Direito Tributário

quarta-feira, 21 de março de 2012

Mais sobre o conceito de tributo, empréstimo compulsório e revisão das taxas


Professor Erich Endrillo

endrillo@hotmail.com

Hoje o professor Erich assumirá nossa disciplina. Ele é professor da casa há 12 anos, mas teve alguns anos de licença em razão da atividade profissional e de cursos preparatórios lá fora. Veio para substituir o Professor Eldir enquanto este permanecer afastado por motivos pessoais. Vamos continuar a trajetória aqui.

Prova será com consulta, e provavelmente será o professor Erich quem elaborará.

Como estamos na graduação, o professor Eldir já fez uma referência bibliográfica. No caso, os próprios apontamentos de aula que ele disponibilizou no Espaço Aluno, além dos que constam ali no plano de ensino. O professor Erich, por sua vez, sugere:

Não se assustem, são livros de concurso mas que, às vezes, são melhores que alguns usados na Academia.

Estamos estudando a estrutura constitucional da tributação. É o início de nossa navegação, mas ainda há muita água para ser rodada depois de sairmos da Constituição da República, que é a parte mais importante. Depois vamos para a teoria do fato gerador. Daí obrigação tributária, lançamento tributário, crédito tributário, Dívida Ativa, execução fiscal, que é a parte em que o Estado busca bens do devedor de tributos.

Quando estudamos tributação, vemos que tudo começa na Constituição e termina em nossos bolsos. Mas entre aquela e este, muita água passa sob a ponte. É isso que temos que estudar no Direito Brasileiro. O Brasil é eficiente para a arrecadação de tributos, mas não no retorno ao contribuinte. Outros países do mundo poderiam aprender com a nossa Receita Federal, mas que jamais o Brasil sirva de exemplo no que tange à contraprestação do Estado à sociedade. Isso, na verdade, porque a sociedade inverteu os valores: o Estado somos nós.

A relação tributária é muito latente, e temos que saber como funciona o sistema razoavelmente bem. Depois que estivermos formados, veremos que alguém foi autuado, um empresário o pergunta o que é isso e o que ele pode fazer... O que você responderá? É aqui que surge a figura desse profissional gabaritado, saído do UniCEUB, e os devedores precisam de um milagre. A partir daqui podemos ganhar um trocadinho!

Conceito de tributo

Claro que vimos o que é tributo, porque estudar Direito Tributário sem saber o que é tributo é bobagem. Art. 3º do Código Tributário Nacional, de novo:

Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Então cabe repetir.

Empréstimo compulsório

Vimos que temos várias espécies tributárias, e paramos no empréstimo compulsório. O tributo é um conceito. Segundo o Código, é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. É a dicção do art. 3º do Código Tributário Nacional. O que é um tributo à luz da legislação brasileira? Nada mais é que uma obrigação que o cidadão tem de pagar pecuniariamente ao Estado, que transformará em receita pública e a partir dela enviará ao seu destino para fazer suas despesas.

Um pai de família busca seu sustento com seu trabalho. O Estado, por sua vez, fará o seguinte: ou ralará e produzirá, o que e não tem sido a vocação do Estado brasileiro ultimamente, ou irá atrás da riqueza que o particular produz. Esta última é a maior vocação do Estado, já que o Brasil não tem vocação de ser um Estado empreendedor. Nosso modelo empresarial estatal não foi muito bom. O Estado tem que intervir, mas não necessariamente empreender. Então a lógica do Estado é: “o carro é seu, mas o IPVA é meu; a indústria é sua, mas o IPI é meu; o imóvel localizado na zona urbana é seu, mas o IPTU é meu...” Então o Estado retira dessa riqueza do particular sua parcela, que será transferida para sua própria riqueza. O Brasil bate recordes em arrecadação. Temos um perfil de Estado que busca em nossa riqueza. Ele regula e tributa a atividade.

O Estado, então, tem o tributo como gênero para retirar essa verba. É imposição estatal compulsória; não é contrato, não é acordo sinalagmático, e não obedece à lógica do Código Civil. A obrigação civil requer a vontade das partes, enquanto aqui no Direito Tributário a obrigação é impositiva.

