Direito Tributário

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Princípio da legalidade - continuação


Vamos continuar os princípios. Temos que sair desse fatídico princípio da legalidade. Não podemos ter somente em vista que o tributo será criado só por lei e suas exceções. Na Constituição é assim, mas o Estado visa incluir um princípio maior, também elementar do Direito, que é o da segurança jurídica. Não mais admitimos um tributo que seja deliberação unilateral de um déspota, de um monarca.

Vimos algumas exceções.

O princípio da legalidade não se exalta somente no texto constitucional. Também temos no Código Tributário Nacional. Para aprender Direito Tributário, temos que saber a Constituição da República e o Código Tributário Nacional. São as duas normas fundamentais que regem a tributação no Brasil. Certamente que a Constituição tem mais peso.

Mas, se por outro lado a Constituição empreende o princípio da legalidade, no art. 150, inciso I, cujo tema é a instituição ou majoração de tributos, também o Código Tributário Nacional tem, em seu art. 97, o princípio da reserva legal. Então toda vez que o perguntarem: o que precisamos de lei para saber Direito Tributário? Constituição e CTN. A doutrina diz que no CTN temos princípio da reserva legal e na Constituição o da legalidade. Mas é algo doutrinário, porque temos que o tributo só precisa de lei e ponto final.

Pelo CTN, precisa-se de lei para extinguir e instituir tributos. Extinguir que é a novidade, porque, pelo Código Tributário Nacional, só quem pode extinguir tributos é o legislador que o criou. Tributo é criado por lei, então é extinto por lei. Princípio da simetria das formas, do Direito Administrativo. Quem faz nascer o tributo é a lei, quem faz morrer é a lei também. Ficaria muito complicado se o Parlamento criasse uma lei, para depois vir o Poder Executivo extinguindo-a por decreto, ato unilateral. A Separação dos Poderes ficaria arranhada.

Majorado por lei, reduzido por lei. Com exceções previstas na Constituição: II, IR, IPI... só quem mais pode reduzir a carga tributária é o legislador ordinário strictu sensu. Simetria da forma, a não ser nas exceções previstas em nossa Constituição.

Cabe também à lei definir o fato gerador do tributo. O tributo nasce por lei e a esta lei cabe a definição do fato gerador daquele. Sem fato gerador, não se tem tributo do ponto de vista material. Câmara Legislativa cria o IPVA, mas não define o fato gerador. Colocou para o Poder Executivo definir o fato gerador, violando o princípio da legalidade. Nessa instituição do tributo, vem a definição do fato gerador pela lei. Não cabe a outro poder definir.

Quando falamos de imposto, lembrem-se que temos impostos, taxas e outras três espécies tributárias. A Constituição diz que o fato gerador do imposto será definido por lei complementar. É o art. 146 da Constituição. Não é exceção porque também depende de lei, só que complementar. As alíquotas também tem que ser previstas na lei. É verdade que há tributos cujo Poder Executivo pode alterar as alíquotas, mas seguem o limite da lei. Não tem como o legislador fugir: ao criar, tem-se que criar alíquotas máximas.

A base de cálculo do tributo também tem que ser fixada por lei. Valor venal do imóvel, valor de circulação da mercadoria, etc. Trata-se do aspecto quantitativo da norma. Fixa-se a alíquota e a base de cálculo, assim fixa-se o aspecto quantitativo. De vez em quando encontramos loucuras do legislador criando leis e indicando o Poder Executivo como o poder competente para fixar a alíquota e a base de cálculo. O legislador tem que ter dignidade de fixar.

Então, no imposto, fixa-se o fato gerador por lei complementar.

Há penalidades, também, para reduzir ou dispensar do pagamento do tributo. São sanções em razão da não observância da legislação. Cominação de penalidades é quase sempre pecuniária, porque na verdade também há as sanções politicas. Não ter certidão negativa de débitos tributários, não poder negociar com o poder público, não receber recursos federais, entre outras proibições.

Essas multas tributárias sempre têm que estar previstas em lei. Princípio da legalidade: até para reduzi-las ou dispensá-las só o legislador pode fazer. O examinador, numa prova de segunda fase subjetiva, criou uma situação hipotética: determinado município criou um tributo de sua competência, por lei. Essa lei fixou qual o fato gerador, qual era a alíquota, qual era a base de cálculo. Porém, em determinado artigo dessa lei, ficou estabelecido que o não cumprimento do recolhimento do tributo na data prevista na legislação acarretaria uma multa a ser fixada por ato do Poder Executivo. E ainda, o Senhor Prefeito soltou um decreto regulamentando o referido artigo, dizendo que o não cumprimento da legislação tributária acarretaria uma multa de 10%. Analise a questão dissertando quais os defeitos e anomalias, se existentes, nessa situação hipotética.

