Direito Tributário

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Princípios da irretroatividade e da anterioridade da lei tributária


Conversamos sobre o princípio da isonomia na aula passada, e verificamos vários desdobramentos em razão do princípio da igualdade. Apesar de a Constituição ter encontrado uma saída mais objetiva, não há jeito porque estamos diante de um conceito aberto. Pessoas não são ligadas à área jurídica têm dificuldade de compreender por que determinada discussão jurídica, na qual temos em jogo princípios e cláusulas abertas, essas cláusulas são interpretadas das mais diversas formas, ainda que se trate de uma causa de pedir. Há vários critérios subjetivos influenciando. Se o critério fosse objetivo, como A + B = C, seria mais fácil. Mas aqui A + B pode também ser = Z.

Outro princípio que chama atenção é o da irretroatividade da lei tributária. É universal.

Pela Constituição, a lei tributária, quando institui ou aumenta um tributo, não pode iluminar o passado. Os fatos passados não podem ser atingidos pela nova lei. É um princípio de segurança jurídica, porque, se não houvesse e o Estado aumentasse tributo com efeito retroativo, teríamos que pagar diferenças tributárias. Ao aumentar o ICMS, a mercadoria que vendi no ano passado não estaria protegida por este “fato consumado”. A Constituição determinou que a lei que institui ou majora tributo não pode retroagir. E também por causa inciso XXXVI do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Como temos um Sistema Tributário Nacional, a Constituição preferiu pinçar isso e delinear a regra no título da tributação. É um princípio universal de proteção ao contribuinte. A lei nova não retroagirá.

Mas não é só isso. É que, na verdade, nosso Código Tributário Nacional permite sim que a lei retroaja. Só que, neste caso, temos que interpretar o como, o quando e sob que condições a lei nova pode retroagir no aspecto tributário. Nisso temos que ver o art. 106 do nosso CTN:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

O Código Tributário Nacional saca a norma de sua manga e diz que em determinadas condições a lei pode sim retroagir. O problema é que isso leva a imaginar que a Constituição não vale nada, ou o Código é inconstitucional. Duas hipóteses: quando a lei nova for mais benéfica, ou quando for meramente interpretativa. Aprendemos isso no Direito Penal, em que existe a retroatividade de lei melhor ao réu. No Direito Tributário acontece algo parecido, guardadas devidas proporções.

O que é uma lei interpretativa? Deveria ser um conceito bem assentado à vista da Teoria Geral do Direito, lá do início do curso. Segundo doutrinadores, a interpretação das normas pode ser feita em nível doutrinário, pelos estudiosos, pareceristas, para dizer qual seria o alcance da norma em seu ponto de vista. Em Direito Tributário temos grandes pareceristas, como Ives Gandra Martins e Hugo de Brito Machado. Quando lemos a doutrina, compramos um livro para saber o que diz uma pessoa que, em tese, estudou mais que nós. Interpretação jurisprudencial: o método efetivo, porque visa a um fim prático. A doutrina e o parecer não vinculam; mas a jurisprudência sim, faz algo julgado, e é a interpretação mais usual. O que o STF acha pode não ser o que o doutrinador acha.

A terceira forma é o método autêntico de interpretação da norma, que visa a descobrir qual era o sentido lá atrás, quando foi criada, para dar maior precisão. Publicamos uma lei no Diário Oficial. Mas será que todas as leis são escritas de modo inteligível? Será que a semântica da redação está correta? Será que variações na pontuação não levam a outro sentido? Claro que acontece. E quando acontece, nada impede que esse legislador volte ao mundo jurídico para elucidar a lei anterior. Ele volta, legisla de novo, mas o intuito da lei posterior não é modificar, mas sim dar maior precisão, às vezes reconhecendo a falha semântica e normativa. Nada impede que o legislador posterior venha para qualificar a lei anterior. “Para fins de interpretação da Lei X, entenda-se como a Lei Y.” Significa que a Lei Y não muda o sentido, mas esclarece-o. No fundo, Y = X, mas posterior, com elucidação melhor. Mas o legislador não tem o hábito de voltar e elucidar pontos obscuros; “deixe que o tribunal se vire!” – essa é a mentalidade. E sabemos que o sentido da norma, em última análise, é dado pelo Poder Judiciário.

