Direito Tributário

quinta-feira, 22 de março de 2012

Mais sobre o conceito de tributo, empréstimo compulsório e revisão das taxas


Em nosso bate-papo sobre tributação, estávamos falando sobre as taxas, e ontem fizemos uma revisão sobre os conceitos associados. Vimos que a taxa é um tributo que tem como fato gerador, de início, o exercício regular do poder de polícia, que é o poder de fiscalizar. É um poder intrínseco ao Estado, que tributará o contribuinte mediante taxas para cobrir esse custo.

Outra razão para a criação de taxas pelos entes políticos é a prestação de serviços públicos. Quando o Estado presta serviços e remuneramos o poder público pelo serviço que nos presta, e aqui estamos usando “Estado” como sinônimo de “poder público”, a forma como essa remuneração se dá é classificada com duas vertentes. De um lado, os serviços públicos são remunerados por taxas. De outro lado, é remunerado por tarifa ou preço público.

A Constituição é bem clara quando o Estado cria uma taxa para remunerar um serviço público. Quais as características que esse serviço há de ter para que a tributação seja criada? A Constituição diz o seguinte: o serviço público tem que ser de caráter específico e divisível. Características, portanto, são a especificidade e a divisibilidade.

É preciso que se saiba o que isso significa. A especificidade é a característica do tributo por meio da qual o contribuinte, quando paga a taxa, consegue identificar que atuação o Estado terá em relação à sua pessoa. Quando paga a taxa, o contribuinte consegue identificar qual serviço público que será prestado. Exemplo: coleta de lixo domiciliar, que é um serviço específico. Tanto que, se você perguntar a um homem do povo a seguinte pergunta: “quando você paga uma taxa de coleta de lixo, você paga por qual serviço público?” Ele não terá dúvida na resposta.

Mas é sempre assim? Não. Quando eu pago o Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, o serviço que estou custeando é qual? Consigo visualizar, especificamente? Não. Quando eu pago IPVA eu consigo identificar o serviço específico que o Estado irá prestar? Também não. O povo acha tudo; inclusive que o IPVA deve ser destinado à conservação das vias. Na verdade, pago o IPVA porque sou proprietário de um veículo automotor.

Mas, quando pago a Taxa de Coleta de Lixo Domiciliar, a TCLD, eu consigo identificar o que o Estado fará ou, pelo menos, deverá fazer. Ao contrário dos impostos, em que custeiam-se serviços genéricos. Na taxa, os serviços são específicos. Se não mostrar um serviço específico, não será taxa.

Outra coisa é que o serviço tem que ser divisível. É a divisibilidade do serviço. E aqui vamos utilizar o exercício de um exemplo para poder elucidar: a noção de “divisível” fica um pouco vaga de vez em quando.

Imaginem dois serviços públicos: coleta de lixo e segurança pública. De manhã cedo o caminhão de lixo sai junto com uma viatura policial. Dois serviços públicos estão prestes a ser prestados. O serviço público da coleta de lixo vai toda segunda-feira ao bairro A, toda terça-feira ao bairro B, e assim por diante, até que sexta-feira ele comparece ao bairro E. Cada dia um bairro se utiliza da taxa. Se você perguntar ao motorista quem tomará o serviço hoje, que é quinta-feira, ele dirá que são os moradores do bairro D. E o que aconteceria se o morador do bairro A ligasse solicitando a presença imediata do caminhão de lixo? A resposta deverá ser: “acumule mais, ou leve para o bairro D, rápido!” Significa dizer que a Administração Pública consegue identificar quem irá tomar o serviço público que ela presta, porque é de forma destacada. Segunda-feira é A, terça B...

E a viatura da polícia? Ela ronda somente o bairro D nas quintas-feiras? Um morador liga dizendo que alguém pulou o muro de sua residência. A Administração Pública vai responder daquele jeito: “o senhor tem duas opções: vai conversando com o ladrão aí até o dia da ronda em sua localidade, ou atraia-o para o bairro D, onde a polícia está hoje?” Não. É um exemplo bobo, mas muito clássico! De um lado, tenho um serviço público que todos têm direito, mas não ao mesmo tempo quando precisarem. Já o serviço de segurança pública é também um serviço público, mas que serve a todos ao mesmo tempo, em tese, quando precisarem! Se perguntar ao motorista policial quem tomará o serviço hoje, ele dirá: “não sei! É quem ligar pedindo!”