Existe? Sim, há anomalia terrível. Não se pode delegar ao Poder Executivo: pelo Código Tributário Nacional, sob o prisma do princípio da legalidade, cabe à lei fixar a penalidade. Não se pode abrir ao Executivo. “O prefeito está certo! A própria lei o deu essa delegação!” Não exatamente. Não caberia ao legislador delegar essa matéria.

Na vida real, quando isso ocorre, é porque o prefeito quer superpoderes. O legislador age só como intermediário. Cria formalmente, e deixa materialmente tudo na mão do prefeito: coisas que deveriam ser legisladas strictu sensu e não por portaria ou decreto. Viola a Constituição e o CTN.

As hipóteses de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário vamos deixar para depois.

Esse é o princípio da legalidade, versus o princípio da reserva legal. Diferença acadêmica apenas.

Isso tudo é uma introdução para chegarmos num tópico mais complexo um pouco.

O que depende de lei no Direito Tributário? Criar, instituir, majorar, reduzir, com as exceções, dizer qual a alíquota, a base de cálculo, as penalidades. Criar o tributo! Quem vai pagar, o fato gerador, os aspectos necessários para que o tributo nasça.

Alguns problemas de concurso voltam. Então façam muito exercício, porque você pega o estilão, e também pode vir algo igualzinho!

Para o CTN, no art. 97, toda vez que o legislador alterar a base de cálculo de um tributo, e torne mais onerosa para o contribuinte, isso se equivale a aumentar tributo. IPTU sobre imóvel de R$ 400 mil. Alíquota de 1% correspondem a 4 mil reais. Base de cálculo: valor venal do imóvel. Quando chega ao ano seguinte, aliás, antes mesmo, o governo notou que esse imóvel sofreu sensível valorização, e foi para R$ 800 mil. O governo quer usar o valor venal do imóvel. Quer enviar o carnê de R$ 800 mil, sem mexer na alíquota. O que irá gerar R$ 8000 mil de imposto. O que foi feito? Entre dois anos consecutivos, o governo alterou a base de cálculo. A alíquota não foi alterada. Mas posso dizer que a situação fiscal do cidadão ficou mais onerada? Sim, vai pagar o dobro. E a base de cálculo mudou. Isso equivale a aumentar tributo. Então só poderia ser feito por lei. O governo terá que ir ao Parlamento modificar essa base de cálculo para aplicar a novo tributo. Não é impossível a mudança, mas obedece a uma formalidade.

Por outro lado, o CTN tem o instituto de atualização da base de cálculo, em que não se considera como aumento de tributo. Digamos que tenha havido inflação de 10% entre esses dois anos. O governo, então, envia o carnê de R$ 440 mil. Foi 10% do valor do bem, porque teve inflação. Continua tributando em 1%, o que resultará em uma tributação de R$ 4.400,00. Neste caso, houve aumento de tributo? Para o Código Tributário Nacional, não. Houve apenas uma atualização monetária. Atualizar não é aumentar.

E quando atualizamos a base, não há necessidade de uma lei para isso, basta um decreto. É o que acontece na vida real. Todo final de ano em boa parte dos municípios os prefeitos soltam decretos atualizando as bases de cálculo. Não é aumento e pode ser feito via decreto.

Súmula 16 do STJ – É defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.

Superior ao índice oficial de correção monetária! A Súmula diz tudo, é didática. “Poder Executivo, você não pode, por decreto, a pretexto de atualizar, ultrapassar a correção monetária oficial, ou você estará aumentando tributos.” Submete-se ao princípio da legalidade. Pode cair!

STF, RE 183907/SP

SÃO PAULO. UFESP. ÍNDICES FIXADOS POR LEI LOCAL PARA CORREÇÃO MONETÁRIA. ALEGADA OFENSA AO ART. 22, II E VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Entendimento assentado pelo STF no sentido da incompetência das unidades federadas para a fixação de índices de correção monetária de créditos fiscais em percentuais superiores aos fixados pela União para o mesmo fim. Ilegitimidade da execução fiscal embargada no que houver excedido, no tempo, os índices federais. Recurso parcialmente provido.