Qual é o sentido de uma norma? O Poder Legislativo só gera a lei. Mas ela será interpretada de acordo com um sistema, e não somente pelo Poder Judiciário.

Logo, leis modificativas não podem retroagir, mas se visam clarificar, podem sim! Toda lei interpretativa é, por definição, retroativa. O STF verifica que se a lei for retroativa, ela terá retroatividade na área fiscal. Só não alcançará a aplicação de multa ao contribuinte.

Exemplo: a Lei X diz que quem vendeu o produto Z paga 15% de imposto, enquanto quem vendeu o produto P paga 20% de imposto. A lei é publicada no Diário. Um comerciante, que é o destinatário dessa norma, pega-a para interpretar. Ele então nota: a Lei X, ao conceituar o produto Z e ao conceituar o produto P, tem redação obscura. O produto que ele vende pode ser tanto Z quanto P. O conceito dado pela norma não é dos melhores. Então ele recolhe como se fosse Z. Poderia ser P também. Mas como tem que recolher tributo, ele mesmo interpreta como Z. O legislador verifica que os conceitos dados de Z e P são muito ruins. Então ele edita a Lei Y, e diz: “para fins de interpretação da Lei X, de 2008, esta Lei Y, de 2009, define Z como sendo o produto ‘assim’, enquanto o produto P é ‘assado’.” Agora sim os conceitos estão claros. Mas agora ficou claro que o produto que o comerciante vende é P, e não Z. Pergunta: o Estado pode cobrar a diferença tributária? Sim ou não?

A Lei Y mudou a Lei X? Não. Não revogou, apenas clarificou, esclareceu. Para fins de análise da Lei X, devido à não clareza do conceito, tal é Z, tal é P. Se é modificativa, a lei não é retroativa. Se for interpretativa, então ela é retroativa. O comerciante vai que pagar a diferença tributária? Vai! A lei aumentou o tributo? Não, não mexeu nem em alíquota. Quando isso acontece, esta será, aparentemente, uma lei interpretativa.

E se fosse o contrário? Digamos que o nosso comerciante entendera que seu produto era P, mas depois veio o esclarecimento legal definindo o produto como Z, sobre o qual incide uma alíquota menor. Terá que receber de volta do Estado aquilo que foi pago a mais? Sim.

O que não pode é o Estado cobrar multa por estar o contribuinte em atrasado por conta da antiga lei.

Então, no Direito Tributário, se a lei for meramente interpretativa, ela retroage. A diferença terá que ser recolhida ou devolvida. O que não se pode é aplicar multa. Não se pode confundir com multa com tributo.

É difícil achar provas com questões sobre isso. Procurador do Estado de Alagoas, CESPE:

Com relação ao direito tributário, considerando que seja editada a lei ordinária Y, esclarecendo como deverá ser aplicada a lei vigente X, que possui penalidades para as infrações a seus dispositivos, assinale a opção correta.

A) A lei Y só poderá ser aplicada a ato e fato futuro ou pendente, como rege o CTN.

B) A lei Y sempre terá aplicação a ato ou fato pretérito, quando houver a imposição de penalidades às infrações dos dispositivos interpretados.

C) A lei X foi revogada, pois a lei Y regulamentou a mesma matéria.

D) Em qualquer caso, quando for expressamente interpretativa, a lei Y aplicar-se-á a ato ou fato pretérito.

E) Fato gerador ocorrido antes da vigência da lei Y não será por ela atingido, em virtude do princípio da irretroatividade.

CESPE/PGE-AL/Procurador do Estado de Alagoas/2009/QUESTÃO 56)

Vamos analisar as alternativas. A: a Lei Y veio para esclarecer. Se é uma mera lei esclarecedora, o efeito é retroativo. B: não, porque o Código é claro, embora seja retroativa para cobrar qualquer diferença de tributos, a penalidade (multa) não pode ser aplicada em razão de esclarecimento legal a posteriori. C: errado, porque a lei interpretativa não revoga a lei interpretada, apenas traz melhor qualificação. D, que é a correta. E: falso, porque a irretroatividade só se aplica quando a lei nova criar tributo ou aumentar tributo. Lei interpretativa não faz nada disso.

