Direito Tributário

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Princípio da anterioridade e medida provisória, princípio do não confisco e da liberdade de tráfego


Paramos no princípio da anterioridade e vimos alguns desdobramentos. Vamos analisá-lo à luz da medida provisória. Em engenharia fiscal isso é muito comum.

Aprendemos ontem, como regra básica, que o exercício financeiro se confunde como ano civil. Vai de 1º de janeiro a 31 de dezembro. Todo janeiro inicia, e todo dezembro fecha. Sempre que um tributo é majorado, ele só será cobrado no exercício seguinte. Lembrando que, na regra geral, existem duas situações: o art. 150, inciso III, b, da Constituição, que contém o que sempre foi a regra geral sobre a vigência do novo tributo ou majoração a partir do exercício seguinte, e a alínea c, que traz o princípio da anterioridade nonagesimal. Lembrando que a letra c foi objeto da Emenda Constitucional nº 42 de 2003.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

[...]

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Aprendemos que existem exceções. Imposto sobre a Importação, Imposto sobre a Exportação, e algumas contribuições que valem desde já. Na prova, teremos que nominar! O professor fatalmente irá pedir na prova. Qualquer prova que contenha Direito Tributário irá despencar isso.

Princípio da anterioridade versus instituição ou majoração de tributos através de medida provisória

E agora, como fica esse princípio da anterioridade quando o governo aumenta o tributo por meio de medida provisória? Inicialmente, assim que o governo se aventurou em aumentar ou instituir tributos por meio de medida provisória, os tributaristas logo questionaram a legitimidade desse ato do Executivo. O Supremo Tribunal Federal analisou a questão desde cedo, e sobre isso temos uma jurisprudência muito antiga. Estariam tanto arranhando a separação dos poderes, quanto ferindo o mandamento de que a edição de uma MP só pode se dar quando se tratar de urgência e relevância. O STF, ao amadurecer a questão, disse claramente, não necessariamente com estas palavras: "o critério da urgência e relevância é um critério político, em que se estaria implícito na função da MP. Ainda mais em se falando de finanças. Como alguém, inclusive um ministro da mais alta corte jurisdicional, iria saber se aquele aumento de carga tributária por medida provisória estaria ou não cercado pelos requisitos básicos da urgência e relevância sabendo que só o Secretário de Finanças pode determinar o quão importante é a iniciativa? "Toda vez em que há aumento de tributo, a urgência e a relevância estão implícitas no próprio instrumento, haja vista que, neste caso, só quem sabe se precisa de mais dinheiro no Tesouro ou não é o Secretário de Finanças, e não um ministro do Supremo. É a dificuldade de se apreciarem critérios técnicos. Pode ser que haja urgência e relevância! Então o Tribunal não se imiscui nessa questão."

Sobre o segundo ponto, que era de ordem formal, o Supremo disse: do ponto de vista formal, medida provisória não é lei. Mas materialmente faz as vezes de. Então se passa a admitir o uso de medida provisória como instrumento hábil e eficaz para se criar ou aumentar tributo de modo geral.

O governo, então, abusava disso, aumentando um tributo no dia 10 de março editando uma MP, daí reeditava, reeditava, e, em 1º de janeiro do ano seguinte, isso ainda era uma medida provisória. Ou seja, passou o ano todinho sendo reeditada, não foi convertida, e chegou ao ano seguinte como medida provisória. Os tributaristas disseram: não pode ser usada neste exercício, porque a instituição de tributos tem que ser feita por lei. O STF disse que não, não precisaria. Chegava ao ano seguinte como MP em sua 70ª edição e não cessava nunca. A Constituição até permite o uso de medida provisória, mas eternizar o uso tributário da medida provisória? E onde entra o Parlamento? Violaria separação dos poderes o Executivo ficar reeditando.

A partir disso, mexeu-se no art. 62 da Constituição, pela Emenda Constitucional nº 32/2001. Essa Emenda deu uma agitada, uma melhorada na vida do contribuinte. O sonho era que a Emenda Constitucional nº 32 dissesse que não seria possível aumentar tributo por MP, mas não se chegou a tanto. Pode-se sim, criar e aumentar. Agora não há mais discussão:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

[...]

§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

[...]