Aí está o grande lance: para criar taxas, o governo só poderá fazê-lo se o serviço for divisível. Usar separadamente. Se for universal, ele não poderá ser remunerado por uma taxa, e sua criação será inconstitucional. Eis o motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a TIP, a dita Taxa de Iluminação Pública. É prestado a todos ao mesmo tempo, e indivisível. Não é para a rua de alguém, mas a rua de todos. Não só para motoristas, mas também para transeuntes. Por isso não poderia ser remunerada por taxa.

Outro caso a ser examinado é o do Fortal, o carnaval fora de época de Fortaleza. O Estado do Ceará havia cobrado uma “taxa de segurança pública” de cada bloco carnavalesco. A Polícia Militar teria que deslocar um efetivo maior para fazer a segurança ali. Essa taxa é constitucional ou inconstitucional? Inconstitucional. Segurança pública é serviço indivisível.

E se a Câmara Legislativa do Distrito Federal criasse uma “taxa de utilização de serviço hospitalar”? Seria inválida, porque o serviço de saúde é prestado para as pessoas em caráter de indivisibilidade. Não temos “hospitais de campanha itinerantes”, como aquelas tendas montadas em zonas de conflito, um dia da semana em cada localidade.

Muito cuidado com as taxas que pagam, e com as questões de prova. Saibam analisar se aquele serviço é, de fato, divisível! Se todos têm direito a todo tempo, esse serviço não será remunerado por taxa.

Taxa de Limpeza de Logradouros Públicos: é constitucional? Caiu em concurso público:

O município de Vitória-ES pretende instituir taxa que vise remunerar os serviços de limpeza e coleta de lixo na cidade, como logradouros públicos, estradas, praças, parques, praias etc. A referida taxa é inconstitucional, já que não se trata de um serviço específico e divisível prestado ao contribuinte. (Cespe/Sefaz-ES/Consultor/2009/Questão 62)

Fala-se da limpeza de praças, parques, calçadas, praias, meios-fios, etc. Inconstitucional. É um serviço universal, diferente da coleta de lixo. A TLP seria uma taxa para a limpeza de ruas inteiras, de praças, para remuneração de garis, de remoção de folhas cadentes, indistintamente. Verdadeira a questão, portanto.

O Estado cria falsas taxas por meio das quais tenta tirar proveito do contribuinte. Vamos depois aprender como identificar um tributo.

A taxa pelos serviços pode ser pela utilização efetiva deles, do serviço tomado, utilizado pelo contribuinte a qualquer título, ou pelo serviço potencialmente utilizado: sendo de utilização compulsória, o serviço está à disposição do contribuinte, mesmo que ele não use, ou use pouco. Havia um sujeito que queimava o próprio lixo. Tem como ele afastar a incidência da taxa para ele? Não, porque o serviço está posto à sua disposição. Ele não precisava, mas o serviço estava sempre ali.

Outra problemática das taxas: elas têm uma espécie de característica que diferencia de impostos. Quando o governo cria taxas, ele quer remunerar um serviço específico. Quando cobra impostos, ele quer dinheiro para suas despesas gerais.

Uma vez, num encontro internacional, recebeu-se visita de advogados de fora, da África, que falaram que só há um imposto, para tudo. Respondemos que aqui cada um tem vertentes de utilização, com competências tributárias constitucionalmente definidas, mesmo que o povo não entenda. Mas o governo entende!

Então, a Constituição, para ser lógica, traz o seguinte dispositivo: a taxa não pode ter base de cálculo de imposto. Art. 145, § 2º.

§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

Imaginem que criássemos uma taxa de coleta de lixo domiciliar, sendo cobrada a 1% do valor venal do imóvel, isto é, o valor considerado somente o custo da construção mais o terreno onde edificado, sem levar em conta as variáveis da localização, da incidência do fenômeno da especulação imobiliária, valor histórico ou artístico, o valor à época da compra ou venda; em outras palavras: sem considerar valores exteriores ao objeto. Essa taxa seria inconstitucional? Sim, porque essa seria a base de cálculo típica do IPTU. E o IPTU é imposto. Não pode ser cobrada de uma forma idêntica à de um imposto. Isso porque base de cálculo de imposto é para custear despesas gerais. A base de cálculo das taxa é para serviços específicos. Seria uma espécie de paradoxo usar taxa como se fosse imposto.