Bom, a lei interpretativa retroage. Fora a lei interpretativa, também retroagem as leis mais benéficas no aspecto tributário. Muito parecido com o Direito Penal. Mas teremos, aqui, uma comparação mais parcimoniosa. No Direito Penal, a retroatividade da lei penal mais benéfica é quase absoluta. É garantia constitucional do indivíduo.

No Direito Tributário, também existe essa garantia, mas não foi alçada a nível constitucional, não está no art. 5º nem no art. 150 da Constituição, mas no art. 106 do Código Tributário Nacional, transcrito acima. E tem resistências, não é absoluta. A lei tributária melhor só retroage se o ato não estiver definitivamente julgado. Diferente do Direito Penal, em que, se a lei melhor vem depois e diminui essa penalidade, a nova lei retroage com força suficiente para quebrar a muralha do trânsito em julgado, e o apenado terá seu benefício. No Direito Tributário não. Se já houver trânsito em julgado do ato que foi tido como mais benéfico, a lei nova vai bater no muro da coisa julgada. É uma diferença marcante. No Direito Penal, a lei transpassa.

Mas quais seriam as situações em que a lei melhor relativa a um ato não julgado retroagiria? Não é em qualquer situação. São três as situações: a primeira, a mais óbvia, é na ocasião de a lei nova deixar de considerar o ato como infração, desde que não esteja definitivamente julgado. Se eu deixei de recolher o tributo e isso hoje é uma infração, se amanhã a legislação disser que não há problema em recolher em atraso, se o ato meu de não recolher em tempo não estiver definitivamente julgado, essa lei retroage para me alcançar.

O que é definitivamente julgado, para fins da interpretação do art. 106? É no campo da esfera judicial, enquanto ainda houver possibilidade de se interpor recurso. Sem trânsito em julgado, portanto. Você não paga o tributo e a multa por isso é de 40%. O Fisco faz o auto de infração. Você recorre administrativamente, e nada. Manteve-se o lançamento do tributo. Você não paga o tributo e o inscrevem na Dívida Ativa. A Fazenda leva adiante uma execução fiscal. Você embarga. Sentença de primeira instância com seus embargos julgados improcedentes. Você apela. Acórdão do tribunal, mantendo a decisão. Você interpõe embargos de declaração, que são acolhidos. Sanada a deficiência na decisão colegiada, você em seguida interpõe REsp e RE. O Ministro vai analisar. Nesse longo intervalo, veio uma lei melhor. Estou falando de um tributo que você não pagou no ano de 1998 e estamos em 2012 com RE pendente. Nova lei veio diminuir a multa para 20%. Essa lei retroage? Sim! Esse ato efetivamente julgado é na esfera judicial. Antigamente pensava-se só no campo do processo administrativo. Mas não é mais a resposta do Judiciário em relação a esse tema.

Segunda situação em que a lei retroage: quando a lei nova deixar de considerar o ato como obrigação de fazer ou não fazer desde que essa omissão não tenha sido fraudulenta para que eu não pagasse tributos. Neste caso, o que acontece? Nós contribuintes temos deveres para com a Fazenda. Dentre eles que os tributaristas chamam de obrigação acessória, que é a de entregar declaração, prestar informações. Estamos no meio de um período de apresentar declaração de pessoa física. É uma obrigação de fazer. E somos obrigados sob pena de incorrer em multas e sanções. Se sou obrigado a declarar, a entregar, a produzir à Receita e não faço, eu fatalmente estarei no campo da sanção. Mas se a lei posterior disser que aquilo ali não é mais uma obrigação de fazer, poderei ser beneficiado com a retroatividade dessa norma, desde que: o fato não esteja definitivamente julgado, e desde que não se tenha feito de má-fé, com dolo. Neste caso o CTN não permitirá a retroatividade. Na pessoa física é difícil de acontecer, mas na pessoa jurídica é facinho.