Só que, pela dicção constitucional, como passa a ser esse jogo? Se o governo aumenta imposto através de medida provisória, essa MP só terá eficácia a partir do exercício seguinte. E mais, para que tenha eficácia já no exercício seguinte, ela terá que ser convertida em lei ainda no exercício em que ela foi editada, pois ela já deverá ser lei para que produza efeitos, já que impostos só se aumentam ou instituem a partir de lei. Só assim ela estará apta a irradiar seus efeitos. Assim, quebramos a lógica do Estado de reeditar indiscriminadamente. Agora a MP não poderá mais ser ainda MP quando chegar ao exercício seguinte.

Há exceções? Claro que há. A Constituição diz que essa lógica não se aplica ao imposto de importação, ao imposto de exportação, ao IPI, IOF e IEG. Isso porque são tributos que não obedecem à regra geral do princípio da anterioridade. IPI tem anterioridade de 90 dias, e o imposto extraordinário de guerra tem efeito imediato. Uma medida provisória que aumente o imposto de importação no dia 10 de março estará apta a produzir efeitos desde já. A própria Constituição diz que ele é imediatista. Não é que precisa ser transformada em lei; a eficácia dela é desde já. O importador já sente o peso da MP desde antes de virar lei. Regra geral: medida provisória tem primeiro que virar lei, para depois o contribuinte sentir o peso. Nas exceções, não. A eficácia é desde a edição da medida provisória.

A regra não é dificultosa de jeito nenhum. É uma regra didática, que veio para tentar equacionar o antigo problema do uso indiscriminado de MPs e suas reedições.

Quanto tempo vale uma MP? 60 dias, podendo ser prorrogada por igual período. Assim sendo, se uma MP aumenta o II no dia 10/03, elevando a alíquota de 5% para 150%, a partir de quando o importador passa a ter de recolher os 150%? Desde já. Essa MP vale por 60 dias, podendo ser prorrogada por mais 60. 120 dias, aproximadamente quatro meses. Vamos tomar, por exemplo, que seja igual a quatro meses. Quando chega ao recesso legislativo, ou fins de legislatura, o Congresso Nacional rejeita a MP. Mas o importador pagou durante março, abril, maio e junho. Terá seu dinheiro de volta? E se a medida provisória for somente uma lei sem alma, sem virar lei? Temos dois parágrafos do art. 62 que resolvem esse tema:

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

Ou seja, pelo § 3º, a ideia que temos é que a MP perde a eficácia desde sua edição. O ato de não ser analisada ou convertida faz com que a medida provisória perca a eficácia ex-tunc. E se for ex-tunc, em tese, o governo teria que devolver, não? Mas o § 11 diz:

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Ou seja, cabe ao Congresso Nacional falar sobre o tema. A medida provisória, em tese, em sua derrocada, perderia eficácia ex-tunc, desde sua edição. Dependerá de um decreto legislativo. Se o congresso nada disser, as relações jurídicas dela advindas conservar-se-ão! O governo não terá que devolver nem um centavo para o importador. Na vida real, o Congresso não fala nada mesmo, e acaba que o governo não devolve. Mas, se quiser "melar", esse se utiliza da prerrogativa do § 3º.

Por isso, o uso de medida provisória no princípio da anterioridade não tem segredo nenhum. É só lembrar da regra geral que diz que pode-se aumentar ou instituir, mas a MP deve ser transformada em lei antes do exercício seguinte. A não ser nas exceções que a própria Constituição ressalva, mas que a realidade jurídica se encontra compaginada com o princípio da anterioridade haja vista que aqueles impostos não obedecem ao referido princípio, a exemplo do II, IE e o IOF.

Muito bem. Vamos a uma questão de prova da OAB feita pelo CESPE:

"Considere que o governo tenha publicado medida provisória em 1/11/2003, que trata da majoração da tabela de alíquotas do imposto de renda. Acerca dos efeitos dessa medida, a nova tabela produziu efeitos a partir de 1º/1/2004, após a conversão da medida provisória em lei, com a publicação da lei no Diário Oficial até o dia 31/12/2003." (1º Exame da Ordem - 1ª Fase/2004/Cespe/Espírito Santo/Questão 78/Assertiva D).

Verdadeiro, porque se a medida provisória é de 1/11/2003, se quiser ter eficácia para 2004, ela terá que ser transformada em lei ainda no mesmo exercício. Tem que respeitar o princípio da anterioridade. Isso vai cair!