A palavra “tributo” advém do latim tributum, que significava “homenagear”. Dar a César o que é de César. A partir daí o Estado “vai em cima” de nossa riqueza.

Os sistemas tributários foram se sofisticando, e criaram o tributo como grande gênero, e, dentro dele, várias espécies. Impostos, por exemplo. Também as taxas, para a prestação de serviços específicos, ou voltadas para o exercício do poder de polícia. Temos também contribuições de melhoria, que são os tributos que nem se aplicam mais, que são devidos quando da valorização de imóveis decorrentes de obras públicas feitas na região. Além, é claro, das contribuições em sentido amplo.

Outra coisa de que falamos é a competência tributária. A quem cabe o que no campo tributário constitucional. Nossa Constituição tem um sistema aberto em que só declina quais espécies tributárias podem ser criadas.

O professor estava no Azeite de Oliva falando com uns amigos sobre o Sistema Tributário. Entre eles, um sujeito que veio da Alemanha. Perguntou ao estrangeiro o que a Constituição Alemã dizia sobre tributação. Disse que há dois artigos somente. Diz: “Os tributos serão criados pelo Parlamento.” Outro artigo diz: “O Parlamento, quando criar os tributos, respeitará o contribuinte.” Isso lá é suficiente para o sistema funcionar. No Brasil, tivemos que criar um sistema com todas as espécies e delimitações. Imagine se fosse aqui como é na Alemanha... algum direito seria respeitado pelos parlamentares?

Essa derivação competencial é típica brasileira. Lá fora os Poderes Legislativos têm mais liberdade. Mas o sistema parlamentarista é diferente do nosso.

Temos que conhecer o sistema constitucional brasileiro que é de onde se irradiam as normas tributárias. A Câmara Legislativa do DF, que produz norma sobre IPVA, tem que respeitá-la. Paga-se IPVA porque se tem um carro? Ou porque existe uma lei? E porque fizeram a lei? Porque a Constituição prevê que compete aos estados instituir imposto sobre propriedade de veículos automotores. E costuma-se parar de perguntar aqui.

Dentre esses tributos que o Estado gosta, há uma figura chamada empréstimo compulsório. É, na verdade, um tributo que pertence à União. É de competência dela, exclusivamente. Significa dizer que não é possível o Distrito Federal, por meio de sua Câmara Legislativa, criar um empréstimo compulsório. Isso porque é competência exclusiva da União. Graças a Deus, porque se tivéssemos um empréstimo compulsório local certamente ele seria instituído e pagaríamos.

No Direito Tributário, todo tributo nasce da lei. O que é isso? Princípio da legalidade. Da carta de João Sem Terra do século XIII para cá, ingleses ensinaram que não poderia haver taxação sem a respectiva representação. Ou seja, o rei reina, mas neste particular, não governa. Assim, em 1215, tivemos essa virada constitucional em que se admitiu que só seria possível criar tributo se o Parlamento desse sua opinião. Assim haveria mais legitimidade. Houve burburinho enorme nos países em volta. E esse modelo só foi basicamente rompido em 1789, quando o rei reinava e governava. Até mesmo 200 anos depois da Carta de João Sem Terra havia um monarca dizendo “L’État c’est moi.” Eu crio tributo, eu tiro tributo, eu prendo, eu mato; eu solto, eu perdoo; eu libero, eu confisco bens. Na história do Brasil, grande parte das insurgências sociais tinha como subjacente a questão tributária. Revolução farroupilha, por exemplo. Não podemos também nos esquecer da derrama portuguesa, um sistema tributário português introduzido no Brasil contra o qual algumas pessoas se rebelaram, mas sobrou para um sujeito que se transformou em mártir. Para melhorar tudo isso, criaram o princípio da legalidade. Antes o tributo criado em pergaminho, na pena do Rei.

Alguns tributos nascem por lei complementar, que é outro tipo de legislação mais sofisticada pelo seu quórum.