Até temos um caso concreto que é o da declaração de IRPF do isento. Até certo tempo atrás, a Receita queria que o isento prestasse uma declaração, mesmo que isento. Tinha um período para isso. O que acontecia com o isento que não entregasse sua declaração? CPF poderia ser suspenso, e até cancelado até você entregar. Depois se perdeu o interesse em receber declaração de isentos. Foi uma obrigação de fazer que deixou de existir. Retroage, portanto, desde que não tenha sido fraudulento e desde que o ato não tenha sido definitivamente julgado.

Quando a lei posterior for menos severa, ela retroagirá se o ato não estiver definitivamente julgado. E aqui acabamos este tópico chegando à seguinte conclusão: a lei tributária só será retroativa quando estiver tocando no campo da infração, basicamente. Seja para desconsiderar como infração, seja para desconsiderar como uma omissão naquilo que eu deveria fazer e não fiz e a lei disse depois que não precisava mais, ou seja, para punir, com penalidade menos severa. E assim sendo, chegamos a uma confusão maior ainda. É que, quando se trata de tributação propriamente dita, não interessa a lei posterior. Você pagará com a alíquota válida na época do fato gerador. O Código fala em infração e multas, mas não imposto, jamais. Se em 2008 o tributo é de 20% e a multa é de 40%, e em 2009 a lei diminui o imposto para 1% e a multa para 5%, só o que retroagirá será a multa. Qualquer tributação, e não somente imposto.

Questões de prova:

A lei tributária expressamente interpretativa pode retroagir para instituir cobrança sobre fato gerador passado. (1º Exame da Ordem – 1ª fase/2004/Cespe/Espírito Santo/Questão 81/Assertiva C).

Não pode. Mas essa é uma questão que não interessa muito para nós.

“A pessoa jurídica Alfa foi autuada pela autoridade competente, em virtude de não ter satisfeito determinadas obrigações acessórias na importação de bens de capital. Irresignada, Alfa apresentou defesa escrita, pugnando pela revogação do auto de infração. Antes do julgamento pelo órgão competente, foi publicada lei que tornou desnecessária a referida obrigação acessória, nos procedimentos de importação de bens de capital. Nessa situação, confirmada a existência do fundamento legal da obrigação acessória, independentemente de sua posterior revogação, o auto de infração deve ser considerado válido, não sendo aplicável ao caso a lei posterior. (Cespe/OAB-SP/135º Exame/Caderno 1/2008/Questão 87/Assertiva D).

Falso. Porque a lei posterior extinguiu a obrigação de fazer e não há ainda trânsito em julgado ¹

Mais uma:

Osvaldo, que foi notificado pelo fisco para o pagamento de um imposto de R$ 10.000,00 e multa de 20%, impugnou o lançamento e, no curso do processo, declarou-se devedor dos R$ 10.000,00 e requereu a exclusão da multa, por denúncia espontânea. Ainda no curso do processo, advieram duas leis: uma que alterou a alíquota da multa para o correspondente a 10%, e outra, posterior, que alterou a alíquota para 15%. Nessa situação, o percentual de multa que Osvaldo terá de pagar é igual a 10%. (OAB – Nacional/Cespe 2007.3/Questão 90/Assertiva B)

Verdadeiro. Aliás, o professor se lembra bem dessa questão, porque na época, a prova da OAB continha 100 questões, e o candidato tinha que acertar no mínimo 50 para ir à segunda fase. Hoje é 80-40. Aqueles alunos de 49 pontos fizeram um grande esforço para que uma questão fosse anulada. Na verdade, era uma questão de marcar X, e havia alternativas com diferentes percentuais. A letra A era 20%, a B 15%, a C 10%, e assim sucessivamente. Boa parte dos alunos dos alunos marcou a letra B, com 15%, quando, na verdade, o gabarito foi 10%. Como entendiam esses alunos? Se Osvaldo não pagou o tributo em determinada época em que a multa era de 20%, quando ele foi pagar, essa multa era de 15%, que era melhor que de 20%. Então se a última multa vigente era de 15%, melhor que a primeira, que era de 20%, Osvaldo estaria sendo beneficiado, de modo que esta seria a multa aplicada ao fim e ao cabo. Só que tem um detalhe. No meio dos 20% e dos 15%, a multa esteve no valor de 10%! Se a multa foi reduzida para 10%, ela automaticamente retroage! Então os 15% tinham que ser comparados com 20% ou com 10%? Com 10%, e 15% é pior que 10%. Então não pode retroagir a lei que seja pior, só a lei que seja melhor, no campo penal tributário. Logo, prevalece a multa de 10%. Por isso que essa questão não é nula nunca. E aqueles que estavam com 49 pontos precisavam de outro recurso porque aqui não daria não.