Mais uma coisa: se a medida provisória é de novembro, e foi convertida em lei em 31/12, como é que fica a eficácia para aqueles impostos que também obedecem ao prazo nonagesimal? O prazo mínimo é de 90 dias. Se contarmos de novembro, o tributo começará a partir de fevereiro. Se contarmos de dezembro, o tributo só fica para março. E agora? E o princípio da anterioridade com prazo mínimo de 90 dias? Por que aqui, neste caso, a MP virou lei em 31/12/03 e o tributo foi cobrado no dia 01/01/04? Porque vimos ontem que, em se tratando de IR, não interessa o dia em que seja majorado. Sempre ficará para o dia 1º de janeiro. Não é um tributo imediatista. E se fosse um Imposto Territorial Rural, que se submete ao princípio da anterioridade nonagesimal? Conta de quando? O Supremo Tribunal Federal, em poucas oportunidades em que analisou essa questão, disse assim: "se da conversão da lei não houver mudança substancial, sem mexer nos requisitos básicos como alíquota e base de cálculo, ou seja, se a lei é uma reprodução da MP, o princípio passa a ser observado a partir da edição da MP, e não interessa o dia da conversão." Se uma MP convertida em lei em dezembro permaneceu com o mesmo texto que tinha no tempo que ainda era MP, em novembro, o tributo ficará para fevereiro.

Mas se a MP, ao ser analisada pelo Congresso, foi muito emendada, com dezenas de parlamentares propondo sua emenda, emenda substitutiva, emenda de Plenário, e acabaram mexendo, por exemplo, na alíquota, elevando de 4% para 5% da medida provisória para a lei, isso é possível? É. Mas, em razão dessa mudança, pelo princípio da anterioridade, o prazo nonagesimal começará a contar não da MP, mas da lei. Portanto, se houver mudança substancial, a contagem do prazo será feita em relação a dezembro, que foi o tempo em que a MP foi convertida em lei, portanto passando a vigorar o tributo a partir de março. Já se sabia que a MP tinha que virar lei no exercício seguinte, mas não de qual dos dois marcos contava-se para respeitar o prazo de 90 dias. A partir da própria medida provisória sem mudança grande, ou da conversão caso haja mudança substancial. Poderia ser uma questão de prova, se não tivesse aqui! :)

Então vamos ver outra questão, esta de uma prova para juiz substituto.

"O governo federal editou, em 12/12/2002, medida provisória, convertida em lei 40 dias depois pelo Congresso Nacional, reduzindo os prazos de prescrição e decadência do imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), além de majorar a alíquota desse imposto incidente sobre as propriedades rurais com mais de 50 hectares. Com a mudança legislativa, o governo federal aumentou em 40% a arrecadação do ITR no exercício de 2003. Com base nessa situação hipotética, é possível afirmar ser juridicamente reprovável a aplicação, no exercício de 2003, da referida medida provisória convertida em lei para a majoração do ITR, vez que ela não atende aos requisitos específicos previstos, na Constituição da República, para tal fim."

(Juiz Substituto/TJ/SE/2004/2003/Cespe/Questão 91/Assertiva 1)

Verdadeiro. Por quê? Estamos no ITR, imposto que obedece à anterioridade comum. Se a MP foi editada em 12/12/2002 e só foi convertida em lei 40 dias depois, então ela só virou lei em 2003. Pode ter efeitos em 2003? Não, só em 2004. E no prazo de até 120 dias sob pena de perda de eficácia.

Mais uma do CESPE:

"Em 15 de dezembro de 2007, foi publicada lei estadual fixando a base de cálculo do imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA). Nessa situação, a referida lei, em respeito ao princípio da anterioridade tributária, passou a incidir eficazmente sobre fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2008." (Cespe/OAB-SP/135º Exame/Caderno 1/2008/Questão 87/Assertiva C)

Verdadeiro. Note que a questão fala em "publicação de lei", então já é lei, e não MP. Verdadeiro porque mudanças no IPVA já valem a partir de 1º de janeiro, já que este não é um tributo que segue a anterioridade nonagesimal. É só olhar as exceções ao princípio da anterioridade! Lembram-se? Vamos recapitular as exceções ao princípio da anterioridade tributária. Têm efeito imediato o II, o IE, o IOF, o IEG e o empréstimo compulsório para guerra externa ou calamidade pública; seguem a anterioridade de 90 dias o IPI, as contribuições sociais (CSLL, PIS, Cofins), Cide-Combustíveis (para o restabelecimento da alíquota), ICMS sobre combustíveis e lubrificantes, também para o restabelecimento da alíquota; e contam a partir de 1º de janeiro o IR e a nova legislação que altere a base de cálculo do IPTU e IPVA.