Neste caso, temos outra situação interessante à vista do STF, que traz certa reflexão. RE 232393/SP. Claro que, em qualquer prova, concurso ou consulta feita por um cliente, não lhe perguntarão: “o que é uma taxa?” Mas vejam: há a TCLD, criada por lei. Hipoteticamente: a taxa será de R$ 10,00 para quem possui terreno de até 100 metros quadrados. R$ 20,00 para quem possui terreno de área até 200 metros quadrados, e assim sucessivamente. A taxa é publicada no Diário Oficial. Essa taxa é constitucional ou inconstitucional? Respondam para si mesmos antes de saber do posicionamento do STF. Os contribuintes bateram à porta da Corte. “Não poderia ter base de cálculo de imposto”, alegavam eles. O Supremo pensou e proferiu mais uma decisão salomônica. Quando a Constituição diz que a base de cálculo não pode coincidir com a de impostos, isso não significa que a base de cálculo não possa se valer de um dos elementos do imposto. Matou a questão. Imaginou-se que isso aí era a base de cálculo do IPTU. O IPTU funda-se no valor venal do imóvel, mas não na medida da área do imóvel diretamente! Essa taxa, portanto, é constitucional. Não se vale de uma base de cálculo de imposto, mas só de um dos elementos dessa base. Claro que a área influi no valor do imóvel, mas essa é outra questão. Eis o Recurso Extraordinário 232393/SP:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE COLETA DE LIXO: BASE DE CÁLCULO. IPTU. MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS, S. P.

I. - O fato de um dos elementos utilizados na fixação da base de cálculo do IPTU – a metragem da área construída do imóvel – que é o valor do imóvel (CTN, art. 33), ser tomado em linha de conta na determinação da alíquota da taxa de coleta de lixo, não quer dizer que teria essa taxa base de cálculo igual à do IPTU: o custo do serviço constitui a base imponível da taxa. Todavia, para o fim de aferir, em cada caso concreto, a alíquota, utiliza-se a metragem da área construída do imóvel, certo que a alíquota não se confunde com a base imponível do tributo. Tem-se, com isto, também, forma de realização da isonomia tributária e do princípio da capacidade contributiva: C. F., artigos 150, II, 145, § 1º.

II. - R. E. Não conhecido.

A discussão foi tão acirrada que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 29:

Súmula Vinculante 29 do STF – É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Antes de o Supremo editar a SV 29, a maior parte dos candidatos errava essa questão. Viam que a base de cálculo era “parecida” com a de imposto. Não há mais o que discutir.

A Súmula Vinculante 19, por sua vez, preceitua:

Súmula Vinculante 19 do STF – A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

Ou seja, a TCLD e remoção de resíduos sólidos de imóveis é constitucional.

Outras súmulas a respeito das taxas:

Súmula 595 do STF - “É inconstitucional a taxa municipal de conservação de estradas de rodagens cuja base de cálculo seja idêntica à do imposto territorial rural.”

Súmula 665 do STF - “É constitucional a Taxa de Fiscalização dos Mercados e Títulos e Valores Mobiliários, instituída pela Lei 7.940/89.”

Súmula 667 do STF - “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa.”

Súmula 670 do STF - “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado por meio de taxa.”

Diferença entre taxa e tarifa ou preço público

São coisas distintas. A conta de luz é uma taxa ou uma tarifa? Tarifa. E a conta de água? Tarifa. De lixo? Taxa. Para entrar no zoológico paga-se o quê? Tarifa. Pegar um ônibus da TCB? Tarifa. Pagar emissão do passaporte? Taxa.

O que caracteriza a taxa é a utilização de serviço público compulsório. O que caracteriza a tarifa ou preço público é a prestação de serviços públicos de origem contratual, por ato de vontade das partes, obrigacional, regido por outras regras. Serviço público é monopólio do Estado, e só ele quem pode prestá-los. Já a energia elétrica não; o Estado pode até explorar, mas é uma atividade econômica, que pode ser prestada por particulares, assim como o serviço de transporte. Se tenho a alternativa de utilizar um serviço que não seja o prestado pelo Estado, então provavelmente ele será remunerado por preço público ou tarifa. Mas, se é compulsório, não posso fugir do regime de tributação que é a taxa. Emissão de passaporte, por exemplo. O Estado tem o monopólio na emissão deles.

Se vou ao zoológico e tenho que pagar algo que não é taxa, mas sim preço público, então aplica-se até o Direito do Consumidor.

Taxa é compulsória, tarifa é contrato; taxa é questão de ordem pública, enquanto tarifa é relação privada, e posso invocar o Código de Defesa do Consumidor; e taxa pago por uma prestação de serviços efetiva ou potencial, enquanto na tarifa só pago pela efetiva utilização do serviço. Taxa é receita derivada, enquanto tarifa é receita originária.