Princípio da anterioridade

Esse princípio que estamos estudando é o que tem mais desdobramentos na jurisprudência. Há coisas curiosíssimas, que talvez nem tenhamos imaginado.

Regra básica: segundo nossa Constituição, toda vez que surgir uma lei tributária que aumente um tributo ou crie um, a cobrança desse tributo não pode ser feita no mesmo exercício fiscal ou financeiro em que a lei tiver sido publicada. Ok, o que é um exercício financeiro? Confunde-se com o ano civil. Começa em 01/01 e termina em 31/12 de determinado ano. É o ano fiscal e o ano civil. Se um tributo for aumentado no dia 10/03/08, a cobrança ficará com eficácia contida para o exercício seguinte, em 01/01/09. Aprendemos que a tributação é um ônus legítimo que o cidadão tem que suportar. O Estado tem ambiente e competência constitucional para tributar. Mas como equilibrar esse jogo? Com as limitações ao poder de tributar. Um desses princípios é o da anterioridade.

A Constituição quer um prazo para que o contribuinte possa assimilar esse aumento da carga tributária para se programar. Seria como se fosse um período de adaptação. Assimilará e ajustará as finanças ao novo exercício fiscal. Não inventamos isso; é um princípio que veio dos países ocidentais.

Não confundir com princípio da anualidade, de modo que o tributo criado em março só pudesse ser cobrado em março do outro ano.

Esse princípio, em nossa Constituição de 1988, veio topografado no art. 150, inciso III, que na redação originária veio na alínea b, em tributação para o exercício seguinte. Assim sendo, tributo instituído ou aumentado em 10/03 seria sobrado só em 01/01 do ano seguinte. Mas um tributo criado ou majorado no dia 30/12 de determinado ano também seria cobrado no dia 01/01 seguinte, ou seja, um perigo. Quando isso acontecia, e acontecia demais, os contribuintes diziam: esse princípio não vale de nada! A surpresa se impõe. Foram ao Supremo. A corte dizia: não, a Constituição é clara. Portanto era válida sim a cobrança a partir do primeiro dia do ano.

Neste caso, há alguns anos, o professor teve a oportunidade de analisar a situação tributária de determinado município, e notou que quase todo aumento tributário era feito em dezembro. Perguntou ao prefeito o porquê disso, e recebeu uma aula de Ciência Política. Disse: “se eu pedir para a Câmara aumentar o tributo em março, só poderei cobrar em janeiro. O efeito prático para mim é o mesmo. Mas se eu fizer em março, passarei o ano inteiro apanhando e sem dinheiro no bolso. Se eu fizer em dezembro, já arrecado logo e terei chance de mostrar para que serve. É para fins políticos, claro. Nunca leu Maquiavel?”

Quando da reforma tributária da Emenda Constitucional nº 42 de 2003, essa anomalia foi revisitada. A EC 42/2003 introduziu a alínea c no art. 150, inciso III. Prazo mínimo de 90 dias, ou seja, o princípio da anterioridade passa a ser sofisticado. A alínea b é a regra mãe, que Paulo de Barros Carvalho chama de regra-matriz, tributo instituído em março poderá ser cobrado em janeiro do ano seguinte. Se eu instituir em dezembro, estarei obedecendo à letra b, mas não a c, ficará para março do ano seguinte, no exercício seguinte, respeitando o prazo mínimo de 90 dias.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

[...]

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[...]

Isso melhorou a vida do contribuinte, porque se antes da carga tributária valia com tão pouco tempo, o contribuinte pelo menos respira um prazo nonagesimal antes. Isso despenca na prova.