Princípio do não confisco

Campo mais subjetivo. A Constituição é clara: tributo não pode ter efeito confiscatório.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

[...]

No entanto, de novo, nós vamos deparar com um conceito aberto, fluido, haja vista que: o que é um tributo confiscatório? A Constituição não diz. Daí acabamos sendo remetidos a momentos muitos duros que a tributação experimentou quando não havia um Estado defensor das garantias individuai. O Estado era tocado por intermédio de uma grande liderança, um imperador, um monarca, porque era o próprio Estado. Essas pessoas, e a história mostra isso claramente, governavam com mão de ferro. E tributariamente, então, nem se fala! Era instrumento de perseguição política e de confisco. Não tinha órgão regulador. Então, quando virmos um filme chamado a Lenda de Robin Hood, que criticava o sistema tributário inglês de séculos atrás, notaremos que quem pagava imposto era o camponês do sul ou o comerciante de bugigangas. Se não pagassem, fogo na aldeia. Os nobres, por sua vez, detinham títulos que os isentavam da cobrança de tributos.

No Brasil, tivemos um sistema tributário de exploração, e não de construção. Isso desde a época da colônia. Os Joões precisavam manter a Corte bem vestida.

À medida que o Estado foi evoluindo, nasceu a ideia de que o tributo era para constituir uma sociedade, e não para destruir. Daí veio a ideia de que o tributo não pode ter efeito confiscatório. Trata-se de um conceito em aberto, que permite as mais diversas digressões em torno do tema. O próprio legislador não ousou dizer porque sabe que é da subjetividade, de cada caso concreto, o que chega a ser um confisco. Hugo de Brito Machado, Eduardo Sabbag, Ricardo Alexandre e outros convergem para a mesma linha, de que tributo passa a ser confiscatório quando sai da razoabilidade e da proporcionalidade, passando a ser um instrumento de discrição, e aquela riqueza torna-se tão insuportável que o cidadão abre mão de suas garantias individuais como sua propriedade e sua renda.

Daí fazemos o teste muito claro em relação ao aluno: imaginem que os senhores fossem juízes, tivessem sentados na cadeira da magistratura. Pouco depois, a Câmara Legislativa do Distrito Federal publica uma lei modificando a alíquota do IPTU fixando em 25% sobre o valor venal do imóvel na área residencial. O contribuinte pega o carnê e verifica aquele estrondo. Impetra mandado de segurança contra o Secretário de Fazenda e argui violação ao art. 150 da Constituição, inciso IV. O advogado pede uma liminar e vai lá conversar com você, juiz para qual a ação mandamental foi distribuída. Você concede a liminar ou não? Constituição, art. 150, inciso IV foi o que ele alegou. Procurou enfatizar que 25% sobre o valor venal do imóvel, ainda mais tão abruptamente, chega a ser um instrumento de desapropriação forçada disfarçado de tributo. Pensem, na condição de juízes.

Independente de sua resposta sobre a concessão da liminar, como ficaria, então, o IR, cuja alíquota é de 27,5% sobre a renda? Você concederia da liminar? 25% sobre o valor venal de um imóvel é certamente abusivo. Mas não podemos dizer que 27,5% sobre a renda de um determinado trabalhador também é?

E aqui entra a diferença entre países ricos e não tão ricos. Quanto mais renda têm os trabalhadores de determinado país, a tributação sobre o consumo vai afrouxando, enquanto a tributação sobre o patrimônio vai aumentando. Inglaterra e Estados Unidos têm alíquotas mais duras que as nossas sobre a propriedade de veículos automotores, por exemplo.

O STF analisou o princípio do não confisco sob vários prismas. Primeira indagação: é proporcional? Segunda: é uma tributação razoável? Se as respostas forem sim, então o tributo cumpre seu papel. Se não, exorbitam-no e tornam-se destrutivos. Sobre estas questões, alguns juristas entendem que o STF saiu de um conceito subjetivo (o que é confisco) e entrou em outros dois: proporcionalidade e razoabilidade.