Súmula 545 do STF:

Súmula 545 do STF – Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.

Ou seja, taxa é compulsoriedade, enquanto a tarifa é contratual.

Observação: para nós, em Direito Tributário, não discutimos a diferença entre tarifa e preço público.

Como já vimos as contribuições de melhoria, vamos passar à...

Contribuição para o custeio de iluminação pública

Voltamos para taxa para então poder explicar como funciona a CIP. A Emenda Constitucional nº 39 inseriu o art. 149-A:

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

Por que se criou esse tributo por emenda constitucional em 2002? Antigamente, a forma de cobrança era por taxa. Mas STF julgou inconstitucional a taxa para isso. Portanto não poderia mais ser cobrada taxa para custear a iluminação pública. O professor acompanhou a discussão academicamente, e os administradores ficaram preocupados porque cobravam havia muito tempo. “De onde tirarei dinheiro para bancar esse serviço?” Quando o serviço é geral, em tese cobra-se por impostos. Os municípios disseram: não poderei mais cobrar taxa e ainda terei que deslocar parte do orçamento para a iluminação pública? Isso porque alguns municípios vivem no limbo da Lei de Responsabilidade Fiscal: só pagam servidores.

Se é inconstitucional, portanto, faça-se lobby! Foram ao Congresso Nacional e disseram: “lá do outro lado da rua disseram que a taxa de iluminação pública é inconstitucional! E agora? Façam alguma coisa, parlamentares!” Criaram um esdrúxulo tributo chamado CIP. Antes era TIP. De taxa para contribuição. Tiramos o T e colocamos o C.

Alguns acusaram isso de ser um eufemismo fiscal. Constitucionaliza o inconstitucional. E ainda teve outra discussão paralela muito bonita, em que alguém disse: “pode uma emenda criar um novo tributo além daqueles que o Poder Constituinte Originário trouxe? Isso não é violar uma cláusula pétrea que é da garantia de que os indivíduos não pagarão nada além do que há ali?” O Supremo disse: “o preço que se paga para constitucionalizar o sistema tributário é esse! O Brasil tem o sistema tributário mais constitucional do mundo. Então toda vez que se tiver que mexer na tributação por uma necessidade da comunidade, inexoravelmente ter-se-á que mexer onde? Na Constituição. Não existe o direito adquirido de ser tributado somente por aquelas espécies previstas em 1988. E se a comunidade mudar? E se precisarmos de novas hipóteses tributárias? Será que a Constituição é tão inflexível assim? Não é. É válida a Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública.”

E agora esse tributo pode ser cobrado na fatura de energia elétrica. Significa que o governo não precisa ficar mandando carnês mês a mês ou ano a ano. Se você não pagasse, a execução fiscal seria inviável, porque seriam R$ 10 reais por mês. Atrelaram, portanto, à conta de energia elétrica. A distribuidora de energia será, agora, a responsável pela arrecadação. Bom para o poder público, que agora precisa fiscalizar somente a concessionária, e não todos os contribuintes.

Competência é dos municípios e do Distrito Federal. Isso também está no art. 149-A.

Significa que, se não houver poste com iluminação pública na minha rua mas tiver lá no centro da cidade tenho que pagar a CIP? Sim! Eu também poderei utilizar daquela iluminação. Está disponível. Não é uma taxa. A essa contribuição basta que haja iluminação pública. É suficiente para que seja cobrada a respectiva contribuição.

Contribuições parafiscais

São contribuições de interesse de categorias profissionais. CRM, CRC, CREA, etc.

Para que mesmo serve tributo? Segundo a doutrina clássica, o Estado tem em mente três situações quando cria um tributo. Primeiro é a situação mais corriqueira, clássica, normal, que é arrecadar, ter receita para se manter. Assim como um pai de família precisa ter receita para manter suas despesas. Onde o Estado mais tem receita é na área tributária.

A primeira função do tributo, portanto, é a função fiscal, que consiste na utilização do tributo como instrumento de arrecadação para manutenção do Estado e suas despesas.

A segunda função, que não é mais nobre, mas mais moderna, é o Estado utilizar o tributo como instrumento de indução da economia e das atividades. Estimular as pessoas a fazer ou deixar de fazer algo. O tributo pode não visar à arrecadação, mas sim a se atingirem outros objetivos. Essa é a função extrafiscal dos tributos.