Há outra disposição permitindo criarem-se tributos por medida provisória. Materialmente a MP é igual à lei ordinária. O Supremo disse: “se é criado por lei, então não há problema em se criarem tributos por medida provisória, até porque a discussão vai passar pelo crivo do Legislativo.”

Mas há a limitação: tributos só criáveis por lei complementar não podem ser criados por medida provisória, porque esta se converterá, se for o caso, em lei ordinária. O empréstimo compulsório é tributo exclusivo da União, e depende da lei complementar para ser criado. Não pode ser por medida provisória do Presidente da República. Não pode mesmo. Questão do CESPE/OAB:

“Na hipótese de o Brasil decretar estado de guerra, a CF oferece algumas formas de incrementar a receita federal, entre as quais não se inclui a criação de empréstimos compulsórios por meio de medidas provisórias.” (OAB-Nacional/Cespe 2008-2/Questão 61/Assertiva D)

Verdadeira, portanto.

“Em casos de relevância e urgência, é lícito à União instituir empréstimos compulsórios mediante medida provisória.” (Cespe/OAB-SP/135º Exame/Caderno 1/2008/Questão 84/Assertiva A).

Esta está incorreta. O erro está na expressão “mediante medida provisória”.

O que é um empréstimo compulsório, para que serve, por que a União iria querer instituir um? Em primeiro lugar, o nome já diz: é um empréstimo, mas é compulsório! Portanto a União pegará seu dinheiro emprestado na marra. Você emprestará para o governo federal. Assim sendo, o governo irá, com base na autorização que lhe é dada pela Constituição, buscar esse tributo para três coisas:

  1. Custear guerra externa;
  2. Atender a uma situação de calamidade pública; ou
  3. Para investimento urgente e de relevante interesse nacional.

Os dois primeiros casos referem-se a despesas extraordinárias. O dinheiro vai para os cofres da União, mas tem que ser devolvido. A natureza jurídica de um empréstimo é a devolução, claro, ou não seria empréstimo. Até criticam a inclusão do empréstimo compulsório como tributo, porque não deveria ser devolvido se fosse tributo. Mas é sim, não só porque o Supremo disse isso, mas também porque está no art. 148 da Constituição. Está no âmago do sistema tributário nacional, e é tributo sim porque é compulsório.

Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".

Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.

Calamidade pública é outro fator que pode ensejar um empréstimo compulsório. É bem verdade que o empréstimo compulsório vem sido cobrado desde a época do Império. Muitas obras desenvolvimentistas só foram possíveis porque a União cobrou empréstimo compulsório. Houve cerca de dezoito desde o século XIX. Deles, só três a União devolveu direitinho. De resto, o que houve foi um autêntico calote. Entre a tomada do empréstimo e a devolução, a legislação mudou, a inflação foi corroendo o valor da moeda, o humor político também. Foi um negócio terrível para o brasileiro. Nossa tradição, portanto, não é muito boa com relação aos empréstimos compulsórios. Por isso a Constituição de 1988 engessou as situações em que eles podem ser instituídos. Guerra externa ou sua iminência, ou calamidade pública, ou a realização de investimento urgente e relevante. Tributo vinculado, portanto.

E que calamidade pública é forte o bastante para ensejar a criação desse tributo? Do ponto de vista jurisprudencial, não há qualquer precedente da corte porque a União nunca criou na vigência da Constituição atual, então não há um caso concreto para ser analisado. Os doutrinadores não tem um conceito muito consentâneo entre si. Mas numa coisa eles concordam: por se tratar de um tributo nacional, a calamidade tem que ser de alcance nacional. Não se pode criar empréstimo compulsório porque o Vale do Itajaí está inundado, nem porque o Tietê transbordou. Toda a nação pagaria por uma situação local?

Investimento público de relevante interesse nacional é a terceira hipótese. Não deixa de ser algo subjetivo na mão do administrador, em razão de que, num país que necessita e carece de infraestrutura para receber uma copa do mundo, tudo é urgente e relevante. E não temos aqui, ainda, um exemplo claro e efetivo de como os tribunais pensam, porque ainda não tivemos a instituição de um empréstimo compulsório! O último foi em 1986, na época do Presidente Sarney. Foi empréstimo compulsório sobre a compra de carro zero km. O comprador guardava a nota fiscal, e o governo (supostamente) devolvia-lhe.