Cai em prova: é possível controlar a constitucionalidade de multas invocando-se o princípio do não confisco? O caso concreto diz respeito ao Estado do Rio de Janeiro. No ADCT da Constituição do Rio de Janeiro havia uma disposição dizendo: em caso de sonegação de tributos do Estado, a multa não poderia ser inferior a cinco vezes o valor sonegado. O piso era de 500% do valor sonegado. Alguém ajuizou ação direta de inconstitucionalidade arguindo o art. 150, inciso IV da Constituição da República. Em primeiro lugar, o STF teve o trabalho de verificar se era possível aplicar o princípio do não confisco para discutir uma multa tributária, e não o valor do tributo em si. O princípio é claro: o tributo não pode ter efeito confiscatório. Estado do Rio de Janeiro dizia que isso era multa, e não tributo. Mas a Corte Suprema entendeu que não se poderia interpretar literalmente o princípio do não confisco. Mesmo no campo da penalidade em razão da sonegação, temos uma relação tributária, e o contribuinte está sim coberto pelo véu do princípio do não confisco. Supremo disse: uma multa que parte de 500% do valor sonegado é confiscatória. Estamos falando no mínimo, e não no máximo. O Supremo entendeu que não cabe a ele dizer qual é a multa ideal; quem fixa é o Legislativo. Mas cabe ao Judiciário controlar a norma, e 500% não é razoável, e não é proporcional. Cuidado com isso: o STF permite o uso do princípio do não confisco para o controle não só de tributos, para multas também. ADI 551/RJ:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2º E 3º DO ART. 57 DO ATO DAS DOSPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPUBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.

Outro caso interessante que o Supremo analisou foi a questão da totalidade da tributação como elemento possível de identificar se determinado tributo é ou não inconstitucional. Neste caso fatídico, o governo federal criou uma contribuição previdenciária do servidor que seria mais ou menos igual ao IR: quanto mais ganhava, mais contribuição deveriam. E, no último estágio, essa contribuição teria uma alíquota em torno de 22, 23%. Somar com o IR que já é de 27,5%, a pessoa deixava, na soma dessa tributação, metade ou mais de sua remuneração a título de contribuição e Imposto sobre a Renda. O Supremo entendeu que essa contribuição seria inconstitucional por vários motivos. Dentre eles, havia o de que a tributação sobre o rendimento para a manutenção da vida do cidadão não pode ser extremamente elevada a ponto de comprometer sua própria subsistência, de modo que se incidirem dois tributos em níveis elevadíssimos, isso nos parece ser, também, um ato de confisco, analisando a totalidade da tributação incidente naquele caso concreto sobre o rendimento do cidadão.

É importante saber que o STF não abriu uma porta larga demais, de modo que, através desse precedente, alguém resolva pode impetrar mandado de segurança dizendo que seu IPTU é alto porque, somado com o IPVA, com os impostos indiretos, o sujeito ficaria sem nenhum centavo no bolso. E, levando esse raciocínio às últimas consequências, ninguém mais pagaria tributos no Brasil. Não é isso que o Supremo falou, mas foi a análise de um caso concreto, analisando uma questão sobre rendimentos, de uma contribuição inconstitucional também, e chegou a essa conclusão. Mas isso já é uma luz no fim do túnel. É uma forma de interpretação, que deve ser vista com todo o cuidado para que não se imagine que ficou estabelecido um "Eixo Monumental" no qual caberiam não sei quantos casos. Não. É uma via estreita, para um caso concreto.

Duas coisas para se analisar em relação ao princípio do não confisco. Primeiro: o Supremo Tribunal Federal em mente tem muito claro que as penas de perdimento dos produtos importados que não são desembaraçados nas alfândegas não se qualificam como confisco. Pena de perdimento é a aplicada àquele que consegue evadir-se da segurança de fronteira, quando existente, e entrar no país com muamba, para ser alcançado alguns quilômetros depois pela Polícia Federal ou pela Polícia Rodoviária Federal. O Supremo entendeu que isso nada mais é que uma sanção que o Estado tem para dizer ao cidadão que o produto estrangeiro tem que passar por esse desembaraço. Eis a decisão:

Agravo regimental no agravo de instrumento nº 173689/DF

EMENTA: IMPORTAÇÃO - REGULARIZAÇÃO FISCAL - CONFISCO.