Mas que índice é esse? Será que alguns estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, e também o Distrito Federal podem fixar seus próprios índices de correção a título de atualização? Há um índice estabelecido pelo DF, que não está muito consentâneo com o índice da União. Isso viola a Constituição, ou observa a distribuição de competências? Essa pergunta foi feita ao Supremo Tribunal Federal. Foi feita porque algum estado ou município fixou o seu próprio índice. Nisso, o Supremo disse: em primeiro plano, índices de correção monetária e inflacionários dizem mais respeito ao Direito Monetário, o que é competência exclusiva da União. Ela é que fixará esses índices. A inflação é do Brasil, e não do Distrito Federal. Pega as médias dos estados. O STF disse que não há problema em os estados fixarem seus índices de correção, desde que não ultrapassem o índice oficial da correção. Em outras palavras, “DF, você pode fixar seu índice de correção, mas seu limite máximo será o índice da União.”

Há estados que têm índices tão complexos de correção monetária que o contribuinte, quando paga em atraso, paga muito mais do que deveria. Mas ninguém conhece sua realidade fiscal... Mal sabem que o legislador utilizou-se de subterfúgios e quebrou a própria jurisprudência do STF. Em São Paulo contribuintes questionaram a lei paulista. Legislador faz sim! É assustador o que os estados produzem de norma.

A fixação ou alteração do prazo de recolhimento do tributo não necessita de lei. O Estado pode determinar que você pode pagar o tributo de abril até dia 10 de maio. Entretanto, não há o problema em se alterar do dia 10 para o dia 1º. Não precisa de lei, até porque temos aqui que o princípio da legalidade tem dois verbos mais importantes: criar tributos, majorar tributos. Diminuir data de vencimento não significa aumentar ou diminuir tributos. Pode ser feito por portaria. Já caiu em prova: é disposição administrativa da data de vencimento do tributo.

Questão da OAB/CESPE:

Determinado município da Federação, por intermédio do Poder Executivo, expediu ato para a atualização do valor monetário da base de cálculo do ISS. Nessa situação, com base na legislação aplicável, é possível concluir que a referida atualização deveria ter sido feita por lei em sentido estrito, sendo, portanto, inválida, na forma como foi procedida, a referida atualização monetária. (Cespe/OAB-SP/135º Exame/ Caderno 1/2008/Questão 87, assertiva A)

Verdadeiro ou falso? Falso. Acabamos de ver por quê.

Um dos princípios de maior abrangência e relevância para o direito tributário é o da legalidade, cujas disposições vão além da mera obrigação de estabelecer tributo por meio de lei. Todavia, nem tudo no direito tributário está submisso a tal princípio. Nesse contexto, independe de lei a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas. (3º Exame da Ordem/1ª fase/2006/Cespe (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte) Caderno A/Questão 91/Assertiva A)

Penalidades têm que ser instituídas pelo legislador!

Não acabamos o princípio da legalidade. Há mais um detalhe que precisamos ver aqui. É o art. 150, § 6º da Constituição, que quase nunca é mencionado na graduação em Direito. Poucos conhecem o parágrafo, e acreditam que o princípio da legalidade se resume a: “o Estado não pode aumentar tributo sem lei, nem instituir tributo sem lei, e as exceções são aquelas ali que vimos. E bola para frente, assunto fechado.” Na verdade, são vários os desdobramentos do princípio da legalidade. Um deles é o § 6º do art. 150, que nem constava da redação originária da Constituição. Foi objeto de uma emenda constitucional de 1993.

§ 6. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Essas expressões são figuras que ainda não temos intimidade. Vamos trocar as palavras para entendermos, então. Troque todas essas palavras estranhas que vão até “remissão” por “benefício fiscal”. Agora sim. É como se a Constituição dissesse: qualquer benefício fiscal relativo a imposto, taxa, contribuição só poderá ser concedido mediante lei específica federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2, XII, g. Muito bem. Quando lemos esse artigo à queima-roupa, sem fazer este estudo, não entendemos absolutamente nada. Mas, esse artigo é de uma preciosidade muito grande. Em outras palavras, o que o legislador quer dizer é que: quando for concedido benefício fiscal ao contribuinte, isso tem que ser feito por lei, que regule ou o tributo relacionado ao benefício, ou que o benefício seja correspondente com a matéria fixada por lei. Isso dirá muito sobre as práticas de nosso Congresso Nacional.