Em 2001, tivemos uma situação que poderia ter ensejado isso: a ameaça do apagão, por falta de investimento público na área de geração de energia. Não havia recursos. O governo, na época, criou uma comissão de gestão da crise de energia. Aventou-se a hipótese de se estabelecer um empréstimo compulsório com base no art. 148 da Constituição. Não haveria problema algum, juridicamente. Mas a experiência brasileira em termos de empréstimos compulsórios não era boa, e a mídia cairia em cima. Além de que era ano logo anterior a uma eleição, então também houve interesse político. Criaram, então, uma espécie de sobretarifa.

Hoje está na iniciativa privada a geração de energia elétrica.

São esses três os destinos do dinheiro do empréstimo compulsório.

Duas ressalvas, em especial para concurso público: nossa Constituição, e não estudamos isso ainda, diz que toda vez que o governo cria um tributo, a cobrança só poderá vir no exercício seguinte. É o princípio da anterioridade tributária. ele é a regra geral; há exceções, entretanto. Quando for criado um empréstimo compulsório, que já sabemos que tem que ser por lei complementar pela União e não cabe por medida provisória, se for para guerra ou calamidade, a aplicação é imediata. Por que a Constituição criou essa exceção? Evidente! Precisaríamos de bombas, tanques, pagar as Forças Armadas e investir rapidamente em tecnologia. Se esperássemos um ano, poderia ser tarde demais e a razão de ser do tributo estaria prejudicada. Por isso a própria Constituição estabeleceu essa exceção à regra.

Mas a maior armadilha nos concursos não está na guerra nem na calamidade pública como fatos ensejadores da instituição do empréstimo compulsório; mas sim na terceira situação, que é a realização de investimento público urgente e relevante. Nisso, somos levados a erro, porque pensaríamos: se é urgente, então a eficácia deveria ser imediata.” Mas não é! Tem que haver a anterioridade, e a cobrança só ficará para o exercício seguinte. Leia a Constituição:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

[...]

Então, atenção se cair uma questão com as seguintes ideias: o empréstimo compulsório, de modo geral, obedece à regra da anterioridade? Falso! Dada a urgência, a eficácia é imediata? Falso! Só se aplica imediatamente em caso de guerra e calamidade pública, somente. Investimento urgente não!

Fato gerador do empréstimo compulsório

O que é o fato gerador de um tributo? Seria o comportamento que o legislador prevê que teria como consequência para o contribuinte pagar o tributo X. Ser proprietário de um veículo automotor é um exemplo. Outro é adquirir bens importados, e outro é possuir imóvel localizado na zona urbana. No caso do empréstimo compulsório, temos que ele pode ser instituído em caso de realização de despesas extraordinárias para custeio de guerra externa ou sua iminência, ou despesas em virtude de calamidade pública, ou para realizar investimentos urgentes e de relevante interesse nacional. Quando a Constituição diz isso, ela nos diz onde o dinheiro será gasto. Mas ela não está dizendo quais os fatos geradores! Não podemos confundir fato gerador com destino do dinheiro.

Qual era o fato gerador da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira? Movimentação financeira, como o próprio nome diz. O dinheiro era gasto onde? Na saúde, originalmente. O fato gerador não é a saúde, mas a movimentação financeira. O fato gerador do empréstimo compulsório não é a guerra nem a calamidade ou o investimento, mas onde o dinheiro será gasto. Certo, e o fato gerador do empréstimo compulsório é qual? Não temos. Portanto, a quem caberá dizer qual é o fato gerador do empréstimo compulsório? Ao legislador complementar.