O Supremo Tribunal Federal nos disse que toda norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade. Claro, porque como uma lei muda a data de vencimento de um tributo, mudando do dia 10 para o dia 2 de cada mês, o Estado não está criando nem aumentando tributos. Então não aplicamos o princípio da anterioridade. A Constituição é muito clara. Cuidado com isso! toda mudança da data de vencimento do tributo não se submete ao princípio da anterioridade. Assim, se uma portaria disser que, no mês de abril, o tributo que tínhamos até o dia 10 para pagar terá que ser pago até o dia 2, a nova regra se aplicará de imediato. Não precisa ser por lei, porque não está criando nem aumentando tributo.

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta 939-7, disse que o princípio da anterioridade é garantia individual do contribuinte e, portanto, cláusula pétrea, não podendo ser alterada pelo Poder Constituinte Derivado. É proteção do indivíduo, e não pode haver emenda sobre isso.

Vejamos um julgado do STF sobre anterioridade, irretroatividade e momento exato da publicação de nova norma alteradora de tributos:

EMENTA: “Agravo regimental. - Não tem razão a agravante quanto à data da entrada em vigor da Lei em causa, porquanto ela ocorre com sua publicação, e esta se deu à noite do dia 31 de dezembro de 1991 quando o Diário Oficial foi posto à disposição do público, ainda que a remessa dos seus exemplares aos assinantes só se tenha efetivado no dia 02 de janeiro de 1992, pois publicação não se confunde com distribuição para assinantes. Assim, os princípios da anterioridade e da irretroatividade foram observados. - As questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário quanto à TR não foram prequestionadas. Agravo a que se nega provimento.” (AI 282522/MG) ²

É uma questão superada, mas que deu muito problema: uma lei aumentava um tributo, digamos, no dia 31/12/91. Publicada no Diário Oficial. Mas o jornal só chegava à mão dos assinantes no dia 02/01/92. Desde quando se poderá cobrar? O contribuinte advogava que o princípio da anterioridade deveria ser contado com a ciência da nova lei. Mas o STF disse: “publicação é diferente de circulação de jornal”. Não interessa se o jornal chegou depois na sua casa. Conta-se da publicidade, e não da circulação. E vale, por conseguinte, desde 92, e não de 93 como queria o contribuinte. Questão de prova: saiba os precedentes.

Ápice da questão polêmica: tributação provisória. Exemplo de nossa antiga CPMF. Todo mundo sabe que, apesar de ser provisória, durou 11 anos. Quando a CPMF nasceu, ela nasceu como medida provisória, e foi convertida em lei. Essa lei dizia que a CPMF valia por 24 meses. Tinha data de nascimento e de falecimento, porque era provisória. Quando criamos um tributo, a regra é que ele fique para o exercício seguinte, e observe o princípio da anterioridade. A CPMF obedeceu aos 90 dias e começou a valer. No vigésimo terceiro mês, o governo soltou uma medida provisória e a prorrogou por mais 36 meses. O mundo jurídico começou a interpretar essa MP. Alguns tributaristas diziam: quando nasceu, nasceu para durar 24 meses. Se o governo vai prorrogar por 36 meses, não há problema, mas seria como morresse com 24, e renascesse para uma nova vida de 36 meses. E essa lei renascida deveria se submeter ao princípio da anterioridade; deveria se tratar de tributo novo. Governo disse: “negativo.” Defendeu que o ato normativo criou uma renovação, e seria como “se pegasse uma ponte” ligando os 24 meses iniciais aos 36 subsequentes. Prorrogação de tributo não é criar nem aumentar tributo, porque a alíquota é a mesma. O Supremo teve que ver essa questão. E disse: “verdade. É mera prorrogação.” Vem com 24 meses, no 23º prorroga por mais 36, e não há hiato para se aplicar o princípio da anterioridade. Assim o STF acabou chancelando o que o governo queria. Quando chegou no 35º, prorrogou por mais 72. É como se fosse uma coisa só.

Outro caso: aumento do ICMS de 17% para 18%. RE 584110/SP.

“TRIBUTÁRIO. ICMS. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. PRORROGAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRAZO NONAGESIMAL (ARTIGO 150, III, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A Lei paulista 11.813/04 apenas prorrogou a cobrança do ICMS com a alíquota majorada de 17% para 18%, criada pela Lei paulista 11.601/2003. 2. O prazo nonagesimal previsto no art. 150, III, c, da Constituição Federal somente deve ser utilizado nos casos de criação ou majoração de tributos, não na hipótese de simples prorrogação de alíquota já aplicada anteriormente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido para possibilitar a prorrogação da cobrança do ICMS com a alíquota majorada.” (RE 584.110/SP)

Supremo voltou a discutir a questão e manteve sua posição anterior. Ministro Ayres dissentiu, colocando-se na pele de um comerciante.

