satisfatividade por conta
do direito violado. A parte defende em nome próprio interesse alheio nas ações
civis públicas e ações coletivas, e legitimação se dá em nome da efetividade da
defesa do interesse violado.
Estacionamento de
shoppings: não é medida populista? Recentemente começou-se a cobrar por
estacionamento em shopping de Brasília. De repente os parlamentares locais aprovam
lei proibindo a cobrança, sob o fundamento de que o consumidor já paga pelo
valor da segurança gastando dentro do estabelecimento. Isso porque o shopping
tem responsabilidade sobre os carros deixados no estacionamento independente de
cobrar diretamente ou não, pois aquilo é um depósito. O Shopping Iguatemi
impetrou mandado de segurança com pedido de liminar, que foi concedida. A juíza
entendeu eivada de inconstitucionalidade formal a lei distrital por ser uma
norma que trata do direito de propriedade, cuja edição é de competência da
União. Isso denota a iniciativa populista dos parlamentares distritais.
Quer-se a efetividade do
direito. Onde está essa efetividade? No descumprimento da norma? Não. Se o
shopping cobra, quero sair e a lei permite, então não vou pagar.
Em matéria de
legitimação, por outro lado, quem poderia ajuizar, com base nessa lei distrital,
contra os violadores? Ou quem poderia acionar os órgãos de defesa? O legitimado
extraordinário. Este pode um dia ser legitimado ordinário? Sim: desde que haja direito
material dele em jogo, a legitimação dele deixará de ser extraordinária e passará
a ser ordinária.
Organização fictícia:
“ABCDE – Associação Brasiliense de Cidadãos Despojados pelos Estacionamentos.” Ela
poderá ser legitimada para ajuizar ação civil pública contra o shopping XYZ,
desde que cumpra o requisito da constituição há mais de um ano. Os requisitos
vamos ver mais detalhadamente à frente, mas a pertinência temática é facilmente
comprovada, e a representatividade deverá ser provada. A legitimação é
ordinária ou extraordinária? Extraordinária, porque a associação pedirá, em
juízo, direito de outrem. Porém, se a própria associação possuir, dentre seus
bens, um veículo e, em algum momento este veículo ficar retido na cancela na
saída do estacionamento do shopping, ela passará a ter legitimação ordinária, e
o direito atingido passa a ser o dela mesma.
Têm legitimidade ativa nas ações civis públicas, portanto:
O Ministério Público tem
uma postura muito mais ativa do que a Defensoria. Ao menos aqui em Brasília, a Defensoria
sempre se põe numa posição passiva, pelo menos na maior parte das vezes. Espera
ser instigada para agir. Já o Ministério Público não; ele investiga, vai atrás,
por conta de seu papel de custus legis.
Se algo estiver errado, propõe ação civil pública. A Defensoria Pública, na prática,
não ajuíza ações civis públicas como outros colegitimados poderiam fazer.
Entes federativos: vemos
muito pouco. Ações movidas por entes da Administração Pública Direta ou
Indireta também são raros. O que veremos mais são as associações. São como se
fosse o braço privado do Ministério Público. Elas têm ajuizado bastantes ações
civis públicas. O Ministério Público atua como custus legis em nome do poder público, as associações atuam em nome
dos particulares. Parte da legitimidade fica caracterizada como sendo extraordinária.
Nem o Ministério Público nem as associações estão a buscar garantias de
direitos seus, mas sim a efetividade de direitos metaindividuais, dos quais não
são titulares originários.