Situação hipotética: Brasil está em guerra externa ou sua iminência. O Congresso Nacional, então, institui um empréstimo compulsório que será cobrado no percentual de 10% sobre o consumo de bebida alcoólica em bares e restaurantes. O fato gerador será o consumo de bebida alcoólica em bares e restaurantes. O examinador, na prova da OAB, diz: “são fatos geradores do empréstimo compulsório: guerra, calamidade e investimento”. Verdadeiro ou falso? Falso. Não é isso! A guerra e o investimento público urgente e de relevante interesse nacional não são os fatos geradores do empréstimo compulsório. O fato gerador será o que o legislador determinar. Pode ser 30% sobre a aquisição de sapatos com salto maior do que 11cm.

Vamos complicar.

O Supremo Tribunal Federal já foi obrigado a analisar algumas questões sobre empréstimo compulsório. O último que tivemos, em 1986, foi criado sobre a aquisição de carro zero e consumo de combustíveis. O preço era, digamos, 50 mil Cruzados mais o valor do empréstimo. O comprador contribuinte guardava a nota fiscal. Toda vez que botasse gasolina, o preço pago seria o da bomba mais o empréstimo compulsório, e ele guardava a nota para depois receber. Foi criado por um decreto, e queria devolver não em dinheiro, mas em “resgate de quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento”. Em outras palavras, o governo pegava nosso dinheiro, que ia para o cofre dele. O certo seria devolver dinheiro com juros e correção. Mas colocavam o cidadão para ser sócio de um clube. Isso estava errado, porque a natureza do empréstimo é a paridade do tratamento. Nele, dinheiro dado é dinheiro devolvido. Isso ficou decidido no RE 121336/CE – Pleno.

Empréstimo compulsório. (Dl. 2.288/86, art. 10): incidência na aquisição de automóveis de passeio, com resgate em quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento: inconstitucionalidade. 1. "Empréstimo compulsório, ainda que compulsório, continua empréstimo" (Victor Nunes Leal): utilizando-se, para definir o instituto de Direito Público, do termo empréstimo, posto que compulsório - obrigação "ex lege" e não contratual-, a Constituição vinculou o legislador a essencialidade da restituição na mesma espécie, seja por força do princípio explícito do art. 110 Código Tributário Nacional, seja porque a identidade do objeto das prestações reciprocas e indissociável da significação jurídica e vulgar do vocábulo empregado. Portanto, não e empréstimo compulsório, mas tributo, a imposição de prestação pecuniária para receber, no futuro, quotas do Fundo Nacional de Desenvolvimento: conclusão unânime a respeito. 2. Entendimento da minoria, incluído o relator segundo o qual - admitindo-se em tese que a exação questionada, não sendo empréstimo, poderia legitimar-se, quando se caracterizasse imposto restituível de competência da União - , no caso, a reputou invalida, porque ora configura tributo reservado ao Estado (ICM), ora imposto inconstitucional, porque discriminatório. 3. Entendimento majoritário, segundo o qual, no caso, não pode, sequer em tese, cogitar de dar validade, como imposto federal restituível, ao que a lei pretendeu instituir como empréstimo compulsório, porque "não se pode, a título de se interpretar uma lei conforme a Constituição, dar-lhe sentido que falseie ou vicie o objetivo legislativo em ponto essencial"; duvidas, ademais, quanto a subsistência, no sistema constitucional vigente, da possibilidade do imposto restituível. 4. Recurso extraordinário da União, conhecido pela letra "b", mas, desprovido: decisão unânime.

Caiu em pergunta da ESAF para juiz federal: “segundo o STF, não há problema em se devolver os valores tomados no empréstimo compulsório na forma de títulos de qualquer espécie.” Errado. Tem problema sim.

Outra coisa: o empréstimo compulsório tem previsão constitucional, mas não foi criação da Constituição de 1988, mas na de 1891. Desde então veio sendo renovado. Em nosso Código Tributário Nacional, de 1966, está dito no art. 15:

Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:

I - guerra externa, ou sua iminência;

II - calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;

III - conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo.

Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei.

Na época, era permitido criar empréstimo compulsório para a absorção temporária do poder aquisitivo. Vejam que danoso para o cidadão! Naquela época, o empréstimo compulsório, que hoje serve somente para aquelas três destinações, servia-se como instrumento de intervenção econômica. Com a Constituição de 1988, não foi reproduzida essa hipótese, e o resumo da opera foi que, no que se refere à expressão absorção temporária de poder aquisitivo, esse inciso III do art. 15 do CTN não foi recepcionado.