Se o Congresso vai aprovar a lei relativa ao programa Minha Casa, Minha Vida, e digamos que seja uma lei grande. Não há problema algum que, lá no art. 73, essa lei contemple esse programa com incentivo fiscal com cobrança de IPI para produtos industrializados para a construção da casa popular. O objeto é baratear e financiar essa moradia. Parece que qualquer benefício fiscal que venha no sentido de desonerar a fabricação dessas casas está relacionado a essa norma. Isso a Constituição quer. O que não quer é que o legislador enxerte benefícios alheios ao que esteja sendo discutido. Pergunta: açúcar refinado nas indústrias do Nordeste: nada tem a ver com a construção de moradias. Os usineiros terão redução de IPI prevista numa lei que fala de Minha Casa, Minha Vida??

Se é para dar redução sobre IPI para usineiros, que se faça lei sobre IPI, ou que disponha sobre açúcar. Não se podem inserir benefícios casuísticos no bojo de leis estranhas.

Questão da ESAF:

“Decreto que reduz o prazo de recolhimento de imposto é inconstitucional, porque o prazo integra as exigências do princípio da legalidade.” (Esaf/2005/Auditor Fiscal da Receita Estadual/AFRE-MG/Nível Superior/Auditor Fiscal - (Prova II e III), questão 33, assertiva E)

É só data de interesse administrativo. Não se aumenta, reduz, institui nem extingue tributos. Por isso é incorreta a assertiva.

OAB Nacional, elaborada pela banca do CESPE:

“A norma constitucional impõe que os impostos sejam criados por lei complementar.” (1ªfase/2007/Cespe – OAB-TO, SE, RN, RJ, PI, PE, PB, MT, MS, MA, ES, DF, CE, BA, AM, AP, AL, AC. Caderno A/Questão 88/Assertiva A).

A instituição, pela União, de benefício fiscal referente ao IR poderá ser feita tanto em lei que trate do benefício quanto em lei que trate do IR.

Alguns precedentes do STF:

Não implica ofensa a legalidade tributária o fato de a lei deixar o regulamento a complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e grau de risco “leve, médio e grave” (RE 567544 - AgR).

Somente a lei pode criar, majorar ou reduzir os valores das taxas. Assim, fere a legalidade a instituição dos emolumentos cartorários por Tribunal de Justiça, bem como as normas por meio das quais a autarquia institua uma taxa sem lei que o autorizasse (ADI 1709, ADI 1823 – MC)

No primeiro, temos que não fere o princípio da legalidade tributária o fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos. Supremo disse que a lei tem que criar o tributo, a base de cálculo, o fato gerador, as alíquotas. Outros conceitos que a lei precisar não necessariamente deverão estar na própria lei, podendo ser por portaria. É aquilo que se assemelha à norma penal em branco. Carece de alguns conceitos que darão vazão.

No segundo: taxa é tributo. Não podemos entender que uma taxa será modificada por atos do próprio Poder Executivo. A Constituição não deu essa autorização no campo da taxa.

Findo isso, entramos em outro princípio.

Princípio da isonomia

Art. 150, inciso II da Constituição.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

[...]

Temos que registrar que, no Direito, temos conceitos fluidos. Nem por isso deixam de ser direitos tutelados. O legislador, quando legisla e descreve, encontra em algumas circunstâncias todo um conforto para definir institutos e instrumentos. Não parece ser dificultoso conceituar “veículo automotor”. Porém existem outros conceitos que estão sob a égide do Direito que não são possíveis de serem conceituados. Há ambiguidade semântica o que tornaria perigoso o legislador tentar regular algo para fechar aquela porta.

A Constituição diz que um dos mais sagrados direitos que o cidadão tem é o direito à vida. Mas qual é o conceito de vida por si só capaz de equacionar quaisquer problemas relacionados à vida?

Também temos o direito à liberdade. E qual é o conceito de liberdade que seja capaz se equacionar qualquer problema no campo jurídico?

E o direito à igualdade. O que é ser igual? É um conceito fechado ou aberto? Tudo é aberto. Conceituar a liberdade é engessá-la. Cria-se um paradoxo.

Quando caímos na vida profissional, no Direito, se não soubermos lidar com a fluidez dos conceitos abertos, teremos a sensação de que não sabemos equacionar aquela questão. E aí não tem jeito: só quem fecha a cláusula aberta é o aplicador. Aplica suas regras de hermenêutica e, nessa metodologia interpretativa, trará todas suas caracterizações subjetivas para resolver o caso. É claro que a Constituição diz que todos deverão ser tratados de modo igual. Ninguém deverá ser discriminado por conta de sua cor, por exemplo.