ITR: Imposto Territorial Rural. Pode-se estabelecer que haverá cobrança maior para áreas improdutivas, e cobrança menor para áreas produtivas. No fundo, o Estado quer que todas as áreas sejam improdutivas para ele arrecadar mais? Claro que não. Na verdade, ele quer mais produção.

Lembram-se da época do liberalismo mercantilista? A sociedade seria conduzida por uma mão invisível chamada mercado e o Estado somente contribuiria com suas atribuições, mas não se imiscuiria. Era um liberalismo ao extremo. O papel do Estado não era intervencionista. Mas com o advento de uma visão estatal mais atuante, notou-se que ele era o grande artífice das relações públicas. Era uma abstração criada pelo homem com esse fim também. Sou o Estado pelas pessoas, e não para mim mesmo. Saímos do liberalismo puro, e fomos para o bem-estar social, em que o Estado tem que interferir para tutelar a criança, o idoso, o marginal. Estado Democrático Social, que não é inerte. É patente porque na virada de 2008 para 2009, foi necessário o governo americano comprar a própria General Motors. Aquele liberalismo foi à lona. Significa dizer que o mercado não se regula por uma mão invisível.

O mercado regula a prova da OAB? Não necessariamente.

Se temos uma intervenção fiscal, então o Estado é intervencionista, e não temos para onde correr.

Subir IOF, diminuir IPI, imposto sobre produtos de linha branca é usar dos tributos para fins extrafiscais.

A terceira função também nos leva a uma reflexão. Quando trabalhamos com a função fiscal, trabalhamos com o Estado arrecadando para se manter. Isso é lógico. Depois tivemos uma virada em que o Estado passou a utilizar o tributo para intervir. Mas em ambas as hipóteses temos o interesse coletivo, porque quando o Estado arrecada para se manter, ele também presta serviço público. Quando arrecada para intervir, ele tem como princípio a aplicação de uma política pública. Manutenção de uma economia aquecida, por exemplo, quando resolve reduzir o IPI.

A terceira função é a parafiscal. Entidades que fazem às vezes do Estado e cobram tributo de determinadas pessoas para a manutenção de seus interesses próprios. Parece uma quebra de lógica. O tributo é para o bem da comunidade? Sim. Mas e as contribuições para fins específicos?

Art. 149:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

[...]

Temos que ver o que isso significa. É uma tributação paralela, em que o profissional paga um tributo para a manutenção de sua categoria. Exemplos clássicos: CRM, CRO, CRC, OAB.

Danielle é inscrita no CREA. Só poderá exercer a profissão de engenheira se estiver inscrita e, portanto, se pagar uma contribuição, obrigatoriamente. Qual a natureza jurídica dessa contribuição? É um tributo? É tarifa? É contrato? Poderíamos colocar em várias categorias. Mas o que Danielle paga para sua categoria possui natureza nitidamente tributária.

Mas isso é um tributo pago para o CREA? Aqui entra a função parafiscal. O CREA não é uma entidade de direito privado; é considerado, por lei, autarquia, e é da Administração Indireta da União. Assim como o INSS, o Bacen, a Funai. Portanto, quando a Constituição diz que a União instituirá esse tributo e a lei que o cria coloca o CREA para fiscalizar, estamos cumprindo a Constituição! Ela pagará voltada para o interesse exclusivo de sua profissão. É tributo, não é tarifa, não é preço público. Não é relação de direito privado, mas de direito público.

Quando fazemos um estudo mais aprofundado disso, vemos que a lei deslocou para uma entidade pública. Para comprovar isso, o professor trouxe uma jurisprudência em que isso é afirmado categoricamente.

AI 768577/SC

Ementa: Tributário. Agravo regimental em agravo de instrumento. Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e Agronomia do Estado de Santa Catarina. Autarquia. Contribuições. Natureza tributária. Princípio da legalidade tributária. Incidência. Anuidades. Correção monetária. Discussão infraconstitucional. Agravo improvido.

I – as contribuições devidas ao agravante, nos termos do art. 149 Da constituição, possuem natureza tributária e, por via de consequência, deve-se observar o princípio da legalidade tributária na instituição e majoração dessas contribuições. Precedentes.

II – a discussão acerca da atualização monetária sobre as anuidades devidas aos conselhos profissionais possui natureza infraconstitucional. Precedentes.

III - agravo regimental improvido.

Temos toda a liberdade para fazer as críticas com relação a esse tipo de participação, o que o professor entende válido, mas isso já está consolidado pela doutrina e pela jurisprudência, salvo raras exceções, que as contribuições para as categorias profissionais são de natureza tributária.