Em 1990, em 15/3, foi editada uma medida provisória pelo Presidente Collor. Congelava os ativos das contas correntes e poupança para reter a inflação. O Supremo não concedeu liminar, mas entendeu depois que aquilo foi um confisco de bens. Era o plano Collor I. Esqueceram que o motivo para se instituir a solução do empréstimo compulsório já não valia mais na Constituição de 1988, e segundo, ainda que valesse, o empréstimo compulsório dependia de lei complementar, e não poderia ser feito por medida provisória. Flagrantemente inconstitucional. Portanto, se um dia você for a uma festa muito animada e lhe perguntarem se o governo Collor poderia ter feito aquilo, você dirá que a hipótese não foi recepcionada pela Constituição de 1988, e mesmo que tivesse sido, não poderia ser por medida provisória.

Não há maiores polêmicas sobre ele. Uma prova bem elaborada irá perguntar isso. Uma prova mal elaborada vai perguntar sobre a competência do Município de Campinas para a instituição de empréstimo compulsório.

Mais uma visita às taxas

É um tributo muito ambíguo em nosso sistema. As taxas têm dois fatos geradores. O exercício do poder de polícia e a utilização de serviços públicos específicos e divisíveis, ainda que só potencialmente. Vamos voltar a ela.

Todos os tributos têm previsão constitucional; ela é a raiz de todos os tributos. Leiam a Constituição! Dentre eles, existe uma figura chamada taxa. No art. 145, inciso II do Texto Constitucional, está escrito:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

[...]

Serviços públicos específicos e divisíveis. Ao contrário do empréstimo compulsório que acabamos de estudar, a competência não é exclusiva, mas comum à União, estados, municípios e Distrito Federal. No empréstimo compulsório, a competência tributária é exclusiva da União. Por que o governo quer taxas? Por que quer nos taxar? Esse verbo vem da palavra tax, em inglês.

Por duas razões. Custear o exercício do poder de policia, e para custear serviços públicos que o Estado presta ao cidadão. Este remunera aquele. Não qualquer serviço, mas serviço público específico e divisível. Por isso podemos dizer que a taxa tem dois fatos geradores: exercício do poder de polícia e utilização de serviços públicos. Dois tipos de taxas, dois fatos geradores genéricos.

O primeiro deles é o exercício do poder de polícia. Muito bem. O poder de polícia nada tem a ver com Patamo, Polícia Militar, BOPE, etc. É um poder inerente de uma relação do particular com o coletivo. As pessoas tem seu viés individual, suas garantias individuais, mas também têm suas garantias coletivas. “Eu sou eu” num contexto social. Tenho meus direitos individuais, de ir e vir, à livre iniciativa, à liberdade de expressão, garantias insculpidas no art. 5º. Mas não estou sozinho no mundo, então tudo que eu fizer terá consequências na comunidade. A tutela coletiva virá para colocar as coisas no lugar. Todos aqui sabemos que temos a garantia da liberdade de expressão. Mas posso usar minha garantia e caluniar as pessoas? Negativo. Tenho a garantia da livre iniciativa. Mas posso, em meu empreendimento gastronômico, acondicionar os alimentos do meu restaurante do jeito que eu quiser? Até posso! Mas se a fiscalização passar ali, haverá aborrecimento. Opa, este é o cerne da questão. Posso ser dono do bar, com música ao vivo. Mas não à 1:00h da manhã com 170 decibeis. A livre iniciativa tem limites à medida que transborda a esfera individual e perturba a sociedade. Quem controlará? O Estado. E como o fará? Através do poder de polícia.

No Cinemark você vê saídas de incêndio. Têm até luzes chamativas que perturbam o escurinho da sala, que deveria ser iluminada somente pela telona. É porque o proprietário quer? Não; é norma. E alguém fiscalizará.

Então, para manter esse serviço, que é custoso, o Estado cria um tributo, chamado taxa.