Outros precedentes da Corte:

Não se aplica o Princípio da Anterioridade tributária na redução ou extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, pois não ocorre o aumento do valor do tributo (ADI – 4.016 – MC).

Revogada a isenção condicionada, o tributo torna-se imediatamente exigível, porque não há que se observar a anterioridade, dado que o tributo já é existente (RE 204.062)

A simples atualização monetária não se confunde com majoração de tributo. Logo, a modificação dos fatores de indexação, com base em legislação superveniente, não constitui desrespeito a situações jurídicas consolidadas, nem transgressão ao postulado da não surpresa, instrumentalmente garantido pela clausula da anterioridade tributária (RE 200.844- AgR)

Sobre o primeiro precedente destacado acima: se você tem um desconto para pagamento do tributo, se a lei daquele ano remover essa benesse, esta lei não precisará seguir o princípio da anterioridade, pois não cria nem aumenta tributos. O segundo é autoexplicativo e no terceiro temos o alerta para não fazer outra confusão comum, que é confundir correção monetária com majoração de tributo.

Questão do CESPE:

“Considere que determinado estado da Federação tenha publicado lei majorando a alíquota de ICMS de 18% para 19% e estabelecendo que sua vigência terminaria em 31 de dezembro de 2009. Considere, ainda, que, em meados desse mês, tenha sido publicada lei que manteve a alíquota de 19% para o ano de 2010. Nesse caso, a lei publicada em dezembro de 2009 viola o princípio da anterioridade nonagesimal.” (Defensoria Pública da União – 2010)

Falso, porque pela jurisprudência do Supremo, a lei e sua prorrogação é uma coisa só. A banca tirou essa questão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Exceções à anterioridade

São imediatos, o Imposto sobre a Importação – II, o Imposto sobre a Exportação – IE, o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, além do empréstimo compulsório para custeio de guerra externa ou para combate a calamidades, e o Imposto Extraordinário de Guerra – IEG.

Seguem a anterioridade de 90 dias a lei que elevar: o Imposto sobre Produtos Industrializados, – IPI, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, o a Contribuição para o PIS, a Cofins, além da lei que restabelecer a alíquota da CIDE-combustíveis e do ICMS-combustível monofásico.

Regra antiga, que não respeita a anterioridade geral mas sempre vale a partir de 1º de janeiro: IR, além de leis que determinam novas bases de cálculo do IPTU e do IPVA.

Quando o governo aumenta o IOF ou II, se foi publicada a lei no dia 10 de março, ela já vale no dia 10 de março. Não se aplica no exercício seguinte porque a Constituição já sabe que as defesas na área do comércio exterior e no mercado financeiro têm que ser levadas a efeito logo. Seria tarde demais que o ato normativo só tivesse eficácia no ano que vem.

Os tributos nonagesimais, de 90 dias, não precisam ir para o exercício seguinte. Não tem problema em caírem no mesmo exercício. Só precisam seguir a anterioridade dos 90 dias. Letra b do inciso III do art. 150 da Constituição, somente. Exemplos são o IPI, a CSLL, a Contribuição para o PIS, a Cofins, e a antiga CMPF. Uma crítica: as contribuições sociais servem para quê? Para custear a seguridade social que envolve saúde, assistência e previdência. Doutrinadores já disseram que o tributo deveria ser imediato. Mas são nonagesimais.

E, por último, temos os tributos que ficam na situação antiga, sem aplicar a letra c do mesmo inciso. IR e bases de cálculo do IPVA e IPTU. Por quê? IR incide sobre o que o trabalhador ganha entre janeiro e dezembro. Não interessa se o ato foi publicado no dia 31/12. É uma quebra autorizada do princípio da anterioridade, para que se ajuste à lógica do imposto.

Amanhã: como olhar do ângulo do princípio da anterioridade as medidas provisórias.


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