Dizer que há igualdade no Direito Tributário resolve algo? Não! Mas são diretrizes, pontos cardeais que nortearão o aplicador que os invocará no caso concreto.

Alguém já falou que a igualdade tem dois aspectos: vertical e horizontal. A igualdade é uma ideia tão complexa que podemos identificar por dois caminhos: a formalidade, que é o que os olhos enxergam, formalmente, ou eu posso tirar a subjetividade dentro de uma visão das circunstâncias que caracterizam a causa e as pessoas envolvidas nela. Traz-se como exemplo o caso das cotas raciais. Até então haviam sido impetrados 15 mandados de segurança contra as cotas. Desses 15 mandados de segurança, todos tinham como causa de pedir a violação ao princípio da igualdade. E oito juízes não concederam a liminar, enquanto sete concederam. Os que concederam a liminar, segundo a autora que escreveu sobre isso, aplicaram o conceito de igualdade formal, que ela chamou de “igualdade horizontal”. Pensaram assim: todos são iguais perante a lei, independente de gênero, origem, religião, sem distinção de qualquer natureza.

Os que não concederam as liminares entenderam que a lei é constitucional, colocando a questão sob um prisma da igualdade vertical, usando aspectos não formais, mas materiais, substanciais, que vão desde a evolução histórica, a Biologia, a Antropologia, e usaram até critérios geopolíticos. Trouxeram para o subjetivismo de um conceito aberto um modus operandi de deixar a cláusula com uma visão. O Supremo Tribunal Federal terá que definir isso. Mas, haja o que houver, seja qual for o caminho usado pelo aplicador, ele não estará errado. É a simples escolha de um caminho. Nas cláusulas abertas, todo caminho é possível, desde que você fundamente esse caminho dentro de uma lógica, de uma razoabilidade e de uma proporcionalidade. O Supremo não vai errar. Há pessoas que vão sair chateadas; porque aqui não cabe decisão salomônica. Por que o Direito é tão paradoxal? Quinze mandados de segurança, sete liminares concedidas, oito negadas? É porque não estamos lidando com conceitos fechados, mas sim com conceitos abertos.

No Direito Tributário há uma vedação, tentando ajudar esse princípio, dada sua fluidez, dizendo que não se pode tratar de modo desigual contribuinte que esteja em situação equivalente. Mas situação equivalente é o quê? Pode ser visto sob o ângulo horizontal ou vertical!

Contudo, temos orientações: não se pode distinguir títulos ou direitos em relação à denominação jurídica dos rendimentos, ocupação profissional ou função exercida. Um pedinte profissional de rua, um analista de TI, um gerente de instituição financeira e uma prostituta: eu, legislador, ao aplicar o Imposto sobre a Renda, posso aplicar a discriminação pela denominação dos rendimentos? Diferenciar entre esmola, salário, participação nos lucros ou cachê? Essa é a vontade de nossa Constituição. Não resolve o assunto, sabemos. ADI 1643-DF:

(...) As sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão regulamentada não sofrem o impacto do domínio do mercado de grandes empresas; não se encontram, de modo substancial, inseridas no contexto da economia informal; em razão do preparo científico, técnico e profissional dos seus sócios estão em condições em disputar o mercado de trabalho, sem assistência do Estado; não constituíram, em escala satisfatória, fonte de geração de empregos se lhes fosse permitido optar pelo ‘Sistema Simples’”.

Todos sabemos que existe um sistema tributário chamado Simples Nacional. Quando nasceu em 1996, a tributação voltada às empresas era de competência de múltiplos entes federativos. Depois a União unificou. Quem poderia optar pelo Simples era a empresa que tinha faturamento bruto de até 2,4 milhões de reais anuais. Era empresa de pequeno porte e poderia optar pelo Simples. Na lei, vedava-se a opção, pelo Simples, de pessoas jurídicas que tivessem por objetivo o exercício de atividade em profissão regulamentada. Mesmo que faturasse menos que 2,4 milhões. Então a Confederação Nacional das Profissões Liberais, a CNPL, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade: se um escritório de advocacia faturar até 2,4 milhões, ele não poderia optar pelo simples. Um supermercado com o mesmo faturamento poderia. A comunidade jurídica discutiu, em mesas de bares forenses; diziam o Supremo deveria julgar inconstitucional. O método de interpretação que a CNPL deu foi horizontal. “O parâmetro é 2,4 milhões, e todos aqui estão na norma. Todos são iguais perante a lei e não se pode distinguir em razão de nada.” O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ação, mantendo incólume a vedação.