Longe fica de configurar concessão, a tributo, de efeito que implique confisco decisão que, a partir de normas estritamente legais, aplicaveis a espécie, resultou na perda de bem movel importado.

Súmula 323 do STF:

Súmula 323 do STF - É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Se quiser cobrar o tributo, o Estado deveria, através de seus agentes, lançar o auto de infração com o valor indicado, dar oportunidade do devido processo legal. Feito isso, e não pago o tributo, o agente deveria inscrever o devedor tributário na Dívida Ativa, e, se ainda não pagar, propor uma execução fiscal. O Estado não pode, a título de cobrança de tributo, criar uma via oblíqua, pegar o produto que ele entender que não está de acordo com a legislação fiscal, apreendê-lo e dizer ao contribuinte que ele só sairá dali se pagar o imposto respectivo.

Ilustração: um caminhoneiro vai ao Paraguai e volta com o caminhão carregado. Na volta, é parado na alfândega. O fiscal dirige-se ao viajante e pergunta o que ele está carregando. "Cerâmica", responde o transportador. "Em que quantidade?" - pergunta o fiscal. Responde o caminhoneiro: "125 caixas com 10 cerâmicas de 40x40cm." "Perfeito" - replica o agente - "agora deixe eu ver a nota fiscal". O caminhoneiro prontamente exibe o documento discriminando a quantidade de material transportado e a origem. "Parece condizer com o que o senhor diz. Aqui constam exatamente 500 metros quadrados no total. Pode abrir o caminhão para eu ver?"

E então o caminhoneiro, desconfortavelmente, abre o compartimento de carga. Depois de vários minutos, o agente conta e nota que há 200 caixas de 10 peças de 40x40, e não 125, como diz o motorista e a nota fiscal. E agora, o que deveria o fiscal fazer? Anotar que aquele caminhão, de placa tal, em tal dia e tal hora atravessou a fronteira Paraguai-Brasil carregando mercadoria não declarada, inclusive o imposto que incidiria sobre a parte excedente, que estava para ser sonegado. O que fazer? Inscrição do tributo, lançamento, se o contribuinte não pagar, inscrição na Dívida Ativa, e posteriormente execução fiscal. Esse seria o devido processo legal.

Porém, o que faz a Receita na prática, em se tratando de produtos importados adentrando no território brasileiro? Confisca toda a mercadoria, leva para um depósito, lá tira-se uma guia de recolhimento, o sujeito é obrigado a tomar essa guia, ir a um banco, pagar e trazer o comprovante, para só então ter sua mercadoria liberada. Não poderia ser assim. O Estado não pode pegar esse produto e reter como uma espécie de execução às avessas. É uma afronta ao entendimento do STF já solidificado na Súmula 323. Cai muito em prova de concurso público essa Súmula 323, que é antiga!

Alguns precedentes da Corte em relação ao princípio do não confisco:

"A multa moratória de 20% ou 30% do valor do imposto devido, não se mostra abusiva ou desarrazoada, inexistindo ofensa ao princípio da capacidade contributiva e da vedação ao confisco" (RE 239.964, RE 220.284)

"Não existe caráter confiscatório de multa de 100% imposta ao contribuinte, por meio de lançamento de ofício, que decorre do fato de haver-se ele omitido na declaração e recolhimento tempestivo da contribuição" (RE 241.087 - AgR)

"Fere o princípio da não-confiscatoriedade diploma legislativo que institui multa de 300% (ADI 1075 - MC).

"Não configura confisco decisão que, a partir de normas estritamente legais, aplicáveis a espécie, resultou na perda de bem móvel importado (AI 173.689 - AgR)

"Imposto de Importação. Aumento de alíquota de 4% para 14%. A caracterização do efeito confiscatório pressupõe a analise de dados completos e de peculiaridades de cada operação ou situação, tomando-se em conta custos, carga tributária global, margens de lucros e condições pontuais do mercado e de conjuntura social e econômica. (...). O isolado aumento da alíquota do tributo é insuficiente para comprovar a absorção total ou demasiada do produto econômico da atividade privada, de modo a torná-la inviável ou excessivamente onerosa (RE 448.432 - AgR)