Com o Código de Defesa do
Consumidor tivemos uma pequena mudança na Lei de Ação Civil Pública em relação
à legitimidade. Isso quer dizer que o CDC passou a autorizar que entes ligados
ao sistema nacional de defesa do consumidor pudesse, também, ter legitimidade
para o ajuizamento das ações coletivas. Há o Departamento de Proteção e Defesa
do Consumidor – DPDC e a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor – Procon. Aquele
é do Ministério da Justiça, esta é fundação pública, que conhecemos, na maior
parte das vezes, como Procons estaduais. Aqui temos o Instituto de Defesa do
Consumidor – o Procon-DF, que é uma autarquia. O que temos no Distrito Federal
não se repete fora daqui: temos uma natureza distinta dos estados. Alguns
estados criaram Procons municipais. Vitória, por exemplo, tem o seu. Pouco
importa a natureza desses órgãos. O que importa é que esses entes têm
legitimidade para propor ações coletivas, inclusive os Procons municipais.
Nas associações civis ou
nas entidades privadas, temos um problema maior. É a questão da tentativa do
legislador de afastar a utilização política dos entes privados com relação a
ações civis públicas e ações coletivas. O legislador estabeleceu que: se temos
uma associação pretendendo ajuizar uma ação civil pública, ela, diferentemente
do Ministério Público, ela terá que preencher determinados requisitos.
Primeiro, estar constituída a um determinado número de meses. Requisito
temporal, que é um requisito objetivo. Em nossa lei, temos a exigência de estar
a associação constituída há pelo menos 12
meses. Com 11 meses ainda não há legitimidade para a propositura de ACP. É
o requisito mais fácil de ser observado. Constitui-se a associação, olha-se a
data do ajuizamento da ação, determina-se se o intervalo é de pelo menos 12
meses e pronto. Há até divergência jurisprudencial no sentido de que admite-se
que a associação ajuíze a ação sem os 12 meses de constituição, porém, no momento
em que o processo é despachado, ela terá que ter completado o primeiro ano. É
uma divergência relativa.
O segundo requisito é da pertinência temática. Todo e qualquer
ente privado tem que ser constituído indicando suas finalidades e objetivos
sociais. Enfim, essa associação ou ente privado só tem legitimidade para as
ações que estão de acordo com seus objetivos. Exemplo didático: Associação dos Direitos
das Donas de Casa com Unhas Encravadas. Se há determinada rede de salões de
beleza que não observa determinado procedimento de segurança ou higiene, elas
poderão ajuizar contra essa rede. É, na verdade, um requisito parcialmente
objetivo.
Por fim, tem-se o
requisito da representatividade adequada
ao grupo que pretendam defender em juízo. Deve-se comprovar que representa
um grupo de pessoas que efetivamente é atingido por aquela situação. Como nas class actions americanas. E não só fazer
a alegação disso. Associação composta de três pessoas não tem legitimidade
porque não tem representatividade. São três requisitos que os entes privados
têm que preencher.
Sindicato de
trabalhadores têm legitimidade adequada? Não. E um eventual “Sindicato dos Trabalhadores
em Lâminas do Distrito Federal”? Aí sim, Teria. Uma “Associação dos Consumidores
de Veículos Automotores do Distrito Federal?” Com alguma discussão, teria
legitimidade para a ACP.
E os partidos políticos?
Têm legitimidade? A ideia é afastar o populismo. Não se quer a utilização de
entes privados usando ações civis públicas como medidas populistas ou
eleitoreiras. O partido tem representatividade adequada, desde que tenha
membros eleitos no Congresso Nacional. Ou nos Legislativos locais. Se partidos
fossem legitimados para ação civil pública, seria um caos. Mas são entes
privados. Então onde esbarram? Na pertinência
temática. A finalidade de um partido político não é exatamente a defesa do
meio-ambiente, ou do consumidor. Talvez o PV, mas não se enquadram com o
objetivo das ações civis públicas. O objetivo social dos partidos políticos é a
representação política ligada aos seus ideais. Essa é a ferramenta que impede
ações civis públicas movidas por partidos políticos. Felizmente.
Então, em matéria de
associações, é bom que haja representatividade adequada, e, em termos de
partidos, pertinência temática. Do contrário seria um instrumento de se
angariar votos, ou seja, populismo barato.