O conceito de poder de polícia é perigoso: genericamente é qualquer ingerência que o Estado tem para fazer com que o particular aja harmoniosamente. Veja o art. 78 do CTN:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

O sujeito que chega ao bar à noite com a camisa amarela escrito “Fiscalização” traz um artefato para medir a potência do som. Poder de polícia! Assim como o sujeito paga taxa para a Vigilância Sanitária, para que ele próprio seja fiscalizado.

E qual é o limite para a criação de taxas para custeio do poder de polícia? Qualquer tributo que tenha por função aquelas do art. 78 não terá limite! Pode haver 200 taxas. Para restaurante uma, para mineradoras outra, para emissão de determinado documento outra, e assim sucessivamente.

Uma polêmica: aliás, desafios. Imaginem um Estado da federação, São Paulo por exemplo. O ente político cria uma taxa de vigilância sanitária. Pode criar, porque é prevista constitucionalmente como de competência dos estados. É poder de polícia. Está no campo do fato gerador. Mas esse estado, que criou a taxa para que os fiscais vão aos locais, não possui nenhum órgão para fazer essa fiscalização. Não existe um órgão próprio na estrutura administrativa daquele estado. O contribuinte entende que tem algo errado. Como o Estado cobrará se não tem nenhum órgão em sua estrutura administrativa para fazer isso? O Supremo teve que analisar, e tomou uma decisão salomônica. Ente que cria uma taxa sem que disponha de um órgão para fiscalizar soa como estelionato tributário. Como é que se arrecadaria por algo que não pudesse ser fiscalizado? Vírgula! Porém, se, em tese, aquele ente federativo tiver estrutura para fiscalizar, não há a necessidade de ele efetivamente fiscalizar, basta que, em tese, tenha essa possibilidade. Em outras palavras, o Supremo disse assim: o município criou uma taxa de vigilância sanitária, tem um órgão que fiscaliza, mas só há um único fiscal. Pode mandar o carnê para todos os bares? Sim. Ainda que não sejam efetivamente fiscalizados.

Aqui mesmo no Distrito Federal fiscaliza-se por amostragem. Todos são obrigados a pagar a taxa de vigilância sanitária, de qualquer jeito. Posso impetrar mandado de segurança porque em determinado ano meu restaurante não foi fiscalizado? Não. Supremo Tribunal Federal já respondeu a essa pergunta no RE 416601.¹

Duas questões do CESPE, uma de uma prova de procurador, outra da OAB:

“Considerando que determinado estado da Federação tenha instituído cobrança de valor para que determinado setor da atividade econômica fosse fiscalizado em virtude de comercializar alimentos: a cobrança enquadra-se tão somente no conceito de taxa, pelo exercício do poder de polícia do Estado.” (Cespe/PGE-PI/Procurador/2008/Questão 86, assertiva D)

“Considere que a União institua uma lei visando definir o valor de serviços administrativos de órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento quanto às fiscalizações de estabelecimentos que acondicionam carnes bovinas destinadas à exportação. Nessa hipótese, o valor a ser pago pelos contribuintes constitui taxa, por decorrer de regime jurídico tributário.” (Cespe/OAB-SP/135º Exame/ Caderno 1/2008/Questão 82, assertiva A)

Todo poder de polícia é poder-dever do Estado. Quando o som tem que ser abaixado, é porque o bem-estar de alguém está ameaçado. Houve um estado do Nordeste que permitia que os juízes fossem aos motéis, acompanhados de um representante do Conselho Tutelar, exigir que os usuários se identificassem. O objetivo era verificar se havia exploração sexual de menores. A pergunta é: está correta a atuação do Estado no sentido de ser esse exercício do poder de polícia regular, ou isso passa a invadir a garantia individual da privacidade? Em outras palavras, existe uma privacidade em estabelecimentos comerciais? Qual é o limite do poder de polícia? Quando começa a ferir as garantias individuais? O interesse de se proteger a criança prevalece?

É uma grande discussão.


  1. Não encontrei informações suficientes sobre esse recurso extraordinário.

notasdeaula.orgotasdeaula.org