Outro entendimento sólido que o STF tem: tributos extrafiscais, os que são manipulados como instrumento de exercício de determinado estímulo ou desestímulo. Se temos um IPI de 2% e o governo, por algum motivo, resolve desestimular essa indústria e aumenta para 300%, este é um aumento abrupto. Porém, se o caráter do tributo é extrafiscal, não há que se falar em confisco. O tributo, neste caso, é usado como instrumento de fazer ou não fazer, e o Supremo tem claro isso. É o uso pedagógico do tributo. CESPE e ESAF já pediram isso:

"Considere que um decreto presidencial tenha majorado a alíquota do imposto sobre a importação de determinado bem de 10% para 200%. Nesse caso, por se tratar de tributo com função extrafiscal de controle da balança comercial, a referida majoração não fere o princípio do não confisco." (Cespe/PGE-ES/Procurador do Estado de 1ª Categoria/2008/Questão 39).

Verdadeiro. ESAF:

"Uma alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados de 150%, por exemplo, não significa necessariamente confisco." (ESAF/AFRF/2009 - Questão 33)

Exatamente. Verdadeira a assertiva. Vejamos mais:

"Quanto às limitações constitucionais ao poder de tributar: O princípio tributário da vedação ao confisco é aplicável apenas aos impostos e às taxas." (Cespe/OAB-SP/135º Exame/Caderno 1/2008/Questão 83, assertiva C)

A sentença acima está falsa por causa da restrição feita: o princípio não vale somente para impostos e taxas.

"A identificação do efeito confiscatório não deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mas sim em cada tributo isoladamente." (ESAF/AFRF/2009- questão 33)

A banca considerou como incorreta. É o contribuinte que sente o peso da carga tributária como um todo, e para o governo importa pouco se a arrecadação virá de uma espécie tributária ou outra, desde que não sejam tributos vinculados. ¹ É um item falso, porque acabamos de ver um precedente da Corte em que se analisou conjuntamente.

Não existe concurso mais difícil na área tributária do que de Auditor Fiscal da Receita Federal. A banca é sempre a ESAF, que se escora muito nos precedentes do Tribunal. Não adianta ler somente o "codigozinho"... Isso já passou! Precisamos saber o que a Corte tem falado. É o que os examinadores pensam.

Vamos ao último princípio!

Princípio da liberdade de tráfego

Segundo nossa Constituição, esse princípio é um cânone que se imiscui na garantia individual. O tributo não pode ser usado para intervir no direito de ir e vir. O Estado não pode tomar o tributo, e, através e uma incidência bastante potencializada, fazer com que essa tributação venha a ferir a garantia de ir e vir. Mais uma vez caímos na fluidez desse sistema. As pessoas, no feudalismo, tinham que passar pelos senhoris. Estes cobravam taxas de passagem. Então, ou eu tinha muito dinheiro para visitar minha avó lá do outro lado, ou ela pensaria que eu morri.

Um tributo de hoje em dia que poderia, de certa forma, ter essa qualidade é o ICMS. O que a Constituição não quer é que o indivíduo se veja tão lesado ao usar o serviço de transportes, por exemplo. E ICMS é Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Mas ressalva-se a cobrança do pedágio, outra polêmica. Qual a natureza jurídica do pedágio? É justo pagar? Nem vamos entrar nessa discussão. Na verdade, o pedágio está mais para o regime tarifário do que tributário, porque ele em geral é cobrado por concessionárias de rodovias. É um tema mais de Direito Administrativo do que Tributário, porque se trata de um contrato que o Estado tem com o particular, mediante a descentralização por colaboração.

Mas o Supremo Tribunal já disse que o pedágio pode ser uma tarifa, quando explorada pelo particular mediante concessão, permissão ou autorização, ou tributo, quando o Estado mantém a via pública e cobra pela passagem de modo compulsório.

Mas a cobrança de pedágio é uma violação à garantia de ir e vir? Por si só, não, porque ela está ressalvada no texto constitucional. Mas o Supremo já pôde se pronunciar sobre uma via de Santa Catarina, em que o recorrente só tinha uma via para chegar a sua casa, e estaria constrangido a desembolsar recursos próprios que outros cidadãos não necessariamente estariam obrigados. Processo ainda a decidir. O que se pesarão são garantia individual, e de outro a garantia do Estado, que não estaria violando a Constituição. Mas o pedido terá que ser interpretado conforme a Constituição.


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