Interpretação econômica das decisões judiciais: coisa que estamos aprendendo a fazer. Julgar inconstitucional um tributo e não dar efeito ex-tunc. O mercado e a economia são outra coisa.

O que o supremo viu naquele caso? Trilhou qual caminho, o horizontal ou o vertical? Um escritório de advocacia que fatura 2,4 milhões por ano não pode ser alçado ao mesmo patamar de um supermercado que fatura também 2,4. É que as atividades têm suas características. O que diz o Simples? O Simples quis tirar da informalidade para a formalidade com uma tributação menor. Isso não é a realidade de determinadas atividades, só a característica formal, portanto, não se lhes aplica a lógica. O STF aplicou o conceito verticalizado de igualdade porque trouxe para o bojo da interpretação o que a simples visão linear do impetrante, que queria que o princípio da igualdade fosse visto só sob um ângulo, quando na verdade poderia ser visto sob vários. Por isso que a decisão sobre as cotas raciais será muito acirrada, porque o Supremo não se fecha a uma visão de igualdade do tipo “eu sou eu, você é você, você tem dois braços, eu tenho dois braços, somos iguais, e a partir daí, então, qualquer distinção seria desaprovada.”

O STF teve que julgar inconstitucional o dispositivo do art. 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Rio Grande do Norte. Quem fosse aposentado como promotor estaria isentado de impostos.

ADI 3260/RN

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 271 DA LEI ORGÂNICA E ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE --- LEI COMPLEMENTAR N. 141/96. ISENÇÃO CONCEDIDA AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, INCLUSIVE OS INATIVOS, DO PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS, NOTARIAIS, CARTORÁRIAS E QUAISQUER TAXAS OU EMOLUMENTOS. QUEBRA DA IGUALDADE DE TRATAMENTO AOS CONTRIBUINTES. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no artigo 150, inciso II, da Constituição do Brasil.

2. O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes.

3. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte - Lei Complementar n. 141/96.

Outros precedentes da Corte:

Não é possível o Poder Judiciário estender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a título de isonomia (RE 344331)

A instituição de incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, utiliza-se do caráter extrafiscal dos tributos, sem violar o princípio da isonomia (ADI 1276/DF)

Desrespeita a isonomia tributária a isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor público (AI 157871 – AgR);

O primeiro é bem sério: é uma visão turva do contribuinte em relação a essa questão. Fluidez não é para o extremo. “Helicóptero não é sinônimo de avião.”

ADI 1276/DF: cai em várias provas de Direito Tributário. Isenção tributária para empresas que contratam quem tem mais de 40 anos não viola a igualdade. O princípio da igualdade é uma armadilha. E não tem jeito; é um sistema aberto, que só fechamos no caso concreto.

Questão do CESPE/OAB:

“Consoante o princípio da igualdade tributária, é vedado conferir tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente. No texto constitucional, são enumerados critérios em razão dos quais é proibida a distinção de tratamento tributário. Entre esses critérios não estão incluídos rendimentos decorrentes de diferentes ocupações profissionais.” (Cespe/OAB/1º Exame de Ordem/2008/Questão 60, assertiva A)

Notaram o erro na questão acima? Acabamos de falar que a realidade da atividade de profissionais liberais pode ser diferente da realidade daquele que pratica atividades mercantis.

ESAF, auditor fiscal da Receita Federal...

“Não se permite a distinção, para fins tributários, entre empresas comerciais e prestadoras de serviços, bem como entre diferentes ramos da economia.” (ESAF/AFRF/2009 – questão 1)

...questão que é exatamente o subproduto daquele precedente do Supremo em que se entendeu que a vedação da imunidade do Simples não seria inconstitucional em razão do tipo da empresa, por causa da verticalização do sistema. Dizia a questão: “não se permite a distinção para fins tributários entre empresas comerciais e prestadoras de serviços, bem como entre diferentes ramos da economia.” Quem não conhece os precedentes tende a achar que essa assertiva é verdadeira. É falsa, na verdade. Nunca perdemos a obrigação de ler informativos! Professor entende que um bom repositório jurisprudencial é muito melhor que vários livros que adotamos na prática. A opinião do povo não necessariamente se confirma em juízo.

Moral: quando a cláusula é aberta, o exercício da interpretação é mais penoso, e até mais injusto para uns, e justo para outros.

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