É aqui que entramos em outro imbróglio, que é a questão da OAB.

O STF possui entendimento de que a anuidade da OAB não possui natureza tributária. Por que isso acontece? Quando a Constituição diz que a União irá criar tributo para o interesse da categoria profissional, para fechar essa equação, precisaríamos ter a União, e também a categoria profissional em seu conceito como autarquia que se prende aos interesses da União. Deveria ser uma entidade da Administração Indireta. O advogado exerce o múnus público. Na administração da justiça, a Constituição é clara em relação ao advogado. É, também, a única instituição que tem legitimidade para propor ADI sobre qualquer tema.

Os legitimados para ADI são pessoas que coexistem para tutelar a higidez das normas sob o aspecto constitucional. Criou-se a figura de que a OAB serve para tutelar o advogado, mas também para manter a ordem constitucional. O CREA só atua no interesse do engenheiro e do arquiteto. Não pode a OAB ser considerada como Administração Indireta da União porque ela tem a função de defender a constitucionalidade, às vezes contra a própria União!

STF disse isso claramente, dizendo que é uma autarquia sui generis. Outras pessoas acham isso uma loucura. “Malabarismo jurídico! Cirque de Soleil republicano! Não vejo diferença entre meu CREA e a OAB!” Mas na Constituição tem diferença sim. O Tribunal notou as atribuições dessa entidade. O próprio Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026, afirmou também:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8. 906, 2ª PARTE. “SERVIDORES” DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA.

1. A Lei n. 8. 906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos “servidores” da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria

2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta

3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro

4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas “agências”

5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária

6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público

7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional

8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente

9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8. 906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB.

10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB.

11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade.

12. Julgo improcedente o pedido.

Significa que a OAB possui finalidade institucional! Por isso que não é de natureza tributária a contribuição devida à OAB.

O administrador é essencial à gestão, o advogado é essencial à justiça, o engenheiro à construção! Essa é a crítica deles.

Contribuição sindical

Esta é polêmica. É outra contribuição parafiscal. Erroneamente chamada de “imposto sindical”, porque não é imposto, mas contribuição. Há categorias que serão mantidas por essa contribuição. Temos duas vertentes: há dois tipos de contribuição sindical. Uma prevista na Constituição, outra na CLT. No art. 8º, inciso IV da Carta da República está dito que ninguém está obrigado a se associar a sindicatos. Mas quem se associar deverá pagar e se submeter às regras.

É uma contribuição tributária? Não, disse o Supremo. Tributo é compulsório, mas a relação sindical é contratual, entre partes.

Mas existe outra contribuição sindical que tem natureza tributária, e não interessa se você está sindicalizado ou não. Arts. 589 e 591 da CLT. Se é obrigatório, é de natureza tributária.

Art. 589. Da importância da arrecadação da contribuição sindical serão feitos os seguintes créditos pela Caixa Econômica Federal, na forma das instruções que forem expedidas pelo Ministro do Trabalho: (Vide Lei nº 11. 648, de 2008)

I - para os empregadores:

[...]

II - para os trabalhadores:

[...]

III - (revogado);

IV - (revogado).

§ 1º O sindicato de trabalhadores indicará ao Ministério do Trabalho e Emprego a central sindical a que estiver filiado como beneficiária da respectiva contribuição sindical, para fins de destinação dos créditos previstos neste artigo.

§ 2º A central sindical a que se refere a alínea b do inciso II do caput deste artigo deverá atender aos requisitos de representatividade previstos na legislação específica sobre a matéria.


Art. 591. Inexistindo sindicato, os percentuais previstos na alínea c do inciso I e na alínea d do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação serão creditados à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional.

No ano de 2009, alguns parlamentares queriam suprimir a contribuição sindical tributária. Seria um paradoxo, porque o sindicato deveria viver com o dinheiro de seus sindicalizados. Mas tudo tem uma explicação histórica, convença ou não; na época de Getulio, as organizações sindicais eram perseguidas, já que não havia a obrigatoriedade de representatividade única e havia sindicatos clandestinos. O mesmo no governo militar. Hoje há mais proteção aos sindicatos, mas isso se distorceu, porque presidentes de sindicato andam de avião particular como se fosse próprio.

A contribuição do art. 8º da Constituição não é tributo. A da CLT é.

Súmula 666 do STF:

Súmula 666 do STF – A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, iv, da Constituição, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.

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